ESA_logo.png

v. 29, n. 2, junho a setembro de 2021, p. 427-460
Recebido em 22 de fevereiro de 2021. Aceito em 3 de maio de 2021.



Reinvenção dos mercados da agricultura familiar no Brasil:

a novidade dos sites e plataformas digitais de comercialização em tempos de Covid-19

Reinvention of family farming markets in Brazil: the novelty of websites and digital marketing platforms in times of COVID-19

 

DOI: 10.36920/esa-v29n2-8

 

orcid_id.png  Marcio Gazolla[1]    |    orcid_id.png  Joacir Rufino de Aquino[2]




Resumo: O objetivo deste artigo é analisar o processo de reinvenção dos mercados da agricultura familiar brasileira durante a pandemia da Covid-19, especialmente as (re)conexões a partir de sites e plataformas digitais de comercialização de alimentos e produtos com consumidores urbanos. Para tanto, foi realizado um amplo levantamento de informações em 38 iniciativas distribuídas geograficamente em todas as regiões do país. O trabalho mostra que os novos canais de comercialização digital da agricultura familiar do Brasil são fortemente baseados em organizações coletivas, visam construir cadeias curtas locais e regionais e abastecem a população com alimentos in natura, agroindustrializados e ecológicos com atributos de qualificação variados.

Palavras-chave: agricultura familiar; cadeias curtas; comercialização; desenvolvimento rural; mercados digitais.

 

Abstract: The objective of this article is to analyze the process of reinvention of the markets for Brazilian family farming during the COVID-19 pandemic, especially the (re)connections from websites and digital platforms for marketing food and products with urban consumers. To this end, an extensive survey of information was carried out with 38 initiatives distributed geographically in all regions of the country. The work shows that the new digital marketing channels of family farming in Brazil are strongly based on collective organizations, aim to build short local and regional chains and supply the population with fresh, agro-industrialized and ecological food with varying attributes of qualification.

Keywords: family farming; short chain supply; commercialization; rural development; digital markets.

 

 

 

 

 

Introdução

Desde 2015 a economia do Brasil vem enfrentando problemas, com o baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), instabilidade da política macroeconômica, aumento do desemprego e da pobreza (ROSSI; DWECK; OLIVEIRA, 2018; MATTEI, 2020). A estes gargalos adiciona-se a (des)governança nos sistemas alimentares, marcada pela forte coordenação dos grandes capitais agroindustriais corporativos, prevalência de cadeias longas de distribuição, alta nos preços dos alimentos, abastecimento alimentar concentrado nos setores do atacado e varejo e ênfase no ultraprocessamento de produtos vendidos aos consumidores, gerando aumento da obesidade (PLOEG, 2008; LANG; HEASMAN, 2009; POPKIN; READSON, 2018; BAKALIS, 2020). Assim, a crise ensejada pela pandemia da Covid-19, a partir de março de 2020, já encontra o país em uma situação desfavorável, agravando o cenário vigente.

Segundo a FAO (2020), com a pandemia surgiram restrições e atrasos no transporte de mercadorias, bloqueios de estradas, fechamento de mercados e feiras, entre outros entraves, que afetaram, especialmente, os Agricultores Familiares (AFs). No caso brasileiro, conforme Del Grossi (2020), utilizando dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua) referentes ao mês de julho de 2020, metade dos AFs do país (51%) relataram diminuição de receita, com perda média de 35% da renda bruta familiar mensal. Outras limitações que atingiram o segmento foram provenientes da paralisação das compras públicas pelos mercados institucionais (a exemplo do Programa Nacional de Alimentação Escolar [Pnae], em virtude do cancelamento das aulas presenciais nas escolas), lockdown em algumas cidades, queda das compras pelos pequenos supermercados de bairro e diminuição da demanda de compradores e consumidores diretos de menor escala (HLPE, 2020).

Na mesma linha, o estudo coordenado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA apud BARBOSA, 2020), em 29 países da América Latina e Caribe (ALC), no mês de maio de 2020, identificou que 93% dos entrevistados apontaram impactos negativos sobre a produção. A maior parte dos agricultores (88%) afirmaram que os alimentos mais afetados foram grãos e cereais, hortaliças, frutas, raízes, tubérculos e carnes. Os AFs ainda relataram problemas como o fechamento de pontos de venda tradicionais (66%), falta de transportes (52%) e 42% informaram que enfrentaram dificuldades de acesso aos mercados.

Contudo, a pandemia não atingiu a todos os atores sociais que compõem o sistema alimentar da mesma forma. No que diz respeito aos AFs, grosso modo, existem pelos menos três grandes grupos sociais, que possuem reações e estratégias diferentes diante do atual contexto. Um primeiro grupo é formado pelos AFs que produzem grãos, commodities e estão com contratos de integração agroindustrial (suínos, aves, fumo e leite), para os quais os mercados durante a pandemia funcionaram quase normalmente, tanto o interno como o externo, embora com algum grau de ruído no caso dos frigoríficos que foram um dos focos de propagação do vírus (ABRAMOVAY, 2020). No outro extremo, estão os AFs pobres, que são mais da metade (53,68%) dos AFs do país (IBGE, 2019). Este grupo se caracteriza por baixa produção agropecuária, múltiplas carências de ativos e altos índices de vulnerabilidade social, o que torna sua sobrevivência dependente das políticas de transferência de renda do Estado e da pluriatividade (AQUINO et al., 2014; AQUINO; GAZOLLA; SCHNEIDER, 2018).

No meio destes dois grupos sociais extremos, estão os AFs que produzem uma grande diversidade de alimentos e produtos agropecuários, em pequena e média escala, comercializando os excedentes via mercados de proximidade social e territoriais. Estes foram os agricultores mais afetados pela pandemia, por terem sido expostos aos problemas citados nos parágrafos anteriores (SCHNEIDER et al., 2020). Entretanto, eles já vinham se organizando para o comércio eletrônico, juntamente com suas organizações sociais e, provavelmente, vão ampliar sua participação nos espaços virtuais de distribuição de alimentos, que se expandem em todos os setores.

De fato, com a crise sanitária, tem-se uma aceleração do processo de desenvolvimento dos chamados mercados digitais, que emergem como alternativa comercial criativa (DA COSTA, 2020; HLPE, 2020; KENNEY; SERHAN; TRYSTRAM, 2020; REARDON; SWINNEN, 2020). Por exemplo, a pesquisa de Cubides Zuñiga, Cubides Zuñiga e Lugo (2020), sobre as plataformas de vendas da agricultura familiar durante a pandemia da Covid-19 na América Latina e Caribe, evidencia esta realidade, pois identificou que aproximadamente 30% das vendas são realizadas pelos sites, que só ficam atrás de redes sociais como WhatsApp, que é a ferramenta tecnológica mais utilizada. No Brasil, porém, ainda se sabe pouco ou quase nada sobre essas novas dinâmicas.

Neste contexto, o objetivo do presente artigo é analisar o processo de (re)invenção dos mercados da agricultura familiar brasileira antes e durante a pandemia da Covid-19, especialmente as (re)conexões a partir de sites e plataformas digitais de comercialização de alimentos e produtos com consumidores e populações urbanas. Para tanto, em termos metodológicos, foi realizado um amplo levantamento de várias experiências de comercialização digital existentes no país, elencando oito (8) variáveis para a investigação em 38 sites e plataformas que foram selecionados no âmbito nacional, buscando evidenciar como funciona esta novidade comercial dos AFs e das suas organizações coletivas.

A estrutura do trabalho está organizada em mais três seções, além desta introdução e das considerações finais. Na segunda seção revisa-se alguns estudos sobre mercados, cadeias curtas e novidades na AF. A terceira seção apresenta a metodologia adotada para coletar e sistematizar os dados, destacando as variáveis trabalhadas e os principais caminhos seguidos na pesquisa. Já a quarta e última seção discute e analisa os resultados da investigação dialogando com a literatura especializada e com os fatos marcantes da conjuntura atual da agricultura e da economia brasileira.

 

Mercados, cadeias curtas agroalimentares e a novidade dos canais de comercialização digitais da agricultura familiar

A agricultura familiar, como forma específica de produção e trabalho nos espaços rurais, pode ser entendida como um grupo social que compartilha um mesmo espaço (não necessariamente uma habitação) e explora em comum uma unidade de produção em uma área de terra específica. Esse coletivo está ligado por laços de parentesco e consanguinidade entre si, podendo a ele pertencer, eventualmente, outros membros não consanguíneos (SCHNEIDER, 2003). Adicionalmente a estas características, autores como Abramovay (1998) e Ploeg (2008) reiteram a capacidade da agricultura familiar de se relacionar com os mercados e sua predisposição em acompanhar os principais avanços técnicos a partir dos conhecimentos científicos.

A participação dos AFs nos processos de troca, visando escoar sua produção de fibras, matérias-primas e alimentos para o abastecimento das cidades, é uma das estratégicas econômicas clássicas de sua relação com a sociedade (VEIGA, 1991). Isso ocorre a partir da construção social de mercados e canais de comercialização dos agricultores familiares com os diferentes atores sociais atuantes no sistema alimentar, desde intermediários, indústrias, cooperativas, varejistas, consumidores, entre outros. Alguns estudos ainda reiteram que o futuro destes mercados será sua (re)localização, pois entendem que a tendência no século XXI será a comida artesanal, diversificada, adaptada aos locais específicos e baseada nas relações sociais de reciprocidade (PRA et al., 2016; ALBALA, 2017).

Segundo Schneider (2016), os mercados são relações sociais, que se estabelecem entre agentes econômicos que podem ser produtores ou consumidores, que têm interesse em transacionar bens, mercadorias, recursos ou outros ativos. A existência de uma relação de mercado pressupõe a existência de trocas que, em geral, são motivadas por múltiplos interesses dos agentes. Os mercados fazem parte dos processos sociais de produção e reprodução das atividades econômicas e das unidades familiares, influenciam a vida das pessoas, seus valores e sua cultura, moldam e modificam instituições e são motivo para conflitos, protestos e disputas. Na medida em que as relações e as interações sociais passam a ocorrer por meio da mediação dos mercados, estes assumem um papel decisivo na organização do cotidiano econômico e da sociabilidade, influenciando atitudes, valores e a ação individual.

