ESA_logo.png                                     Recebido: 25.nov.2022   •    Aceito: 19.maio.2023   •    Publicado: 30.jun.2023

 

Seção Temática

Mulheres, territorialidades e epistemologias feministas – conflitos, resistências e (re)existências

                                                                                                                                                                                                                                                  
Uma análise interseccional das estratégias e resistências mobilizadas por mulheres negras em um assentamento de reforma agrária no sul de Minas Gerais

Intersectional analysis of strategies and resistances mobilized by Black women in an agrarian reform settlement in southern Minas Gerais

 

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Natércia Ventura Bambirra[1]

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Pedro Rosas Magrini[2]

  

https://doi.org/10.36920/esa31-1_st05



 

Resumo: A política de assentamento de pessoas em curso no Brasil reproduz uma lógica histórica de marginalização que afeta sobremaneira as mulheres negras. Neste estudo de caso realizado no Assentamento Santo Dias (Guapé/MG), foram identificados nas histórias de vidas das assentadas entrevistadas, majoritariamente mulheres negras, alguns dos diversos desafios enfrentados por elas. Não obstante, também foi possível levantar algumas das estratégias e resistências que as assentadas mobilizavam em um contexto marcado por “discriminações interseccionais” com base no gênero, raça/etnia e classe. No presente artigo, o principal objetivo consistiu na análise das estratégias e resistências de mulheres negras assentadas. Para tanto, a interseccionalidade foi utilizada como ferramenta analítica e teórica, em uma perspectiva interdisciplinar. A metodologia está pautada nas epistemologias feministas e antirracistas a partir de abordagens qualitativas para estudo de caso, história de vida e observação participante. Na pesquisa ficou demonstrada a urgência da pauta por autonomia econômica, atravessada por questões de gênero e raça/etnia. Também restou evidente, a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas interseccionais construídas com e para os diferentes grupos que compõem os rurais. E a curto prazo, a promoção da garantia do acesso eficiente e célere ao Contrato de Concessão de Uso da terra (CCU), ao Crédito Instalação e as devidas medidas de estruturação de modo a tensionar a situação de vulnerabilidade das mulheres e de suas famílias.

Palavras-chave: interseccionalidades; mulheres negras assentadas; política de assentamentos; racismo fundiário.

 

Abstract: Current rural settlement policy in Brazil reproduces a historical logic of marginalization that particularly affects Black women. This case study conducted at the Santo Dias Settlement in Guapé, Minas Gerais identified some of the various challenges experienced by Black women in their life stories, and also examined some of the strategies and resistance modes that settlers mobilized within a context of intersectional discrimination based on gender, race/ethnicity, and class. The main objective of this article was to analyze the strategies and resistance of settled Black women, utilizing intersectionality as an analytical and theoretical tool from an interdisciplinary perspective. The methodology is based on feminist and antiracist epistemologies from qualitative approaches to case studies, life stories, and participant observation. We noted the urgent agenda for economic autonomy, interwoven with issues related to gender and race/ethnicity; the need to develop intersectional public policies built with as well as for the different groups that comprise the rural population was also evident. We also found that in the short term, promoting ensured efficient and rapid access to land use contracts (CCU), installation credit, and the necessary structuring measures were also required to stress the vulnerable situation of women and their families.

Keywords: intersectionalities; Black women in settlements; public policy on settlements; land-related racism.

 

 

 

Introdução

Ao longo das últimas décadas, pesquisas das mais diversas naturezas possibilitaram uma imersão nas inúmeras regiões e suas particularidades para aprofundar experiências, histórias e modos de vida de assentadas e assentados de reforma agrária, agricultoras e agricultores familiares, da população camponesa, ribeirinha, dos povos indígenas e quilombolas em sua ampla diversidade. Muito se pesquisou e muito se construiu analiticamente sobre perfis, padrões e tendências a partir de categorias que reproduziram as tradições dos estudos agrários latino-americanos, os quais, em geral, estavam enraizados numa ideologia universalizante, baseados em ausências que ocultavam o racismo fundiário e as desigualdades de gênero no meio rural brasileiro.

Na pesquisa realizada por Janine Mello (2018, p. 212), é possível observar que o perfil das famílias rurais de baixa renda, de maneira geral, apresenta uma “prevalência do grupo da agricultura familiar (74%); concentração na Região Nordeste (65%); forte presença de crianças e jovens até 17 anos (41%); e maioria da população constituída por negros[as] (78% somando pretos[as] e pardos[as])”.

Em relação às pessoas assentadas de reforma agrária, o estudo apontou que esse público apresenta “os piores indicadores de acesso à rede geral de abastecimento, esgoto e coleta de lixo e menor acesso à energia elétrica com medidor” (MELLO, 2018, p. 212). Além disso, a pesquisa identificou que as pessoas negras “representam 84,5% das pessoas assentadas de RA [reforma agrária], 79,7% do público atendido pelas ações de IPR e 75,8% de AF [agricultoras/es familiares]” (MELLO, 2018, p. 77).

Na pesquisa mencionada não foi identificada a porcentagem de mulheres pretas e pardas assentadas de reforma agrária, no entanto as informações apresentadas possibilitam perceber que, embora as mulheres (47%) não fossem a maioria no meio rural, elas constituíam 49,56% entre as pessoas assentadas. Além do mais, as mulheres representavam 52% das pessoas de baixa renda no campo (MELLO, 2018).

Para Diana Helene (2019, p. 956), às desigualdades estruturais de gênero são acrescidas as dificuldades de acesso à terra e de inserção no mercado de trabalho das populações mais empobrecidas, sobretudo aquelas que descendem do povo negro outrora escravizado.

As mulheres negras assentadas de reforma agrária têm em seus corpos, nas subjetividades e trajetórias, as marcas da “discriminação interseccional” (CRENSHAW, 2002). O fato de serem mulheres negras pobres e assentadas localiza essas mulheres em um espaço de subalternização, invisibilização e mesmo de apagamento de sua existência pelo Estado. Os movimentos sociais do campo tampouco detêm uma pauta interseccional capaz de articular as opressões sexista e racista em sociedades de classe, e mobilizar essa discussão para o centro de suas agendas (BAMBIRRA, 2021).

E é exatamente nesse local, de vulnerabilidade e deslegitimação, que essas mulheres tecem diariamente resistências e estratégias de sobrevivência para si e para suas famílias.

Historicamente, o protagonismo das mulheres negras vem sendo apagado ou tangenciado da história oficial (GONZALEZ, 1982) das lutas por terra e outros direitos. E mesmo hoje, embora existam relevantes trabalhos sobre a temática (FERREIRA, 2008; SOUZA, 2009; MAGRINI, 2010, 2015), o volume de investigações sobre sua atuação ainda é tímido. Não obstante, as lutas dessas mulheres, as formas como organizam resistências e estratégias de sobrevivência chegam à contemporaneidade sob outras roupagens, apesar de ainda invisibilizadas nas práticas cotidianas.

