ESA_logo.png

v. 29, n. 1, fevereiro a maio de 2021, p. 197-218
Recebido em 19 de outubro de 2020. Aceito em 16 de dezembro de 2020.



Feiras que promovem a inclusão de agricultores familiares em cadeias curtas de comercialização

Farmers’ markets that promote inclusion of family farmers in short food supply chains

 

DOI: 10.36920/esa-v29n1-11

 

orcid_id.png  Thiago de Carvalho Verano[1]
orcid_id.png  Gabriel Medina[2]

 

Resumo: Neste trabalho são analisados os mecanismos de funcionamento das feiras municipais do produtor que promovem a inclusão de agricultores familiares em canais curtos de comercialização. Utilizando metodologia qualitativa, foram feitas entrevistas semiestruturadas com diversos agentes dos sistemas agroalimentares locais objetivando identificar o papel das feiras e seus mecanismos de funcionamento. A pesquisa realizada em Goiás revela que a inclusão socioprodutiva de agricultores familiares se dá em feiras com as seguintes características: (1) estão organizadas a partir de associações de feirantes/agricultores familiares com estatutos e regras que definem as normas de participação; (2) onde existem relações consolidadas e de confiança entre agricultores, consumidores e outros agentes locais; e (3) possuem relações solidárias entre os participantes e funcionam como catalizadoras de novas transações entre agricultores e diferentes mercados.

Palavras-chave: redes agroalimentares alternativas; mercados; desenvolvimento rural.  

 

Abstract: (Farmers’ markets that promote inclusion of family farmers in short food supply chains). This paper aims to identify farmers’ markets that promote inclusion of family farmers in short food supply chains. Using a qualitative methodology, semi-structured interviews were conducted with several agents of local food systems to identify the role of local farmers’ markets and their functioning mechanisms. The research, carried out in the Brazilian state of Goiás, reveals that the inclusion of family farmers takes place in markets with the following characteristics: (1) They are organized by associations of family farmers and have statutes and rules that define the norms for participation, (2) Where there are established and reliable relationships between farmers, consumers and other local agents, and (3) There are solidary relations among participants that serve as catalysts for new transactions between farmers and different markets.

Keywords: alternative food networks; markets; rural development.

 

 

 

 

 

Introdução

A crescente concentração dos sistemas agroalimentares em torno de grandes redes varejistas altamente exigentes restringe a participação de agricultores familiares nos mercados agropecuários e limita a oferta de produtos aos consumidores finais (WILKINSON, 2003). Este cenário tem levado a um esforço mundial para a construção de mercados alternativos baseados em cadeias curtas de comercialização que aproximam produtores dos consumidores (HINRICHS, 2000).

Valores que orientam tomadas de decisões de consumidores e agricultores estão imersos em diferentes contextos socioculturais e econômicos, conferindo uma enorme diversidade de tipos de produção, distribuição e consumo de alimentos, que vão desde o mais convencional (representado pela produção em larga escala e comercialização em grandes redes varejistas), até o mais original (que pode ser representado pela produção agroecológica e a comercialização direta) (DIAZ-MÉNDEZ; GARCIA-ESPEJO, 2016). As feiras locais se inserem nessa diversidade do sistema agroalimentar e, no Brasil, representam o canal de comercialização alternativo mais representativo e tradicional (DAROLT et al., 2016).

A feira no Brasil é uma modalidade do mercado varejista, com periodicidade usualmente semanal voltada para a distribuição local de alimentos e de grande relevância para os municípios. Por meio de processos de troca, as feiras locais podem cumprir o papel de integrar as famílias do município, dinamizando as economias das pequenas cidades (SILVESTRE; RIBEIRO; FREITAS, 2011). Consideradas uma cadeia curta de comercialização, as feiras de agricultores devem ser analisadas levando em consideração a estrutura de comercialização, a como as relações de troca ocorrem e o modo como a produção agrícola é organizada e administrada (BELLETI; MARESCOTTI, 2017, p. 132).

As feiras que integram os agricultores familiares comercialmente cumprem relevante papel na promoção do desenvolvimento rural. Por isso, é fundamental conhecer seu funcionamento e as características que as levam a possibilitar a inclusão dos agricultores. Assim, faz-se necessária a identificação dessas características para direcionar políticas de fomento à expansão desses canais de comercialização.  

Estudos anteriores revelam que as feiras dos agricultores de alguns municípios goianos se enquadram num perfil de feira que promove a inclusão socioprodutiva de agricultores familiares, que fortalece canais curtos de comercialização e, desse modo, configura-se como possível alternativa ao modelo agroalimentar hegemônico caracterizado pela concentração em grandes redes varejistas (VERANO; MEDINA, 2019). Desta maneira, busca-se identificar neste artigo as características das feiras que se enquadram neste perfil.

O objetivo geral deste artigo é compreender os mecanismos de funcionamento das feiras como forma de avaliar seu potencial para a inclusão comercial de agricultores familiares em cadeias curtas de comercialização alternativas às redes varejistas. Especificamente, pretende-se analisar como as feiras podem:

·      promover a inclusão socioprodutiva de agricultores familiares;

·      fortalecer canais curtos de comercialização, redes agroalimentares alternativas e circuitos regionais de produção, distribuição e consumo; e

·      configurar-se como espaço de comércio entre produtores e consumidores alternativo ao modelo agroalimentar hegemônico.

 

Referencial teórico

Os mercados são complexos e regidos não apenas pelos princípios que fundamentam as transações econômicas, mas também por relações sociais (HINRICHS, 2000). A ideia de mercado como construção social começou a ser investigada em muitos estudos que analisam as trocas mercantis de variadas formas e sob diferentes óticas (HINRICHS, 2000; PLEIN; FILIPPI, 2011; SABOURIN, 2013). Por isso, faz-se necessário conhecer os agentes, as regras formais e informais, como elas foram criadas e como moldam o comportamento dos agentes, além de buscar compreender o histórico de formação e evolução do mercado (PLEIN; FILIPPI, 2011).

São instituições sociais dos mercados fundamentais para seu funcionamento: (1) estrutura de governança – leis e práticas institucionais informais; (2) direitos de propriedade; (3) concepções de controle – percepção por parte dos agentes de como o mercado funciona, da hierarquia, do controle, ajudando-os a tomar decisões e; (4) regras de troca – definem quem pode transacionar com quem e as condições das transações (FLIGSTEIN, 1996).

O conceito de agência contribui para a compreensão da maneira como os agricultores familiares podem se inserir como protagonistas nos mercados. A agência expressa a capacidade de os agentes serem ativos, fazerem coisas, exercerem poder e serem sujeitos dos eventos (BALESTRO, 2017). Tanto a agência individual quanto a coletiva são importantes nos processos de construção social de mercados de cadeias curtas, pois os agricultores precisam agir e precisam também interagir para identificar demandas, construir “símbolos de qualidade” e “alavancar recursos políticos, culturais e econômicos para fortalecer a ação econômica e social” (BALESTRO, 2017, p. 150-151).