Em relação às iniciativas de agricultura familiar, conforme a Figura 1, é possível classificar os mercados em quatro tipos: os mercados de proximidade social, territoriais, públicos e convencionais. Nos mercados públicos, estariam políticas governamentais conhecidas no Brasil como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Os mercados convencionais seriam aqueles que transacionam commodities agrícolas. Nestes dois tipos de mercados a característica principal é que os atores sociais atuantes, como os agricultores familiares, possuem pouca autonomia e muita dependência comercial, tendo em vista que as regras e normas de funcionamento são ditadas por outros atores sociais com mais poder. No caso dos mercados convencionais, por exemplo, grandes empresas agroindustriais controlam as cadeias de comercialização. Já nos mercados públicos, o papel principal cabe ao Estado, que pode destinar mais ou menos recursos para estas iniciativas, bem como modificar as regras de regulação das trocas.

 

Figura 1 – Tipos de mercados para a agricultura familiar

ESA29-2_08_figura01PNG.png

Fonte: Schneider (2016).

 

Para os agricultores manterem-se com maior grau de autonomia e menos dependência nos mercados, é estratégico priorizar os mercados territoriais e de proximidade social, pois são nestes em que se consegue atuar por meio cadeias curtas alimentares, nested markets e mercados regionais (WILKINSON, 2008). Nesta direção, Gazolla e Schneider (2017) explicam que as cadeias agroalimentares curtas de abastecimento são expressão da vontade dos atores envolvidos em uma cadeia de valor, objetivando construir novas formas de interação entre produção e consumo, mediante o resgate da procedência e da identidade dos produtos, assentada não apenas em critérios de preço, mas também em valores sociais, princípios e significados simbólicos, culturais, éticos e ambientais. A definição de cadeias curtas resgata, portanto, uma dimensão central das economias de proximidade e de escopo que se refere ao papel da geografia e da interação entre espaço e atividade econômica.

A partir do exposto, o objeto de estudo deste trabalho, os sites e as plataformas digitais de vendas de alimentos e produtos da agricultura familiar podem ser definidos como um tipo específico de canal de comercialização local e regional que estaria imerso (embeddedness) nos mercados de proximidade e/ou territoriais (BELLETTI; MARESCOTTI, 2020). Assim compreendidos, estes mercados podem ser definidos como uma cadeia curta alimentar entre a produção dos agricultores familiares, diretamente escoada e que abastece os consumidores e compradores urbanos, em que a interface não é mais somente social, mas tecnológica (sociotécnica), haja vista que as transações e (re)conexões entre atores sociais são mediadas por dispositivos inovativos baseados nas novas Tecnologias de Informação e Comunicação – TICs (PLOEG, 2008; BOS; OWEN, 2016; REARDON; SWINNEN, 2020).

Esta nova modalidade de cadeia curta alimentar, ancorada em ferramentas digitais, é considerada uma novidade comercial construída pelos atores sociais inseridos nas iniciativas juntamente com os agricultores familiares, que foi acelerada pela crise sanitária (KENNEY; SERHAN; TRYSTRAM, 2020; DA COSTA, 2020). As novidades são definidas como novas práticas dos atores que, em interações com os diferentes tipos de conhecimentos e experiências de outros, constroem soluções sociotécnicas criativas em seus contextos locais, visando melhorar ou resolver problemas que afetam rotineiramente sua vida social ou seus processos de trabalho. Igualmente, as novidades ressaltam a agência dos atores nos processos criativos em que estes assumem atitudes proativas nos processos de construção social das novas práticas e técnicas. Elas são multifacetadas, podendo constituir-se de vários tipos: uma nova rede social, mercados, tecnologias, conhecimentos diferentes, novos produtos e processos, serviços inovadores, cooperativas, entre outros (WISKERKE; PLOEG, 2004; GAZOLLA, 2020).

Outro conjunto de estudos reitera algumas das características das novidades anteriormente definidas. A primeira delas é o caráter inovador, uma vez que, na história dos agricultores familiares e de suas organizações sociais, esta forma (digital) de comercializar a produção de alimentos não era utilizada, sendo a maioria das iniciativas recentes, com menos de cinco anos, e as demais estavam em teste e/ou foram aceleradas com a pandemia da Covid-19 (SCHWANKE, 2020; SCHNEIDER et al., 2020). Antes, a interação entre os atores nos mercados locais e territoriais, geralmente desenvolvia-se pela proximidade socioespacial. Agora, com a venda on-line, a interação é mediada pelas TICs, em que os AFs têm que ser hábeis em demonstrar sua reputação na produção de alimentos, entender de marketing e comunicar claramente as formas de qualificação alimentar, para que os consumidores sejam atraídos até as plataformas e adquiram os alimentos, além de fidelizá-los (CARVALHO; SANTOS; CARVALHO, 2015; DEPONTI et al., 2020).

Ademais, a pesquisa de Alvear et al. (2020), com agricultores ligados ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Rio de Janeiro, exemplifica que o uso de ferramentas digitais como um site diminui o trabalho ‘manual’ dos AFs na separação de pedidos dos clientes e gera aumento do volume de vendas dos alimentos. O uso de sites também propicia informações aos AFs para que planejem sua produção futura, em função do conhecimento do histórico das vendas nos mercados onde atuam.

Do lado da demanda, os resultados aparecem na forma de facilidade e simplicidade para a aquisição dos produtos num site, afora a comodidade de recebê-los em casa (CARVALHO, 2015; ALVEAR et al., 2020). Outro levantamento sobre a plataforma digital Comida da Gente, no Rio de Janeiro, concluiu que a tecnologia facilita o consumo consciente de orgânicos. Porém, apontou que há necessidades de adaptações dos clientes a estas novas possibilidades de consumo (ARAGÃO, 2019). Por sua vez, Schwanke (2020) verificou que a demanda por compras relativas ao comércio eletrônico de alimentos da agricultura familiar é bem maior do que a capacidade de oferta, evidenciando que se existisse mais disponibilidade de alimentos vendidos on-line ou sites oferecendo-os, os consumidores realizariam mais compras.

Em síntese, a comercialização digital de alimentos e produtos da agricultura familiar parece ser uma realidade também em expansão no Brasil. Contudo, há ainda poucas evidências sistematizadas sobre o tema, sendo que a maioria dos trabalhos existentes se limita à discussão sobre o uso das TICs no agronegócio, em áreas como biotecnologia, recursos naturais e mudanças climáticas, segurança fitossanitária, transferência de tecnologia e usos das tecnologias digitais na agricultura familiar (BOS; OWEN, 2016; MASSRUHÁ; LEITE, 2016; DEPONTI; KIST; MACHADO, 2017). Tal fato representa uma lacuna importante nos estudos rurais brasileiros, principalmente levando em conta a expansão recente desta novidade durante a pandemia da Covid-19, bem como seu potencial estratégico para o fortalecimento dos AFs.

 

A prospecção do tema da pesquisa e o desenho metodológico da investigação

A ideia de mapear e caracterizar os canais de comercialização digitais da agricultura familiar data do começo da crise da Covid-19 no Brasil, pois com ela iniciou-se a publicação de várias reportagens na imprensa nacional sobre os efeitos da pandemia nos mercados alimentares. Analisando preliminarmente algumas destas matérias, observou-se que os segmentos mais afetados eram os agricultores familiares, que comercializam alimentos e produtos em esferas territoriais locais e/ou regionais. Esta evidência geral, somada à lacuna mencionada anteriormente nos estudos sobre o tema, foi a principal motivação para a realização da pesquisa que balizou este artigo, a qual foi dividida em diferentes etapas.

Em princípio, buscou-se na internet por sites e plataformas digitais que comercializassem alimentos e produtos dos agricultores familiares. Chegou-se ao número de 50 sites e plataformas de vendas. Esta pesquisa foi realizada usando-se as seguintes expressões: “vendas de alimentos on-line, sites e plataformas, agricultura familiar”; “vendas de alimentos, sites e plataformas, agricultura familiar”; “comercialização, agricultura familiar, sites e plataformas”; “mercado, agricultura familiar, sites e plataformas”; “orgânico e agroecológico, comercialização, agricultura familiar, sites e plataformas”; “produtos orgânicos e agroecológicos, comercialização da agricultura familiar, sites e plataformas”.

Na sequência, foi realizada uma consulta aos sites e plataformas selecionados, no sentido de verificar as informações, dados e números que poderiam ser trabalhados na pesquisa. Desta primeira análise (mais superficial) dos sites e plataformas, foram construídas oito (8) variáveis exploradas no artigo, descritas no Quadro 1, as quais constituíram o banco de dados das experiências de comercialização estudadas.

Vale ressaltar que nem todas as variáveis foram encontradas integralmente no conjunto de sites e plataformas pesquisados. Alguns possuíam muito destacados os tipos e números de alimentos ofertados (in natura, artesanais, agroindustrializados, ecológicos,[3] entre outros), mas não os ‘princípios’ ou ‘ideias-força’ de sua criação. Outros possuíam sua história/origem clara, porém não descreviam quantos AFs e outros empreendimentos em números compunham a experiência de comercialização digital.

 

Quadro 1 – Variáveis investigadas nos sites e plataformas de comercialização da agricultura familiar no Brasil, 2020

ESA29-2_08_quadro01.jpg

Fonte: Elaboração dos autores (2020).

 

Desta análise desenvolvida preliminarmente, concluiu-se que não era possível a investigação dos 50 sites e plataformas previamente levantados. Os motivos de exclusão de 12 experiências de comercialização estão elencados no Quadro 2 e referem-se principalmente: a) aos sites e plataformas comercializarem outros produtos dos AFs de forma predominante (produtos não alimentares), fugindo do objetivo proposto na pesquisa que era a investigação das estratégias digitais de vendas de alimentos dos AFs; b) a sites que possuíam públicos mistos, por exemplo, o portal da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que agrega AFs à agricultura empresarial (predominante no portal); c) a outros sites que não apresentavam informações ou não estavam claras em relação as oito variáveis investigadas mostradas no Quadro 1; e d) ao fato de que muitos sites eram aplicativos ou remetiam a números de WhatsApp, sem informações e dados que poderiam ser explorados cientificamente segundo as variáveis arroladas.

