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v. 30, n. 2, julho a dezembro de 2022 (publicação contínua), e2230215


Recebido: 14.jun.2022   •   Aceito: 7.dez.2022   •   Publicado: 20.dez.2022

Artigo original / Revisão por pares duplo-cego / Acesso aberto

 

 

Abastecimento alimentar urbano: a trajetória da política pela perspectiva do Mercado Municipal em Campos dos Goytacazes (RJ)

Urban food supply: the policy pathway from the perspective of the municipal market in Campos dos Goytacazes (RJ)


orcid_id.png  Mauro Macedo Campos[1]

orcid_id.png  Lohana Chagas de Almeida[2]

orcid_id.png  Daniete Fernandes Rocha[3]   



DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30-2_08


Resumo: Este artigo analisa o abastecimento alimentar urbano a partir da perspectiva dos mercados municipais nos espaços urbanos. O lócus da pesquisa é o Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes (RJ), local centenário e importante para o abastecimento alimentar da população, além de ser um lugar de convívio social. O objetivo geral é compreender como é estabelecida a relação entre o poder público local e os permissionários do Mercado Municipal de Campos, como um equipamento de abastecimento alimentar. A história do mercado municipal é resgatada desde o momento em que surgiram lugares para comprar alimentos na cidade, passando pela sua inauguração até a sua configuração mais recente e suas relações com o poder público municipal. Tem recorte teórico-histórico longitudinal. É uma pesquisa exploratória e descritiva, com uma abordagem qualitativa, mas tem alguns elementos quantitativos. Utilizam-se as pesquisas bibliográfica, documental, aplicação de questionários e entrevistas semiestruturadas. Este estudo evidenciou que o Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes continua desempenhando um papel importante no abastecimento da cidade, além de carregar memória e patrimônio cultural. Mostrou, ainda, que por este tipo de espaço circula uma grande quantidade de pessoas, e é permeado por interesses que complexificam as relações estabelecidas nesse local. A nomeação dos cargos de diretores do mercado é atribuição do governo municipal, portanto, o poder público participa da ordenação da sua estrutura operacional. No entanto, as regras informais referenciam as relações dos órgãos públicos com as pessoas autorizadas a esta afiliação, interferindo em suas funções regulatórias e fiscalizadoras com os comerciantes do mercado.

Palavras-chave: Política de abastecimento urbano; trajetória histórica; Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes.

 

Abstract: This article analyzes urban food supply from the perspective of municipal markets in urban spaces; the locus of the research is the municipal market in Campos dos Goytacazes (RJ), a space with over one hundred years of history that is essential for the population's food supply and also a place of social interaction. The general objective is to understand how the relationship between the local government and the vendors who are licensed to sell at this market is established as a vehicle for food supply. We follow the history of this market from the time when places to buy food first appeared in the city and its inauguration up to its most recent configuration and relationship with the city government, in a longitudinal and theoretical-historical setting. The study is exploratory and descriptive and combines a qualitative approach with some quantitative elements; bibliographic and documentary research, questionnaires, and semi-structured interviews were utilized. The municipal market was seen to play an important role in supplying the city, and also as a bearer of memory and cultural heritage. Many people were seen to circulate within this type of space, which is permeated by interests that add complexity to the relationships established there. The directors of the market are appointed by the municipal government, which consequently influences the operational structure of the market, but informal rules dictate the relationships between public bodies and officially authorized people, affecting their regulatory and supervisory functions with market vendors.

Keywords: Urban supply policy; historical trajectory; Municipal Market of Campos dos Goytacazes.

 

 

Introdução

O abastecimento alimentar urbano compreende um amplo conjunto de pessoas e órgãos públicos, envolvidos em serviços interligados, do produtor ao consumidor. Nesse ambiente, encontram-se os mercados municipais que contribuem para a geração de emprego, o fomento da agricultura familiar, a segurança alimentar, bem como para a representação da memória e do patrimônio cultural material e imaterial da cidade.