Mas os mercados face a face não são uma ilha onde só operam relações de cooperação e solidariedade. Comportamentos baseados no caráter comercial (instrumentalismo e marketness) também ocorrem e isso não tira desses mercados a sua característica de espaço social (embeddedness) (HINRICHS, 2000). Block (1990) apud Hinrichs (2000), considera que, nas transações econômicas, o alto instrumentalismo é baseado na busca pela vantagem e o alto marketness na busca pelo preço. Considera ainda, que a caracterização da imersão (embeddedness) nos mercados passa invariavelmente pelo entendimento do instrumentalismo e do marketness que ocorrem nas transações e que nos mercados diretos de agricultores ocorre uma mistura desses três fenômenos.

O sucesso das feiras da agricultura familiar está também relacionado ao aporte de recursos e à execução de projetos que promovam a integração e a qualificação de políticas públicas. É fundamental que as feiras facilitem a entrada de seus produtos no varejo local, definam espaços institucionais para alimentos in natura e processados e promovam (com os consumidores) a noção de qualidade da produção local (SILVA; BALEM; SILVEIRA, 2015).

Para isso, é preciso que os agentes públicos e as instituições atuem de modo que as iniciativas de mercados alimentares alternativo não se tornem apenas uma forma de “prover pessoas abastadas em espaços de consumo circunscritos” (GOODMAN, 2017, p. 77). Assim, as feiras podem se configurar um espaço de comércio entre produtores e consumidores alternativo ao modelo agroalimentar hegemônico.

Apesar do potencial, existe uma incerteza se esses canais alternativos têm potencial para absorver a produção da agricultura familiar em grande escala e ainda se estes agricultores estão preparados para organizar uma complexa logística que suporte o aumento da comercialização (WIGGINS; KIRSTEN; LLAMBÍ, 2010). Desta forma, o acesso a esses mercados ficaria restrito a uma pequena parcela de agricultores familiares, relegando à maioria a única opção de competir nos mercados convencionais (DIAO; HAZELL; THURLOW, 2010). 

 

Metodologia

O presente estudo é o desdobramento de uma investigação feita sobre as feiras do estado de Goiás (VERANO, 2019). Inicialmente, foram coletados dados preliminares de 369 feiras de 201 municípios goianos. Em seguida, foram excluídas as feiras que não contavam com a presença de nenhum agricultor familiar (AF), e foi feita uma amostragem, perfazendo 59 feiras. Com essa amostra, foi realizada nova coleta de dados quantitativos que visavam ranquear as feiras de acordo com os seguintes pressupostos: (1) possibilitar a inclusão socioprodutiva de agricultores familiares; (2) fortalecer redes agroalimentares alternativas, canais curtos de comercialização e circuitos regionais de produção distribuição e consumo; e (3) constituir uma alternativa ao modelo hegemônico do sistema agroalimentar. Foram levantadas variáveis, de acordo com os pressupostos supracitados, que se baseiam no referencial teórico do Quadro 1.

Quadro 1 – Pressupostos da pesquisa e respectivos referenciais teóricos

11_quad01.jpg

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

Das 59 feiras analisadas, apenas seis cumpriram com todos os pressupostos (VERANO, 2019). Assim, chegou-se ao número de seis feiras que são o objeto de estudo principal do presente artigo. Por serem as feiras melhor ranqueadas na etapa anterior, se fez necessário analisá-las qualitativamente com profundidade, configurando assim um estudo de caso. Desse modo, foram analisadas em profundidade as seguintes feiras semanais: (1) Alto Paraíso de Goiás – realizada no sábado; (2) Flores de Goiás – realizada no domingo; (3) Orizona – realizada no domingo; (4) Ceres – realizada na quarta-feira; (5) Goianésia – realizada na quarta-feira; e (6) Itapuranga – realizada na quinta-feira.

Para se construir os roteiros das entrevistas foram utilizados os mesmos pressupostos, norteando tanto a elaboração das perguntas quanto a forma como foi conduzida a investigação nos municípios estudados. Foram feitas entrevistas semiestruturadas com os seguintes agentes em cada uma das feiras: (1) agricultor familiar feirante; (2) consumidor da feira; (3) agentes do poder público (Emater, prefeitura etc.); (4) agentes de organizações da sociedade civil (sindicatos, associações, cooperativas etc.); e (5) proprietários de estabelecimentos que comercializam alimentos (supermercados, frutarias, pizzarias, restaurantes, lanchonetes, pamonharias etc.). Foram entrevistados entre 20 e 30 pessoas por município.

A heterogeneidade das quantidades de entrevistados por município se deveu ao perfil da pesquisa. Não se buscou resultados estatísticos, mas sim traçar categorias analíticas em cada feira estudada. Assim, as entrevistas foram sendo realizadas até atingir o ponto de saturação, quando as informações começam a ser repetidas pelos diferentes entrevistados e as entrevistas não produzem mais novidades para a pesquisa (MINAYO, 2017).

Os conceitos norteadores para a formulação do roteiro foram baseados nos três pressupostos citados no Quadro 1. As perguntas foram abertas e também foram coletados dados, informações e percepções, que não estavam presentes nas perguntas iniciais, a partir das falas dos informantes. As entrevistas não gravadas foram realizadas com o objetivo de entender como e por que cada feira consegue cumprir com os pressupostos supracitados. Assim, buscou-se identificar a história, o arranjo institucional, as fragilidades, potencialidades e as instituições tanto das feiras quanto dos sistemas agroalimentares locais.

O mapa temático foi elaborado por meio de Sistema de Informação Geográfica (SIG) com o uso do software livre Qgis. Os dados coletados durante a pesquisa foram relacionados à base de dados do Sistema Estadual de Geoinformação de Goiás do Governo do Estado de Goiás (Sieg). Para a elaboração do mapa, os dados coletados foram tratados de maneira a destacar os municípios com feiras com maior participação de agricultores familiares. Por fim, foram destacados os municípios das seis feiras que são o objeto de estudo principal da presente pesquisa.

 

Resultados

O mapa elaborado a partir dos dados primários aponta que: (1) existe uma extensa área contígua de municípios com feiras exclusivas da agricultura familiar no norte do estado; (2) há grande ocorrência de feiras com mais de 80% de participação desse segmento no extremo oeste do Estado; (3) e existem muitos municípios com feiras majoritariamente da agricultura familiar no centro do estado (VERANO, 2019). Ademais, não foi verificada uma tendência espacial das seis feiras que melhor atenderam aos pressupostos preliminares da pesquisa (Figura 1).

 

Figura 1 – Mapa da distribuição geográfica e da participação de agricultores familiares (AF) nas feiras dos municípios goianos e municípios que apresentam feiras que atendem aos pressupostos preliminares da pesquisa

11_figura01.jpg

Fonte: IBGE/SIEG (2014) e dados primários da pesquisa (VERANO, 2019). Dados coletados de agosto de 2017 a junho de 2018.