Levando em consideração esse contexto, o trabalho de campo da pesquisa doutoral, do qual este artigo é um desdobramento, foi realizado com as assentadas, majoritariamente negras, do Assentamento Santo Dias, que está sob “coordenação” do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e se localiza no município de Guapé, no sul do estado de Minas Gerais/Brasil. As trilhas metodológicas foram pautadas nas epistemologias feministas e antirracistas a partir de abordagens qualitativas para estudo de caso (NOGUEIRA et al., 2017), observação participante e história de vida (BECKER, 1993). As informações e dados gerados no campo foram submetidos à análise do discurso (RUIZ RUIZ, 2009). O estudo de caso foi realizado com nove assentadas que residiam em algum dos quatro núcleos organizativos do Assentamento, nomeadamente: Margarida Alves, Bartolina Sisa, Sidney Dias e Florestan Fernandes.

No presente artigo, se parte do entendimento de que o racismo, o sexismo e a classe social estruturam as sociedades que foram colonizadas nas Américas, como é o caso do Brasil (GONZALEZ, 1979, 1982, 1984a, 1984b; BAIRROS, 1995; CRENSHAW, 2002; NASCIMENTO, 2006; KILOMBA, 2010; HOOKS, 2014, 2019; COLLINS, 2015, 2016, 2017; DAVIS, 2016; RIBEIRO, 2017, 2019; CARNEIRO, 2018; CEPAL, 2018; LORDE, 2019, entre outros). A edificação dessa estrutura está atrelada ao processo de colonização – “sexo-diferenciada” (OYĚWÙMÍ, 2017) e racializada –, ao sistema escravocrata construído nas Américas, bem como aos mecanismos de exclusão do acesso à terra.

Dessa forma, na tentativa de “dar conta” das análises de um tecido social tão complexo, a interseccionalidade[3] foi adotada como lente teórica e analítica.

No próximo tópico, alguns dos dados levantados no campo sobre as entrevistadas são mobilizados em diálogo com as teorias interseccionais e algumas teorias em torno da questão agrária.

 

Das sujeitas ao universo da pesquisa: mulheres negras assentadas no Assentamento Santo Dias

Antes de iniciar a discussão das estratégias e resistências percebidas no campo, serão apresentadas algumas informações sobre as interlocutoras da pesquisa, de modo a delinear as perspectivas e experiências dessas mulheres a partir do “local social” de onde falam.

O trabalho de campo foi realizado no ano de 2019 e, conforme indicado na introdução deste artigo, foram entrevistadas nove mulheres residentes nos quatro núcleos do Assentamento Santo Dias no Sul de Minas Gerais. Uma das ações adotadas para a manutenção do sigilo de suas identidades consistiu na escolha pelas mulheres de nomes fictícios,[4] assim temos: Selma, Eduarda, Bila, Margarida, Hortência, Rosa, Dália, Caminhos Vitoriosos e Lúcia.

As interlocutoras tinham diferentes faixas etárias, dos 20 aos 70 anos. Todas são mães. A maioria tinha filhas(os) menores de idade. A situação conjugal era bem diversa: quatro estavam casadas, três mantinham união estável, uma se considerava solteira, embora vivesse com um companheiro, e uma estava divorciada.

Em relação à escolarização, as assentadas na faixa dos 20 anos eram as únicas que haviam completado o Ensino Médio e também as que possuíam o maior nível de instrução entre as entrevistadas. A possibilidade de conclusão do Ensino Médio pode estar relacionada às políticas públicas de transporte escolar voltadas para a educação no campo que foram implementadas pelo governo federal entre os anos de 2003 e 2016. As assentadas mais idosas, na faixa dos 60 e 70 anos, eram analfabetas e, as demais assentadas, nas faixas etárias dos 30, 40 e 50 anos, estudaram em média até as primeiras séries do Ensino Fundamental I.

Das entrevistadas, apenas uma se autoidentificou como branca. O intuito inicial da pesquisa consistiu em entrevistar apenas mulheres negras, contudo, pelo papel que exerceu e exerce no Assentamento, sendo muitas vezes citada nas entrevistas, Caminhos Vitoriosos foi incluída no rol de entrevistadas como fonte histórica. A entrevista de Caminhos Vitoriosos,

[…] forneceu importantes perspectivas que desafiam de um lado a apropriação do discurso esquerdista pautado na desigualdade de classe adotado pelos movimentos sociais, entre os quais o MST, e de outro lado evidencia alguns dos privilégios gozados por mulheres e homens brancas/os e a necessidade de sua discussão, confrontamento e desconstrução. (BAMBIRRA, 2021, p. 136)

De acordo com o pensamento de Gonzalez (1979, p. 2), “o privilégio racial é uma característica marcante da sociedade brasileira, uma vez que o grupo branco é o grande beneficiário da exploração, especialmente da população negra”. Para a autora, independentemente de estarem ou não capitalizados, ou seja, independentemente de possuírem ou não os meios de produção, os brancos “recebem seus dividendos do racismo”. Assim, quando pessoas brancas e negras com a mesma qualificação disputam determinadas posições que implicam recompensas materiais ou simbólicas, “os resultados são sempre favoráveis aos[às] competidores[as] brancos[as]. E isto ocorre em todos os níveis dos diferentes segmentos sociais” (GONZALEZ, 1979, p. 2).

Relevante salientar que todas as assentadas que se autoidentificaram como negras, com exceção de Eduarda, relataram haver sofrido discriminação étnico-racial em suas vidas.

Nessa direção, ainda de acordo com Gonzalez (1982, p. 97), ser negra e mulher no Brasil significa “ser objeto de tripla discriminação, uma vez que os estereótipos gerados pelo racismo e pelo sexismo a colocam no mais baixo nível de opressão”.

No campo de pesquisa ficou evidente em algumas entrevistas o fato de que “se dar conta” de sua própria raça/etnia e das implicações dessa pertença – como o racismo, os privilégios brancos e a dificuldade ou falta de acesso a políticas públicas ou serviços essenciais –, está vinculado à cor da pele e ao cabelo, entre outros traços fenotípicos condicionados por uma referência advinda da branquitude.

Ao se identificarem como negras, as assentadas “toma[m] a identidade socialmente imposta e fortalece-a como uma âncora de subjetividade” (CRENSHAW, 2017). Nesse sentido, se compreende que a identificação étnico-racial como negras tenha reflexos na possibilidade de mobilização de um legado histórico de lutas e resistências por terra e outros direitos. A apropriação de sua própria história e discurso é uma demanda inadiável nas reivindicações das mulheres negras – aqui se estabelece um diálogo com Lélia Gonzalez (2019) que, entre outras coisas, mobilizava a psicanálise para embasar seu argumento sobre a opressão e invisibilização da mulher negra: “[e]m termos de movimento negro e no movimento de mulheres se fala muito em ser o sujeito da própria história; nesse sentido, eu sou mais lacaniana, vamos ser os sujeitos do nosso próprio discurso” (GONZALEZ, 2019, p. 224).

A compreensão aqui esboçada é a de que a identificação de oito das nove entrevistadas como negras esteja ligada aos processos de construção de sua identidade que perpassam as instituições escolar, familiar, religiosa, os espaços formativos do MST, além das relações estabelecidas com outras pessoas ao longo de suas vidas. Para afinar o entendimento de como as instituições escolar e familiar são particularmente relevantes na construção da identidade étnico-racial negra, nas próximas linhas, foram mobilizados os estudos de Lélia Gonzalez, Nilma Lino Gomes e bell hooks.

