ESA_logo.png                                      Recebido: 30.ago.2023   •    Aceito: 18.dez.2023   •    Publicado: 15.mar.2024                                                                                                                                                                                                                                                   

‘Se você é contra o PT, meu partido é você’: uma análise das mobilizações do patronato rural do Rio Grande do Sul  

‘If you’re against the PT, you’re my party’: analysis of mobilizations by rural patronage in Rio Grande do Sul

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Felipe Ferrari da Costa[1]

 

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Marcos Botton Piccin[2]

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Regina Bruno[3]

 

 

 

 

 

https://doi.org/10.36920/esa32-1_01   

 

 

 

Resumo: Este artigo analisa a construção de identidades e representações sociais do patronato rural gaúcho em situações de conflito, considerando mobilizações empreendidas por eles a partir dos anos 1980, especialmente pela garantia do monopólio fundiário. Persegue-se o sentido atribuído a categorias como luta, movimento, mobilização da classe, de unidade e enfrentamento ao adversário. Busca-se interpretar a organização de ações de rua, como caminhadas, marchas, acampamento, cavalgada e caravana. São práticas complexas e heterogêneas, que ensejam disputas pela legitimidade na liderança do grupo. A mobilização compõe suas identidades e representações ao longo do tempo, informando diferenciação em relação a outras frações dominantes do país. A forma como anunciam-se combatentes no campo dos conflitos agrários, informando um ethos da violência como prática política, afirma os senhores de terra do Rio Grande do Sul como senhores de guerra. A análise é qualitativa e as fontes são 17 entrevistas em profundidade, com representantes deste patronato.

Palavras-chave: agronegócio; elites; questão agrária; conflitos; manifestação de rua.

 

Abstract: This article analyzes the construction of identities and social representations of rural patronage in the Brazilian state of Rio Grande do Sul in situations of conflict, considering such mobilizations from the 1980s onward, mainly by ensuring monopoly land ownership. We investigate the meaning attributed to categories such as combat, movement, class mobilization, unity, and confrontation of adversaries, and attempt to interpret the organization of street actions such as cavalcades, marches, camps, horse marches, and caravans. These practices are complex and heterogeneous, and result in disputes for legitimacy in the group leadership. Mobilization composes their identities and representation over time, differentiating this group from other dominant factions in the country. The way combatants in the field of agrarian conflicts announce themselves, affirming an ethos of violence as a political practice, confirms the senhores da terra [landholders] of Rio Grande do Sul to actually be senhores de guerra [warlords]. Our analysis is qualitative, utilizing 17 in-depth interviews with representatives of this patronage as sources.

Keywords: agrobusiness; elites; agrarian matters; conflicts; street demonstrations.

 

 

 

 

Introdução

As classes e frações dominantes ligadas à agricultura e à agroindústria perseguem os seus interesses a partir de um repertório de ações baseado na multiorganização. Isso compreende sua representação pelo sindicalismo oficial, em que se utilizam de uma legitimidade conferida pelo Estado; envolve associações por produto e multiproduto, que representam cadeias do chamado agronegócio; organizações de cooperativismo rural e as tradicionais associações de defesa da propriedade da terra. Eles também podem atuar por frentes parlamentares, grupos de pressão e lobby, associações de empresas, federações de indústrias e entidades representativas de setores produtivos componentes dos sistemas alimentares ou que discutem temas socioambientais (Bruno; Lacerda; Carneiro, 2012; Pompeia, 2021).

Faz parte de seu elenco de práticas a disputa da opinião pública, o financiamento de pesquisas de acordo com seus interesses, a articulação pública ou nos bastidores com determinados agentes políticos, a presença em postos de gestão e/ou reivindicações perante o Estado visando políticas públicas em seu favor. Esse processo pode ocorrer como assessoria técnica, já que se utilizam de um discurso específico dos campos científicos, especialmente o econômico, para legitimar suas reivindicações. Em última instância, a representação dos grupos que reivindicam a designação de agronegócio pode recorrer a ações de mobilização direta de suas bases sociais e de enfrentamento com seus oponentes, o que ocorre quando sentem suas posições sociais ameaçadas.

Este artigo buscou analisar a construção das identidades e representações sociais do patronato rural gaúcho nesta última situação, em situações de conflito, quando sentem suas posições sociais ameaçadas. A análise ocorreu a partir de seus relatos acerca das mobilizações que empreenderam, desde a década de 1980, especialmente, contra a política de assentamentos rurais e ações dos movimentos de luta pela terra. O que organizou nossa análise foram as recorrências e continuidades no discurso e na prática patronal, nessas situações, em todo o período observado. Assinalar as recorrências e continuidades em momentos de enfrentamento do que eles denominam de “inimigos” não significa desconhecer suas divergências, tensões, disputas, nem as transformações ocorridas em suas organizações e práticas, como assinalado em Costa (2019) e Kenne (2022), para o caso gaúcho, e Bruno (2019) e Pompeia (2021, 2023), para o caso nacional.  Entretanto, quando o assunto é a defesa do monopólio da propriedade da terra, as divergências e as contradições das organizações e dos movimentos patronais são ignoradas tanto nas dinâmicas internas quanto no debate público, e o que há é uma complementariedade de ações que visam ao mesmo objetivo (Bruno, 1997, 2009, 2019).  Assim, pretendemos contribuir para a interpretação das formas de ação e estratégias de reprodução social de frações dominantes ligadas à agricultura e à agroindústria.

No caso analisado, trata-se de ações de mobilização direta que passam a mimetizar as formas de luta pela terra de seus oponentes diretos, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra/MST, reeditando as ideias de acampamento e luta,[4] em um campo dos conflitos agrários (Da Ros, 2012). A noção de campo de conflitos agrários procura estabelecer uma análise relacional da ação do patronato em questão, cujas iniciativas não podem ser entendidas de modo isolado. Nesse campo estão situados os principais agentes que disputam a posse e a propriedade da terra como uma forma específica de capital econômico. Cada agente ocupa uma determinada posição no campo a depender do volume e estrutura de seus capitais, de modo especial o capital econômico, social, cultural e simbólico (Bourdieu, 2002). Assim, buscam a manutenção, a ampliação das diferenças ou a modificação das posições e distribuição dos principais recursos disputados. Nesse campo, há também os subcampos, como as relações que se estabelecem entre as entidades patronais e suas bases. A tomada de posição de um agente influencia o cálculo de tomada de posição dos demais. A resultante dessas práticas guarda um grau de imprevisibilidade aos próprios agentes porque estão na medida das relações de força e capacidade de fazer valer seus pontos de vista. É neste campo que as ações do patronato analisado são compreendidas, em que mesmo a identidade que se constrói depende dos demais agentes que estão em relação.

No espectro político, todos os que ameaçam suas posições são classificados desde uma identidade antagonista, de conflito, traduzida pela frase que dá o título a este artigo. Há uma tentativa de desclassificação do adversário, apresentado de maneira indistinta – como uma espécie de sujeito genérico, ligado ao Movimento Sem-Terra/MST ou ao Partido dos Trabalhadores/PT –, independente da veracidade da ameaça que representam e/ou das imensas diferenças guardadas entre eles. A expressão patronal presente no título não se refere às relações com as direções de um partido político, mas à dinâmica da luta política no campo de conflitos agrários cujos principais opositores são o MST e o PT. O forte apoio do patronato rural a tendências autoritárias no cenário político nacional atual pode ser explicado, em parte, pelas identidades forjadas nestes processos de ação direta, já que atualizam sociabilidades fundadas no padrão “casa-grande & senzala” (Freyre, 1987), negando qualquer possibilidade de fazer prevalecer a ideologia da igualdade entre cidadãos de uma mesma nação ou mesmo dificultando os mecanismos de dominação baseados na impessoalidade moderna (Cardoso, 2019).