 

Como as feiras promovem a inclusão socioprodutiva dos agricultores familiares

História das feiras

As feiras de Ceres, Goianésia e Itapuranga apresentaram similaridades no seu histórico. Nos três municípios, a feira surgiu no final da década de 1990, em um período em que a Agência Goiana de Assistência Técnica, Extensão Rural e Pesquisa Agropecuária (Emater) era muito atuante, contava com recursos e o seu quadro de profissionais de campo não era defasado. Desse modo, a partir da iniciativa de agricultores e da articulação da Emater, foram envolvidos outros agentes e organizações, criando uma rede de associações de comunidades rurais que são hoje a base organizacional do funcionamento da feira. As três feiras realizaram um processo de intercâmbio na fase de criação e, assim, desenvolveram características similares. Desses três municípios, Itapuranga teve uma singularidade que foi a atuação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Tal instituição teve relevância tão grande quanto a Emater, pois assessorou as associações das comunidades, contribuiu na assessoria técnica aos agricultores e atuou fortemente na consolidação da rede de organizações que dão suporte à feira.

As outras três feiras apresentaram peculiaridades e uma menor atuação da Emater. A feira de Flores de Goiás é a mais recente (criada em 2018), surgiu por intermédio de um projeto do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) executado pela empresa de assistência técnica Instituto Alvorada de Agroecologia de Sobradinho (Iaso) e com o suporte da Secretaria Municipal de Agricultura, mas, sobretudo, a partir da demanda dos assentados da reforma agrária para o escoamento de sua produção. Já a de Orizona surgiu a partir de uma articulação de associações de base ligadas à Comissão Pastoral da Terra (CPT) no final da década de 1990, quando os agricultores discutiam a necessidade de se criar um novo canal de comercialização, pois os mercados dos canais longos (entrega de leite aos laticínios, venda de grãos e hortaliças a atravessadores etc.) não estavam apresentando boa rentabilidade. A feira de Alto Paraíso de Goiás surgiu em meados dos anos 1990, aos poucos, após conversas entre agricultores e consumidores que perceberam o potencial do município para a criação de canal de comercialização direta.

 

Motivos que levam os agricultores familiares a entrar na feira

A decisão pela entrada na feira se deu, para a maioria dos agricultores familiares entrevistados, em virtude da falta de alternativas de escoamento da produção e pela necessidade de aumentar a renda, já que os ganhos com a comercialização via canais longos estavam cada vez menores. Outras motivações recorrentes para a entrada nas feiras, de acordo com as falas dos feirantes respondentes, foram: (1) instabilidade de preços e falta de confiança na comercialização com atravessadores e supermercados locais; e (2) possibilidade de vender produtos sazonais e disponíveis em pequena escala, diminuindo as perdas de produtos na propriedade. 

A realidade dos agricultores antes de entrar na feira se mostrou semelhante nos seis municípios. Grande parte não estava em nenhum canal de comercialização, produzindo apenas para o consumo doméstico ou comercializava em outros canais que geravam ganhos econômicos menores. Essa realidade mediou um processo de mobilização e conscientização dos agricultores no que se refere à busca por mercados mais inclusivos e adaptados às suas realidades socioprodutivas. Com o apoio de organizações presentes em cada localidade, tal mobilização resultou nas iniciativas de construção social dos mercados (feiras) aqui estudados.

 

Instituições que regem o funcionamento das feiras e mecanismos de entrada, permanência e exclusão

A seleção dos agricultores para entrar nas feiras em Ceres, Goianésia e Itapuranga se dá de maneira integrada com as associações das comunidades rurais. Para que um agricultor possa expor produtos na feira, ele deve ser filiado a alguma associação que, por sua vez, deve estar credenciada na central (Goianésia e Itapuranga) ou na comissão organizadora (Ceres). Algo a se ressaltar nos três municípios é que só se iniciaram as feiras após um processo de construção coletiva entre os agricultores e instituições parceiras de um conjunto de regras (instituições) formais para o seu funcionamento. Isso conferiu mais estabilidade para o funcionamento do mercado, mais proteção aos agricultores familiares e maior protagonismo das associações das comunidades. Assim, toda a documentação, fiscalização e acompanhamento aos feirantes se dão a partir das associações de cada comunidade, conferindo um caráter horizontalizado da gestão da feira e contribuindo para o fortalecimento da rede que envolve a agricultura familiar. Algumas regras devem ser rigorosamente cumpridas nessas três feiras, tais como: (1) só iniciar as vendas após o sinal sonoro emitido pelo fiscal; (2) organizar a banca antes do início da feira; (3) ter assiduidade às reuniões da associação de sua comunidade; (4) pagar em dia as taxas da associação da comunidade; e (5) pagar em dia as taxas da central de associações (Goianésia e Itapuranga) e da comissão organizadora da feira (Ceres). As quatro regras descritas não foram identificadas nas feiras de Flores de Goiás, Alto Paraíso e Orizona.

Para entrar na feira de Orizona, o requerente deve solicitar à direção da associação, que submete a demanda à assembleia. De acordo com os relatos dos feirantes, não existem muitas dificuldades para que o requerente ser aceito. Não são aceitos feirantes da agricultura familiar que complementem sua oferta de produtos por meio de aquisição em centrais de abastecimento.

Não há controle por parte da direção da associação dos tipos de produtos que os feirantes expõem. Aqueles que não conseguem produzir o suficiente para atender a sua demanda devem comprar de agricultores familiares locais. Essa regra não se aplica a alguns feirantes pioneiros. Já o requerente que não é da agricultura familiar deve se propor a ofertar produtos que atraiam novos clientes e/ou comprovar situação de vulnerabilidade como desemprego, por exemplo. São permitidas apenas duas bancas de não agricultores por produto (duas para pastéis, duas para roupas, duas para lazer etc).

Após o ingresso na feira, o novo feirante tem um prazo de três meses (em caráter de experiência) para demonstrar seu comprometimento e a qualidade dos produtos. Passados os três meses, o feirante deve se filiar à associação e contribuir com a taxa mensal. Foi identificado que as regras de funcionamento da feira não são tão claras entre alguns feirantes. Foram coletados relatos de agricultores que não entendiam por que alguns feirantes compravam em centrais de abastecimento e revendiam na feira e por que eram aceitos feirantes que não são agricultores familiares. Com relação à origem dos produtos, também foram percebidas algumas contradições nos relatos; enquanto alguns alegaram que só era permitida produção própria, outros afirmaram que era permitido expor no mínimo 51% de produtos desse tipo. Não foi detectado nenhum tipo de punição aos feirantes que não comparecem à feira sem justificativa.