Para Gonzalez (1982, p. 98), “a escola, enquanto aparelho ideológico do Estado [ALTHUSSER, 1976], não deixa de reproduzir os mecanismos do racismo e sua perpetuação mediante o reforço de sua internalização (como natural) por nossas crianças”.

Em seu estudo, Gomes (2003) observou que o cabelo e a cor da pele têm um lugar significativo na construção da identidade negra. Para a autora, a escola está presente em inúmeros depoimentos como um dos espaços nos quais se desenvolve a experiência com o corpo negro e o cabelo crespo, culminando no “tenso processo de construção da identidade negra. Lamentavelmente, nem sempre ela é lembrada como uma instituição em que o negro e seu padrão estético são vistos de maneira positiva” (GOMES, 2003, p. 167).

Na obra Teoria feminista: da margem ao centro, hooks argumenta que enquanto o racismo e a opressão de classe tendem a ser observados no âmbito público, ou seja, fora de casa, a prática da opressão sexista é mais vivenciada no interior das famílias. Além disso, a autora aduz que:

[...] em nossa sociedade, a opressão sexista perverte e distorce a função positiva da família. A família existe como um espaço em que somos educados desde o berço para aceitar e apoiar formas de opressão. (...) A luta pelo poder, as regras autoritárias coercitivas, o gesto bruto de dominação moldam a tal ponto a vida familiar que não raro ela se torna palco de intensa dor e sofrimento. (HOOKS, 2019, p. 68)

Para Hooks, a concepção sobre família é distinta entre mulheres brancas e negras. Enquanto o feminismo branco ocidental aponta a família como cerne da opressão sexista e propõe sua desvalorização, as mulheres negras, por meio de suas experiências, vivenciaram várias conformações de família, não apenas a nuclear. Dessa forma, a família é percebida como “o único sistema sustentável de suporte para pessoas exploradas e oprimidas. Desejamos extirpar da vida familiar os abusos criados pela opressão sexista e não desmerecer a família enquanto tal” (HOOKS, 2019, p. 69).

Outro aspecto relevante nas histórias de vida das assentadas tem relação com os pontos nos quais é possível identificar algumas semelhanças. Por exemplo, o fato de que Bila, Margarida, Hortência, Eduarda, Dália e Caminhos Vitoriosos têm em comum a origem rural, além do mais, essas mulheres tiveram a infância marcada pela escassez e pobreza.

Foi possível observar também outro fator comum para todas as assentadas: a migração. Todas as interlocutoras da pesquisa tinham passado por processos migratórios, seja via migração rural-rural, urbano-rural ou migração de retorno.

No caso da família de Rosa e de Caminhos Vitoriosos, observamos a migração de retorno, na qual a pessoa “(...) que deixou o seu local de origem, residiu algum tempo em outra região e depois regressou ao seu lugar de nascimento. Em geral, o motivo da saída do indivíduo é de ordem econômica” (BAPTISTA; CAMPOS; RIGOTT, 2017, p. 2). “O retorno, muitas vezes, se verifica por algum equívoco de avaliação quanto às oportunidades no local de destino” (BAPTISTA; CAMPOS; RIGOTT, 2017, p. 2).

Ademais, foi observado “que embora a origem rural não seja compartilhada por todas as assentadas, a maioria delas viveu ou teve contato com o trabalho na roça antes de entrar para o MST. Somente Lúcia começou a ‘mexer’ com a terra após viver no Assentamento” (BAMBIRRA, 2021, p. 162).

Nessa direção, interessante perspectiva nos é oferecida pela literatura visceral de Carolina Maria de Jesus, que já mencionava que “nós os favelados somos os homens do campo. Devido aos fazendeiros nos explorar ilimitadamente deixamos as fazendas e vamos para a cidade. E nas grandes cidades os que vivem melhor são os cultos. Nós os incultos encontramos dificuldades de vida” (JESUS, 1961, p. 91-92).

No relato de Bila, a literatura da autora encontra eco:

a gente que é acostumado na roça não acostuma na cidade. A cidade é boa pra quem tem emprego e tem assim, como é que fala? Que tem leitura pra pegar emprego, mas quem não tem na cidade sofre muito, porque não acha trabalho. (Bila, Assentamento Santo Dias, 2019)

De acordo com Bila,

quem acostumou na roça qualquer coisa a gente faz. Que nem eu, o tempo que eu tava com a minha saúde eu pegava a enxada e eu mesma plantava, eu mesma colhia, até agora eu ainda planto. (...) eu gosto muito da roça. É o lugar que ‘interte’ a mente da gente. (Bila, Assentamento Santo Dias, 2019)

No campo da antropologia há estudos como o de Little (2003) em que é possível perceber algumas abordagens dos processos migratórios no campo e do campo para os centros urbanos com base na perspectiva de territórios identitários ou territórios étnico-raciais e a relação desses processos com os avanços de fronteiras. No caso das assentadas, a interlocução entre o racismo, sexismo e classismo desafia uma abordagem sobre a migração, bem como a possibilidade de permanecer no campo, como uma livre escolha.

Uma vez realizada a introdução das interlocutoras da pesquisa, quem são, como se percebem e alguns aspectos de suas trajetórias até a chegada ao Assentamento Santo Dias, as próximas linhas são dedicadas a uma breve apresentação desse espaço a partir da percepção das mulheres entrevistadas.

Nesse sentido, convém destacar que a região onde o Assentamento se situa, qual seja, no sul do estado de Minas Gerais, tem sido palco histórico de conflitos fundiários. Tais conflitos remontam o período colonial – no qual foram protagonizados por quilombolas, estado colonial e grandes fazendeiros – e alcançam os dias atuais a partir das ocupações organizadas pelo MST. O Assentamento Santo Dias é uma importante conquista resultante desses processos de resistências contemporâneos (BAMBIRRA, 2021).

De acordo com o Plano de Desenvolvimento do Assentamento Santo Dias (2008), ele está situado na área da antiga fazenda Capão Quente, na qual havia uma usina de álcool que encerrou suas atividades em 1995. A ocupação da área pelo MST ocorreu de forma pacífica em 30 de outubro de 2002, e não havia moradoras(es) no local. Caminhos Vitoriosos relatou que o número de famílias definidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para serem assentadas nesse espaço seria de 49:

o Incra comprou pra nós uma área de 1.788 ha e fazendo o estudo daria pra assentar 49 famílias pra morar, produzir e cuidar do meio ambiente então cada família tem uma cota de responsabilidade ambiental. (Caminhos Vitoriosos, Assentamento Santo Dias, 2019)

Caminhos Vitoriosos, que é natural da região de Guapé e vivia por ali antes de se inserir no MST, informou que, antes da ocupação da antiga fazenda pelo Movimento, esse espaço era utilizado para pasto de gado, o que levava a inúmeras queimadas ao longo do ano para “melhorar” a pastagem. Com a ocupação, as famílias Sem-Terra iniciaram um processo de recuperação de árvores frutíferas.