 

Quadro 2 – Critérios de inclusão e exclusão dos sites e plataformas na amostra da pesquisa, 2020

ESA29-2_08_quadro02.jpg

Fonte: Elaboração dos autores (2020).

 

Com efeito, da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão mencionados, resultaram os 38 sites e plataformas digitais selecionados para a investigação, que estão descritos no Quadro 3, com sua respectiva localização no território nacional. Note-se que as experiências ou novidades selecionadas estão distribuídas em várias Unidades da Federação (UFs), sendo representativas da diversidade regional que caracteriza a agricultura familiar brasileira.

 

 

 

 

Quadro 3 – Sites e plataformas pesquisados e localização no território brasileiro, 2020

ESA29-2_08_quadro03.jpg

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados da pesquisa (2020).

 

Após a definição da amostra, o passo metodológico seguinte, durante os meses de julho e agosto de 2020, consistiu na análise dos sites e plataformas de forma mais aprofundada. Isto foi feito, por um lado, mediante a leitura de todos os menus e ícones contidos neles, examinando o conteúdo segundo as oito variáveis já descritas no Quadro 1. Por outro lado, também buscou-se levantar informações e dados quantitativos presentes nos sites e plataformas, como o número de AFs, empreendimentos, tipos e quantidades de alimentos e produtos ofertados. Desta forma, a investigação desenvolve-se com equilíbrio entre a análise quali-quantitativa dos dados e as informações disponíveis. Os principais achados do levantamento realizado são apresentados e discutidos a seguir.

 

Características dos novos mercados digitais da agricultura familiar brasileira durante a crise sanitária da Covid-19

Como visto anteriormente, os mercados digitais da agricultura familiar se expandem pelo mundo afora e representam um canal de vendas importante em tempos de pandemia da Covid-19 (SCHNEIDER et al., 2020). No Brasil, estas novidades surgiram de múltiplas fontes e têm características variadas. Conforme observado na Tabela 1, a principal motivação para a criação das experiências, com 25,43% das respostas identificadas, está associada à busca de novas (re)conexões entre a produção e os consumidores de alimentos. Esta forma de comercialização é o que a literatura tem chamado de cadeias curtas agroalimentares ou mercados de proximidade (WILKINSON, 2008; RENTING; MARSDEN; BANKS, 2017; GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017).

Tais tipos de mercados, especificados na segunda seção deste artigo, se caracterizam pela proximidade social e espacial entre agricultores familiares e consumidores urbanos, maior grau de autonomia produtiva e comercial e maiores níveis de sustentabilidade ambiental nas práticas agrícolas adotadas. Também são chamados de mercados que (re)conectam os consumidores com a natureza, os alimentos e a saúde e nutrição, pois privilegiam uma interação aproximada, simbiótica entre produção-consumo e processos sociais que fortalecem a confiança entre os participantes dos processos de trocas (PLOEG, 2008; SOUZA; CALDAS, 2018). A novidade atual, vale reforçar, é que a interface de construção social destes mercados passa a ser tecnológica ou sociotécnica, a partir da interação entre atores sociais em sites e plataformas no decorrer da pandemia (BOS; OWEN, 2016; KENNEY; SERHAN; TRYSTRAM, 2020; REARDON; SWINNEN, 2020).

Nesta direção, levantamento da Emater de Minas Gerais (2020) também verificou que, em 88% dos casos, a produção dos AFs escoada pelos canais virtuais era entregue diretamente aos consumidores, reforçando os dados ora encontrados. Já o estudo de Carvalho (2015), que analisou o uso do e-commerce nas organizações da AF, concluiu em direção oposta. A autora relata que a falta da interação face a face dificulta as transações, em razão da desconfiança entre os atores sociais, especialmente em relação às incertezas do ambiente on-line e à dificuldade de se avaliar a qualidade dos produtos adquiridos (não se pode tocá-los, olhá-los ou cheirá-los). Provavelmente, parte dessas dificuldades foi contornada no período da pandemia, uma vez que as medidas de isolamento social e os riscos de contaminação tendem a induzir os consumidores a flexibilizarem seus hábitos de compra em favor dos mercados digitais.

A outra origem dos sites e plataformas é formada por uma diversidade de aspectos multifacetados, que perfazem 16,94% das observações encontradas. Na lista desses aspectos aparece um conjunto variado de motivações para formalizar experiências da agricultura e agroindústria familiar, a própria pandemia da Covid-19 (explicitada claramente em três sites), a busca de relações mais igualitárias de gênero e juventude, a tentativa de melhoria dos processos de geração de renda dos AFs, o estimulo à participação política dos atores e a promoção da produção dos AFs com selo Senaf (Selo Nacional da Agricultura Familiar).

 

Tabela 1 Principais motivações para o surgimento das iniciativas de comercialização digital da agricultura familiar no Brasil, 2020

ESA29-2_08_tabela01.jpg

* A maioria dos sites e plataformas digitais estudados elenca mais de um motivo para sua criação. Dessa forma, o total de observações supera o número geral da amostra (38).

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da pesquisa (2020).

         

Muitas experiências de comercialização digital da AF também se originaram de ações públicas do Estado, em vários níveis territoriais, perfazendo 15,26% das indicações nos sites. Destacam-se as políticas públicas para a AF, por exemplo, as vendas para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), as políticas estaduais como as de Arranjos Produtivos Locais (APLs), as políticas municipais, especialmente as formuladas por Secretarias de Agricultura, os estímulos de órgãos de assistência técnica e extensão rural (Ematers), a atuação de universidades e institutos federais e estaduais na criação e manutenção de plataformas, processos de geração de novos negócios e incubação de startups e o próprio portal criado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em âmbito nacional, mas com pouca adesão dos AFs.

Na esfera internacional, o estudo de Odame e Alemu (2018) também reforça a importância de haver políticas públicas e parcerias público-privadas de apoio a constituição e manutenção de iniciativas de comércio digital na agricultura. Entretanto, o trabalho de Ehlers, Huber e Finger (2021) sobre as políticas públicas para a digitalização da agricultura na União Europeia não aponta a comercialização de produtos e alimentos como área fundamental de avanço das novas tecnologias. Os autores encontraram como principal resultado o fato de que a digitalização avança mais sobre o que se chama de “agricultura de precisão”, no monitoramento de resíduos agrícolas pelos governos visando aumento da sustentabilidade na utilização de produtos químicos (nitratos, pesticidas, entre outros), podendo baixar os custos de transação de algumas atividades agropecuárias, embora o alcance da digitalização não seja possível de modo igualitário para todos os agricultores e grupos sociais.

Ainda em relação à gênese dos mercados digitais da AF, em menores percentuais na Tabela 1, 11,86% das motivações identificadas se referem à busca de maiores níveis de sustentabilidade ambiental das práticas produtivas e comerciais, bem como fornecer alimentos ecológicos aos consumidores. Com esta mesma participação aparece também a oferta de conhecimentos sobre a produção e a necessidade de aumentar os níveis de agregação de valor aos alimentos comercializados. Pode ser verificado que 10,17% das observações registradas na referida tabela sinalizam que muitas iniciativas nasceram da necessidade de conhecimentos da origem dos alimentos na cadeia de produção, somada à ideia de um consumo mais responsável e uma alimentação saudável. Outros 8,48% das indicações coletadas mencionam que a criação dos sites e plataformas ocorreu somente pela motivação de comercializar seus alimentos e produtos com mais facilidades, abrindo um novo canal de vendas, especialmente depois do início da crise sanitária da Covid-19.

Neste sentido, vale ressaltar que aproximadamente 30% da amostra selecionada menciona a pandemia em seus conteúdos e menus, embora não deixem explícito se ela realmente foi o motivador da sua criação. Apenas três dos 38 sites analisados afirmam claramente que a pandemia os fez usar a estratégia digital de vendas de alimentos. A maioria das plataformas já existia antes da pandemia e outras estavam em elaboração pelos atores sociais, sendo que, com a deflagração da crise do coronavírus, estes processos foram acelerados de forma a torná-las utilizáveis rapidamente para suprir as necessidades de escoamento da produção dos agricultores.

Uma segunda variável investigada foram as ideias-força, princípios, missão e objetivos expostos pelos atores que formam a governança social e a coordenação das iniciativas, como apresentado, a seguir, na Tabela 2. Em primeiro lugar, com mais de 1/3 do percentual (36,06%) destacam-se aspectos relativos às preocupações com a sustentabilidade ambiental, que é mencionada tanto em termos de pensar processos de desenvolvimento sustentável, mas também propondo (re)conectar a produção ao consumo sustentável. A maioria das iniciativas menciona como objetivo/princípio/missão expressões como ‘produção sustentável’ e/ou ‘consumo sustentável’. Tais preocupações estão alinhadas de maneira paradigmática com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas, mostrando certa sintonia com a Agenda 2030 internacional (FAO, 2020; HLPE, 2020).

Em segundo lugar, com ¼ do percentual (24,60%), aparecem como objetivos das experiências o incentivo a formas de comercialização que se baseiam no comércio justo e na economia solidária. Em terceiro lugar, estão valores sociais e princípios ligados à cooperação dos atores sociais nas experiências, com percentual de 14,75% (participação social, confiança, autogestão, união, transparência e ética). Estes dois conjuntos de fatores são muito próximos e podem ser explicados pelo grande número de sites e plataformas que possuem como forma de organização social associações e cooperativas, conforme demonstrado adiante no texto. Logo, pode-se dizer que se somados por este viés da ação coletiva, aproximadamente 40% dos princípios/objetivos estão ligados ao ideário da cooperação.