A bibliografia especializada na análise dos grandes proprietários de terra privilegia a representação patronal e suas entidades em contextos nacional (Bruno, 1997, 2009; Mendonça, 2009) ou regionais (Heinz, 1991; Gasparotto, 2016; Costa, 2019), sua ação política em momentos de tensões sociais e grandes disputas (Da Ros, 2012), a atuação destes grupos no parlamento, de modo especial pela chamada bancada ruralista (Vigna, 2007; Cruz, 2015; Carneiro, 2020; dentre outros), sua relação com a agricultura familiar (Bruno, 2016; Sauer, 2008), com o tema ambiental (Sevá, 2008) e com comunidades e povos tradicionais (Bruno, 2017; Rauber, 2021), a construção de trajetórias de grupos específicos e o acúmulo de capitais cultural, simbólico e social (Grijó, 1998; Piccin, 2015) e a formação política do agronegócio ao longo do tempo (Pompeia, 2021). Mas poucos são os trabalhos que se dedicam a analisar a construção das identidades e representações sociais do patronato rural, tendo em vista as mobilizações agenciadas por eles, com destaque para Carneiro (2008) e Da Ros (2009).

 Neste artigo, damos destaque aos discursos que evocam noções e representações sociais ligadas às ideias por eles expressadas como luta, movimento, mobilização da classe, de unidade e enfrentamento direto com o adversário, da construção e da organização das ações de rua, como caminhadas, marchas e do acampamento, cavalgada e caravana, elementos constitutivos da manifestação política desse patronato. Busca-se analisar como seus porta-vozes agenciam diferentes significados e sentidos a respeito dos processos de mobilização de massa por eles protagonizados, já que são construídos em diversos momentos da história e se constituem de marcas de sua ação ao longo do tempo.

Os grupos patronais lançam mão da estratégia da mobilização quando veem ameaçada sua reprodução social (Tatagiba, 2017; Tatagiba; Trindade; Teixeira, 2015). As mobilizações de que se trata são uma forma de ocupar o espaço público com o objetivo de demonstração de suas opiniões políticas, com vistas a se impor a todos como opinião oficial, através da lei se preciso for (Champagne, 1996). Elas são realizadas por meio de um repertório variado de técnicas, como marchas, caminhadas, cavalgada, desfile de máquinas, acampamentos e outros. A bibliografia especializada destaca duas ameaças principais que geram mobilização de rua dos setores patronais do campo brasileiro desde a década de 1950: as questões fundiárias e de manutenção do monopólio da propriedade da terra e as situações econômicas que afetam a lucratividade das atividades agropecuárias, como as demandas por renegociação de dívidas (Carneiro, 2008; Da Ros, 2009). As motivações para as ações de rua, no primeiro caso, é o confronto com concorrentes no campo de conflitos agrários e, no segundo caso, é a reprodução simples ou a descapitalização imposta por relações concorrentes de mercado. Em ambos os casos, a mobilização é um elemento importante da construção da representação e identidade dos grupos dominantes no campo brasileiro, seja quando expressam ou se defrontam com outros grupos dominantes do espaço social, com grupos subordinados ou mesmo com o Estado.      

A análise que realizamos é qualitativa, cujos dados empíricos foram obtidos por entrevistas semiestruturadas que discorriam sobre a trajetória individual, as entidades de representação e as ações dessas entidades, tendo em vista os demais participantes do campo de conflitos agrários. A análise de conteúdo foi representacional, em que se buscou evidenciar as posições e opiniões dos interlocutores quanto às temáticas em questão (Minayo, 2000). Os dados aqui apresentados foram gerados na ocasião da dissertação de mestrado do primeiro autor; agora analisados em profundidade. Foram realizadas 17 entrevistas com dirigentes, ex-dirigentes ou assessores de organizações patronais rurais e agroindústrias do Rio Grande do Sul, sendo elas a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul); a União Democrática Ruralista (UDR/RS); a Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja/RS); o Conselho de Agroindústria da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Conagro/Fiergs); a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz); a Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac); a Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ); e a Associação Brasileira de Criadores de Charolês (ABCC). O número de entrevistas foi determinado tendo em vista o mapeamento das principais entidades patronais e os nomes reconhecidos como principais lideranças e referências políticas às entidades que apareciam por ocasião das próprias declarações dos entrevistados. Trata-se de representantes patronais que ocuparam postos de destaque em diferentes momentos, desde o começo da Nova República até os dias atuais, estando em posições variadas na estrutura de poder interna a esse setor social. As entrevistas foram realizadas pelo primeiro autor entre maio e novembro de 2017. Os dados apresentados aqui não expressam necessariamente posições oficiais destas entidades, mas visões de mundo e discursos de legitimidade que dão sentido às práticas de lideranças ali instituídas e atuantes.

Além desta introdução e da conclusão, o artigo está dividido em seis seções. No item 1, analisamos o papel da liderança patronal nessas mobilizações e como esses processos envolvem disputas e podem determinar a legitimidade de suas posições internamente ao grupo; no item 2, analisamos as condições para a efetivação das mobilizações patronais, entendendo esses processos desde a circulação de elementos humanos e não humanos e pela ideia da ajuda entre pares; o item 3 informa a narrativa da mobilização como reação a supostas agressões de adversários; no item 4, a mobilização agora é vista pela ideia de luta, como contraposição simbólica ao adversário e produção de respostas rápidas às suas ações; no item 5, analisamos a construção da mobilização patronal como discurso de defesa da legalidade e de reprodução da ordem social vigente; já no item 6, analisamos a mobilização patronal desde o traço da humilhação e da violência como práticas de classe. 

 

 

‘Eu garanto que nós vamos conseguir’: a confiança no líder e os conflitos pela legitimidade da representação

O recurso à mobilização direta de suas bases ocorre quando o patronato rural sente suas posições sociais ameaçadas. Com seus interesses econômicos sob risco, podem produzir ações que extrapolam a previsibilidade da representação oficial instituída, conduzindo-se à mobilização e criando novas formas de ação coletiva. Mas esse processo, para além da defesa de seus interesses econômicos imediatos, tende também a colocar em questão a legitimidade dos porta-vozes oficiais do grupo, marcando a ascensão de novos líderes. A declaração a seguir de um dirigente da UDR e líder da oposição na Farsul (Entrevistado 3) deixa nítida essa relação entre lutas e legitimidade dos porta-vozes:

Primeiro houve a crise na cooperativa aqui, depois houve o confisco da soja com o Delfim Neto. Aí o sangue esquentou, acabei indo para a liderança dessas coisas. Bloqueamos as indústrias que levavam nossa soja e queriam nos botar 25% de confisco. Bloqueamos as estradas, bloqueamos as ferrovias. Naquele tempo eu comandei isso aí. [...] Até então eu não participava do Sindicato Rural.  [...] Aí eles me pediram pra chefiar eles. (Entrevistado 3, grifo nosso)

A conjuntura relatada pelo entrevistado refere-se ao início dos anos 1980, quando o então ministro do Planejamento, Antônio Delfim Netto, visando diminuir a exportação da soja brasileira, para que atendesse ao mercado interno, impôs tarifa aduaneira de 30% sobre o preço da soja exportada. A ação ficou conhecida pelo patronato rural como “confisco da soja” (Brum, 2005).[5] Não obstante já estar envolvido com a representação corporativa da classe, como liderança em mobilizações patronais, o interlocutor mencionado anteriormente utiliza o capital simbólico acumulado em trajetória anterior para fazer parte formalmente da Diretoria do Sindicato Rural e tornar-se referência de setores patronais na Federação de Agricultura do estado.

Além das formas de ação coletiva pelo patronato rural contribuírem para manter sua condição dominante em um campo dos conflitos agrários, esse processo também é, em si mesmo, produtor de códigos e signos de identidade e legitimidade do grupo e de seus integrantes. Constitui-se quase um rito de passagem para algumas lideranças patronais, já que o atributo do dirigente, testado e afirmado entre os pares, se constitui também uma capacidade de conduzir o grupo em ações que saiam do cotidiano e da previsibilidade institucional.