A cada queimada eles destruíam aqueles montes de árvores, tanto árvores nativas, frutíferas, bambuzeiro... a gente [MST] chegou aqui tinha só cinzas. Era tudo campo, cê não via árvores (...). Hoje a gente tem uma diversidade de fruta que nós foi formando, né”? (Caminhos Vitoriosos, Assentamento Santo Dias, 2019)

Relevante pontuar que,

a ocupação da fazenda pelo Movimento modificou substancialmente as vidas das famílias ocupantes, bem como das comunidades rurais no seu entorno. Uma das modificações consiste justamente na relação e uso do solo, que passou por processos de melhorias em termos socioambientais. (BAMBIRRA, 2021, p. 167)

Após a ocupação, todas(os) ficaram acampadas(os) no local onde hoje é a Área Social do Assentamento e se organizaram em quatro Núcleos de Base, que consistem atualmente nos quatro Núcleos de Moradia, quais sejam: Margarida Alves, Bartolina Sisa, Sidney Dias e Florestan Fernandes. Os Núcleos estavam organizados a partir dos “interesses comuns de trabalho, afinidade e preferência por local de moradia” (Plano de Desenvolvimento do Assentamento Santo Dias, 2008, p. 62-63). Além dos Núcleos, as famílias também se organizavam em setores, eram eles: Saúde, Educação, Produção, Frente de Massa, Cultura e Comunicação; e Equipes: Alimentação, Limpeza e Segurança.

No depoimento de Rosa, ela destacou a força dos coletivos existentes nesse período de ocupação/acampamento. Além disso, é possível identificar em seu relato algumas doses de nostalgia e tristeza em relação a esse período de tempo no qual a vida coletiva possibilitava mais abundância e solidariedade. Nessa direção, a principal crítica realizada por Rosa, à época da entrevista, consistia na ausência de espaços coletivos para as pessoas trabalharem juntas: “hoje em dia virou um trem muito murcho. A gente vê as pessoa, Isa [sua nora] que ri, ela fala: ‘só encontra nós tudo aqui quando vai na igreja ou no velório’...(risos). Ninguém quase não vai em uns aos outro” (Rosa, Assentamento Santo Dias, 2019).

A ausência de espaços de socialização relatada pelas assentadas “parece afetar não somente a vida afetiva e a possibilidade de organização coletiva, mas também a saúde psicológica das(os) assentadas(os) que apontaram diferentes níveis de solidão, saudosismo e desalento” (BAMBIRRA, 2021, p. 172). Além do mais, fatores como a grande distância entre os lotes, a inexistência de transporte público no e para o Assentamento, a ausência ou a dificuldade de acesso às políticas públicas (esse fator será aprofundado no próximo tópico) têm intensificado a busca por soluções individuais no âmbito mais básico, ou seja, na garantia de sobrevivência, e consequentemente enfraquecendo os laços de solidariedade. 

Nesse sentido, o levantamento da história do Santo Dias a partir dos relatos das assentadas possibilita a identificação da ausência de atuação efetiva do Estado em alguns setores fundamentais para a melhoria de vida e inclusão social das pessoas que ali residem. Entre as quais, a já mencionada demanda por transporte público, acesso à instalação residencial de energia elétrica, acesso aos benefícios do Crédito Instalação, inclusive no que tange à habitação e Fomento Mulher, acesso às políticas públicas de crédito e fomento à produção.

Relevante pontuar que a “ausência” do Estado no Assentamento apontada pelas interlocutoras do trabalho também trouxe à tona a inexistência de outro ator social. De acordo com as assentadas, nos últimos anos houve um distanciamento entre o MST e o Assentamento, que na práxis está agora sob a gerência da Associação dos Agricultores Familiares do Assentamento Santo Dias (Aasfad).

A Regional do MST do Sul de Minas Gerais, responsável pelo acompanhamento do Assentamento Santo Dias, está lotada na cidade de Campo do Meio, que fica a cerca de 70 km da cidade de Guapé, onde se situa o Assentamento. Hortência atribuiu o “afastamento” do MST em relação ao Assentamento aos custos de deslocamento das pessoas de Campo do Meio para Guapé, e vice-versa, além dos deslocamentos para atos em outras cidades, principalmente Belo Horizonte – capital de Minas Gerais. Ademais, de acordo com Hortência, a mobilização de pessoal no Assentamento para atos fora do Assentamento tem se constituído em desafios.

Pelo exposto, é possível destacar que a conquista do título da terra, ainda que não se trate do título definitivo, longe de consistir em instrumento de reparação étnico-racial, trouxe à tona as já mencionadas ausências, seja historicamente do Estado – por meio de reparações consolidadas em políticas públicas interseccionais –, seja do MST. As ditas ausências se (re)configuram e/ou acentuam os desafios que as assentadas e suas famílias enfrentam no Assentamento. Não obstante, essas mulheres resistem e mobilizam estratégias para melhorar sua condição de vida e se fortalecer diante das opressões. Pensando nisso, no próximo tópico, as resistências tecidas diariamente pelas assentadas serão abordadas e aprofundadas.

 

Estratégias e resistências protagonizadas por mulheres negras assentadas

Uma vez realizada a breve caracterização das interlocutoras, segue a análise de alguns aspectos relevantes de sua dinâmica, os principais desafios que enfrentam, bem como as diferentes estratégias e resistências que constroem. De acordo com Gonzalez (1982, p. 101-102), em relação à mulher negra, “há que se colocar, dialeticamente, as estratégias de que se utiliza para sobreviver e resistir numa formação social capitalista e racista como a nossa”.

Em pesquisa anterior (BAMBIRRA, 2016), na qual foi trabalhado o instituto jurídico da posse da terra e os possíveis impactos na vida e na autonomia econômica de mulheres negras assentadas no Santo Dias, foi demonstrado que a posse da terra implicou importantes alterações nas vidas dessas mulheres. Entre as quais podem ser citadas, a determinação do próprio tempo (para trabalhar em casa, na roça, o autocuidado, entre outros), a determinação do manejo e do cultivo que, em alguns casos, serviu até para a mudança da ocupação – algumas mulheres passaram a se declarar agricultoras (BAMBIRRA, 2016).

Apesar desses importantes ganhos, a política de assentamento de pessoas em curso no país, em detrimento de uma política efetiva de reforma agrária, consiste em um dos pontos mais nevrálgicos da questão agrária e carrega consigo inúmeras implicações (BAMBIRRA, 2021). Uma delas, observada no campo de pesquisa, se refere ao fato de que a maioria das interlocutoras não possuía meios próprios e também não acessava políticas públicas para produção – essa condição de vulnerabilidade socioeconômica é um dos fatores que enseja a manutenção do ciclo de pobreza no meio rural. Tal ciclo de pobreza afeta, mormente, as populações racializadas, em particular, as mulheres negras, e pode ser identificado a partir de uma leitura interseccional do fenômeno da feminização da pobreza.