Este artigo teve como propósito analisar a relação entre o poder público e os permissionários do Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes-RJ, como um equipamento da política de abastecimento. Essa relação é orientada por “contratos de permissão de uso”, que, na prática, para o caso em tela, não funcionam como “ferramenta gerencial”, pois não há uma renovação desse instrumento pelos atores privados envolvidos. Estes atores se mantêm no tempo, valendo-se da sua trajetória histórica e cultural para a cidade, nos termos de Pierson (2004).

O objetivo do artigo é compreender a relação entre o poder público local e os permissionários do Mercado Municipal de Campos, como um equipamento de abastecimento alimentar. Analisar essa interação implica percorrer a história desse mercado, desde sua inauguração, passando pela sua constituição e configuração atual, destacando os atores que usufruem desse espaço.

Na maioria das vezes, os mercados municipais são equipamentos públicos, operados de forma privada por meio de permissão ou cessão. São ambientes em que se observa o cotidiano das relações entre o poder público municipal e os agentes privados, que ocupam o espaço, comercializam alimentos e lidam com uma política pública essencial: o abastecimento alimentar urbano. No caso do Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes-RJ, trata-se de um espaço público (cedido pela Prefeitura), mas operado de forma privada (pelos comerciantes) por meio de instrumento jurídico de permissão.

Nos mercados municipais, é possível perceber elementos típicos da cidade ou da região, como artesanatos, doces e frutas, refletindo as particularidades presentes naquelas culturas (ALVES; RIBEIRO FILHO, 2011). No Mercado de Campos, por exemplo, têm-se artesanatos que fazem alusão ao padroeiro da cidade (Santíssimo Salvador) e ao padroeiro da Baixada Campista (Santo Amaro), o famoso chuvisco, que é um doce típico da cidade, frutas regionais (banana, carambola, graviola, jabuticaba, jambo, jenipapo, mamão, manga, pinha, pitanga etc.), o que explica, de certa forma, o Mercado de Campos como objeto analítico deste estudo. A política de abastecimento urbano abarca um conjunto de questões relacionadas às decisões sobre o tipo de produção, o plantio, os atributos dos produtos e o mercado consumidor, dentre outras (MALUF, 2012; BELIK; CUNHA, 2018). Os mercados são, portanto, espaços que contemplam um grupo de atores (agricultores, fornecedores, administração pública, comerciantes, consumidores etc.), permeados por interesses que complexificam as relações no campo em que atuam.

O Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes-RJ, com 100 anos de história, não é voltado apenas para trocas comerciais, pois é parte da cultura e da história do município (FREITAS, 2006; SILVA; MIRANDA, 2013). Localizado no centro da cidade, compõe a paisagem urbana, sendo um local privilegiado para o encontro e a sociabilidade da população, para além da comercialização de alimentos e outros produtos. Privilegia o contato direto entre pessoas, gerando sentimento de pertencimento comum, identidade coletiva e trocas interculturais entre aqueles que o visitam.

O artigo estrutura-se em quatro seções, além desta parte introdutória, das considerações finais e das referências. Na primeira, discute-se o lócus deste estudo e a metodologia. Na segunda, apresenta-se uma discussão teórica sobre o abastecimento alimentar no Brasil, e um breve percurso histórico, a partir de diferentes autores, como Maluf (2012), Menezes, Porto e Grisa (2015), Toledo (2017), Belik, Silva e Takagida (2001) e Cunha e Belik (2012), dentre outros. Na terceira, é tratada a questão do abastecimento alimentar.