Como informa outro interlocutor, dirigente da Farsul (Entrevistado 4, vice-presidente da Farsul), reconhecido pela defesa das propriedades de seus pares, contra o que consideram “invasões de terra” pelo MST, as lutas empreendidas nas “questões fundiárias” foram sua porta de entrada na Diretoria da entidade assim como foi com o entrevistado anterior na conjuntura de luta contra a política econômica descrita. Neste segundo caso, mesmo tendo concorrido em chapa de oposição à Diretoria ali instituída, ele foi convidado a compor uma comissão e, posteriormente, a Diretoria da entidade na gestão seguinte. Como referência das mobilizações patronais pela defesa da propriedade, alguns agentes têm sua legitimidade reforçada nesse processo, sendo reconhecidos pelo grupo por seu tempo dedicado à mobilização e à luta, vistos por eles como os que possuem habilidades e atributos necessários ao tratamento de temas delicados e caros ao coletivo nesses contextos.

 Se fizermos uma comparação com os militantes e acampados do MST, em situação analisada por Loera (2015), existe também no caso do patronato rural uma espécie de “recompensa” ou “retribuição” dada aos membros do grupo, aos “militantes”, pelo que, em analogia ao que a autora enxerga em relação aos sem-terra, poderia ser visto como um “tempo de luta”, dedicado ao fazer político da classe. No caso patronal também aparece uma noção de “confiança” no líder como fundamento que garante a ida do grupo à “luta”.

Referindo-se ao chamado movimento “vistoria zero”, ocorrido no estado do Rio Grande do Sul, em 1998, como reação à política fundiária do Governo Federal, o primeiro interlocutor também relatou a importância de suas ações e da confiança objetivada em sua figura, para que práticas de mobilização fossem efetivadas. O “vistoria zero” foi organizado por pecuaristas filiados a uma entidade do sindicalismo patronal rural de Bagé, que visavam barrar o acesso dos fiscais do Incra às propriedades para realização de vistorias objetivando a reforma agrária na região. Ainda que em claro contraste com um discurso histórico de respeito à legalidade, esta mobilização ganhou corpo e angariou apoio de agentes patronais de diversas regiões do estado, sendo considerada de grande intensidade e repercussão (Da Ros, 2009).

Conforme relato desse interlocutor, durante um encontro ruralista que culminou na organização do referido movimento, mesmo sendo de grupo oposicionista ao então presidente da Farsul, fora convidado por este a subir ao palanque e proferir discurso sobre a mobilização patronal contra ações da reforma agrária, sendo reconhecido pelo mandatário da entidade como “quem entende disso”:

Me pediram para falar, eu fui lá e falei. [...] Eu disse que nós tínhamos que bloquear os caras [os fiscais do Incra]. Disse: “Olha, nós podemos ser poucos no começo, mas nós vamos juntar muita gente. Eu me proponho a vir ajudá-los. Eu garanto que nós vamos conseguir”. (Entrevistado 3, grifo nosso)

Ainda que se trate de grupos sociais distintos, com condições e posições de classe diferenciadas (Bourdieu, 2015), com lógicas de ação coletiva específicas (Offe; Wiesenthal, 1984), podemos, novamente, pensar paralelos entre a prática de mobilização de grupos sociais subalternizados, como os sem-terra, e as frações agroindustriais dominantes. Se no caso das lutas dos sem-terra, a “confiança” na liderança “aparece como uma dádiva, como algo que é dado e pode ser cobrado, tornando-se um dom e um contradom fundamental, para que os acampados ‘vão à luta’”; se esta confiança precisa ser retribuída para que não se desista desses desafios e se consiga mobilizar uma base social em torno de seus objetivos (Loera, 2015, p. 124-125), entre o patronato rural, a objetivação de determinada mobilização de massa, ação considerada por eles como mais enérgica e truculenta, precisaria, igualmente, da legitimidade e da confiança em um líder para ser efetivada. O que importa destacar é a autoimagem que as lideranças se atribuem, como imprescindíveis para a mobilização desse setor.

Enquanto alguns sujeitos têm trajetórias diretamente ligadas a estas práticas e manifestam orgulho e disposição para falar a respeito, outros, embora tenham participado de muitos desses movimentos, os enxergam com ressalvas e cuidados. Nesse último caso, evitam ao máximo falar a respeito, sinalizam que essa não deveria ser a face do patronato rural demonstrada prioritariamente à sociedade em geral. Há uma vinculação do discurso à posição do interlocutor numa estrutura de poder interna ao grupo. Os que moderam mais suas falas ocupam posições mais altas nas estruturas formais de direção de suas entidades. Esse é o caso dos ex-presidentes da Farsul entrevistados. Quando questionados sobre as mobilizações, em geral, evitavam mais detalhes sobre sua organização, pronunciando respostas curtas, mencionando a importância dessas ações e, logo em seguida, discorrendo mais longamente sobre as limitações e riscos da adoção dessas táticas. Pareciam temas sobre os quais eles “sabiam e não queiram dizer” (Pina Cabral, 2008, p. 64). Os silêncios, as palavras curtas, os “não ditos” dos interlocutores descortinam elementos da realidade estudada, sobretudo das divergências internas ao grupo quanto à prioridade dada às diferentes ações públicas.

As mobilizações representam um momento de particular tensão entre agentes patronais, pois intensificam-se disputas e os limites da representação oficial tendem a ser postos em questão. Ao passo que trazem conquistas, também podem acarretar enfraquecimento e perdas para a classe ou para frações em seu interior (Bruno, 2009). Daí o silêncio ou as poucas palavras de alguns interlocutores sobre o tema. Sua argumentação perpassa a necessidade de prudência, diálogo e justificativa para que se recorra a tal estratégia de ação, já que consideram contornável, prescindível na maioria dos momentos. Daí tal preocupação manifestar-se, sobretudo, naqueles que ocupam posições mais altas nas estruturas de direção das entidades e que desejam manter sua legitimidade nessas posições. Afinal, como disse um ex-presidente da Farsul, “uma manifestação pode precipitar coisas que nós não desejamos. É preciso avaliar muito bem o que se pode e o que não se pode fazer” (Entrevistado 2).

Mas é contra essa prudência das direções oficiais que se constitui o argumento central dos aspirantes a porta-vozes legítimos. Assim, a radicalidade das ações diretas parece encontrar mais fácil acolhida entre setores que geralmente não compõem as entidades oficiais do setor ou que, ao menos, não estão em seus postos mais altos de direção. Com a mobilização, muitas vezes, geram-se questionamentos sobre a legitimidade dessas entidades. No caso analisado, os grupos dirigentes procuraram incorporar os próprios dirigentes outsiders (Elias; Scotson, 2000) que se destacaram nesses processos.

 

O deslocamento, a ‘ajuda’ e a ideia da mobilização por grandes causas

A mobilização é vista pelos dirigentes patronais também como sinônimo de grandes feitos e realizações da classe. As condições de sua efetivação dependem de grandes causas, questões capazes de gerar a receptividade dos produtores, de evidenciar o grande poder de mobilização de suas entidades, de fazer com que esse produtor rural, visto como indivíduo empreendedor, empresário, atento às questões produtivas de seu cotidiano, abandone-as momentaneamente para mobilizar-se com o grupo.