De acordo com Melo e Bandeira (2005, p. 53), “a desigualdade das mulheres torna-se ainda mais gritante se considerada sua condição de raça/etnia, pois a ‘feminização’ da pobreza é racializada”. Segundo essas autoras:

As mulheres negras têm sido, ao longo de sua história, as maiores vítimas da desigualdade de gênero somada à racial (Boletim Dieese 2003), pois os estudos realizados revelam um quadro dramático que não está apenas nas precárias condições socioeconômicas em que vive[m], mas, sobretudo, na negação cotidiana de ser mulher negra, através do racismo e do sexismo que permeiam todas as esferas de sua vida. Estão expostas à violência, à pobreza, às discriminações no mercado de trabalho e à precariedade dos serviços de saúde e educacionais, o que resulta em uma precarização geral da vida. (2005, p. 54)

No Santo Dias, a ausência de acesso às políticas públicas tem sido um dos muitos desafios enfrentados pelas mulheres. Nesse sentido, o Programa Bolsa Família foi o único benefício obtido por todas as assentadas. Uma delas recebeu o Bolsa Verde por um curto período de tempo. E em relação às políticas de crédito/fomento voltadas para o rural, apenas Selma, Caminhos Vitoriosos, Rosa e Bila conseguiram acesso aos recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

Nesse sentido, é importante salientar que desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil (CF/1988), em 1988, a titulação em nome das mulheres tem respaldo normativo, no entanto, sua implementação só veio a ocorrer de fato a partir da Portaria do Incra no 981/2003 e, efetivamente, da Instrução Normativa no 38/2007. A titulação é relevante, pois confere legitimidade à posse, o que, em tese, abriria caminho para a possibilidade de acesso às políticas públicas. Ela pode ser provisória, concedida via Contrato de Concessão de Uso da terra (CCU), ou definitiva – existem duas espécies de instrumentos de formalização definitiva de acesso à terra, são elas: Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) e Título de Domínio (TD). Até o período no qual foram realizadas as entrevistas, nenhuma das assentadas havia obtido a titulação definitiva.

O CCU é concedido pelo Incra em razão da homologação das(os) assentadas(os) como beneficiárias(os) da reforma agrária. Trata-se de um título provisório, ou seja, que confere apenas o direito provisório de posse da área a que se refere. O CCU consiste em um importante instrumento para a legitimação jurídica da ocupação da terra por meio da transferência da posse da parcela à(ao) assentada(o). Por meio desse título, é assegurado o uso e a exploração do imóvel, além do acesso às políticas inseridas no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA).

A ausência do CCU repercute diretamente na possibilidade de melhoria de vida para as(os) assentadas(os). A sua concessão, além de um direito, consiste em um passo importante rumo à estruturação do assentamento.

Aqui não estão sendo tratados os termos da titulação proposta pelo governo Bolsonaro como parte do programa Titula Brasil – “iniciativa criada em dezembro de 2020 com o objetivo de emitir títulos de assentamentos em áreas públicas rurais da União e do Incra, visando à regularização fundiária” (CNN Brasil, on-line). Tal programa vinha sendo alvo de críticas de movimentos sociais, como o MST, partidos políticos e outras organizações sociais, entre outras coisas, pelo fato de a titulação, quando conferida em caráter definitivo, não ser precedida necessariamente por outras etapas preconizadas pela Lei no 8.629/1993. A referida Lei dispõe no inciso V, do art. 17, que: “a consolidação dos projetos de assentamento integrantes dos programas de reforma agrária dar-se-á com a concessão de créditos de instalação e a conclusão dos investimentos, bem como com a outorga do instrumento definitivo de titulação” (grifo nosso). A inobservância das condições de estruturação dos assentamentos importa na acentuação da vulnerabilidade socioeconômica das pessoas assentadas e expressa a ausência de governança fundiária – realidade no país.

No caso das interlocutoras da pesquisa (BAMBIRRA, 2021), das nove mulheres, cinco compartilhavam a titularidade dos lotes com os companheiros ou ex-companheiros. Todavia, no período da realização das atividades de campo no ano de 2019, algumas das assentadas estavam com o CCU vencido[5] à espera de atualização pelo Incra. Para ilustrar, Margarida estava aguardando o reconhecimento pelo Incra de seu divórcio e a elaboração do CCU em seu nome apenas. Em situação similar, se encontrava Dália, que aguardava o término de seu processo de divórcio para atualização do CCU que estava vencido.

A demora na confecção ou na atualização do CCU consiste em um forte obstáculo para a produção no Assentamento e um dos maiores desafios enfrentados pelas assentadas, uma vez que sem ele algumas das entrevistadas não puderam ter acesso às políticas públicas de fomento à produção voltadas para o campo, como o Pronaf, bem como políticas públicas com perspectiva de gênero como o Fomento Mulher. Isso porque a possibilidade de alcançar essas políticas está condicionada à inscrição da(o) agricultora(or) como titular da terra. Ante a quase inviabilidade de levar adiante as atividades produtivas, as resistências individuais e coletivas são organizadas sob esta ausência de diálogos permanentes com o Estado.

Na entrevista de Margarida, por exemplo, ela relatou que “[u]ma vez que a gente foi assentado que a gente viu que não, que só a terra não vale nada, tem que ter modo de trabalhar nela” (Margarida, Assentamento Santo Dias, 2019). Para ela, “um assentado sem projeto dentro de um assentamento é a mesma coisa de ser um acampado, mesma coisa. A diferença é só das casas que saiu. Casa pra morar tem. Os acampados moram em barracos de lona” (Margarida, Assentamento Santo Dias, 2019).

Esse trecho da história de vida de Margarida, além de trazer importantes informações sobre acessos e condição de vida após a divisão dos lotes no assentamento, consiste em uma relevante denúncia sobre a situação de vulnerabilidade das pessoas assentadas no Santo Dias. Ao relatar a ausência de projetos para o desenvolvimento do Assentamento e comparar a condição das pessoas que ali se encontram com a situação de quem ainda não tem a posse e/ou titularidade da terra, ou seja, pessoas em ocupações, ela expõe a fragilidade da política de assentamento dos indivíduos. Ademais, Margarida tensiona a atuação das instituições envolvidas na política de assentamento de pessoas e desnuda a situação de privações em que vive (BAMBIRRA, 2021).

Nessa direção, é relevante destacar algumas datas. A ocupação do Assentamento ocorreu em 30 de outubro de 2002, a imissão na posse data de 12 de julho de 2005 e, em 5 de dezembro de 2006, foi criado o Projeto de Assentamento Santo Dias (PA Santo Dias) (Plano de Desenvolvimento do Assentamento Santo Dias, 2008). Assim, desde a criação do PA Santo Dias até o período de realização das entrevistas, em 2019, o Assentamento não havia recebido recursos, projetos e assistência suficiente para o seu desenvolvimento integral, bem como para sua consolidação.

Na prática, isso significa que parte das interlocutoras e suas famílias não contavam sequer com o CCU e também não havia acessado nenhuma modalidade do Crédito Instalação.[6]

O trecho do depoimento de Margarida a seguir, no qual ela fala sobre o que gostaria de trabalhar em sua terra e avalia a sua posição como agricultora que aguarda o CCU, possibilita avançar na compreensão dos desafios que enfrenta: “[sinto falta] da gente poder plantar, colher um alimento saudável. O câncer tá aí acabando com o povo, culpa de quê? Do agrotóxico! E a gente poder plantar lá, comer o alimento da gente saudável, ter uma vida melhor” (Margarida, Assentamento Santo Dias, 2019).

Não obstante a orientação agroecológica que compõe as pautas do MST, os depoimentos das assentadas sobre a sua práxis e os desafios presentes na produção – seja ela agroecológica, orgânica ou convencional – se observa na prática um esvaziamento dessa pauta.