 

O lócus da pesquisa e a metodologia

Este estudo foi realizado no município de Campos dos Goytacazes, o maior em termos de extensão territorial do estado do Rio de Janeiro, o que lhe confere atenção quanto à distribuição, comercialização e abastecimento de alimentos (OLIVEIRA; SILVA NETO, 2020). Campos carrega dimensões econômicas importantes para a região Norte Fluminense e para o estado do Rio de Janeiro em geral, que podem ser pensadas temporalmente, puxadas pela indústria sucroalcooleira, que se destacou no século XIX e durante as primeiras décadas do século XX. O município representava a principal força econômica nesse setor, chegando a possuir 27 usinas de açúcar no início do século XX (PIQUET; GIVISIEZ; OLIVEIRA, 2006). Segundo estes autores, essa bonança se estendeu até o primeiro choque do petróleo, em 1973, que propiciou uma readequação do setor, tendo no bojo a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) e a modernização do parque industrial açucareiro, que operava com instalações industriais ultrapassadas. Nessa década, o perfil econômico da região deu uma guinada, com a exploração de petróleo e gás na bacia de Campos passando a influenciar a região Norte Fluminense, principalmente os municípios de Campos dos Goytacazes[4] e Macaé. Com a nova fonte de riqueza, houve aumento de demandas e oportunidades, tendo em vista o volume de recursos de royalties de petróleo (e participações especiais)[5] destinado aos municípios da região, o que, supunha-se, seria acompanhado de desenvolvimento local (CARVALHO; TOTTI, 2006).

Por sua longa hegemonia econômica e política no município, os usineiros não viram com bons olhos a chegada da Petrobras, seja pela mudança do perfil econômico e deslocamento do centro gravitacional da economia da região, seja pela disputa da mão de obra (PIQUET; GIVISIEZ; OLIVEIRA, 2006). Além da falta de subsídios para a manutenção da atividade açucareira (CRIBB, 2008), o que sublinha os interesses e o perfil de uma parte da elite campista que buscou extrair recursos e prestígio do poder político (ALVES, 2013; RODRIGUES, 2016), e ressalta o formato patrimonialista – nos termos de Sérgio Buarque de Holanda (1995) – nas relações desse estrato social com o poder público local. Esse formato se estende para além do pêndulo da economia local (e regional), sobressaindo as questões do cotidiano da cidade, manifestas nas relações informais, na troca de favores, na proximidade com atores políticos ou com burocratas de nível de rua[6] (LIPSKY, 2010), como é o caso de algumas relações estabelecidas entre comerciantes do mercado municipal e o poder público, que podem ser percebidas na burocracia e na condução da política de abastecimento.

Pensar no espaço do Mercado Municipal de Campos significa caracterizar o perfil dos comerciantes que lá atuam, entender seu cotidiano, com quem lidam, suas relações com outros atores e como manejam seus produtos. Em especial, torna-se necessário retomar seu percurso histórico, de modo que possibilite traçar o desenho organizacional/institucional deste mercado municipal, desde sua inauguração.

Para esta parte do artigo, foi utilizada pesquisa documental, sendo analisados documentos de “primeira mão” (fontes primárias) e aqueles já processados, que têm análises, interpretações, resumos e sínteses dessas fontes. No decorrer da pesquisa, buscou-se levantar e organizar os dados disponíveis na Prefeitura sobre a estrutura organizacional/institucional do mercado, de modo a identificar informações sobre os permissionários ao longo dos anos.

A entrada no campo e a tentativa de consulta ao órgão público responsável pela administração do mercado municipal, a Companhia de Desenvolvimento de Campos (Codemca),[7] mostraram questões relacionadas ao modus operandi da gestão pública local, o que, em um primeiro momento, dificultou o acesso aos dados.[8] Este fato foi resolvido por meio das relações informais, devido ao estabelecimento de contato direto com servidores, que encurtaram a comunicação e facilitaram o acesso aos dados, a partir da discricionariedade de suas decisões (LIPSKY, 2010; LOTTA, 2010). Estabelecer essa relação com os servidores foi fundamental para conhecer os dados, tabulá-los e organizá-los em planilhas que, na sua totalidade, encontravam-se em meio físico e arquivados na própria Codemca.