Ao narrarem estes episódios, alguns entrevistados destacam os méritos do grupo e expõem orgulho e distinção por tais realizações, enfatizando seu caráter extraordinário, com imagens de protagonismo, liderança e coragem. Referindo-se à 1a Cavalgada de Integração Nacional da Defesa da Produção Rural, ocorrida em 2001, quando um grupo de produtores rurais do Rio Grande do Sul se deslocou a cavalo até Brasília para atos e entrega de reivindicações ao Governo Federal (Sul Rural, 2001), outro entrevistado diz que:

Foi a primeira vez que teve a Chama Crioula em Brasília e nós desfilamos no dia 20 [de setembro].[6] [...] Foi 56 dias de viagem e nós também fomos incorporando [outras pessoas] aos poucos na viagem, mas estritamente gaúchos que foram lá. [...] Foi uma viagem que nunca mais a gente consegue fazer coisa igual. (Entrevistado 5, dirigente da Farsu)

Citando outros exemplos, este entrevistado ainda diz que foram realizados movimentos muito fortes pelo patronato rural ao longo do tempo, muitos capitaneados pela entidade e pelo grupo regional do qual faz parte. Trata-se de uma retórica regionalista, construindo identidade própria e diferenciando a ação de grupos agrários dominantes do Rio Grande do Sul. Desfilar a cavalo em Brasília, nas condições descritas pelo interlocutor, renova capitais simbólicos do grupo, afirmando suposto protagonismo intraclasse dominante agrária do país. Esta declaração também traz à tona o sentido da caminhada – ou da cavalgada, neste caso – como estratégia de mobilização política e social. Utilizada por um conjunto de atores políticos e grupos sociais, a caminhada agrega outros atores, dá visibilidade à pauta, constrói identidade de grupo, fortalece o ânimo para a conquista de vitórias.

Identificada com os movimentos sociais de trabalhadores, esta prática também é apropriada e reelaborada pelas elites agroindustriais, que cavalgam, marcham e acampam na beira da estrada, fazendo disso o enfrentamento ao adversário, a demonstração de força política, a renovação de poder simbólico e construção de liderança. Temos consciência que se trata, neste caso, de manifestações de classes em oposição e que, portanto, simples comparações entre um grupo e outro devem ser tomadas com cuidado. Isso posto, enfatizamos que, embora a literatura especializada aborde tais práticas organizativas como constitutivas das identidades e representações de movimentos sociais de trabalhadores, no campo etnográfico analisado por nós observou-se como que uma mimetização de tais práticas também por organizações de representação de elites e classes dominantes agrárias e agroindustriais.

As práticas mencionadas também são constitutivas de identidades e representações dessas frações dominantes ligadas à agricultura e à agroindústria. Neste caso, são os próprios patrões que ocupam as ruas e constroem as mobilizações. Mais do que isso, ao fazê-lo mobilizam fortemente este elemento como diferenciador em relação a outras frações dominantes. À semelhança de seus próprios opositores de classe, têm na mobilização e na afirmação de seu símbolo coletivo elemento constitutivo de sua identidade e representação no mundo. Para eles, a mobilização direta serve como condição de reprodução de dominação no campo de conflitos em que se inserem.

Como afirmação simbólica destaca-se a utilização do cavalo neste trajeto. Tal como no caso do trator, que batizou o “Tratoraço”,[7] analisado por Carneiro (2008), esta figura sintetiza a ocorrência de uma estratégia de reprodução social desses agentes como classe dominante. Trata-se de “um momento de representação de classe sintetizado” nessa figura, “símbolo escolhido para (e por) representar o seu capital econômico, político e social”. Novamente, tal como no caso do trator, “os produtores rurais reconhecem” no cavalo – refere-se, especificamente aos gaúchos – “o poder que atribuem a si próprios, uma força objetiva objetivada” no animal (Carneiro, 2008, p. 148).

Pela circulação de elementos humanos e não humanos geram-se símbolos de união, laços de solidariedade interna ao grupo, signos de identidade e legitimidade, como marcas de uma classe que se faz como processo histórico no sentido mesmo que Thompson (2004, 2012) atribui à construção como classe pelos trabalhadores ingleses. Isso ocorre desde as especificidades de sua ação política cotidiana, neste caso, desde o movimento e a circulação de quem o compõe. A ideia da ajuda e do necessário deslocamento entre um município a outro, são processos que dão visibilidade, prestígio, legitimidade ao grupo, mas também à sua liderança, conforme se depreende deste trecho da declaração do Entrevistado 3:

Quando eles tiveram dificuldades em Bagé, que houve uma fiscalização por parte da promotoria federal, eles estavam acuados sobre esse negócio de reforma agrária, estavam liquidados. E aí eu me prontifiquei em ajudá-los. Me deslocava de [nome do município foi suprimido para não identificar o entrevistado] todos os dias, saia meia noite para poder atacar os caras lá [os fiscais do Incra] de manhã cedo.

Se no mundo social camponês a circulação de pessoas e objetos, as trocas, os modos de ir e vir compõem sua sociabilidade e constroem identidade política (Godoi, 2009; Weitzman, 2015; Guedes, 2015; Loera, 2019), aqui o dirigente patronal ajuda seus iguais, promove solidariedade interna ao grupo, afirma-se como referência de sua liderança pelo deslocamento diário em sua caminhonete, fazendo longo percurso, durante as madrugadas, a fim de impedir vistorias nas propriedades dos pares e as ações institucionais do Incra na região, respondendo com truculência à exigência de que suas propriedades cumpram função social. Deve-se lembrar que esse entrevistado era inicialmente de um grupo de oposição à direção sindical, somente depois sendo incorporado na entidade.

A oposição e o risco considerado das ações institucionais que objetivavam à reforma agrária na região, o diagnóstico de que o grupo estava tendo dificuldades, de que estavam acuados e liquidados diante dos adversários, fazem o dirigente apresentar-se como solução, conclamando a união do grupo, refutando o medo e reivindicando a unidade de todos – de cima do palanque, teria dito aos proprietários da região: “Não, eu não tenho medo de enfrentar isso aí e acho que tem meio de resolver, mas nós precisamos estar unidos.” Como consequência da circulação e da solidariedade ao grupo tem-se o sentimento de reconhecimento dos pares, a confiança de apresentar narrativa de coragem e heroísmo, de quem vai para as cabeças, da eficiência de quem resolve questões delicadas, lidera o grupo em grandes desafios, não fica somente acoando de fora. O contexto mencionado pelo interlocutor tem desfecho favorável aos grandes proprietários de terra de Bagé, já que houve o cancelamento das vistorias do Incra, fazendo vitorioso o “vistoria zero” (Da Ros, 2009).

A mobilização como circulação, ajuda e solidariedade interna, também está relacionada aos processos eleitorais, em que atuam buscando votos identificados aos seus interesses, elegendo os que consideram autênticos produtores rurais. A mobilização patronal aparece aqui como ação de correr o Rio Grande dando espaço a candidatos ligados a seus valores – independente do partido, desde que contra o PT –, estar cada noite num lugar, circulando, montando um circo, com palanque, com show, dando o microfone e juntando o povo para o candidato falar.

A mobilização de massa pelo patronato rural não ocorre somente como protesto, reatividade, enfrentamento, mas também como proposição e disputa organizada do Estado. Alguns deputados, hoje reconhecidos junto à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), seriam devedores destas ações, vistos como crias deste palanque eleitoral, como frutos da mobilização e circulação patronal pelo interior do estado. Mesmo quando a mobilização ocorre como disputa organizada do Estado, segue havendo a identificação de adversários comuns, contra quem atuar – “nós corríamos o Rio Grande dando espaço [para os candidatos], independente do partido, nós tínhamos um espaço para aquele cidadão... [mostra a foto de uma caminhonete ao entrevistador]. Olha o que está escrito aqui: ‘se você é contra o PT, meu partido é você’” (Entrevistado 5).