Para as assentadas e suas famílias a produção de alimentos se encontrava basicamente condicionada ao acesso às políticas públicas. Isso se justifica tendo em perspectiva que as pessoas que ingressam em movimentos sociais por reforma agrária são geralmente descapitalizadas e não têm uma fonte alternativa de renda. Dessa maneira, se, de um lado, elas precisam ter acesso à terra para poder, entre outras coisas, produzir e gerar alimentos e renda, de outro, para que isso aconteça, é necessária a garantia de obtenção do Crédito Instalação e políticas públicas de fomento para sua operacionalização.

Ademais, há de se levar em consideração o custo efetivo da produção agroecológica para as famílias e as possibilidades existentes de escoamento e absorção desse tipo de mercadoria pelo mercado. As assentadas mencionam que o custo da produção convencional é inferior e se torna uma possibilidade mais viável quando presentes as condições de produção. 

Caminhos Vitoriosos evidencia essa situação ao justificar o motivo que a levou, juntamente com sua família, a deixar a plantação do café orgânico: “quando a gente foi ver o custo pra manter uma lavoura orgânica é muito alto. (...) Aí o [marido] desanimou: ‘Não, eu não quero mais não’. E foi até no ano passado” (Caminhos Vitoriosos, Assentamento Santo Dias, 2019).

Dessa forma, ainda que a produção agroecológica seja uma pauta prioritária para o MST, a sua efetividade é atravessada e condicionada pelo acesso às políticas públicas e outros fatores de cunho socioeconômico. Para as assentadas e suas famílias, a produção do “alimento livre”, seja por meio da agroecologia ou da agricultura orgânica, ainda se apresenta como desafio.

Os fatos anteriormente mencionados tensionam reflexões acerca do foco da política de assentamento vigente. Uma vez que tal política não está voltada para a promoção da reforma agrária, visto que essa é uma política de base, e sim para o assentamento de pessoas, pode ser observado o desinteresse do Estado em promover as condições para que elas se estabeleçam efetivamente na terra.

Nesse sentido, interessante perspectiva tem sido articulada por Tatiana Emilia Dias Gomes (2019), que vem construindo o conceito de “racismo fundiário”. A ideia está amparada no deslocamento da concentração fundiária do centro da questão agrária e a adesão da centralidade das relações étnico-raciais na questão agrária e socioambiental.

Para Gomes (2019), a principal contribuição do Censo Agropecuário de 2017 consistiu na possibilidade de evidenciar que a concentração fundiária no país, além de contar com uma classe social bem recortada, tem ainda raça/etnia definida, e ela é branca. Esse fato também foi explorado no trabalho de Camila Penna (2022), sobre a seletividade racial do Estado brasileiro no que tange à  política fundiária. A autora utiliza a conexão entre política fundiária e racismo estrutural para mostrar seu mútuo reforço e complementaridade, culminando assim em um modelo de desenvolvimento ideal no campo pautado pela branquitude (O Agro), em contraposição aos padrões e formas tradicionais de agricultura, hegemonicamente não brancos.

Para ampliar o debate em relação aos resultados do Censo de 2017, Hora, Nobre e Butto (2021) destacam informações sobre a concentração fundiária historicamente localizada nas mãos dos homens. De acordo com as autoras, o Censo Agropecuário de 2006 foi o primeiro a trazer a questão sobre o sexo de quem produzia. A partir da análise dos dados do Censo de 2017, elas salientam:

[...] a presença de 18,7% de mulheres na condição de produtoras (em 2006 elas eram 12,7%) e 20,3% dos estabelecimentos com codireção (IBGE, 2017). Denotam-se, distinções regionais da agricultura familiar e camponesa brasileira nas grandes regiões e uma maior presença de mulheres na direção de estabelecimentos em regiões com maior vulnerabilidade social. (p. 30)

Dialogando com as autoras citadas anteriormente, a compreensão aqui estabelecida consiste no fato de que a concentração fundiária tem raça/etnia, gênero e classe social bem delimitadas; ela é de responsabilidade de homens brancos e de classe alta. E tem por base uma exclusão histórica de pessoas racializadas do acesso à terra, inicialmente pela negação da condição de humanos às(aos) escravizadas(os) – que eram classificados como semoventes –, e por meio da estruturação do arcabouço legal a partir de uma arquitetura racializada que possibilitou a concentração das terras no país nas mãos dos brancos.

Apesar das negligências e ausências do Estado evidenciadas ao longo do tópico em tela, que, entre outras coisas, mantém a marginalização das mulheres negras assentadas, é relevante pontuar que essas atrizes sociais não são apenas vitimizadas. Elas organizam estratégias e mobilizam resistências diárias em um contexto de opressões interseccionais. E é sobre essa face que versam as próximas linhas. 

Diante dos desafios já mencionados, as principais estratégias adotadas pelas mulheres consistiam na prestação de trabalho em fazendas de produção de café fora do Assentamento, na prestação de alguns serviços pontuais para outras(os) assentadas(os), ou, ainda, na prestação de trabalho em pousadas e fábricas de costura. Tais estratégias eram mobilizadas para levantar fundos que garantissem minimamente a sobrevivência própria e da família. Além da iniciativa de se “assalariar” para poder permanecer no Assentamento, algumas assentadas também resistiam aos avanços da racionalidade capitalista no campo por meio da produção no modelo orgânico – aqui a principal estratégia consistia no ingresso no Sistema Participativo de Garantia (SPG) –, mediante a venda de frutas e hortaliças do “quintal”, e ainda se mobilizavam para manter ativo o Grupo de Dança – como espaço de afeto, resistência e autocuidado.

Para Hortência, que se autoidentifica como negra, a intersecção entre diferentes opressões tem grande peso em relação a sua necessidade de sair do Assentamento para trabalhar e às implicações sociais desse processo:

Nossa é complicado, não é fácil não, é bem difícil ser mulher e Sem-Terra e você não ter uma renda, porque não adianta nada ter a terra e não ter como se manter nela, então... e aí quando você quer sair pra trabalhar você ser julgado pelos outro que às vezes acha que é até ganância ou então acha que é desnecessário demais a pessoa... porque cê tem a terra, você é obrigado a ficar aqui. (Assentamento Santo Dias, 2019)

Pode ser inferido que Hortência define a sua localização social a partir de uma posição de vulnerabilidade. A necessidade de ter que sair da própria terra para garantir o seu sustento e da família evidencia a existência da relação de dependência entre o acesso a políticas públicas, e/ou outros meios para garantir a produção, e a possibilidade de produção – seja para autoconsumo ou para comercialização.

Nessa direção, interessantes os apontamentos de Gehlen (2004, p. 96), para quem as “políticas públicas com interesse social devem beneficiar de forma diversificada os que possuem necessidades diferenciadas, no sentido de propiciar as condições para superação das desigualdades”. Essa observação está alinhada com as falas das interlocutoras da pesquisa no sentido de que as opressões ou discriminações quando analisadas a partir de seu caráter interseccional vão atuar de maneiras diferentes sobre as pessoas que são por elas atravessadas. Assim, para que haja o atendimento à diversidade de demandas, há que se levar em consideração a existência dessa pluralidade.

Quanto à produção orgânica como ferramenta de resistência, importante pontuar que das nove entrevistadas apenas uma, Bila, adotava essa forma de produção. Conforme já mencionado, Caminhos Vitoriosos e a família já haviam plantado orgânicos, mas em virtude do alto custo da produção diante do plantio convencional ela acabou voltando para o formato convencional.