 

Tabela 2 – Ideias-força/princípios/missão/objetivos dos atores e da governança social que coordenam os sites e plataformas digitais estudados no Brasil, 2020

ESA29-2_08_tabela02.jpg

* A maioria dos sites e plataformas digitais estudados elenca mais de uma resposta para a variável pesquisada. Dessa forma, o total de observações supera o número geral da amostra (38).

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da pesquisa (2020).

 

Com menores percentuais na Tabela 2, entre as ideias-força e princípios em que se baseiam as experiências, estão as preocupações no que se refere ao consumo consciente e à ‘comida boa’ (9,83%), à melhoria da renda e da qualidade de vida dos agricultores e consumidores (9,83%) e outros princípios e objetivos, com 4,93% (melhorar a comercialização e serviços da AF, apoiar processos de desenvolvimento regional e garantir a segurança dos consumidores). Tanto os princípios concernentes ao consumo quanto os que versam sobre a melhoria da qualidade de vida dos atores, especialmente por uma alimentação mais saudável, dirigem-se no sentido do conceito de consumidor politizado e reflexivo em relação às suas escolhas e aos gastos com alimentação, como várias pesquisas têm ressaltado (SOUZA; CALDAS, 2018; PORTILHO, 2020).

Outra questão indagada no estudo foi a forma de organização social que os atores possuíam para propor sites e plataformas, segundo a tipologia de formatos organizativos expostos na Tabela 3. O formato cooperativo se sobressai em mais da metade das observações existentes (52,63%), sendo formado pelos percentuais de três conjuntos: cooperativas (27,03%), associações (18,92%) e centrais de cooperativas (8,11%). Este formato das plataformas digitais de comercialização se justifica em razão dos altos custos de construção e manutenção que um site privado iria impor a iniciativas individuais dos agricultores, tanto que apenas três experiências da amostra conseguiram colocar em operação uma plataforma individual (CARVALHO; SANTOS; CARVALHO, 2015; ODAME; ALEMU, 2018). Para Belik (2020), as plataformas digitais coletivas possuem menores custos de transação para as organizações envolvidas e os custos de logística e distribuição são mais bem divididos entre os atores sociais se as experiências forem geridas por cooperativas ou ONGs no âmbito local.

Afora os aspectos mencionados, boa parte dos agricultores não tem acesso às tecnologias da informação nos espaços rurais. Segundo o Censo Agropecuário2017 (IBGE, 2019), aproximadamente 3,64 milhões de estabelecimentos agropecuários não possuem internet no Brasil, o que corresponde a 71,8% dos agricultores. Além disso, não basta possuir acesso à rede mundial, é preciso saber usá-la para gerir os sites e plataformas, bem como possuir aparelhos eletrônicos (smarthphones, notebooks e desktops) adequados para tal, duas coisas que a maioria dos AFs não domina e necessita de organização coletiva e formação para uso e conhecimento das tecnologias (DEPONTI et al., 2020; DEPONTI; KIST; MACHADO, 2017; CORBARI; GREGOLIN; ZONIN, 2018).

 

Tabela 3 Formas de organização social dos atores em relação aos sites e plataformas estudados no Brasil, 2020

ESA29-2_08_tabela03.jpg

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da pesquisa (2020).

 

Por sua vez, está crescendo o espaço social ocupado pelo cooperativismo, especialmente na agricultura familiar. Ainda de acordo com o Censo Agropecuário 2017 (IBGE, 2019), 579 mil estabelecimentos rurais estão associados a cooperativas, perfazendo 11,4% do total do país. Destes, cerca de 410 mil são estabelecimentos de AFs, o que corresponde a 71,2% do total de associados, evidenciando ser um traço marcante a cooperação entre os AFs, inclusive, em suas estratégias de comercialização digitais, como os dados elencados aqui evidenciam. Outras estratégias de organização social desenvolvidas por instituições públicas estão em 18,42% dos casos estudados. Geralmente, são políticas públicas em vários níveis territoriais (municipal, estadual ou federal), como Arranjos Produtivos Locais (APLs), participação de universidades e institutos federais. Esta informação corrobora os achados da pesquisa de Carvalho, Santos e Carvalho (2015), em relação às estratégias cooperativadas da Rede Brasil Rural, evidenciando que os AFs de forma isolada não possuem recursos para construção de iniciativas de comercialização digital, necessitando do apoio institucional do Estado em quase 20% dos casos.

De fato, apenas 15,79% das experiências sistematizadas na Tabela 3 foram propostas em formatos individualizados, sendo sua constituição coordenada por um empreendimento privado ou pela presença de uma startup, enquanto novo modelo de negócio está voltado para a comercialização dos alimentos dos AFs. Com efeito, este tipo de formato organizacional empresarial tem ganhado fôlego no Brasil, como é o caso da Raízs, um aplicativo de delivery de produtos orgânicos que no ano de 2019 faturou R$ 4,7 milhões e projetou ganhos de R$ 20 milhões em 2020 (FONSECA, 2020). Por fim, formatos organizativos via grupos de consumo foram encontrados apenas em um caso. Já os propostos por movimentos sociais e mistos não apareceram na pesquisa, possivelmente por estes atores sociais ainda não estarem organizados ou priorizando as estratégias digitais para comercialização de seus alimentos e produtos.

A pesquisa de Cubides Zuñiga, Cubides Zuñiga e Lugo (2020), sobre as plataformas de vendas da agricultura familiar durante a pandemia da Covid-19, identificou dados parecidos a esta investigação. As autoras afirmam que há três frentes principais das iniciativas, sendo que 32% dos casos compreendem relações entre AFs com associações e cooperativas, 29% com agentes públicos (governos e universidades) e 27% com agentes privados (empresas). O restante das observações estava agregada numa rede mista (agentes públicos, privados e organizações internacionais), representando 12% dos casos estudados.

É importante sublinhar que a distribuição geográfica dos mercados digitais da agricultura familiar não é homogênea no território nacional. Na Tabela 4 observa-se que as Regiões Nordeste e Sul lideram as iniciativas, com 36,85% e 31,57%, respectivamente. As duas regiões se somadas perfazem mais de 68% dos sites e plataformas investigados. Em terceiro lugar, aparece a região Centro-Oeste, com quase 1/5 das iniciativas (18,42%) e a Região Sudeste, com 13,16%. Na Região Norte, por sua vez, não foi identificada nenhuma experiência na amostra, embora um dos canais de comercialização digitais analisados se chame AmazôniaHub, mas sua localização está na cidade de São Paulo (Quadro 3).

 

Tabela 4 Distribuição macrorregional das iniciativas de mercados digitais no território brasileiro, 2020

ESA29-2_08_tabela04.jpg

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da pesquisa (2020).

 

Esta distribuição espacial dos sites de comercialização on-line da AF, concentrada nas Regiões Nordeste e Sul, segue sua distribuição macrorregional no território nacional. Isto porque, dos 3.897.408 estabelecimentos totais da AF (correspondendo a 76,83% do total de estabelecimentos rurais em 2017), quase metade estão localizados na Região Nordeste (47,18%), seguida pelas Regiões Sudeste (17,6%) e Sul (17,08) com valores muito próximos. As outras regiões, Norte e Centro-Oeste, aparecem com percentuais menores, 12,33% e 5,72%, respectivamente (IBGE, 2019).

Note-se que no Centro-Oeste, onde se concentra o menor número de AFs, fica na terceira colocação em relação à comercialização on-line (Tabela 4). Alguns estudos sugerem que essa aparente contradição pode ser explicada pela dinâmica tecnológica da agropecuária nesta região e o empreendedorismo dos agricultores no uso das novas TICs (MASSRUHÁ; LEITE, 2016). Já no caso da Região Norte, as organizações sociais e AFs estão em comunidades isoladas, com pouco acesso à internet, distantes dos principais mercados consumidores de alimentos e com dificuldades logísticas, o que limita sua capacidade de empreender na construção de portais digitais de comercialização (GRISA et al., 2009). Isso não quer dizer que os mercados digitais não existam nesta área, pois os AFs podem estar utilizando-se de outros formatos digitais de vendas não captados pela investigação (WhatsApp, Facebook e Instagram).

Além da distribuição espacial no território brasileiro, analisou-se os tipos de alimentos e produtos ofertados nos sites e plataformas da AF, como apresentado nas Tabelas 5 e 6. A Tabela 5 elenca apenas os dois tipos ou grupos principais de alimentos e produtos que estão sendo vendidos pelas experiências, sendo que, em cinco casos, o site apresentava apenas um tipo de alimento ou produto. Os produtos ofertados também foram analisados seguindo uma divisão em: alimentos ecológicos ou in natura, produtos agroindustrializados ecológicos ou artesanais, bebidas ecológicas ou não, outros produtos e artesanato, de maneira a criar uma tipologia dos alimentos e produtos ofertados digitalmente.

De acordo com o resultado do levantamento, destaca-se com ¼ do percentual (26,76%), os alimentos com origem ecológica como predominantes nas experiências. Se somados os demais percentuais de alimentos agroindustrializados (25,36%) com as bebidas ecológicas (1,41%), chega-se a mais da metade do percentual (53,53%) dos alimentos e bebidas que possuem diferenciais ambientais. Estudo de Alvarez et al. (2018) sobre a Plataforma Cantasol, em assentamentos da região de Sinop/MT, evidenciou que o canal de comercialização direto entre produtores e consumidores foi importante para a difusão regional da agroecologia e o aumento de renda dos assentados, que ganhavam por semana/família de R$ 400,00 a R$ 600,00.

Agregando os percentuais, observa-se que a categoria alimentos, sejam ecológicos (26,76%) ou in natura (18,31%), perfazem 45,07%, evidenciando o potencial da agricultura familiar na produção e comercialização de comida para a sociedade. Por seu turno, agregando todos os alimentos e mais os agroindustrializados ecológicos ou não, atinge-se o percentual de mais de 90% dos itens identificados nas plataformas que se voltam à venda de alimentos.