 

‘Agressões’ e ataques: a mobilização vista como ‘reação’ da classe

A mobilização também é vista como reação e contraponto a supostas agressões sofridas por eles. A identificação de inimigo comum é traço constitutivo da representação do patronato rural em diversos momentos (Bruno, 2009). Mas no tempo da mobilização isso transparece de modo mais evidente, ligando-se também ao imperativo da garantia e da defesa de seus interesses fundamentais de classe, notadamente pelo monopólio fundiário. Assim, como informa um entrevistado, mobilização é “contraponto da reforma agrária”, especialmente daquela reforma “nos moldes de como o PT pensava e idealizava”. Mobilização é quando a entidade patronal “atacou os sem-terra na estrada”. É fazer “acampamento na porteira” da “fazenda invadida” (Entrevistado 7, prefeito e ex-diretor da Farsul, grifo nosso). 

Quando diz que atacaram os sem-terra na estrada, o entrevistado está se referindo ao que ficou conhecido como contramarcha dos ruralistas. Em julho de 2003, um grupo patronal bloqueou uma ponte e marchou na estrada de encontro à mobilização do MST, buscando impedir seu deslocamento do município de São Sepé para o município de São Gabriel, onde ocupariam uma fazenda passível de desapropriação (Ornaghi, 2003). A ideia do ataque aos sem-terra na estrada é assumida orgulhosamente em seu discurso; ação para eles legítima, já que contraponto de agressão que estariam sofrendo na época. A retórica da valentia e da coragem, objetivada no enfrentamento direto ao adversário, aparece também pela ação do grupo patronal que organiza acampamento na porteira da fazenda invadida, buscando claramente intimidar o movimento social de luta pela terra, demonstrar sua presença no conflito, afirmar um direito que consideram absoluto: o da propriedade e do monopólio da terra.

A noção de agressão é recorrente nos discursos que justificam a mobilização, identificada pelo menos três vezes nas entrevistas. Para eles, a suposta agressão pode ter origem tanto de seus adversários de classe – os movimentos de trabalhadores rurais, as organizações de esquerda, frequentemente idealizados nas figuras do MST e do PT – quanto de alguns agentes do Estado. Do ponto de vista do conteúdo, a noção de agressão identificada aqui está sempre relacionada à questão da propriedade da terra. Assim, para eles, o Estado que agride é o Estado que faz ou projeta fazer reforma agrária:

A questão fundiária, embora até hoje não tenha sido resolvida, o impacto dela no Rio Grande do Sul foi absolutamente minimizado, porque as últimas grandes agressões que o Incra fez ao produtor rural, os produtores reagiram aqui no estado, criaram o movimento “vistoria zero” não permitindo que o Incra chegasse nas propriedades rurais para fazer vistoria e se estabeleceu uma guerra muito forte entre o setor privado e o Governo Federal, via Incra. (Entrevistado 4, grifo nosso)

Neste caso, a guerra que se estabelece com o Estado e suas supostas agressões ao patronato rural têm uma delimitação de espaço muito clara, ocorrendo por meio do Incra, autarquia que tem por missão institucional a resolução de questões fundiárias. Um dos esforços do patronato rural centra-se nas táticas de pressão aos órgãos governamentais ligados à formulação de propostas de reforma agrária (Heinz, 1991). Em geral, a guerra não se dá contra todo o governo, já que, quando se trata da defesa de seus interesses, enxerga-se o Estado como agente protetor e provedor de benesses. Ao passo que pode criar obstáculos ao empresariado, o Estado também pode ampliar a liberdade do mercado, especialmente o mercado de mão de obra (Polany, 2000). Portanto, esta relação varia em função do que melhor convier aos propósitos patronais em cada momento (Bruno, 2009).

O Outro para este patronato rural aquele que é entendido como adversário, de quem supostamente se sofrem agressões, contra quem se faz guerra – tem como referência, de um lado, as figuras do MST e do PT, como símbolos que retratam os inimigos de classe e, de outro, a figura do Incra, espaço de Estado identificado com a reforma agrária e, portanto, com a ameaça aos seus interesses fundamentais. O Incra é o Estado combatido pelas elites agrárias, o Estado entendido por eles como “responsável pelas mazelas da sociedade e pelos impasses da agricultura e da agroindústria” (Bruno, 2009, p. 201). Diante da possibilidade da reforma agrária, há um incentivo destes grupos patronais à reação, à mobilização, à intolerância na defesa da propriedade privada da terra, fora dos termos estabelecidos pela Constituição de 1988, uma vez que a Carta prevê a função social e não a propriedade absoluta deste meio de produção.

 

A ideia de ‘luta’ e o contraponto do verde do ruralismo ao vermelho dos movimentos sociais

O Maio Verde consistiu em iniciativa de pecuaristas da região da Campanha Gaúcha em contraposição às mobilizações pela reforma agrária, empreendidas pelo MST em suas jornadas de luta conhecidas como Abril Vermelho. Tendo como slogan “Invasão Zero no Rio Grande do Sul”, o movimento capitaneado pela Farsul foi lançado em 2004 e contou com a participação de diversas entidades ruralistas, envolvendo reuniões, mobilizações e a montagem de postos de vigilância contra a ocupação de propriedades rurais (Ruralistas, 2004; Da Ros, 2009). A mobilização é entendida pelo patronato rural como produção de respostas rápidas e contundentes quando seus interesses são ameaçados, o que envolve contrapor-se às ações organizadas por seus adversários – “O MST lançou o Abril Vermelho, então a Farsul lançou o Maio Verde” (Entrevistado 6, dirigente da Farsul).  

O tempo da mobilização dos movimentos sociais populares também é o momento exato para observar estes adversários, seguindo os passos de suas lideranças, analisando suas ações, lendo suas publicações, pensando um contraponto que tenha como fundamento o cálculo exato do que propõem no terreno da organização política e social; conforme o subtítulo de matéria jornalística sobre o Maio Verde: “Movimento quer monitorar os passos dos sem-terra”. A tônica da mobilização como “reação às invasões de terra” continua presente, visto como “resposta ao Abril Vermelho”, como momento em que “os ruralistas não estão mais dispostos a tolerar ‘as badernas’ do MST” (grifo nosso). No plano simbólico, o discurso patronal aponta um “confronto entre o abril vermelho do MST, que representa o ódio, e o Rio Grande do Sul verde, que significa alimento, fartura e esperança dos produtores rurais”. Trata-se do verde do ruralismo contrapondo-se ao vermelho dos movimentos sociais. Mas a ação dos pecuaristas não se limitaria à retórica: eles “montaram 13 postos de vigilância entre Bagé e Pinheiro Machado, na zona sul do Estado. Cada acampamento conta com, no mínimo, uma picape dotada de radiocomunicador, cinco homens, binóculos e contato por celular 24 horas por dia”, o que nos lembra uma dinâmica e funcionalidade próximas a de uma organização paramilitar. Suas reuniões de organização chegavam a envolver a participação direta de centenas de proprietários rurais e representantes de entidades ruralistas, cuja base social alcançaria mais de 40 mil produtores da Metade Sul do estado (Ruralistas, s.d.).

Declarações dos entrevistados sobre o Maio Verde demonstram a magnitude destas mobilizações, em termos de abrangência e da forma de deslocamento em caravanas, as quais teriam rodado boa parte do estado. Busca-se construir mobilizações locais em cada um dos pontos com conflito, objetivando uma noção de movimento como prática política. Destaca-se a simbologia de seu desfecho, que ocorreu com uma grande mobilização no parque de Exposições em Esteio – lugar símbolo de manifestações destes grupos e onde ocorre anualmente sua maior feira agropecuária, a Expointer –, considerado um grande movimento da classe.

Esta reflexão sobre mobilização do patronato rural já nos apresentou elementos como a cavalgada, a caravana, a marcha (ou a contramarcha dos ruralistas), o acampamento na estrada e na porteira da fazenda, a maioria fortemente ligada às identidades e às formas de ação tipicamente reputadas aos movimentos sociais de trabalhadores. Destaca-se também a recorrência de uma noção de luta, mobilizada pelos interlocutores para descrever as correntes do grupo, suas formas de ação e representação, para informar seu fazer político cotidiano e a produção de identidades coletivas. Um ex-presidente da Farsul descreveu sua trajetória na entidade como um período em que participou “de muitas mobilizações”, em que “andou muito em acampamento na estrada por aí”, em que “lutou muito sempre” (Entrevistado 1, grifo nosso).