Com relação à origem dos produtos, as feiras apresentaram singularidades: (1) em Ceres, feirantes devem expor produção própria e podem vender produtos de terceiros como uma complementação de seus produtos, desde que sejam da mesma comunidade, e produtos agroindustrializados devem conter predominantemente ingredientes oriundos da agricultura familiar local; (2) em Goianésia e Itapuranga, feirantes devem expor exclusivamente produção própria, e produtos agroindustrializados devem conter ingredientes de produção própria; (3) em Alto Paraíso, os agricultores familiares só podem vender produção própria, e não existem regras referentes à origem dos ingredientes dos agroindustrializados; (4) em Orizona, cada feirante deve expor no mínimo 50% de produtos oriundos de produção própria, e não existem regras referentes à origem dos ingredientes dos agroindustrializados.

Nas feiras estudadas ocorre a prática de se excluir os feirantes que forem advertidos por três vezes ou que faltarem a três feiras consecutivas sem justificativa. A permanência é garantida aos feirantes que cumprirem as regras do estatuto e/ou regimento. Nas seis feiras também existem comissões que fazem visitas às unidades produtivas para acompanhar a produção e apurar denúncias referentes a desvios de condutas previstas nos regulamentos.

A coordenação da feira de Alto Paraíso não disponibilizou o estatuto da associação nem o regimento da feira, pois alegou que tais documentos são de uso exclusivo dos feirantes. Mesmo assim, foi possível compreender as regras da feira a partir das entrevistas. São aceitos três tipos de expositores: (1) agricultores familiares; (2) pessoas da cidade que produzem processados ou produtos transformados; e (3) agroindústria familiar. Além dessas três categorias, são disponibilizadas algumas bancas para os expositores ocasionais, que quase sempre são ocupadas por artesãos. Para entrar na feira, o requerente deve entrar em contato diretamente com a coordenação da associação dos feirantes, preencher um formulário e aguardar. Os produtos expostos devem ser oriundos exclusivamente de produção própria, exceto os que vendem produtos processados, que podem comprar suas matérias-primas. Não foi identificada a maneira como a coordenação julga os requerimentos de novos feirantes. Muitos relatos deixaram a entender que a produção deve ser agroecológica. Os feirantes não são obrigados a se filiar à associação, mas devem pagar a taxa semanalmente e participar das reuniões convocadas. Percebeu-se que a coordenação da associação dos feirantes cria algumas barreiras para a entrada de novos filiados.

A associação dos feirantes de Flores de Goiás possui estatuto, mas a feira não possui um regimento interno. Por questões operacionais (difícil acesso às comunidades, qualidade ruim do sinal de telefone), não foi possível ter acesso ao documento, já que nenhum entrevistado tinha cópia impressa, tampouco a versão digital. Para ter direito a expor na feira, o requerente deve ser agricultor familiar, assentado da reforma agrária ou quilombola. É permitida a venda de produtos de terceiros, desde que seja apenas uma complementação e provenientes de agricultores vizinhos. Para expor na feira e manter a sua banca, é preciso comprovar que tem produção, em seguida se filiar à associação e pagar as taxas em dia (mensalidade da associação e custos com a montagem e desmontagem). É permitido revender produtos que não sejam hortifrutigranjeiros, tais como roupas, artigos importados, lanches, entre outros. O Quadro 2 sintetiza as principais singularidades e semelhanças entre as feiras referentes aos três pressupostos da pesquisa.

 

Quadro 2 – Mecanismos de funcionamento das feiras municipais do produtor que promovem a inclusão de agricultores familiares em canais curtos de comercialização de acordo com os três pressupostos da pesquisa

11_quad02.jpg

Fonte: Elaborado pelos autores. Dados coletados entre janeiro e outubro de 2018.

 

Como as feiras estão inseridas nas cadeias curtas, redes agroalimentares alternativas e circuitos regionais

Motivações que levam o consumidor a visitar e a comprar nas feiras

A principal motivação que leva o consumidor a comprar nas feiras é que nelas, na opinião dos consumidores, os produtos são mais frescos, mais saudáveis e com menos “veneno” que nos supermercados. Porém, foi bastante citado o fato de os produtos serem produzidos por pessoas conhecidas, por serem da região e por serem “orgânicos”.

A expressão “vem direto da roça” representou uma espécie de síntese que explica, na visão dos consumidores, a melhor qualidade dos produtos da feira e a motivação que os levava à feira bastante recorrente. Outro ponto muito citado pelos consumidores foi o fato de que alguns produtos são apenas ofertados na feira. Uma questão relevante é que os consumidores, em grande parte, acreditam que os produtos dos feirantes são mais saudáveis e possuem menos agrotóxicos, mas não sabem explicar por que acreditam nisso. Observou-se certa confusão entre os consumidores sobre o entendimento dos conceitos de produto agroecológico, produto orgânico, produto local e produto fresco, principalmente porque nenhuma das feiras pesquisadas era exclusivamente de produtos orgânicos ou agroecológicos. Apenas em Goianésia a questão do preço mais baixo foi frequentemente citada pelos consumidores como uma motivação pela opção pela feira.

 

Relações do conjunto da agricultura familiar com o poder público municipal e outras organizações da sociedade civil

É marcante o fato de que nos municípios em que a Emater permanece atuante e com um quadro de técnicos razoável (Ceres, Goianésia e Itapuranga) o poder público tende a ter uma relação mais próxima dos agricultores familiares. O papel de interlocução entre os diferentes agentes e instituições, aliado ao acompanhamento técnico das unidades produtivas e organizações da agricultura familiar feito pela Emater, tem grande relevância na criação e consolidação das redes agroalimentares locais. Assim, ações e projetos voltados para a agricultura familiar passam a ser vistos não como um mérito de uma ou outra gestão, mas como algo corriqueiro e natural do poder público local.

Em todos os municípios estudados foram identificadas diferentes organizações da sociedade civil que têm relações, em maior ou menor intensidade, com as demandas da agricultura familiar. Associações, cooperativas, empresas de assistência técnica, sindicatos e grupos informais são algumas das organizações identificadas, porém, cada município possui um leque de organizações e características diferenciadas.

 

Relações da agricultura familiar dos municípios com os mercados locais que vendem alimentos

Exceto uma sorveteria de Itapuranga, um restaurante de Orizona e um supermercado em Alto Paraíso, todos os respondentes que representam os estabelecimentos comerciais de alimentação visitados (restaurantes, lanchonetes, frutarias, supermercados, pizzarias, pamonharias etc.) afirmaram que compram (em menor ou maior escala) produtos dos agricultores familiares da região para prepararem em seus estabelecimentos, pois a qualidade dos produtos é bem melhor, mas outras motivações foram: (1) mais praticidade, pois o agricultor entrega os produtos na porta; (2) produto caseiro e artesanal tem mais aceitação do consumidor final; (3) produtos são mais saudáveis e com menos agrotóxicos; (4) produtos da agricultura familiar local saem mais em conta do comprar na Central Estadual de Abastecimento (Ceasa); (5) produtos locais são “orgânicos”; (6) movimenta a economia local quando se adquire produtos dos agricultores familiares; (7) valorização da agricultura familiar local; e (8) menores custos quando comparados a compras feitas nas Ceasas.