Uma das formas de agregar valor e legitimidade à produção orgânica ocorre por meio da certificação. O SPG confere a garantia de produção orgânica ao produto, e isso possibilita a sua comercialização com valor diferenciado, o acesso à comunidade de produtoras(es) familiares, a garantia de uma melhor qualidade de vida para quem produz e para quem consome esses alimentos, além de minimizar os impactos socioambientais da produção. O SPG consiste assim em um relevante instrumento para a produção orgânica no âmbito da agricultura familiar.

Outra forma de resistência identificada consistiu na participação no Grupo de Dança que, à época do trabalho de campo no Assentamento, era um dos poucos coletivos ainda ativos. O Grupo se destacava por ser o único espaço de lazer e confraternização que as(os) assentadas(os) dispunham. Ele é fruto de um projeto coordenado por Lúcia, que também participou como entrevistada da pesquisa doutoral.

Antes de viver no Assentamento, Lúcia morava na periferia de um grande centro urbano, onde fez parte, por cerca de 12 anos, de um projeto social no qual, entre outras coisas, aprendeu a dançar. Uma vez no Assentamento, Lúcia convidou a comunidade para aulas de zumba ministradas por ela. Somente algumas mulheres responderam ao convite, dando início aos encontros semanais.

Lúcia relatou que, no início, cerca de 15 mulheres participavam das aulas, no entanto, esse número foi reduzido: “acho que são oito. Elas começaram, muitas moram longe, teria que gastar na gasolina pra vir e tudo mais, aí foi desistindo” (Lúcia, Assentamento Santo Dias, 2019).

Essa não foi a primeira vez que a distância entre os lotes e entre estes e a Área Social do Assentamento foi apontada como empecilho ou desafio para as dinâmicas coletivas. Além da falta de transporte público, Hortência, que também integrava o Grupo de Dança, afirmou que “a frequência no coletivo está posta em termos de priorização: ‘o pessoal acha assim que tem outro serviço em casa, então pensa assim que não tem necessidade de tirar uma horinha no dia pra poder tá cuidando do próprio corpo, coloca isso como segundo plano’” (Hortência, Assentamento Santo Dias, 2019) (BAMBIRRA, 2021, p. 236).

Nessa direção, Lúcia contou que algumas mulheres tiveram que deixar de frequentar o Grupo de Dança ou não aceitaram o convite para dele participar por causa dos trabalhos de cuidado com as(os) filhas(os), netas(os) ou companheiros: “aqui a gente já teve vários casos da gente convidar pra participar do grupo: ‘Ah meu marido não deixa, meu marido não aceita’. ‘Ah eu tenho um filho pequeno não dá pra ir’. ‘Ah eu moro muito longe e meu marido não me leva’” (Lúcia, Assentamento Santo Dias, 2019).

A partir dos relatos, é possível identificar alguns obstáculos à participação no Grupo: o fato de que os trabalhos de cuidado são centralizados nas mulheres, bem como outras “demonstrações mais explícitas de sexismo identificadas nos casos em que os maridos impedem as esposas de participarem de forma direta e também de forma indireta, quando inviabilizam seu deslocamento até o local das práticas” (BAMBIRRA, 2021, p. 240).

E, ainda em relação aos trabalhos de cuidado, há que se destacar que historicamente no Brasil essas funções têm sido exercidas por mulheres negras subalternizadas, primeiramente via “mãe preta” e com o fim formal da escravidão mediante a exploração das domésticas.[7]

De acordo com Gonzalez (1982, p. 96), ao levar em consideração a existência da “divisão racial e sexual de trabalho, não é difícil concluir sobre o processo de tríplice discriminação sofrida pela mulher negra (como raça, classe e sexo), assim como sobre seu lugar na força de trabalho”.

Dessa forma, a participação no Grupo de Dança, como espaço de lazer, socialização e autocuidado, parece se constituir em uma forma de resistência para mulheres de diferentes idades e raças/etnias. Nesse local de encontro, essas mulheres desafiavam a racionalidade produtivista, bem como a racionalidade sexista – ao se recusarem a “obedecer” e manterem o Grupo ativo.

Além das estratégias e resistências já relatadas, no depoimento de Dália é apresentada uma estratégia, também mobilizada por Rosa e sua família, referente ao cultivo e comercialização de produtos como frutas para complementar a renda. Dália contou que a partir da venda de algumas frutas, como abacate e banana, ela conseguia uma relativa autonomia em relação ao mercado, pois dessa forma ela adquire alimentos que não cultivava ou que não havia cultivado no ano.

Já Selma explicou que havia começado uma horta com a finalidade de comercializar os produtos e destinar o dinheiro da venda para o pagamento do Pronaf. De acordo com ela, o plantio havia sido iniciado naquele momento, porque até então não existia condições para plantar.

Desse modo, embora as estratégias mencionadas por Dália, Rosa e Selma estejam localizadas subalternamente como trabalho reprodutivo ou ainda no âmbito da “produção de quintal”, em face da necessidade de geração de renda – seja para garantir a própria sobrevivência e da família via segurança alimentar, seja para o pagamento da política pública acessada –, essas mulheres mobilizam os parcos recursos disponíveis para atender à necessidade mencionada.

No caso de Selma, por exemplo, quando perguntada sobre o(s)possível(eis) motivo(s) que a impediram de “fazer roça”, ela respondeu que: “Ah não dá não minha filha, porque se você conseguir arar a terra, cê não vai comprar o adubo e se você comprar adubo você não ara a terra. Se você fazer os dois você não compra semente e vai ficar devendo. Não tem condições (...)” (Selma, Assentamento Santo Dias, 2019).

Se destaca a necessidade apontada por Selma de ter que comprar as sementes. Esse debate está inserido no âmbito da soberania e segurança alimentar. Há várias frentes que se organizam no mundo na luta por sementes livres e pela proteção da diversidade das espécies, já que estas se encontram ameaçadas pelo agronegócio. “Ademais, algumas tecnologias ligadas às patentes das sementes impossibilitam a sua replicação, isso gera uma relação de dependência das(os) agricultoras(es)” (BAMBIRRA, 2021, p. 226).

Pelo exposto, é possível identificar nas narrativas das assentadas que a principal razão para trabalharem fora do Assentamento ou fora de seus lotes consiste na impossibilidade de produzirem alimentos em sua própria terra ou produzi-los em quantidade suficiente para autoconsumo e/ou para a comercialização.

De acordo com os depoimentos das mulheres, é possível afirmar que o acesso à terra não levou necessariamente à autonomia econômica ou promoveu o acesso às políticas públicas. A partir de suas histórias de vida, ficou evidente que a ausência ou obstaculização das políticas públicas para produção agrícola está atravessada pela localização social dessas mulheres. Assim, a conquista da terra dissociada de autonomia econômica para produzir e comercializar seus produtos é ineficaz.

Nessa direção, a adoção da perspectiva interseccional pelo Estado poderia levar à produção de políticas públicas que atendessem de fato às necessidades dos diferentes grupos de pessoas que estão assentadas, considerando os desiguais níveis de vulnerabilidade a que estão expostas. Ademais, a pauta por uma reforma agrária popular interseccional efetiva (BAMBIRRA, 2021) está inserida no campo dos direitos humanos, como questão de justiça social e étnico-racial.