Em diálogo com Comeford (1999), em análise sobre organizações camponesas, percebemos que essa palavra mobilizada pelo patronato rural pode adquirir diferentes significados, dependendo da forma com que é agenciada por eles. A noção da luta, como prática política, pode estar ligada, não só ao acampamento na estrada, à construção das mobilizações e caravanas, mas também à própria defesa de questões técnicas e da modernização da produção – “Aí começamos essa luta de tentar erradicar a Febre Aftosa. [...] E o Brasil muito atrasado, uma luta tremenda” (Entrevistado 8, dirigente da Farsul); pode informar disputas em arenas decisórias do Estado – “Foi uma luta do Sindicato Rural, os produtores rurais se envolveram aqui e os prefeitos da época e fomos à Brasília” (Entrevistado 6); ou disputa que se trava no terreno jurídico – “O pagamento de royalties. Até hoje nós temos uma luta, agora nós estamos no STJ [Superior Tribunal de Justiça]” (Entrevistado 3, grifo nosso).

A noção de luta também diz muito sobre as disputas internas à classe e como determinadas lideranças buscam legitimar-se como porta-vozes do grupo. Como informou outro interlocutor, descrevendo sua candidatura à presidência da Farsul, em chapa de oposição:

Perdi a eleição [...]. Mas uma coisa eu digo: não sou omisso, eu sempre me apresentei, sempre reivindiquei, sempre lutei. (Entrevistado 9, dirigente de associações de criadores e líder de oposição na Farsul, grifo nosso)

Se para os sem-terra inseridos no mundo das ocupações, a noção de luta pode estar ligada à ideia de sofrimento, como medida legitimadora de seu pertencimento àquele grupo e da possibilidade futura de acesso à terra (Loera, 2006), a noção da luta para os patrões, como atributo da legitimidade e da disputa interna à classe, também está ligada a uma imagem da entrega, da disposição ao grupo, a um quase altruísmo da liderança, de quem se apresenta aos pares, reivindica questões em seu favor, não é omisso em sua defesa, de quem, em resumo, sempre lutou em favor destes, mesmo que contra alguém que está com a estrutura do poder na mão e cuja força torna-se difícil combater.

Por fim, se a noção de luta se liga à defesa de seus interesses fundamentais de classe, também pode ser agenciada como prática política de defesa da vida deles, de sua dignidade e sobrevivência, da defesa das conquistas e legados de seus antepassados, da honra, sem que se vire um sem-terra. Estigmatizando o adversário, estas ações partem da unidade do produtor rural, são vistas como mérito de uma classe que se levanta, constrói reação a determinadas medidas do Estado, quase como uma revolução no campo, já que garantidoras de privilégios e vantagens em seu favor. 

 

A mobilização como ‘manutenção’ da ‘lei’ e da ‘ordem’

A mobilização é vista por eles também como prática de reprodução de uma estrutura de poder que os privilegia, sendo expresso, em categorias nativas, como ação de manutenção da lei e da ordem. Este discurso é comum no patronato rural, ligando-se ao controle dos movimentos sociais e acionado sobretudo quando se intensificam os conflitos agrários (Gasparotto, 2016). Mas também se relaciona com uma dimensão econômica e produtiva, já que seu discurso sobre a lei e a ordem se justifica para que o produtor possa “fazer o que ele sabe fazer de melhor, que é produzir com baixo custo, gerando divisas, produção e riqueza para fazer com que o Brasil seja pujante” (Entrevistado 7).

 A mobilização também é justificada por eles como desagravo à ação de um Estado que, diante da ameaça aos interesses fundamentais do patronato rural, muitas vezes estaria, em suas palavras, “claramente defendendo uma atitude fora da lei” (Entrevistado 4). Assim, serve para reproduzir uma estrutura de poder determinada de acordo com os seus interesses. É o que pode ser visualizado nos discursos patronais que justificam a ameaça de boicote à Expointer, organizada em 1999. Naquele ano, ocorreu divergências entre entidades patronais rurais e o governo do Rio Grande do Sul sobre a política fundiária estadual e sobre a própria gestão da exposição, já que o governo objetivava a inclusão ali da agricultura familiar e suas entidades. Por isso, representantes patronais ameaçaram boicotar o evento, mobilizando suas bases e impedindo o acesso de expositores ao parque de Esteio. Um acordo entre a Farsul e o governador Olívio Dutra (PT) só foi selado 48 horas antes do início da feira (Ano, 2017).

São ações contraditórias do patronato rural, pois ao mesmo tempo que se baseiam em um “discurso histórico de ‘respeito à legalidade’ – expresso na defesa da intocabilidade do direito de propriedade” e na primazia da produção e da produtividade –, promovem “ação ilegal”, desrespeitando funções constitucionais do Estado, como no caso do “vistoria zero” (Da Ros, 2009, p. 233). Ao impedir o direito de ir e vir de pessoas, atrapalhando o desenvolvimento do livre mercado, como na ameaça de boicote à Expointer, estes agentes contradizem seu próprio discurso sobre a ordem. Estes processos se relacionam, não só com a defesa do monopólio fundiário, mas também pela reivindicação do monopólio da identidade de produtor rural, excluindo aqueles que são vistos como subalternos (agricultura familiar e sem terras). Ao que parece, a lei e a ordem, são fundamentos e justificadores de um movimento e mobilização de massa, com seu conteúdo e significado entendidos ao sabor dos interesses que movem o grupo em cada momento.

A retórica da reação que objetiva a manutenção da lei e da ordem permite ao patronato rural a exposição do traço da intolerância como prática política, mobilizada quando da interface direta com o adversário. Referindo-se à ameaça de boicote à Expointer, outro entrevistado diz que aquela ação foi direcionada contra o então governador do estado, considerado um adversário a ser combatido. Em suas palavras:

O governo Olívio Dutra, aquele idiota de carteirinha, e o Hoffmann, que era secretário da Agricultura, outro comuna. Eu fiz a proposta: a persistir esse quadro não se faz a Exposição de Esteio. Fomos até as 3h da manhã, firmes, e o Olívio a pedir penico lá.

Se acostumados às relações oficiosas e à interlocução personalizada com determinados agentes de Estado, aqui se vê o traço do enfrentamento a um governador que, reconhecido por sua ligação às pautas dos setores populares, é visto por eles como aquele idiota de carteirinha, como responsável pelo atraso, pelas mazelas, pelos ataques à agricultura e aos seus representantes patronais. Ao contrário da distinção e do prestígio atribuídos ao contato com altas figuras de Estado alinhadas à sua política, se desqualifica um governador entendido como um simples comuna, como alguém a quem se deve pressionar, enfrentar, desgastar, até que venha a pedir penico para as organizações patronais, cedendo às suas reivindicações.

 

A humilhação e a violência como práticas políticas de classe

Se mesmo a imagem do governador pode ser desqualificada no discurso patronal, ao se encontrar em interface com o adversário subalternizado, a retórica justificadora do movimento patronal é acionada também pela linguagem da humilhação. A mobilização patronal contra a reforma agrária é afirmada como se fosse uma luta para conter “o alto nível de desorganização social” ou o “apodrecimento do tecido social produzido pelo pessoal do MST”. Associa-se a possibilidade de perda da terra com a perda da “dignidade” ao virar um sem-terra. Os seus adversários são apresentados como “ociosos”, pessoas que “não produzem”, que “não têm eficiência”, que “não trabalham”, que “vivem sustentados pelo Estado” ou que “prejudicam aqueles que estão trabalhando” (Da Ros, 2009, p. 252-253).