A pesquisa documental ocorreu entre os meses de julho e setembro de 2018, na Codemca. Os dados foram retirados de fichas físicas (em papel) que continham informações que foram categorizadas e apresentadas no Quadro 1.

 

Quadro 1 Fichas dos Permissionários disponíveis na Codemca em 2018

Descrição das fichas em papel

Período de emissão

Quantidade de fichas

Recadastramento

2017

387

Declarações

1989 a 2018

90

Autorizações

1989 a 2018

2

Termos de compromisso

1999 a 2011

421

Notificações de permissionários

1999 a 2018

83

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados coletados na Codemca (2018).

 

Esses documentos estavam agrupados em pastas empilhadas em uma sala da Companhia. Continham informações como dados pessoais (que foram suprimidos), identificação do boxe (ou banca), produtos comercializados, prazo da permissão, tempo de permanência na atividade, horário de funcionamento e as razões para notificação (nos casos em que ocorreram, e o agente público responsável pela emissão), dentre outras informações anotadas manualmente nas fichas.

Utilizaram-se ainda diários de campo,[9] consultas diretas, entrevistas semiestruturadas e questionários para a coleta de dados primários. As entrevistas foram realizadas com o auxílio de um roteiro previamente elaborado, específico para cada representante dos órgãos públicos do município: (1) Codemca; (2) Secretaria Municipal de Agricultura. Os administradores do mercado entrevistados pertenciam a esses dois órgãos públicos do município. O critério para defini-los foi a partir da função exercida por cada servidor do órgão, de modo a identificar os responsáveis pela gerência e fiscalização do mercado. Outras entrevistas semiestruturadas foram realizadas, utilizando outro roteiro prévio, com o presidente da Associação de Lojistas do “Mercado Coberto”,[10] além de quatro dos permissionários mais antigos do mercado, escolhidos porque dispunham de informações sobre o cotidiano do mercado e por conhecerem parte da sua história e das relações do poder público com os comerciantes.   

 Os questionários foram aplicados a comerciantes que são permissionários do mercado,[11] por meio de sorteio pelo número do boxe, a partir de um universo de 690 unidades comerciais. Utilizou-se uma amostra calculada de 62 unidades, que correspondem também a 62 permissionários, a partir de uma heterogeneidade de 50%, entre as unidades comerciais pesquisadas, com uma margem de erro de 10% e nível de confiança de 90%, com o uso da ferramenta Netquest.[12] O tempo mínimo médio de permanência no mercado é de aproximadamente dez anos, o que indica que esses permissionários conhecem, a seu modo, o cotidiano do lugar. Essa ferramenta permitiu extrair dos permissionários suas impressões sobre o mercado, sobre o papel desse equipamento no tempo e sua importância para o abastecimento da cidade.

A partir das respostas aos questionários, foram identificadas características como o gênero e a faixa etária dos entrevistados, os produtos comercializados, o horário de funcionamento dos boxes, o tempo de permanência no mercado, os principais estados fornecedores de produtos alimentícios, a frequência de compras das mercadorias dos fornecedores, bem como a presença de produtos da agricultura familiar local. Quanto ao perfil dos comerciantes do mercado, observou-se que a maioria é do sexo masculino (64%), tem pelo menos 41 anos de idade e reside principalmente no município de Campos dos Goytacazes-RJ.

 

Abastecimento alimentar no Brasil: breve percurso histórico

A política de abastecimento alimentar é uma importante forma de garantir à população acesso aos alimentos, sobretudo em espaços urbanos. Maluf (2012, p. 2) conceitua essa política como o “conjunto diverso de atividades mediando a produção e o consumo de alimentos”, em uma relação que envolve atores públicos e privados. O abastecimento compreende toda a cadeia: produção, transporte, armazenagem e comercialização, que devem estar em consonância para gerar o funcionamento efetivo desse setor.