 

Tabela 5 Dois principais tipos ou grupos de alimentos e produtos ofertados pelas experiências de mercados digitais no Brasil, 2020

ESA29-2_08_tabela05.jpg

* Cinco sites e plataformas apresentaram somente um tipo de alimento e produto principal comercializado. Por conta disso, a soma é 71 e não 76 como seria, se cada site tivesse dois tipos de alimentos e produtos principais.

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da pesquisa (2020).

 

Outro grupo de alimentos bastante relevantes são os agroindustrializados pela AF, sendo que os que possuem distinção ecológica perfazem 25,36% e os que são originários de agroindústrias sem esta distinção ambiental (nomeados de artesanais) atingem 21,13%.[4] Quando somados, estes dois percentuais alcançam 46,49%, quase a metade dos tipos de alimentos expostos nas vitrines virtuais. Com menor participação de comercialização nos sites, aparecem as bebidas (2,81%) e outros produtos (2,81%), seguidos pelas bebidas ecológicas (1,41%) e pelo artesanato (1,41%).

Na sequência, a Tabela 6 apresenta os números dos alimentos e outros produtos ofertados nos sites, conforme estes os apresentavam por ocasião da análise (julho e agosto de 2020). Um primeiro dado que chama a atenção é o total de alimentos e produtos nos sites, 8.264 itens que, divididos pelas 38 experiências investigadas, resultam numa média de mais de 200 alimentos e produtos ofertados por unidade. Evidentemente, muitos destes alimentos e produtos são os mesmos em vários sites, devendo ser relativizada esta informação referente ao total médio de itens nas plataformas. Também deve-se considerar que algumas experiências puxam os dados para cima. Por exemplo, a Cirandas oferta mais de 1.700 alimentos ecológicos, enquanto outros possuem escala reduzida, como a Bahia Cacau, com apenas nove produtos agroindustrializados, mas com alto valor agregado ao cacau em formas puras.

 

Tabela 6 Quantificação dos principais grupos de alimentos e produtos ofertados nos mercados digitais estudados no Brasil, 2020

ESA29-2_08_tabela06.jpg

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da pesquisa (2020).

 

Compete frisar que a oferta de alimentos in natura foi registrada em 30,27% das iniciativas, quase 1/3 do que é disponibilizado nos sites. Geralmente, são frutas, verduras, raízes, tubérculos, grãos e cereais. Em seguida aparecem os produtos agroindustrializados artesanais com 21,99% das observações, geralmente mel, queijos, embutidos, panificados, doces de frutas, cacau e conservas vegetais. Somados, estes dois percentuais atingem mais da metade de todos os alimentos e produtos ofertados nestes mercados digitais (52,26%). Por seu turno, considerando somente a categoria alimentos, em que os alimentos in natura (30,27%) e os ecológicos (15,19%) totalizam quase metade do que é ofertado (45,46%), percebe-se a relevância deste tipo de item diferenciado nas experiências.

Outra maneira de visualizar as informações da Tabela 6 é focalizando apenas em termos de alimentos ecológicos. Neste sentido, se somados os percentuais de alimentos (15,19%), agroindustrializados (12,51%) e bebidas (9,53%), tem-se quase 40% dos alimentos e produtos comercializados com diferenciais de sustentabilidade ambiental. Analisando exclusivamente os alimentos artesanais que proveem das agroindústrias familiares e possuem maior valor agregado em razão da transformação alimentar, estes perfazem 21,99% dos itens ofertados e os agroindustrializados com diferenciais ambientais mais 12,51%, totalizando, quando agregados estes dois dados, cerca de 1/3 do total do que é colocado para comercialização nos sites, evidenciando a importância que as agroindústrias familiares possuem nestes novos mercados on-line da agricultura familiar.

Finalmente, há o grupo das bebidas ecológicas (9,53%) e das demais bebidas (5,28%), alcançando quase 15% dos itens expostos à venda pelas experiências. Na maioria dos casos, este grupo é formado por refrigerantes naturais, kombuchas, vinhos, cervejas artesanais e sucos de frutas. Com menores percentuais (2,92%), figuram outros produtos como húmus, cosméticos, cremes, sabonetes e souvenires das organizações da AF. Já os artesanatos (chapéus, bolsas, colares e artes em palha) somam pouco mais de 2,0%.

Os dados apresentados nas Tabelas 5 e 6 evidenciam, portanto, a predominância de três categorias de produtos: alimentos in natura, ecológicos e agroindustrializados. No caso dos alimentos com distinções ambientais, uma primeira explicação está na expansão do consumo, que cresce em média 20% ao ano no Brasil (BRUNO, 2020). Além disso, os chamados consumidores reflexivos e politizados também preferem consumir alimentos com diferenciais de sustentabilidade ambiental para construção de dietas saudáveis (ARAGÃO, 2019; SONNINO, 2019; PORTILHO, 2020). Pelo lado da oferta, os AFs e suas organizações parecem ter percebido que este tipo de alimento representa uma janela de oportunidade de negócios e de transformação em direção a um sistema alimentar mais sustentável que incorpore as preocupações ligadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS (FAO, 2020).

No que diz respeito aos alimentos agroindustrializados, levantamento feito pela Emater/MG (2020) durante a pandemia também chegou a números similares aos encontrados nesta pesquisa. Segundo o referido levantamento, frutas, hortaliças e produtos de agroindústrias, como queijos e doces, são os itens mais comercializados pelos AFs com a ajuda das ferramentas digitais, representando 77,% das vendas. Na mesma linha, estudos evidenciam que estes tipos de alimentos têm procura crescente pelos consumidores, pois substituem os ultraprocessados do sistema alimentar industrial, sendo mais saudáveis. Ademais, muitos são produzidos artesanalmente, trazem as receitas e sabores do passado dos AFs e dos territórios em que estes estão imersos e, em muitos casos, preocupam-se com os princípios da sustentabilidade ambiental (como no caso das agroindústrias ecológicas) e são fáceis de serem adquiridos pelas cadeias curtas (WILKINSON, 2008; RENTING; MARSDEN; BANKS, 2017).

Em termos de resultados, pesquisa conduzida no Sul do país, mediu o nível de agregação de valor aos alimentos ecológicos, em que a produção e a transformação das matérias-primas foram realizadas em agroindústrias ecológicas e os alimentos comercializados por cadeias curtas. Os resultados são surpreendentes, haja vista que quase metade dos valores de produção gerados (em média, R$ 105.712,18 por família, que corresponde a 49,57% dos valores de produção) com a venda deste tipo de alimento ficaram em mãos dos AFs, na forma de renda líquida, já descontados todos os custos de produção e formalização institucional das agroindústrias (GAZOLLA; LIMA; BRIGNONI, 2018). Este aspecto econômico é um grande motivador para os AFs cada vez mais agregarem valor aos alimentos, produzindo-os e transformando-os dentro de formatos ecológicos e os vendendo em mercados de proximidade.

Quanto à categoria alimentos (somando-se nas Tabelas 5 e 6 alimentos in natura e agroindustrializados, ecológicos ou não), os dados da investigação reforçam a ideia que aponta para a vocação histórica da AF em ocupar sua força de trabalho e recursos territoriais na produção e comercialização alimentar, como estudos internacionais têm ressaltado (FAO, 2014). Ademais, ajudam a iluminar o debate brasileiro, no sentido de que a ‘narrativa’ a ser construída no caso das organizações sociais da AF deve se concentrar na alimentação sustentável e nas dietas saudáveis para o futuro. Isto porque, como foi visto até aqui, mais de 90% dos alimentos e produtos encontrados nas 38 plataformas pesquisadas são in natura, locais/regionais (cadeias curtas), ecológicos e de pequenas agroindústrias, em sintonia com as novas tendências do sistema alimentar em várias partes do mundo (SONNINO, 2019; SCHNEIDER et al., 2020; BAKALIS, 2020).

A presente pesquisa também procurou analisar os atributos de qualidade dos alimentos e as estratégias que os atores sociais que coordenam os sites utilizam-se para qualificar os produtos, conforme exposto na Tabela 7. Os atributos de qualidade estão relacionados a aspectos dos alimentos que foram mobilizados pelos atores sociais para caracterizá-los e divulgá-los nas experiências. Segundo Lima (2019), os atributos definem a comida como artefato culinário que participa da vida social e inspira considerações e implicações comerciais, jurídicas e culturais que consagram ou condenam um alimento. É importante os modos como os alimentos provocam interações, mobilizando engajamentos, lutas e identificações com moralidades dietéticas. São exemplos de atributos de qualidade dos alimentos e produtos o uso dos termos “frescos”, “sem agrotóxicos”, “limpos”, dentre outros.

Já as estratégias de qualificação alimentar, acionadas pelos atores, são os discursos e narrativas que eles constroem relativamente aos alimentos e produtos, como estratégia de transferir atributos sociais para os produtos. O exemplo, neste caso, é o uso das diversas características da agricultura familiar como forma social de trabalho e produção, para que os elementos da agricultura familiar sejam ‘transportados’ para os alimentos, atribuindo-lhes sentidos sociais, simbólicos e de reputação (NIERDELE, 2013).

De acordo com a Tabela 7, a principal estratégia de qualificação alimentar acionada pelos atores sociais nos sites de comercialização é justamente o uso do termo agricultura familiar, na tentativa de demonstrar aos consumidores suas características em relação à produção dos alimentos. São mobilizados argumentos de que a AF é a forma de agricultura que produz alimentos em formatos sustentáveis, com qualidade, diversificados e com produção, comercialização e consumo que estimulam o desenvolvimento econômico e social local e regional. Esta narrativa aparece em quase ¼ das plataformas analisadas (24,30%).

Em segundo lugar, com quase 1/5 das observações nos sites analisados (19,63%), aparecem os atributos ligados às questões ambientais. Os principais termos usados para descrever as qualidades ambientais dos alimentos são produtos “orgânicos”, “ecológicos”, “ecossociais”, “da sociobiodiversidade”, “sustentáveis” e “lowcarb”. A estratégia utilizada é trazer as questões ambientais para o centro da qualificação alimentar, demonstrando para os consumidores que os AFs possuem responsabilidade socioambiental na produção e abastecimento da sociedade, estimulando a oferta de produtos que seguem os princípios da sustentabilidade ambiental, tal como estudos da área do consumo político e sustentável têm ressaltado (ALBALA, 2017; PORTILHO, 2020). Alvear et al. (2020), em estudo sobre o site de comercialização Sipaf do MST no Rio de Janeiro, encontraram estas mesmas motivações no que se refere à sustentabilidade ambiental servindo como guia para incentivar os consumidores a adquirirem os alimentos ofertados.