 

Potencialidades de inserção da produção de base familiar em circuitos regionais, avanços derivados da inserção dos agricultores familiares na feira e desdobramentos da consolidação da feira no município

A criação e consolidação de circuitos regionais de produção, distribuição e consumo é algo bastante novo para a realidade do estado de Goiás. A formalização de produtos com indicação geográfica tem sido uma das estratégias de fortalecimento de tais circuitos. Dentre os municípios estudados, apenas Alto Paraíso apresentou traços que levam a crer que existe potencial para que tal localidade se consolide como uma experiência exitosa de circuito regional, pois tem características edafoclimáticas bastante específicas, grande produção de especialidades, produtos com muito valor agregado e forte demanda dos consumidores por produtos locais.

 A partir da inserção na feira, muitos feirantes dos municípios estudados alegaram que estabeleceram importantes contatos com clientes, o que tem potencializado sua comercialização. Ou seja, aproveitam a produção destinada à feira para atender às famílias que pedem encomendas. Alguns feirantes vendem também para supermercados, lanchonetes, bares, restaurantes e hotéis das cidades.

Em todos os municípios, agricultores familiares (feirantes e não feirantes) fazem entregas periódicas de seus produtos nos diversos estabelecimentos comerciais que vendem alimentos. Estas transações ocorrem de maneira individual, sem a mediação de cooperativas ou associações. Foi observado também que transações ocasionais são frequentes, ou seja, o agricultor colhe sua produção, passa de porta em porta no comércio oferecendo os produtos, mas essa prática não é comum entre os feirantes. Outro aspecto muito citado pelos feirantes dos municípios estudados é a interação que a feira promove entre os agricultores familiares de comunidades distantes. Feirantes e consumidores mencionaram que a feira é um lugar onde campo e cidade dialogam.


Como as feiras são uma alternativa aos mercados agroindustriais

Relações de cooperação, solidariedade e competição entre os feirantes

Observou-se em todos os municípios que a concorrência apenas a partir do preço não existe, pois a fidelização de clientes a certos produtos de determinados feirantes é forte, diminuindo a influência do preço na tomada de decisão do consumidor. Percebeu-se que a competição ocorre pela busca de melhor qualidade dos produtos. Relatos de comportamento cooperativo e solidário foram recorrentes em todas as feiras estudadas: (1) ajudas financeiras de feirantes a outros em tratamento médico; (2) feirantes se ajudam no atendimento aos clientes, quando o movimento é grande; (3) apoio nos momentos de carga e descarga de produto; e (4) doação de produtos a organizações filantrópicas.

 

Diferença entre a feira e os mercados convencionais na perspectiva do consumidor e do agricultor

Algumas diferenças entre a feira e os mercados convencionais foram levantadas com frequência por respondentes de todas as feiras estudadas: (1) melhor qualidade dos produtos; (2) movimenta a economia local; e (3) gera alternativa de renda para agricultores familiares locais. Para alguns, melhor qualidade significa o frescor dos produtos, para outros, é sinal de menor risco, por ser “orgânico” ou com menos agrotóxicos, e para outros representa a confiança que têm no agricultor, já que ele é de seu círculo social. Observou-se em algumas feiras relatos de consumidores que afirmaram que na feira há produtos que não existem nos mercados convencionais.

Foram recorrentes, em todos os municípios estudados, falas que demonstraram a preocupação do feirante com a qualidade do seu produto (por conhecer seus clientes), e a vantagem de ter maior poder de regulação dos preços de seus produtos (pois conhece o perfil dos seus clientes e sabe da sua qualidade), de que as transações são feitas à vista e em dinheiro, de que na feira as exigências (de documentos, impostos, vigilância sanitária) são menores que nos supermercados onde também não é possível para o agricultor vender um pouco de cada produto. Alguns feirantes relataram que, além de vender seus produtos, compram de seus colegas e nos mercados do município, atendendo também a sua demanda de consumo e movimentando a economia local.

 

Agricultores familiares que não estão inseridos na feira

A única feira em que foram identificadas barreiras para a entrada de novos feirantes foi a de Alto Paraíso. Os assentados daquele município passaram por um longo período de espera até serem aceitos pela coordenação da associação e, mesmo assim, só foram admitidos porque a prefeitura, o Sebrae e a Emater contribuíram na mediação, garantindo bancas para as famílias assentadas. Uma das formas de restringir a entrada de novos agricultores era exigindo, no ato de solicitação de banca, documentos que comprovassem que o requerente era proprietário rural. Segundo membros da direção da associação, essa regra está sendo alterada para atender aos assentados da reforma agrária.

As feiras de Ceres e Goianésia possuem regras muito claras, contam com um conjunto de instituições parceiras e uma rede de associações de comunidades ligadas organicamente à feira. Essa característica faz com que haja uma rotatividade de ocupantes das bancas de maneira natural. Itapuranga apresenta traços semelhantes aos de Goianésia e Ceres, mas, como a feira é realizada na rua, o espaço para entrada de novos feirantes não é um fator limitante. Assim, a quantidade de bancas aumenta e diminui de acordo com o mercado. Já em Ceres e Goianésia a limitação do espaço físico do galpão da feira acaba por também restringir a quantidade de expositores.

Em Orizona, quase todos os agricultores familiares feirantes vendem todos os produtos , e os consumidores demandam uma maior oferta de produtos, mas não foi possível identificar uma organização e um arranjo institucional ideal para se planejar uma expansão da feira sem incorrer no risco de perder o caráter de feira da agricultura familiar.

A feira de Flores de Goiás é muito recente e, como a população urbana do município é pequena, a demanda por produtos ainda não é expressiva. Essas características, aliadas ao fato de que grande parte dos assentamentos do município é distante da cidade, fazem com que a procura por espaço na feira não seja significativa.

 

Abrangência da feira

Ainda que as feiras se configurem um espaço potencial de inserção comercial dos agricultores familiares em canais curtos de comercialização, os dados revelam que apenas uma parcela pequena dos agricultores familiares dos municípios estudados participa das feiras como canal alternativo de comercialização. Proporcionalmente, a comercialização via feira do agricultor é pouco significativa quando comparada a outros canais, principalmente os canais longos de comercialização de leite in natura. A porcentagem de agricultores familiares dos municípios analisados inseridos nas feiras e em outros canais curtos de comercialização é de 9,5%, em Alto Paraíso, 16,27%, em Ceres, 1,44%, em Flores de Goiás, 25,27%, em Goianésia, 6,85%, em Itapuranga, e 3,16%, em Orizona. Em média, 10,41% dos agricultores familiares dos municípios estudados estão inseridos nas feiras e em outros canais curtos. O restante dos produtores escoa sua produção via canais longos, predominantemente o leite comercializado com laticínios.