Para parcelas deste patronato rural, “o ‘direito’ de humilhar o outro tem como fundamento primeiro uma visão de mundo essencialmente conservadora”, encontrando-se “orientada segundo as regras da dominação tradicional” (Bruno, 2019, p. 152). Ao mesmo tempo, esse discurso se articula a um universo de práticas econômicas consideradas modernas, já que seguindo critérios de rentabilidade e competitividade produtivas. Esta ambivalência pode ser vista aqui, no caso de quem humilha o adversário, o desumaniza, o acusa pelo apodrecimento do tecido social, tendo sempre como base a noção do trabalho, da produção e da eficiência. Trata-se da contraposição a um adversário que seria avesso a estes princípios, não possuiria tais atributos. Poderia, por isso, ser humilhado, desumanizado.

Além do uso da linguagem da humilhação e da desumanização do adversário, a mobilização patronal pode ser reconhecida pelo traço da violência como prática de classe. Entendida como momento de demonstração de força perante os adversários, atos violentos podem ocorrer por meio do que é expresso pelo patronato rural como ações fortes e enérgicas. O tema da violência aparece naturalmente na fala dos interlocutores, sem ser provocado pelo entrevistador, como se pode perceber no trecho de entrevista a seguir:

E, veja bem: sem dar um tiro. É uma ação enérgica, forte e não dei um tiro. Não degolamos um policial militar, como fizeram os sem-terra numa manifestação em Porto Alegre.[8] Poderia ter acontecido, enfim. Mas muito enérgica e de muita tensão e de uma belicosidade até, em alguns momentos, de um fio de linha.  [...] A qualquer momento poderia dar um... mas não deu.[9]

uma ambiguidade neste discurso, porque reivindicam ações fortes e enérgicas para sublinhar a linha tênue destas práticas ao desfecho trágico do conflito. Ao mesmo tempo atribuem o traço da violência ao adversário para, retoricamente, diferenciarem-se de suas práticas. Embora procurem se desvincular de ações violentas ou ilegais, existe entre eles uma “necessidade de justificar o recurso à violência como forma legítima de defender ‘o que é seu’”. A violência aparece atrelada principalmente às relações de trabalho e aos conflitos sociais que envolvem a propriedade da terra. Nestes momentos, “o uso da violência como recurso e prática de classe se torna patente” entre o patronato rural (Bruno; Carneiro; Sevá, 2008, p. 267-269).

É por isso que se diz que quando a propriedade da terra foi ameaçada poderia ter acontecido algum conflito, havia uma tensão que estava atada num fio de linha, ou a qualquer momento poderia dar um... Quando se trata de seus interesses fundamentais de classe, o patronato rural reivindica “uma espécie de legítima defesa” (Bruno; Carneiro; Sevá, 2008, p. 267). Novamente, como se vê aqui, o discurso da violência pode ser mobilizado abertamente e sem receios por alguns dirigentes:

Fizemos uma desocupação muito violenta aqui. [...] Nós fomos decisivos. Os caras [os sem-terra] estavam em 2 mil pessoas acampados ali e nós botamos um time de gente que só eu mesmo para juntar no estado. Não deixamos eles dormir por vários dias e até que eles conseguiram se retirar. Tinha boliviano, colombiano ali, que até minar em volta do acampamento deles eles minavam. Mas nós estávamos bem preparados. Muito bem preparados. Para enfrentar até a Brigada [polícia], se fosse o caso. Naquela ocasião, o juiz foi lá, pediu uma paz, e foi lá e me disse: “Olha, tu tem que resolver isso aí, porque isso aqui vai virar uma guerra”. E eu disse: “Vai virar uma guerra mesmo e vai morrer gente”. Estava ele, o chefe de polícia e mais o comandante da Brigada. E ele disse: “Mas se tu não fizer isso, eu vou te prender”. Eu disse: “Então o senhor faça esse favor, porque daí o senhor vai me tirar de uma responsabilidade, o senhor vai assumir, o que acontecer daqui para a frente é culpa sua. Pode me levar. Para mim é um alívio. Mas saiba o senhor que só obedecem uma pessoa aqui”. E o povo já começou a gritar lá e coisa. Aí ele batia os queixos e não conseguia falar. Batia os dentes [de medo].

 Quando nós conseguimos conter eles [sem-terra] tivemos que fazer um ato meio forte. [...] Aquilo ali jogou eles para o outro lado e eles saíram em disparada como se fosse uma manada de cavalos correndo para o outro lado. E fugiram. Eles tinham se preparado naqueles dias, deram cachaça com pólvora para aquelas 2 mil pessoas que tinha lá. [...] Vieram para tomar conta da sede da fazenda. Mas nós enfrentamos eles no alto da coxilha. Aí eles viram que a coisa não era fácil.

Até que chegou um ponto lá que eles [os técnicos do Incra] não conseguiam fazer mais nada. Nós organizamos, os caras ficavam nos postes trabalhando, como se fossem da energia elétrica, para nos dar aviso de onde vinha a Brigada, de onde vinha os caras do choque [da polícia], para enfrentar.

Bala, munição, isso tu acha a vontade [o entrevistado abre a gaveta e tira um pacote com munição de arma de fogo]. Isso tu acha, nos tempos de UDR deus me livre. A coisa não era fácil naquele tempo. (Grifo nosso)

Narrativas como estas são mobilizadas pelos interlocutores naturalmente nas situações de entrevistas. A última, sobretudo, com a clara intenção de constranger o entrevistador para que se lembre da posição de dominante do entrevistado. Há uma quase total despreocupação em relatar publicamente estes fatos, tão explícitos em violência. Além de terem a certeza da impunidade, buscam apresentar-se à sociedade pela narrativa e imagem da truculência, da intolerância e do uso da violência para afirmarem-se dominantes.

Internamente à classe, se a legitimidade da liderança é afirmada nestes momentos de mobilização, a defesa do uso aberto da violência é um dos componentes. O discurso histórico de respeito à legalidade entra mais uma vez em contradição quando o entrevistado narra a ação de desrespeito à voz oficial do Estado, representado ali pelo juiz interpelante no conflito. O dirigente patronal faz questão de confrontar um juiz e de sublinhar que ali ele é que manda.  O agente que desautoriza o Estado é considerado legítimo pelo grupo para representá-lo.

Como informou Loera (2015, p. 124), para os sem-terra, sua capacidade de negociação e de “estabelecer vínculos com autoridades locais são vistas como algo inerente às capacidades e proezas individuais” das lideranças do movimento, legitimando-os como porta-vozes autorizados do grupo. No caso patronal, quem desautoriza o comando da voz oficial do Estado e vê seus seguidores a gritar em apoio ao seu redor por conduzir a ação naquele contexto é que é reconhecido pelos pares por sua aptidão e com legitimidade para conduzir a classe em tais desafios.

Diante do adversário, violência e humilhação caminham juntas. São práticas políticas que desumanizam o “Outro”, contra quem se sentem autorizados a efetuar uma desocupação muito violenta, a conduzir um enfrentamento no alto da coxilha. Afinal, para eles, o subalterno, aquele que é descrito como quem beberia cachaça com pólvora, como quem sairia correndo, em disparada, como uma manada de cavalos, seria mesmo visto como ser humano pleno, como alguém cuja vida possui valor?

 

Conclusão

A mobilização de massa é entendida pelo patronato rural como parte do processo de representação do grupo. Ela compõe seus repertórios de ação, identidades e representações construídas ao longo do tempo, sendo vista como prática legítima e mobilizável em diferentes situações e contextos. São práticas que possuem centralidade para a maior parte dos interlocutores desta pesquisa, sendo que estes episódios eram trazidos naturalmente às situações de entrevista.