 

 

Tabela 7 Atributos de qualidade dos alimentos e estratégias de qualificação alimentar mobilizadas pelos atores dos mercados digitais estudados no Brasil, 2020

ESA29-2_08_tabela07.jpg

* A maioria dos sites e plataformas digitais estudados elenca mais de uma resposta para a variável pesquisada. Dessa forma, o total de observações supera o número geral da amostra (38).

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da pesquisa (2020).

 

Ainda na Tabela 7, com percentuais menores, a produção e a venda de alimentos frescos, naturais e de estação aparecem com 13,08%, número igual ao do conjunto de produtos que são qualificados por possuírem algum tipo de selo ou certificação orgânica, da agricultura familiar, fair trade, Senaf, de procedência, dentre outros. A busca pela origem e a rastreabilidade dos alimentos ocupa um posto quase idêntico a estas duas estratégias anteriores de qualificação alimentar, ficando com 12,16% das respostas. Os alimentos isentos de agrotóxicos, substâncias químicas e limpos aparecem em seguida, com 11,21% das estratégias de qualificação alimentar. Se somados, estes quatro conjuntos de narrativas perfazem quase a metade (49,53%) das estratégias acionadas pelos atores que gestionam as experiências de comercialização digital.

Analisando-se os dados expostos no parágrafo anterior, pode-se dizer que, por um lado, os atores sociais e AFs que administram as experiências fazem a crítica à agricultura modernizada e ao sistema alimentar industrial, que realiza a distribuição dos alimentos por cadeias longas. Segundo o discurso constituído nos sites, estes atores do sistema alimentar dominante produzem e comercializam alimentos com excesso de produtos químicos, agrotóxicos, ultraprocessados e que possuem altos custos socioeconômicos e ambientais pela sua forma de distribuição (alta pegada ecológica, food miles, entre outras) (ALBALA, 2017; BELIK, 2020).

Nesse contexto, como alternativa ao conjunto de problemas apresentados, propõe-se alimentos naturais, frescos e sem agrotóxicos e insere-se o tema da rastreabilidade, selos e certificações, com os quais os consumidores dos alimentos conseguem remontar a origem dos produtos na cadeia produtiva e checar os processos de produção e manejos adotados. Esta estratégia de qualificação alimentar vai destacar justamente a capacidade dos AFs de transferir sua reputação em produzir e comercializar alimentos ‘limpos’ e com diferenciais de qualidade ambiental (por exemplo, a certificação orgânica), possibilitando aos consumidores conhecer a sua origem e os seus métodos produtivos, como ressalta o estudo de Groot (2020).

Em menor medida há outros atributos de qualificação alimentar que são mobilizados, como os ligados à boa qualidade das matérias-primas e dos alimentos das agroindústrias, ao zelo pelo bem-estar dos animais, aos cortes especiais de carnes, à adoção dos princípios da segurança alimentar e às boas condições sanitárias dos alimentos. Estas estratégias aparecem em 6,54% dos sites investigados. Ao todo, conforme mostra a Tabela 7, 107 diferentes estratégias de qualificação alimentar foram identificadas nos 38 sites estudados, uma média de quase três (2,81) estratégias acionadas por cada experiência que formou a amostra da pesquisa.

As evidências dos processos de qualificação alimentar e das estratégias acionadas pelos atores sociais estão de acordo com estudos no Brasil e em países europeus, pelas quais conclui-se que os novos mercados digitais dos AFs, como os casos analisados aqui, florescem a partir da constituição de um conjunto de novas convenções de qualidade e valorização dos produtos, as quais são construídas em um método de coparticipação entre distintos atores e organizações, permeados principalmente por processos e relações que envolvem produtores e consumidores (VENDRUSCOLO et al., 2018).

Em conjunto, por sua vez, os mercados digitais agregam um variado leque de agricultores e organizações. Para ilustrar esta afirmação, a Tabela 8 apresenta os números de AFs e empreendimentos que estão inseridos nas iniciativas estudadas (cooperativas, associações, agroindústrias, empresas, parceiros, feiras e centrais de cooperativas). É importante ressaltar que os números são aproximados e que várias experiências não possuíam estes dados em seus sites e plataformas. Logo, possivelmente, os números são menores do que os contingentes reais de AFs e empreendimentos que compõem os 38 sites pesquisados. Mesmo assim, foram computados quase 9 mil AFs nas experiências e quase mil empreendimentos de diversos tipos. Em média, verificou-se que cada experiência possui 236 AFs e 26 empreendimentos.

Os empreendimentos com lógica de ação coletiva predominam nas experiências, sendo o principal as cooperativas com quase 60% dos casos, seguidas de associações com 1/3 dos empreendimentos (32,86%). Se somados estes dois percentuais e adicionado às centrais de cooperativas, constata-se que mais de 90% dos empreendimentos são baseados nos princípios da economia solidária, cooperação e associativismo para serem viáveis social e economicamente. Estes dados se autorreforçam, pois quando foram discutidas as formas de organização social das experiências (Tabela 3), as estratégias que tinham como mote a ação coletiva apareciam com mais da metade dos sites e plataformas. Os demais (quase 8,0%) distribuem-se entre os outros tipos de empreendimentos como agroindústrias familiares (5,85%), empresas privadas e familiares (1,33%), parceiros comerciais dos AFs (0,82%) e feiras (0,10%).

 

Tabela 8 Número de agricultores familiares e empreendimentos participantes das experiências de mercados digitais estudadas no Brasil, 2020

ESA29-2_08_tabela08.jpg

Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados da pesquisa (2020).

 

Portanto, torna-se claro o papel da ação coletiva para a construção de novas estratégias dos AFs em seus processos de comercialização, tendo como base as ferramentas digitais. É de se esperar que esta novidade tenha ampliado o seu raio de alcance com a pandemia da Covid-19, embora seja necessário levantar mais evidências para confirmar esta hipótese. Igualmente, este movimento de digitalização pode estar aprofundando as desigualdades no âmbito dos AFs, tendo em vista que a maioria do segmento ainda apresenta baixo grau de acesso às TICs e uma gama variada de outras vulnerabilidades sociais. Desse modo, para reduzir as assimetrias dos distintos grupos de AFs, a digitalização da comercialização aparece como uma agenda estratégica de grande importância para a política de desenvolvimento rural do Brasil nos próximos anos, merecendo mais atenção do Estado e das organizações de classe representativas da agricultura familiar.

 

Considerações finais

O objetivo deste trabalho foi analisar as características dos novos mercados digitais da agricultura familiar no Brasil durante pandemia da Covid-19, especialmente as (re)conexões a partir de sites e plataformas digitais de comercialização de alimentos e produtos com consumidores e populações urbanas. As conclusões mais importantes remetem a um conjunto de quatro achados científicos sobre o tema pesquisado. O primeiro é a capacidade de se reinventar dos AFs e suas organizações sociais em relação aos seus mercados e canais de comercialização. Com a crise sanitária, os agricultores inseridos nos mercados digitais estão conseguindo mostrar sua resiliência e criatividade ao iniciarem processos de uso das TICs para vender seus produtos e alimentos a partir da construção de novas cadeias curtas, que atuam como uma interface tecnológica ou sociotécnica com os consumidores.

O segundo achado é que as experiências demonstram a vocação histórica dos AFs no uso da sua força de trabalho, recursos territoriais e conhecimentos para a produção e comercialização de alimentos para o abastecimento da sociedade urbana. A pesquisa demonstrou que mais de 90% dos itens ofertados são de alimentos. Ligada a esta conclusão, está a que os alimentos possuem características variadas e narrativas construídas pelos atores sociais que gestionam os sites visando uma nova concepção de qualidade, voltada para a alimentação sustentável e para a construção de dietas saudáveis, já que a maioria dos alimentos e produtos vendidos são in natura, ecológicos e de agroindústrias. Estes aspectos são de extrema importância, pois evidenciam a capacidade dos AFs abastecerem as sociedades com alimentos saudáveis e sustentáveis, podendo-se constituir uma ‘nova narrativa’ para eles, que fuja da antiga do ‘mais alimentos’(‘AF produz 70% dos alimentos do país’), para uma nova que é a de alimentar a sociedade com comida de qualidade.

Com efeito, o terceiro achado da pesquisa é que a constituição de estratégias para acesso aos mercados on-line pelos AFs não é possível de modo individualizado. A investigação demonstrou a necessidade dos AFs trabalharem de forma coletiva para construção social destes mercados, especialmente via cooperativas e associações. Por fim, o quarto achado refere-se à baixa participação do Estado na configuração da dinâmica estudada, aparecendo apenas em apoios pontuais por meio de ações públicas em diferentes níveis territoriais, bem como não se encontrou nenhuma política pública específica em direção à digitalização. Isto é preocupante, haja vista que cabe ao Estado o apoio na construção destes mercados, considerando que as compras on-line são essenciais para manter o distanciamento social durante a crise sanitária vivenciada e se constitui em uma tendência do futuro para dar vazão à oferta alimentar dos AFs.

Tais evidências abrem espaço para novas investigações com o objetivo de aprofundar os pontos apresentados. Por exemplo, estudos de casos e regionais podem revelar outras questões, como o grau de inserção de mulheres e jovens, o tamanho econômico e produtivo das experiências. Da mesma forma, pesquisas de cunho quali-quantitativas podem evidenciar os efeitos socioeconômicos e ambientais dessas iniciativas nas condições de reprodução social dos atores envolvidos, tanto do lado da produção como do consumo. O avanço no cabedal de conhecimentos sobre estes e outros aspectos pode contribuir para ampliar o acervo de informações disponíveis, preenchendo a lacuna nos estudos rurais do Brasil em relação a este novo e instigante tema de pesquisa.