Em um horizonte histórico, a relação entre o público e o privado no abastecimento urbano de alimentos no país apresenta mudanças ao longo do tempo. Na Primeira República, ocorreram crises de abastecimento em um contexto de crescimento acelerado da urbanização. Nessa época, o governo federal manteve sua atenção na produção agrícola para exportação. As iniciativas para o abastecimento nacional eram incipientes e inadequadas às necessidades das populações dos centros urbanos, que ganhavam densidade demográfica (MENEZES; PORTO; GRISA, 2015). A primeira grande crise de abastecimento de alimentos ocorreu em 1917. Nesse período, foi deflagrada a 1a greve geral operária em São Paulo (BELIK; SILVA; TAKAGIDA, 2001). Manifestações e greves fizeram parte de movimentos de trabalhadores ao redor do mundo (TOLEDO, 2017). A falta de alimentos se agravou em função dos crescentes envios de alimentos do Brasil para nações europeias durante a Primeira Guerra Mundial (BELIK; SILVA; TAKAGIDA, 2001).

Em 1929, o café perdeu espaço no mercado internacional, com o preço em baixa, mas o mesmo não aconteceu com outros alimentos; nesse cenário, as fazendas deram novo destino aos produtos agrícolas que abasteciam a população urbana. As intervenções públicas no abastecimento tiveram início com a crise que começou nessa década (BELIK; SILVA; TAKAGIDA, 2001), inclusive com incentivo à produção de alimentos, como ocorreu com a criação das colônias agrícolas, ao longo dos anos de 1930/1940, em torno da capital federal (BERCOVICI, 2020).

A Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) voltou a agravar a escassez de alimentos no Brasil. Algumas iniciativas para enfrentar essa situação foram a garantia de preço mínimo para produtos agrícolas e a criação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). O governo avançou na concessão de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, mas não conseguiu mitigar a fome e a insegurança alimentar da população brasileira (MENEZES; PORTO; GRISA, 2015).

Em 1943, foi criada a Comissão de Financiamento da Produção (CFP), responsável pelo fomento à produção e à regulação dos estoques (CONAB, 2005). Em 1945, foi instituída a Comissão Nacional de Alimentação (CNA), um marco para o abastecimento, pois teve como função definir a política nacional de alimentação, estudar a situação da nutrição e os hábitos alimentares (SILVA, 1995). Ainda no governo Getúlio Vargas, foram estabelecidas diversas autarquias (açúcar e álcool, mate, sal, café, trigo etc.), responsáveis por direcionar as ações dos mercados internos e externos e a política de preços (BELIK; SILVA; TAKAGIDA, 2001). Adotaram-se medidas de controle da oferta de alimentos, como listas de preços, de autorizações para exportação e de incentivos à produção agropecuária (CUNHA; BELIK, 2012).

Após 1945, o abastecimento alimentar passou a ser primordial para o bem-estar social e a estabilidade da economia, com a intensificação da urbanização (BELIK; CUNHA, 2015). Entretanto, os problemas de abastecimento continuaram agravados pelo êxodo rural na segunda metade do século XX. Permaneceram os problemas logísticos (MENEZES; PORTO; GRISA, 2015) e a carestia, com impacto negativo no consumo das famílias (BELIK; CUNHA, 2015).

Entre os governos João Goulart (1961-1964) e Castelo Branco (1964-1967), logo no início da década de 1960, houve um acirramento do debate em torno da questão agrária, redundando em propostas de reforma agrária e modernização da produção (CONAB, 2005). Intensificada a partir de 1960, sobretudo nas regiões Sul e Sudeste, a modernização trouxe aumento da produção agrícola, ampliação das exportações e auxiliou no crescimento da economia, mas beneficiou apenas parte da população, e atendeu os interesses da elite rural (TEIXEIRA, 2005).