 

Algumas considerações

Na pesquisa, na qual este artigo se apoia, ficou claro o dramático esforço das assentadas do Santo Dias na (re)formulação de estratégias e resistências para garantir aspectos básicos de sobrevivência. Nesse sentido, as narrativas dessas mulheres apontaram para a seletividade étnico-racial do Estado na consecução das políticas públicas voltadas para o campo e a persistência do racismo fundiário que concorre para manter as(os) subalternizadas(os) às margens.

Se nos detivermos nos processos históricos e contemporâneos que perpassam as mulheres negras, trabalhados em alguma medida ao longo deste artigo, são perceptíveis algumas nuances específicas de reprodução de violências e de restrições de acessos. Um exemplo disso consiste na constatação das assentadas de que a conquista da terra, via luta, dissociada de autonomia econômica para produzir e comercializar seus produtos é ineficaz e retórica.

Além da ausência de autonomia econômica, foi observada nas narrativas das mulheres a presença de outras opressões atuando em interlocução e atravessando seus corpos e experiências. Esse atravessamento foi aqui interpretado a partir das lentes teóricas da interseccionalidade das opressões racistas, sexistas e classistas, presentes em termos de estrutura. Essa estrutura, edificada desde a invasão do Brasil, segue sendo “refinada” e reafirmada na colonização e atinge a contemporaneidade por meio de uma arquitetura legal racializada. Nesse sentido, qualquer proposta de reforma estrutural tem que passar necessariamente por melhorias das condições de vida da população negra, de tal forma que contemple as peculiaridades havidas considerando o gênero, a classe social dos sujeitos, entre outras opressões.

Ademais, as entrevistadas apontaram graves problemas no formato da vigente política de assentamento de pessoas, aqui trabalhados como desafios. Nesse sentido, as considerações alcançadas apontam para a urgência na construção e execução de uma reforma agrária que, além de popular, leve em consideração a articulação entre racismo e sexismo em sociedades de classe. Uma reforma agrária nesses moldes poderia servir como um dos instrumentos de reparação e de promoção da justiça social e étnico-racial.

A partir dos depoimentos das assentadas também se destacam as problematizações em torno da necessidade de reconhecimento e atendimento pelo Estado da demanda por políticas públicas interseccionais construídas com e para os diferentes grupos que compõem os rurais. Entretanto, enquanto estiver em vigor a política de assentamento de pessoas, a necessidade das mulheres de saírem do Assentamento ou mesmo de saírem de seus lotes para prestarem serviços para outras pessoas pode ser tensionada a partir da garantia do acesso eficiente e célere ao CCU, ao Crédito Instalação e às devidas medidas de estruturação.

Espera-se que as reflexões deste artigo possam beneficiar futuras(os) pesquisadoras(es) interessadas(os) na temática, a partir de uma perspectiva interseccional como lente teórica e analítica sobre o racismo fundiário e as desigualdades de gênero no meio rural brasileiro, como aqui nos inspira Davis, Collins, Hooks, Kilomba, Carneiro, Gonzalez, entre tantas outras.

Por fim, vale ressaltar que esta pesquisa, apesar do trabalho final que fomentou este artigo ter sido publicado em 2021, se baseia em um campo realizado em 2019, ou seja, no início do governo Bolsonaro e antes da pandemia da Covid-19. Nesse ínterim, a vida das assentadas, do Assentamento Santo Dias, bem como de toda a população em situação de vulnerabilidade no país, piorou vertiginosamente influenciados por dois movimentos de destruição ocorridos entre 2019 e 2022: um epidemiológico e outro político, que em conjunto aniquilaram milhares de vidas e colocaram milhões de brasileiras(os) no mapa da fome novamente. Quanto à política de aniquilação do governo Bolsonaro, ainda não se pode discutir sobre os efeitos na vida das pessoas no Assentamento Santo Dias sem que haja um retorno e aprofundamento investigativo, provavelmente em novas pesquisas no local. Esse parece ser um retorno urgente.

 

 

Referências

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Como citar

BAMBIRRA, Natércia Ventura; MAGRINI, Pedro Rosas. Uma análise interseccional das estratégias e resistências mobilizadas por mulheres negras em um assentamento de reforma agrária no sul de Minas Gerais. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, e2331110, 30 jun. 2023. DOI: https://doi.org/10.36920/esa31-1_st05.

 

 

 

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[1] Pesquisadora no Núcleo de Estudos em Serviço Social e Relações de Gênero da Universidade Federal de Santa Catarina (NUSSERGE/UFSC). Doutora em Ciências Humanas pelo Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, da Universidade Federal de Santa Catarina, com período sanduíche na Universidad Pablo de Olavide em Sevilha/Espanha. E-mail: natercia.bambirra@gmail.com.

[2] Professor dos cursos de Administração Pública e Serviço Social na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab). Doutor pelo Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGICH/UFSC), com estágio sanduíche no Programa Universitario de Estudios de Género da Universidade Nacional Autonoma de México (PUEG/UNAM) e pós-doutorado em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: pedromagrini@unilab.edu.br.  

[3] Termo cunhado na década de 1980 pela professora, pesquisadora e teórica negra estadunidense Kimberle Crenshaw, cujo conceito foi desenvolvido no âmbito da militância de mulheres negras e mulheres não brancas (COLLINS, 2017).

[4] As entrevistas, bem como a pesquisa por inteiro, foram realizadas a partir de pressupostos éticos, com garantia de anonimato das participantes. Nesse sentido, os nomes das mulheres foram substituídos por nomes fictícios escolhidos previamente por elas. As entrevistas ocorreram mediante apresentação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, momento no qual as eventuais dúvidas foram dirimidas, bem como foi salientada a possibilidade de interromper e/ou retirar o consentimento de participação nas entrevistas a qualquer momento, e ainda solicitar a retirada de trechos das referidas entrevistas (BAMBIRRA, 2021).

 

[5] Até a edição do Decreto no 9.311 de 15 de março de 2018 – que regulamenta a Lei no 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e a Lei no 13.001, de 20 de junho de 2014, para dispor sobre o processo de seleção, permanência e titulação das famílias beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária –, o prazo de validade do CCU era de cinco anos. Após a publicação do decreto, o CCU passou a ser “celebrado sem prazo determinado e sua vigência findará com a titulação definitiva ou com a sua rescisão nos termos previstos neste Decreto” (Parágrafo único do Art. 25 do Decreto no 9.311/ 2018).

[6] “Os beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) têm à disposição recursos que permitem a instalação em um assentamento e o desenvolvimento de atividades produtivas. O chamado Crédito Instalação é a primeira etapa de financiamento garantida pelo Incra às famílias. São nove as modalidades oferecidas. Apoio Inicial, Fomento, Fomento Mulher, Semiárido, Florestal, Recuperação Ambiental, Cacau, Habitacional e Reforma Habitacional. Cada linha dessas dá ao público atendido pela autarquia a oportunidade de continuar no campo, estando entre os principais atores do desenvolvimento rural” (INCRA, on-line).

[7] Ótima análise sobre essas figuras é oferecida por Lélia Gonzalez, particularmente no texto de 1984 “Racismo e sexismo na cultura brasileira”.