Na maioria dos casos destacavam suposto mérito e protagonismo, transparecendo sentimento de orgulho e distinção em decorrência destas ações. Os capitais políticos que legitimam sua liderança, em alguns momentos, parecem ser acumulados justamente nesta relação com a mobilização e por sua capacidade de conduzir o grupo. Portanto, estas práticas também aparecem como demonstração de poder internamente à classe. Suas narrativas da mobilização são permeadas de simbologias e imagens de protagonismo, liderança e coragem, buscando reforçar poder simbólico perante os subalternizados, mas também os pares da representação classista.

As disputas internas também se afirmam pela imagem de protagonismo, construída por determinadas frações patronais na liderança de mobilizações ocorridas nacionalmente. Em alguns casos, essas narrativas têm caráter heroico. Sobressai o regionalismo na afirmação de uma identidade das elites agrárias do Rio Grande do Sul, sustentado também na construção destas mobilizações. Assim, ao mesmo tempo que se caracteriza como momento de união e solidariedade do grupo, a mobilização também evidencia diferenciações em seu interior e disputas pela legitimidade da representação.

Cabe lembrar que a quase euforia, manifestada por alguns dirigentes, em torno das mobilizações, não é generalizada. Essa posição é permeada de ressalvas e cuidados, envolvendo certo nível de tensão e divergência sobre sua eficácia. Isso é manifestado sobretudo pelos agentes que ocupam posições as mais altas nas estruturas formais de direção de suas entidades e cuja legitimidade nestas posições pode ser ameaçada por ações que saiam do repertório cotidiano da representação institucional. De todo modo, mesmo os que têm receio sobre a efetividade das grandes manifestações, como estratégia de representação de classe, informam ter participado de uma série destas ações. Com isso, vemos que as diferenças de visões, os desacordos, as divergências e, até mesmo, as oposições à utilização da mobilização se fazem e se refazem durante a própria ocorrência destas ações, ao longo de seu processo, já que, como disse Carneiro (2008, p. 143), apresentar posturas críticas ou mesmo “dizer-se ou se colocar contrário às manifestações não implica não organizar, participar ou apoiar as mesmas”.

Ademais, se a defesa das mobilizações como forma legítima de representação de interesses do grupo encontra mais acolhida entre os aspirantes a porta-vozes legítimos nas entidades, constituindo-se momentos de tensões internas e de reforço de capitais políticos destes outsiders que se destacam. Por outro lado, os dirigentes estabelecidos nas entidades, aqueles que ocupam seus postos mais altos de direção, podem buscar incorporar e cooptar estes opositores outsiders após as mobilizações, considerando o destaque que ganharam. Em algumas situações, eles fazem isso atraindo os outsiders ao grupo estabelecido (Elias; Scotson, 2000), integrando-os aos espaços formais de direção das entidades, dando-lhes o espaço institucional que pode fazer com que divergências públicas sejam vencidas. É um mecanismo de reprodução da estrutura de poder interna ao grupo, pois incorporam-se novos agentes à sua direção política a fim de renovar a legitimidade desta estrutura de poder, mantendo-a, no geral, tal como é. As mobilizações também podem ser vistas como práticas complexas e heterogêneas, mutáveis ao longo do tempo e que guardam significados e interpretações diversas entre os representantes patronais. Seguindo categorias nativas que expressam o sentido da mobilização e da luta por estes agentes, pode-se compreender a diversidade de significados contidos em tais práticas, agenciadas por eles em diferentes contextos e realidades, garantidoras em muitos casos de vitórias em favor do grupo, de manutenção de condição de dominação e privilégio. Estas são práticas entendidas como sinônimos de grandes feitos e realizações – sendo, portanto, motivo de orgulho –, como demonstração de poder e protagonismo, como reação e revolta a supostas agressões – sobretudo relacionadas ao tema fundiário –, e como momento próprio de identificação do adversário e produção de respostas rápidas e contundentes às suas ações, garantindo a manutenção da lei e da ordem. Em última instância, a mobilização como resposta ao adversário pode expressar o traço da humilhação e da violência como discurso e prática política de classe.

Assim, se trata de práticas objetivadas desde uma diversidade de significados e sentidos, tendo como base diferentes argumentos de justificação, efetivadas em diferentes intensidades e frequências e guardando certo nível de cuidado e ponderação. É evidente que a mobilização de massa pelo patronato rural é entendida por eles como prática atual e legítima, constituindo-se parte do processo de representação do grupo ao longo do tempo. Cabe frisar que são práticas visualizadas durante todo o período analisado, ocorrendo, em maior ou menor intensidade, desde a conjuntura dos anos 1980, até os dias atuais. Não se trata, portanto, de uma apropriação recente desstas ações coletivas pelo patronato rural – como se poderia supor pelo cenário político contemporâneo, marcado pela emergência de ações de rua construídas ou compostas por setores médios e por frações dominantes. No limite, estse processo informa certo nível de diferenciação das classes dominantes agrárias e agroindustriais em relação a outras frações e grupos dominantes do país, já que mais afeitos historicamente ao uso direto e sem intermediação da mobilização de massa como repertório de ação política. Mais íntimos e conhecedores destas práticas, são capazes mesmo de mobilizar os pares, cavalgar, marchar, acampar na beira da estrada, na porteira da fazenda invadida.

A prática da mobilização, o enfrentamento direto ao adversário, a disposição e a intransigência com que defendem o que consideram direitos absolutos seus, a forma como anunciam-se combatentes em um campo dos conflitos agrários, como informam sem receios um ethos da violência como prática política, colocam, mais uma vez, os senhores de terra do Rio Grande do Sul como senhores de guerra (Piccin, 2021). São senhores de terra e de guerra que se anunciam, eles próprios, como detentores desta identidade, pertencentes a esta condição. Trata-se da confirmação, em um estudo conjuntural, de perspectiva histórica, consagrada em literatura de análise destes grupos.

 

 

Referências

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Como citar

COSTA, Felipe Ferrari da; PICCIN, Marcos Botton; BRUNO, Regina. ‘Se você é contra o PT, meu partido é você’: uma análise das mobilizações do patronato rural do Rio Grande do Sul. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 32, n. 1, e2432101, 15 mar. 2024. DOI: https://doi.org/10.36920/esa32-1_01.  

 

 

 

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[1] Doutorando em Ciências Sociais no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp). E-mail: f_costa08@hotmail.com

[2] Professor Adjunto no Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pós-doutorado pelo Centre Européen de Politique et Sciences Politique/École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris. Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: marcospiccin@gmail.com.  

[3] Professora Titular e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). E-mail: regina_bruno@yahoo.com.br.

[4] Os trechos em itálico referem-se a categorias nativas, expressas pelos entrevistados.

[5] Embora o entrevistado aponte a cifra de 25%, a literatura refere-se a 30% como sendo o valor da tarifa imposta sobre a soja exportada naquele contexto (Brum, 2005).

[6] Data comemorativa da Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, conhecido popularmente como “Dia do Gaúcho”.

[7] Ocorrido em junho de 2005, em Brasília, o “Tratoraço – O Alerta do Campo” reuniu cerca de 3 mil tratores e 15 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios, com reivindicações relacionadas à compra de insumos e máquinas, a importações agrícolas, ao endividamento do setor, ao seguro rural e ao orçamento do Mapa (Zimmermann, 2005).

[8] O entrevistado refere-se a episódio ocorrido no centro de Porto Alegre no dia 8 de agosto de 1990, quando um confronto entre Brigada Militar e manifestantes sem-terra redundou na morte de um policial. Seis pessoas foram condenadas como coautores deste crime. Os autores nunca foram identificados (Portal G1 RS, 2015). Sobre as narrativas em torno deste episódio, ver Lerrer (2005).

[9] Em declarações que envolvem o tema da violência e ações que podem ser consideradas ilegais, optou-se por suprimir qualquer identificação dos entrevistados.