No início da década de 1960, foram emitidas normativas que modificaram o sistema de abastecimento, como o fechamento de estabelecimentos que não atendiam às normas da Superintendência Nacional do Abastecimento (Sunab), autarquia do governo federal, criada em 1962, pelo presidente João Goulart para intervir no mercado, fixando preços e controlando estoques. Nesse mesmo período, também foram fundadas a Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal), com o papel de fiscalizar a distribuição de alimentos, e a Companhia Brasileira de Armazenagem (Cibrazém), para o monitoramento do armazenamento (CONAB, 2005). 

Após o governo Castelo Branco, e no decorrer dos governos do regime militar, ressaltou-se o desenho da política de abastecimento, sobretudo por meio do Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED), entre 1968 e 1970. No governo Médici (1969 a 1974), com o I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), criaram-se as bases de 15 Centrais de Abastecimento (Ceasas), com o objetivo de aproximar produtores e varejistas (BELIK, 1992). As Ceasas são empresas estatais ou de capital misto, voltadas para a comercialização e a distribuição, de forma atacadista, de alimentos como frutas, legumes e verduras. A partir de 1970, uma rede de Ceasas e centenas de instalações varejistas originaram-se, com base nas propostas do Grupo Executivo de Modernização (Gemab), criado em 1968, e da Cobal (BELIK; SILVA; TAKAGIDA, 2001). O Quadro 2 traz um demonstrativo das Ceasas implantadas em diversas capitais e cidades populosas do país, totalizando 35 centrais. A região Nordeste foi onde mais se implementaram centrais de abastecimento, com 11 unidades (31% do total). As regiões Sudeste e Sul receberam 18 centrais (26% cada uma). O Centro-Oeste foi o destino de quatro centrais (11%). Com apenas duas, a região Norte foi a que menos implementou Ceasas.

 

Quadro 2 – Centrais de Abastecimento criadas no Regime Militar

Ano/criação

Ceasa/UF

Estado/Distrito

1972

Brasília

Distrito Federal

Fortaleza

Ceará

Recife

Pernambuco

Rio de Janeiro

Rio de Janeiro

São Gonçalo

Rio de Janeiro

1973

Salvador

Bahia

Aracajú

Sergipe

Porto Alegre

Rio Grande do Sul

1974

Belo Horizonte

Minas Gerais

João Pessoa

Paraíba

1975

Manaus

Amazonas

Campinas

São Paulo

Maringá

Paraná

Belém

Pará

Goiânia

Goiás

Maceió

Alagoas

1976

Curitiba

Paraná

Campina Grande

Paraíba

Natal

Rio Grande do Norte

Teresina

Piauí

1977

Vitória

Espírito Santo

Mossoró

Rio Grande do Norte

São Luis

Maranhão

1978

Foz do Iguaçu

Paraná

Florianópolis

Santa Catarina

Anápolis

Goiás

Uberlândia

Minas Gerais

Novo Hamburgo

Rio Grande do Sul

1979

Juiz de Fora

Minas Gerais

Campos dos Goytacazes

Rio de Janeiro

Campo Grande

Mato Grosso do Sul

1982

Londrina

Paraná

Macaé

Rio de Janeiro

Cascavel

Santa Catarina

Caxias do Sul

Rio Grande do Sul

Fonte: Adaptado de Mourão e Magalhães (2009, p. 32-34).

 

No município de Campos dos Goytacazes-RJ, foi criada uma unidade da Ceasa, em 1979. Os dados dos questionários aplicados aos comerciantes do mercado municipal, no presente estudo, revelaram que, nesse período, os atacadistas que atuavam no mercado foram transferidos para o local, mas a Ceasa não permaneceu no local por muito tempo. A distância e os custos operacionais contribuíram para o afastamento gradativo dos comerciantes (FREITAS, 2006). Atualmente, o local onde a Ceasa funcionou é um espaço vago, deteriorado pelo tempo e sem uso comercial.