 

 

Referências

ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. 2. ed. Campinas: Hucitec, 1998.

ABRAMOVAY, Ricardo. O sistema alimentar mundial está doente e a culpa não é da Covid-19. Portal Uol, [s.l.], 22 maio 2020. Disponível em: https://tab.uol.com.br/colunas/ricardo-abramovay/2020/05/22/o-sistema-alimentar-mundial-esta-doente-e-a-culpa-nao-e-da-covid-19.htm. Acesso em: 10 jul. 2020.

AGRICULTORES familiares da América Latina relatam dificuldades na venda de alimentos durante a pandemia, diz pesquisa. G1, 28 jul. 2020. Agro. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2020/07/28/agricultores-familiares-da-america-latina-relatam-dificuldades-na-venda-de-alimentos-durante-a-pandemia-diz-pesquisa.ghtml. Acesso em: 4 ago. 2020.

ALBALA, Ken. Comendo na pós-modernidade: como o comprar, o cozinhar e o comer estão se transformando na Era Digital. Tradução de Lívia Barbosa. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 25, n. 2, p. 238-250, 2017. Disponível em: https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/esa25-2_02_comendo. Aceso em: 21 ago. 2020.

ALVEAR, Celso Alexandre Souza de; HORA, Larissa Bral Povoa de; SILVA, Fernando Dias de Mello; GRAÇA, Pedro Jullian Medina Torres; FERREIRA, Rosimar Caroline Batista; AMORIM, Gabriel de Avellar. Sistema integrado de comercialização para produtos da agricultura familiar. International Journal of Engineering, Social Justice and Peace, Kingston, v. 7, n. 2, p. 68-89, 2020.

AQUINO, Joacir Rufino de; RADOMSKY, Guilherme F. W.; SPOHR, Gabriela; PEÑAFIEL, Adriana Paola Paredes; RADOMSKY, Camila W. Dimensão e características do público potencial do Grupo B do Pronaf na Região Nordeste e no estado de Minas Gerais. In: SCHNEIDER, Sergio; FERREIRA, Brancolina; ALVES, Fabio (Orgs.). Aspectos multidimensionais da agricultura brasileira: diferentes visões do Censo Agropecuário 2006. Brasília: IPEA, 2014. p.77-106. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=21595. Acesso em: 15 ago. 2020.

AQUINO, Joacir Rufino de; GAZOLLA, Marcio; SCHNEIDER, Sergio. Dualismo no campo e desigualdades internas na agricultura familiar brasileira. Revista de Economia e Sociologia Rural, Piracicaba, v. 56, n. 1, p. 123-142, 2018. Disponível em: https://www.revistasober.org/article/doi/10.1590/1234-56781806-94790560108. Acesso em: 9 set. 2020.

ARAGÃO, Felícia Ribeiro Gonçalves. A tecnologia facilita o consumo consciente de orgânicos? O caso da Plataforma Comida da Gente. 2019. 46 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Administração) – Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/handle/11422/12194. Acesso em: 2 set. 2020.

BAKALIS, Serafim et al. Perspectives from CO+RE: How COVID-19 changed our food systems and food security paradigms. Current Research in Food Science, v. 3, p. 166-172, 2020. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2665927120300241. Acesso em: 21 set. 2020.

BARBOSA, Fernando. Pandemia reduz negócios e acende sinal de alerta para a agricultura familiar. Revista Globo Rural, Rio de Janeiro, 22 set. 2020. Disponível em: https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Agricultura/noticia/2020/09/pandemia-acendeu-sinal-de-alerta-para-agricultura-familiar.html. Acesso em: 10 out. 2020.

BELIK, Walter. Sustainability and food security after COVID-19: relocalizing food systems? Editorial. Agricultural and Food Economics, v. 8, n. 23, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s40100-020-00167-z. Acesso em: 8 out. 2020.

BELLETTI, Giovanni; MARESCOTTI, Andrea. Short food supply chains for promoting local markets. Roma: FAO, 2020.

BOS, Elizabeth; OWEN, Luke. Virtual reconnection: the online spaces of alternative food networks in England. Journal of Rural Studies, v. 45, p. 1-14, 2016. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0743016716300316. Acesso em: 28 set. 2020.

BRUNO, Marta. Mercado de orgânicos cresce em média 20% ao ano. O Otimista, 20 jun. 2020. Disponível em: https://ootimista.com.br/jornal-impresso/mercado-de-organicos-cresce-em-media-20-ao-ano/. Acesso em: 10 set. 2020.

CARVALHO, Clesiane de Oliveira. O e-commerce como instrumento de comercialização para os produtos da agricultura familiar brasileira: o caso do Programa Rede Brasil Rural. 2015. 192 f. Tese (Doutorado em Administração) – Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2015. Disponível em: http://repositorio.ufla.br/handle/1/10510. Acesso em: 4 set. 2020.

CARVALHO, Clesiane de Oliveira; SANTOS, Antônio Carlos dos; CARVALHO, Glauco Rodrigues. Rede Brasil Rural: inovação no contexto da agricultura familiar. Revista Agronegócio e Meio Ambiente, Maringá, v. 8, n.1, p. 79-94, 2015.

CORBARI, Fabio; GREGOLIN, Marcos Roberto Pires; ZONIN, Wilson João. Usos e percepções das tecnologias de informação e comunicação entre cooperados da economia solidária da agricultura familiar. Revista GeoPantanal, Corumbá, v. 13, n. 24, p. 269-286, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufms.br/index.php/revgeo/article/view/6407. Acesso em: 21 set. 2020.

CUBIDES ZUÑIGA, Eimy Carolina; CUBIDES ZUÑIGA, Nataly; LUGO, Ireima Andreina. Agricultura familiar e plataformas digitais no contexto da Covid-19. Boletim Covid-19, Campinas, n. 15, 2020.

DA COSTA, Fernanda. Pandemia acelera processos de digitalização de produtores orgânicos. Jornal da UFRGS, Porto Alegre, 6 ago. 2020. Disponível em: https://www.ufrgs.br/jornal/pandemia-acelera-processo-de-digitalizacao-de-produtores-organicos/. Acesso em: 10 set. 2020.

DEL GROSSI, Mauro Eduardo. Efeitos crise Covid: análise nacional e agricultura familiar. Informativo julho 2020. Brasília: Cegafi/UnB, 2020.

DEPONTI, Cidonea; KIST, Rosane Bernardete Brochier; MACHADO, Augusta. As inter-relações entre as TIC e a Agricultura Familiar. Revista Eletrônica Competências Digitais para Agricultura Familiar, Tupã, v. 3, n. 1, p. 4-23, 2017. Disponível em: https://owl.tupa.unesp.br/recodaf/index.php/recodaf/article/view/47. Acesso em: 28 ago. 2020.

DEPONTI, Cidonea; KIST, Rosane Bernardete Brochier; AREND, Silvio Cezar; OLIVEIRA, Vinicios Gonchoroski de. O perfil, o uso e a apropriação de TICs pela agricultura familiar do Vale do Caí-RS, Brasil. Revista Eletrônica Competências Digitais para Agricultura Familiar, Tupã, v. 6, n. 1, p. 42-77, 2020. Disponível em: https://owl.tupa.unesp.br/recodaf/index.php/recodaf/article/view/115. Acesso em: 28 ago. 2020.

EHLERS, Melf-Hinrich; HUBER, Robert; FINGER, Robert. Agricultural policy in the era of digitalization. Food Policy, v. 100, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.foodpol.2020.102019. Acesso em: 15 set. 2020.

EMATER-MG – Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais. EMATER-MG faz levantamento de iniciativas de vendas online por agricultores familiares durante a pandemia. Belo Horizonte: Emater, 2020. Disponível em: http://www.emater.mg.gov.br/portal.do/site-noticias/emater-mg-faz-levantamento-de-iniciativas-de-vendas-on-line-por-agricultores-familiares-durante-a-pandemia-/?flagweb=novosite_pagina_interna&id=25080. Acesso em: 21 set. 2020.

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations. The state of food insecurity in the World 2014: strengthening the enabling environment for food security and nutrition. Roma: FAO, 2014.

FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations. La COVID-19 y el acceso de los pequenos productores a los mercados. Roma: FAO, 2020.

FONSECA, Mariana. Aplicativo para comprar alimentos orgânicos expandiu dez vezes na pandemia. Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, Rio de Janeiro, 16 ago. 2020. Disponível em: https://revistapegn.globo.com/Startups/noticia/2020/08/aplicativo-para-comprar-alimentos-organicos-expandiu-dez-vezes-na-pandemia.html. Acesso em: 10 set. 2020.

GAZOLLA, Marcio. Perspectiva multinível e coevolucionária e a noção de novidades no desenvolvimento rural e regional: aplicações aos estudos das práticas criativas da agricultura familiar. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 25, n. 1, p. 232-254, 2020. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/redes/article/view/14411. Acesso em: 5 ago. 2020.

GAZOLLA, Marcio; LIMA, Arlindo Jesus Prestes de; BRIGNONI, Carolina. Valor agregado em Sistemas Agroindustriais Familiares de Base Ecológica (SAFEs). Desenvolvimento & Meio Ambiente, Curitiba, v. 49, p. 239-263, 2018. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/made/article/view/51681. Acesso em: 30 jul. 2020.

GAZOLLA, Marcio; SCHNEIDER, Sergio. Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: negócios e mercados da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2017.

GRISA, Catia; SCHMITT, Claudia Job; MATTEI, Lauro; MALUF, Renato Sergio; LEITE, Sergio Pereira. O Programa de Aquisições de Alimentos (PAA) em perspectiva: apontamentos e questões para o debate. In: SEMINÁRIO TEMÁTICO DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA), 2009, Juazeiro. Rio de Janeiro: ActionAid Brasil, 2009.