 

Discussão

Este trabalho revelou que a inclusão socioprodutiva de agricultores familiares se dá em feiras organizadas a partir de associações de feirantes/agricultores familiares com estatutos que definem as normas de participação. Estruturas de governança, incluindo leis e práticas institucionais informais, hierarquia, controle e regras de troca definindo quem pode transacionar com quem e as condições das transações, são instituições sociais dos mercados fundamentais para seu funcionamento (FLIGSTEIN, 1996). Em todas as feiras estudadas, os agricultores familiares foram protagonistas no estabelecimento da feira e na definição e controle das regras de entrada e de permanência na feira. O papel ativo dos agricultores familiares mostra o potencial de agência de um segmento social em controlar e ser sujeito dos eventos (BALESTRO, 2017).

A entrada na feira, para grande parte dos agricultores familiares entrevistados, significou maiores ganhos e autonomia produtiva. Os feirantes alegaram que vender na feira gera mais lucros, menos riscos de perda e, consequentemente, mais autonomia produtiva, pois, de acordo com o histórico de vendas de cada produto, o agricultor dimensiona a sua produção semanal. Além disso, a feira: (1) significou para muitas mulheres e jovens a inédita obtenção de renda com produtos que antes não tinham valor monetário (como frutas e hortaliças do quintal); (2) proporcionou a alguns agricultores, que haviam decidido sair do campo pelos baixos ganhos nas cadeias longas, a oportunidade de voltar a terra e produzir com menores custos e maiores ganhos; e (3) fez com que feirantes diversificassem a produção e repensassem suas técnicas de manejo convencionais. Esses fatos remetem ao que Belleti e Marescotti (2017) relatam quando afirmam que o sucesso das cadeias curtas está intimamente ligado a processos de inovação econômica que se baseiam em novos paradigmas de eficiência, tais como a logística organizacional e informacional. 

A pesquisa também revelou que a inclusão socioprodutiva de agricultores familiares se dá em feiras onde existem relações consolidadas e de confiança entre agricultores e consumidores locais. Essas características facilitam a constituição de canais curtos de comercialização que funcionam a partir de princípios econômicos, mas embebidos em relações sociais. Os mercados face a face também são caracterizados por comportamentos baseados no caráter comercial (instrumentalismo e marketness), e isso não exclui desses mercados a sua característica de espaço social (embeddedness) (BLOCK, 1990 apud HINRICHS, 2000).

As redes agroalimentares alternativas nos municípios estudados estão sendo formadas sem necessitar de estímulos de compra oriundos de nichos de mercado. No mercado face a face, as relações de confiança proporcionam a possibilidade de a produção não necessariamente precisar de mecanismos externos de acreditação que diminuem os ganhos de quem produz (SABOURIN, 2013). As motivações que levam os consumidores à feira (busca por produtos locais, seguros, confiáveis, com mais qualidade e que geram movimentação da economia local) corroboram a hipótese de que elas se configuram um canal de comercialização popular e inclusivo. O fato de a feira de Alto Paraíso ser relativamente fechada à entrada de novos agricultores, aliado ao seu perfil também relativamente elitizado, corrobora a ideia de Goodman (2017) de que as redes agroalimentares alternativas correm risco de se transformar em espaços onde são fornecidos alimentos de qualidade para pessoas abastadas.

As diferenças percebidas entre as feiras não são visíveis aos consumidores no que se refere à qualidade dos produtos. Mesmo que na feira de Orizona tenha menos produtos oriundos da agricultura familiar, os consumidores apresentaram a mesma motivação para comprar na feira (a qualidade, o frescor e a busca por alimentos saudáveis). Aqui surge uma fragilidade dessa feira, a autenticidade dos produtos, que nas cadeias curtas e nas redes agroalimentares alternativas é o principal diferencial que torna esse mercado capaz de ser uma alternativa ao modelo hegemônico (WITTMAN; BECKIE; HERGESHEIMER, 2012).

Finalmente, o estudo revelou que a inclusão socioprodutiva de agricultores familiares se dá em feiras que possuem relações solidárias entre os participantes e funcionam como catalizadoras de novas transações entre agricultores e diferentes mercados. A potencialidade das feiras como catalizadoras do desenvolvimento das redes agroalimentares locais alternativas foi percebida nos seis municípios, já que existe uma crença entre as pessoas dessas localidades de que os produtos da feira têm mais qualidade. A prova disso é que: (1) vários feirantes alegaram que a feira é um ponto de partida para o estabelecimento de novas transações; (2) quase todos os estabelecimentos comerciais de alimentação adquirem produtos da feira ou da agricultura familiar local; e (3) todos os feirantes afirmaram que os ganhos na feira são maiores.

Porém, há de se levantar a questão da dificuldade de expansão desse tipo de mercado exatamente por exigir a aproximação entre agricultor e consumidor (WITTMAN; BECKIE; HERGESHEIMER, 2012). Essa dificuldade é aumentada quando se trata da entrada dos produtos das feiras e da agricultura familiar como um todo nos comércios locais. Na consolidação das feiras, o estado tem papel fundamental de legitimar os direitos de propriedade e definir as regras de troca. A ausência do estado em algumas feiras não conferiu a perda de seu caráter popular, mas as deixou suscetíveis à entrada de novos agentes que possam desestabilizar o mercado, conforme apontado em outros estudos (FLIGSTEIN, 1996).

O papel fundamental exercido pela Emater em Goianésia, Ceres e Itapuranga conferiu a essas feiras um caráter bastante popular, demonstrando a importância da política pública na conformação do mercado de cadeia curta. Esse fato remete a Goodman (2017), pois a atuação da política pública se baseou na busca concreta pela mudança no sistema agroalimentar local, visando fortalecer as organizações de agricultores familiares e qualificar a relação entre produtores e consumidores. Os diferentes níveis de apoio oferecidos pelo poder público e, consequentemente, os diferentes níveis de inclusão de agricultores familiares nos sistemas agroalimentares locais corroboraram o que Silva, Balem e Silveira (2015) concluíram quando afirmaram que o aporte de recursos em projetos oriundos de políticas públicas são determinantes para que se construa nos consumidores a noção de qualidade baseada no local e se fortaleça os vínculos destes com os agricultores.

A legislação, o amparo jurídico e as políticas públicas específicas que visem potencializar a entrada de produtos locais nos mercados locais são fundamentais na constituição de uma rede agroalimentar alternativa (SILVA; BALEM; SILVEIRA, 2015). As feiras estudadas se mostraram como um espaço autônomo onde as regras são criadas pela coletividade de agentes e organizações que construíram tal mercado. Assim, a presença do estado com suas recorrentes ações de repressão e cobrança, tais como apreensões da vigilância sanitária e arrecadação de tributos, não é algo marcante. Porém, percebeu-se que nos municípios onde o estado tem uma atuação mais relevante no suporte à feira e à agricultura familiar, seus produtos alcançam mais diversidade de mercados. 

O tema competição foi abordado pelos feirantes de forma velada, mas foi possível entender que a competição pelo preço é pouco frequente, pois a prática de baixar os preços para ganhar clientes não é bem vista entre os feirantes e nem sempre garante mais vendas em razão da fidelização. A competição se dá principalmente pela qualidade e pela inovação, seja criando novas receitas, pré-processando produtos in natura ou expondo produtos diferentes dos usuais. Entender essas características que são marcantes nos mercados convencionais, mas que também existem nos mercados alternativos, pode contribuir para a potencialização das características peculiares das relações de mercado dos canais curtos de comercialização (HINRICHS, 2000).

A despeito do potencial de inclusão comercial de agricultores familiares, as feiras municipais abrangem uma parcela diminuta dos agricultores familiares dos municípios estudados. Assim, o presente estudo corrobora a hipótese de Diao, Hazell e Thurlow (2010) de que os mercados alternativos hoje suportam apenas uma pequena porcentagem de agricultores familiares locais, relegando a maioria à competição nos mercados convencionais. Porém, com um amparo maior do estado e com a criação e o fortalecimento de um arranjo institucional que favoreça a inclusão socioprodutiva da agricultura familiar, as cadeias curtas de comercialização têm potencial de se consolidar e até aumentar suas transações (SILVA; BALEM; SILVEIRA, 2015), pois existe uma demanda crescente de produtos da agricultura familiar em todos os municípios estudados. Isso confirma a hipótese de Wiggins, Kirsten e Llambí (2010) de que a expansão dos mercados alternativos esbarra nas dificuldades logísticas e de produção. A maioria dos feirantes trabalha em suas propriedades com mais uma ou duas pessoas, o que inviabiliza o aumento da produção. Diante do exposto, este trabalho ratifica a hipótese de Diaz-Méndez e Garcia-Espejo (2016) de que a opção dos agricultores familiares por uma produção e comercialização alternativas está condicionada (além da quantidade dos diversos recursos disponíveis) muito mais às adversidades da realidade local do que à sua consciência ambiental, social e política.

 

Conclusão

Esta pesquisa revelou que as feiras que promovem a inclusão socioprodutiva dos agricultores familiares se caracterizam por: (1) estarem organizadas a partir de associações de feirantes/agricultores familiares com estatutos que definem normas de participação; (2) contarem com relações consolidadas e de confiança entre agricultores e consumidores locais; e (3) possuírem relações solidárias entre os participantes e funcionarem como catalizadoras de novas transações entre agricultores e diferentes mercados. 

Nessas feiras são fortalecidas cadeias curtas de comercialização na medida em que se constroem vínculos comerciais entre agricultores familiares e consumidores locais. Essas feiras se configuraram um espaço alternativo de comércio, pois: (1) estão imersas em relações sociais que vão além das trocas mercantis; (2) mais qualidade não gera necessariamente produtos mais caros; e (3) a relação face a face estimula o desenvolvimento de cadeias de valor que não necessitam de mecanismos externos de acreditação.

Apesar do potencial representado pelas feiras analisadas, esta pesquisa revela que, em média, 10,41% dos agricultores familiares dos municípios estudados estão inseridos nas respectivas feiras. Todo o restante comercializa nos canais longos (predominantemente o do leite), e a quantidade de agricultores que comercializam exclusivamente em outros canais curtos é irrisória. É fundamental desenvolver ações de promoção das feiras municipais, considerando seu papel para a inserção comercial de agricultores familiares em canais curtos. Este estudo apresenta os aspectos fundamentais a serem considerados em eventuais políticas de promoção de feiras municipais do produtor.

 

 

 

Referências

BALESTRO, Moisés Villamil. Contribuições metodológicas para análise das cadeias curtas de produção: os ganhos da comparação e da causalidade. In: GAZOLLA, Marcio; SCHNEIDER, Sergio (Orgs.). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas – negócios e mercados da agricultura familiar. 1. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2017.

BELLETTI, Giovani; MARESCOTTI, Andrea. Inovações econômicas em cadeias curtas de abastecimento alimentar. In: GAZOLLA, Marcio; SCHNEIDER, Sergio (Orgs.). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas – negócios e mercados da agricultura familiar. 1. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2017.

CORONA, Hieda Maria Pagliosa; VASQUES, Samuel Tafernaberri; GODOY, Wilson Itamar. Dinâmicas socioeconômicas dos agricultores familiares de Chapecó. Redes – Revista do Desenvolvimento Rural, Santa Cruz do Sul, v. 23, n. 1, p. 237-261, 2018. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/redes/article/view/10532. Acesso em: 16 ago. 2020.

DAROLT, Moacir Roberto; LAMINE, Claire; BRANDENBURG, Alfio; ALENCAR, Maria de Cleófas Faggion; ABREU, Lucimar Santiago. Redes alimentares alternativas e novas relações produção-consumo na França e no Brasil. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 1-22, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1809-4422ASOC121132V1922016. Acesso em: 19 ago. 2020.

DIAO, Xinshen; HAZELL, Peter; THURLOW, James. The role of agriculture in African development. World Development, v. 38, n. 10, p. 1375-1383, 2010.

DIAZ-MÉNDEZ, Cecilia; GARCIA-ESPEJO, Isabel. O potencial da sociologia da alimentação para estudar os efeitos da globalização alimentar. In: CRUZ, Fabiana Thomé da; MATTE, Alessandra; SCHNEIDER, Sergio (Orgs).  Produção consumo e abastecimento de alimentos – desafios e novas estratégias. 1. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2016.

FAULIN, Evandro Jacóia; AZEVEDO, Paulo Furquim de. Distribuição de hortaliças na agricultura familiar: uma análise das transações. Informações Econômicas, v. 33, n. 11, p. 24-37, 2003.

FLIGSTEIN, Neil. Markets as politics: a political-cultural approach to market institutions. American Sociological Review, v. 61, n . 4, p. 656-673, 1996.

GASPARI, Luciane Cristina de; KHATOUNIAN, Carlos Armênio. Características das famílias, estruturação da produção e estratégias de comercialização em um assentamento de reforma agrária. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 54, n. 2, p. 243-260, 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1234.56781806-947900540203. Acesso em: 27 jul. 2020.

GODOY, Wilson Itamar. As feiras-livres de Pelotas, RS: estudo sobre a dimensão sócio-econômica de um sistema de comercialização. 2005. 313 f. Tese (Doutorado em Agronomia) – Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2005. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/consagro/files/2012/03/GODOY-Feiras-Livres-2005.pdf. Acesso em: 4 ago. 2020.

GOODMAN, David. Espaço e lugar nas redes alimentares alternativas: conectando produção e consumo. In: GAZOLLA, Marcio; SCHNEIDER, Sergio (Orgs.). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas – negócios e mercados da agricultura familiar. 1. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2017.

HINRICHS, Cynthia Clare. Embeddedness and local food systems: notes on two types of direct agricultural market. Journal of Rural Studies, v. 16, n. 3, p. 295-303, 2000.