GROOT, Etiénne. Conhecimento sobre os conceitos de selos de qualidade vinculados à agricultura familiar. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 28, n. 1, p. 136-155, 2020. Disponível em: https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/esa28-1_06_conhecimento. Acesso em: 23 ago. 2020.

HLPE – Committee on World Food Security High Level Panel of Experts on Food Security and Nutrition. Impacts of COVID-19 on food security and nutrition: developing effective policy responses to address the hunger and malnutrition pandemic. Rome: FAO, 2020.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário 2017: resultados definitivos. Rio de Janeiro: IBGE/Sidra, 2019. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo-agropecuario/censo-agropecuario-2017. Acesso em: 20 jul. 2020.

KENNEY, Martin; SERHAN, Hiam; TRYSTRAM, Gilles. Digitalization and platforms in agriculture: organizations, power asymmetry, and collective action solutions. ETLA Working Papers, Berkeley, n. 78, 2020. Disponível em: https://www.etla.fi/en/publications/digitalization-and-platforms-in-agriculture-organizations-power-asymmetry-and-collective-action-solutions/. Acesso em: 9 ago. 2020.

LANG, Tim; HEASMAN, Michael. Food wars: the global battle for mouths, minds and markets. Londres: Earthscan, 2009.

LIMA, Maria de Fátima Farias. Cultura material e agência do queijo: uma sociologia da ação e da reputação da comida. 2019. 299 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019. Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/45355. Acesso em: 13 set. 2020.

MALUF, Renato Sergio. Mercados agroalimentares e a agricultura familiar no Brasil: agregação de valor, cadeias integradas e circuitos regionais. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 25, n. 1, p. 299-322, 2004. Disponível em: https://revistas.dee.spgg.rs.gov.br/index.php/ensaios/article/view/2061. Acesso em: 22 set. 2020.

MASSRUHÁ, Silvia Maria; LEITE, Maria Angelica de Andrade. Agricultura digital. Revista Eletrônica Competências Digitais para Agricultura Familiar, Tupã, v. 2, n. 1, p. 72-88, 2016. Disponível em: https://owl.tupa.unesp.br/recodaf/index.php/recodaf/article/view/18. Acesso em: 13 set. 2020.

MATTEI, Lauro. A política econômica brasileira diante da Covid-19. Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas, Vitória da Conquista, v. 17, n. 30, p. 172-183, 2020. Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/ccsa/article/view/7144. Acesso em: 19 out. 2020.

NIEDERLE, Paulo Andre. Indicações geográficas e processos de qualificação nos mercados agroalimentares. In: NIEDERLE, Paulo Andre (Org.). Indicações geográficas: qualidade e origem nos mercados alimentares. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2013. p. 23-54.

ODAME, Hannington; ALEMU, Dawit. Partnerships, platforms and policies strengthening farmer capacity to harness technological innovation for agricultural commercialisation. APRA – Agricultural Policy Research in Africa, Working paper 10, 2018.

PLOEG, Jan Douwe van der. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.

POPKIN, Barry; REARDON, Thomas. Obesity and the food system transformation in Latin America. Obesity Reviews, v. 19, n. 8, p. 1028-1064, 2018. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/obr.12694. Acesso em: 29 out. 2020.

PORTILHO, Fátima. Ativismo alimentar e consumo político – duas gerações de ativismo alimentar no Brasil. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 25, n. 2, p. 12-33, 2020. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/redes/article/view/15088. Acesso em: 19 set. 2020.

PRA, Marlene; SABOURIN, Eric; PETERSEN, Paulo; SILVEIRA, Luciano. Lógicas e estratégias de comercialização na agricultura familiar do Agreste da Paraíba. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 5-27, 2016. Disponível em: https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/775. Acesso em: 15 out. 2020.

REARDON, Thomas; SWINNEN, Johan. COVID-19 and resilience innovations in food supply chains. Washington D.C.: IFPRI, 2020. Disponível em: https://www.ifpri.org/blog/covid-19-and-resilience-innovations-food-supply-chains. Acesso em: 10 out. 2020.

RENTING, Henk; MARSDEN, Terry; BANKS, Jo. Compreendendo as redes agroalimentares alternativas: o papel das cadeias curtas de abastecimento de alimentos no desenvolvimento rural. In: GAZOLLA, Marcio; SCHNEIDER, Sergio (Orgs.). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas: negócios e mercados da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS. 2017. p. 27-52.

ROSSI, Pedro; DWECK, Esther; OLIVEIRA, Ana Luiza Matos (Orgs.). Economia para poucos: impactos sociais da austeridade e alternativas para o Brasil. São Paulo: Autonomia Literária, 2018.

SCHNEIDER, Sergio. A pluriatividade na agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.

SCHNEIDER, Sergio. Mercados e agricultura familiar. In: CHARÃO-MARQUES, Flávia; CONTERATO, Marcelo Antônio; SCHNEIDER, Sergio (Orgs.). Construção de mercados e agricultura familiar: desafios para o desenvolvimento rural. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2016. p. 93-141.

SCHNEIDER, Sergio; CASSOL, Abel; LEONARDI, Alex; MARINHO, Marisson. Os efeitos da pandemia da Covid-19 sobre o agronegócio e a alimentação. Estudos Avançados, São Paulo, v. 34, n. 100, p. 167-188, 2020.

SCHWANKE, Jéssica. O comércio eletrônico como alternativa de mercado para a agricultura familiar. 2020. 98f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Rural Sustentável) – Centro de Ciências Agrárias, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 2020. Disponível em: http://tede.unioeste.br/handle/tede/4812. Acesso em: 10 out. 2020.

SONNINO, Roberta. Translating sustainable diets into practice: the potential of public food procurement. Redes, Santa Cruz do Sul, v. 24, n. 1, p. 14-29, 2019.

SOUZA, Ronaldo Tavares; CALDAS, Eduardo de Lima. Redes alimentares alternativas e potencialidade ao desenvolvimento do capital social. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 26, n. 2, p. 426-446, 2018. Disponível em: https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/ESA26-2_08_redes_alimentares. Acesso em: 14 set. 2020.

VEIGA, José Eli da. O desenvolvimento agrícola: uma visão histórica. São Paulo: Hucitec, 1991.

VENDRUSCOLO, Rafaela; MATTE, Alessandra; VENTURA, Flaminia; TOURRAND, Jean François; WAQUIL, Paulo Dabdab. Entre a reconexão e a revalorização: a constituição de convenções em mercados da agricultura familiar no Brasil, na Itália e na França. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 26, n. 3, p. 495-516, 2018. Disponível em: https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/ESA26-3_entre_a_reconexao. Acesso em: 13 out. 2020.

VIAN, Tatiana Alvarez; CAMERA FILHO, Milton Mauad de Carvalho; CENTENARO, Angela Ester Mallmann. Cantasol: escoamento da produção camponesa por meio de plataforma online de comercialização. In: CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE AGROECOLOGIA, 6., 2017, Brasília. Anais... Brasília: Associação Brasileira de Agroecologia, 2018.

WILKINSON, John. Mercados, redes e valores: o novo mundo da agricultura familiar. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008.

WISKERKE, Han; PLOEG, Jan Douwe van der (Eds.) Seeds of transition: essays on novelty production, niches and regimes in agriculture. Assen: Van Gorcum, 2004.

 

 

Como citar

GAZOLLA, Marcio; AQUINO, Joacir Rufino de. Reinvenção dos mercados da agricultura familiar no Brasil: a novidade dos sites e plataformas digitais de comercialização em tempos de Covid-19. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 427-460, jun. 2021. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v29n2-8.

 

 

 

 

Marcio Gazolla

Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (PPGDR/UTFPR). Doutorado em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com período de Doutoramento Sanduíche na Universidade de Pisa, Itália.
marciogazolla1@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-4807-6683
http://lattes.cnpq.br/0922348490725786

Joacir Rufino de Aquino

Professor Adjunto na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Mestrado em Economia Rural e Regional pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

joaciraquino@yahoo.com.br
https://orcid.org/0000-0003-0772-7141
http://lattes.cnpq.br/7727801529182319

 

 

 

 

ccby.png

Creative Commons License. This is an Open Acess article, distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License CC BY 4.0 which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium. You must give appropriate credit, provide a link to the license, and indicate if changes were made.

 



[1] Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (PPGDR/UTFPR). Doutorado em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com período de Doutoramento Sanduíche na Universidade de Pisa, Itália. E-mail: marciogazolla1@gmail.com.

[2] Professor Adjunto na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Mestrado em Economia Rural e Regional pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail: joaciraquino@yahoo.com.br.

[3] Nos sites e plataformas estudados existem várias denominações para os alimentos ecológicos. Durante a coleta de dados da pesquisa foram identificados nomes como: agroecológicos, ecológicos, ecossociais e produtos orgânicos. Neste sentido, o termo “ecológico” é empregado no presente artigo para designar todos os alimentos, sejam in natura, agroindustrializados, bebidas ou de outro tipo, que são provenientes de processos de produção e de comercialização sustentáveis, respeitando os preceitos ambientais em todas as etapas da cadeia de produção – distribuição – consumo final. Por sua vez, denominam-se apenas de “alimentos in natura” e, no caso das agroindústrias, “alimentos artesanais” àqueles produtos que não apresentam a citada distinção ambiental na apresentação de suas características nos mercados digitais. Além disso, os alimentos in natura são ofertados aos consumidores em formatos frescos (por exemplo, uma alface que é apenas colhida e vendida), sem passar por processos de transformação e manipulações alimentares.

[4] Os alimentos agroindustrializados são os que proveem de agroindústrias familiares geridas e instaladas nas próprias unidades de produção dos agricultores. A agroindústria familiar (artesanal ou ecológica) é uma estratégia de reprodução social dos agricultores familiares em que o grupo doméstico produz sua matéria-prima, a processa e transforma em alimentos elaborados de maior valor agregado, que são comercializados em mercados locais e regionais. Este processo é gerido pelos próprios agricultores familiares, de forma individual e, às vezes, em formatos coletivos por intermédio de  associações, centrais ou cooperativas de agroindústrias. Para maiores detalhes teóricos a respeito, ver Maluf (2004).