MALUF, Renato Sergio. S. Mercados agroalimentares e a agricultura familiar no Brasil: agregação de valor, cadeias integradas e circuitos regionais. Ensaios FEE, v. 25, n. 1, p. 299-322, 2004. Disponível em: https://revistas.dee.spgg.rs.gov.br/index.php/ensaios/article/view/2061. Acesso em: 23 jul. 2020.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Revista Pesquisa Qualitativa, v. 5, n. 7, p. 1-12, 2017.

PLEIN, Clério; FILIPPI, Eduardo Ernesto. Capitalismo, agricultura familiar e mercados. Redes – Revista do Desenvolvimento Rural, v. 16, n. 3, p. 98-121, 2011. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/redes/article/view/1545. Acesso em: 2 ago. 2020.

PLOEG, Jan Douwe van der; RENTING, Henk; BRUNORI, Gianluca; KNICKEL, Karlheinz et al. Rural development: from practices and policies towards theory. Sociologia Ruralis, v. 40, n. 4, p. 391-408, 2000.

POTRICH, Rafaele; GRZYBOVSKI, Denize; TOEBE, Carlisa Smorktunowicz. Sustentabilidade nas pequenas propriedades rurais: um estudo exploratório sobre a percepção do agricultor. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 25, n. 1, p. 208-228, 2017. Disponível em: https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/esa25-1_09_sustentabilidade. Acesso em: 15 jul. 2020.

PRA, Marlene; SABOURIN, Eric; PETERSEN, Paulo; SILVEIRA, Luciano. Lógicas e estratégias de comercialização na agricultura familiar do Agreste da Paraíba. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 24, n. 1, p. 5-27, 2016. Disponível em: https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/775. Acesso em: 3 ago. 2020.

RENTING, Henk; MARSDEN, Terry; BANKS, Jo. Understanding alternative food networks: exploring the role of short food supply chains in rural development. Environment and Planning A, v. 35, n. 3, p. 393-411, 2003.

RIBEIRO, Eduardo Magalhães; ÂNGULO, José Luis;  NORONHA, Alíria Bicalho; CASTRO, Boaventura Soares de et al. A feira e o trabalho rural no Alto Jequitinhonha: um estudo de caso. Unimontes Científica, v. 5, n. 1, p. 1-20, 2003. Disponível em: http://www.ruc.unimontes.br/index.php/unicientifica/article/view/53. Acesso em: 12 ago. 2020.

SABOURIN, Eric. Comercialização dos produtos agrícolas e reciprocidade no Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 21, n. 1, p. 5-33, 2013. Disponível em: https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/357. Acesso em: 19 jul. 2020.

SCARABELOT, Maristela; SCHNEIDER, Sergio. As cadeias agroalimentares curtas e desenvolvimento local – um estudo de caso no município de Nova Veneza/SC. Faz Ciência, v. 14, n. 19, p. 101-130, 2012. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/fazciencia/article/view/8028. Acesso em: 21 jul. 2020.

SILVA, Gustavo Pinto da; BALEM, Tatiana Aparecida; SILVEIRA, Paulo Roberto Cardoso da. A constituição do SIAL (Sistema Agroalimentar  Localizado) de São Francisco de Assis (RS) a partir de estratégias locais e políticas públicas. Organizações Rurais & Agroindustriais, v. 17, n. 3, p. 302-317, 2015. Disponível em: http://revista.dae.ufla.br/index.php/ora/article/view/1025. Acesso em: 11 jul. 2020.

SILVESTRE, Luiz Henrique Aparecido; RIBEIRO, Áureo Eduardo Magalhães; FREITAS, Camila da Silva. Subsídios para a construção de um programa público de apoio à feira livre no Vale do São Francisco, MG. Organizações Rurais & Agroindustriais, v. 13, n. 2, p. 186-200, 2011.

SPOSITO, Elaine Caliman; ABREU, Lucimar Santiago de. Diversidade da produção familiar e da comercialização de produtos orgânicos de Vitória (ES). Redes – Revista de Desenvolvimento Rural, v. 22, n. 3, p. 292-315, 2017. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/redes/article/view/6487. Acesso em: 21 jul. 2020.

VERANO, Thiago de Carvalho; MEDINA, Gabriel da Silva. Comercialização por agricultores familiares em feiras municipais: quantificação, participação e localização no estado de Goiás. Interações (Campo Grande), v. 20, n. 4, p. 1045-1056, 2019.

VERANO, Thiago de Carvalho. Feiras municipais como alternativa de comercialização para agricultores familiares. 2019. 95 f. Dissertação (Mestrado em Agronegócio) – Programa de Pós-graduação em Agronegócio, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019. Disponível em: https://repositorio.bc.ufg.br/tede/handle/tede/9524. Acesso em: 4 jul. 2020.

WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. Agricultura familiar e campesinato: rupturas e continuidade. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 11, n. 2, p. 20, 2003. Disponível em: https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/238. Acesso em: 2 ago. 2020.

WIGGINS, Steve; KIRSTEN, Johann; LLAMBÍ, Luis. The future of small farms. World Development, v. 38, n. 10, p. 1341-1348, 2010.

WILKINSON, John. A agricultura familiar ante o novo padrão de competitividade do sistema agroalimentar na América Latina. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 11, n. 2, p. 63-87, 2003. Disponível em: https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/239. Acesso em: 27 jul. 2020.

WITTMAN, Hannah; BECKIE, Mary; HERGESHEIMER, Chris. Linking local and food system and the social economy? Future roles for farmers’ market in Alberta and British Columbia. Rural Sociology, v. 77, n. 1, p. 36-61, 2012.

 

 

 

Como citar

VERANO, Thiago de Carvalho; MEDINA, Gabriel. Feiras que promovem a inclusão de agricultores familiares em cadeias curtas de comercialização. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 197-218, fev. 2021. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v29n1-11.

 

 

 

 

Thiago de Carvalho Verano

Doutorando no Programa de Pós-graduação em Agronegócio da Universidade Federal de Goiás (UFG).

veranoseco@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-5767-0414

http://lattes.cnpq.br/4178857600377197

Gabriel Medina

Professor dos Programas de Pós-graduação em Agronegócios da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal de Goiás da Universidade Federal de Goiás (UFG). Pós-doutorado em Políticas Ambientais pelo Imperial College London, Reino Unido.

gabriel.silva.medina@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-5815-6812

http://lattes.cnpq.br/4866331905231029


 

 

 

 

ccby.png

Creative Commons License. This is an Open Acess article, distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License CC BY 4.0 which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium. You must give appropriate credit, provide a link to the license, and indicate if changes were made.

 

 



[1] Doutorando no Programa de Pós-graduação em Agronegócio da Universidade Federal de Goiás (UFG). E-mail: veranoseco@gmail.com.

[2] Professor dos Programas de Pós-graduação em Agronegócios da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal de Goiás da Universidade Federal de Goiás (UFG). Pós-doutorado em Políticas Ambientais pelo Imperial College London, Reino Unido. E-mail: gabriel.silva.medina@gmail.com.