No contexto brasileiro, surgiram, nesse período, além das centrais de abastecimento, outras formas de comercialização, como “varejões” e “sacolões” geridos pelos estados e municípios no espaço urbano. A administração pública, que mantinha sob a sua vigilância apenas as concessões dos mercados municipais, passou a administrar e fiscalizar os varejistas (BELIK; SILVA; TAKAGIDA, 2001). Trata-se de um procedimento comum nas relações entre a administração pública e os atores privados para a realização de serviço público ou uso/exploração de bem público.

Os mercados municipais compõem os equipamentos de abastecimento, inseridos no espaço urbano de forma itinerante ou permanente, que servem para a população adquirir alimentos e outros produtos. Em diversos locais, persiste o costume de utilizar esses mercados para realizar trocas comerciais, necessárias para reprodução da vida em sociedade (PINTAUDI, 2006). Nesse sentido, o comércio tem caráter social, pois além das mercadorias, envolve trocas de ideias, conhecimentos, experiências e sensações (VARGAS, 2012), despertando o desejo pelo consumo para que, assim, a venda seja realizada. O comércio tem caráter social, porque, para que a compra e a venda das mercadorias sejam realizadas, são necessários o encontro e a conversa, mesmo que no ambiente virtual, que envolvem troca de ideias, conhecimentos, experiências e sensações que compõem o prazer do consumo.

Os mercados públicos se mantêm vivos em virtude da sua capacidade de atrair consumidores, ditada por fatores como visibilidade, acessibilidade e sua própria tradição (CUNHA; CAMPOS, 2022), mesmo em um contexto de mudança dinâmica no sistema urbano de abastecimento. Cunha e Campos apontam para a disseminação dos supermercados na América Latina, a partir da década de 1980, como um fenômeno que se inicia em direção a cidades intermediárias e, na década de 1990, para cidades menores, em um processo de expansão desses equipamentos do varejo de alimentos no tecido urbano.

Muitos mercados públicos tiveram sua origem nas feiras que acabavam perpetuando-se e materializando-se em edificações, uma vez que a reprodução da vida na cidade demandava um espaço permanente para a compra de mantimentos (PINTAUDI, 2006). Esse é o caso do Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes, cuja história também teve origem nas feiras e, com o passar do tempo, acabou se materializando na construção no centro da cidade. Os mercados municipais ocupam um espaço importante na trajetória do abastecimento local e são locus de trocas materiais e culturais, com ações desempenhadas por atores privados em espaços concedidos pelo poder público.

Nessa mesma direção, conforme Bitar (2014), os mercados são locais onde são realizadas mediações entre diferentes espaços, pessoas e objetos. Eles reúnem momentos de trocas comerciais, relações sociais e simbólicas. São espaços que expressam autenticidade e estilos de relações sociais, sendo considerados processos de “patrimonialização” por agências de preservação histórica.

Esse contexto representa ainda, uma diversificação no que diz respeito à visão do abastecimento urbano, com a incorporação de necessidades alimentares de grupos vulneráveis, que devem ser garantidas por políticas públicas (MENEZES; PORTO; GRISA, 2015). Nessa perspectiva, a partir de 2020, com o surgimento da pandemia da Covid-19, com reflexos no acesso das famílias mais pobres aos alimentos, os equipamentos urbanos de abastecimento alimentar fazem diferença, no sentido de que podem minimizar tais problemas, fortalecendo a agricultura local e reduzindo as distâncias entre produtores e consumidores. Na atual crise, os números da fome no Brasil cresceram,[13] agravados pelo desemprego, que atingiu 14,7% no primeiro trimestre de 2021, além de 5,97 milhões de “pessoas desalentadas”, que desistiram de procurar emprego, conforme o IBGE (FAO-CELAC, 2020; CEPAL, 2021). Os mercados municipais que compõem essa paisagem urbana, cada vez mais desigual, podem redimensionar seu papel, como equipamento público de abastecimento alimentar, seja com consumo racional e solidário, seja na consecução de bancos de alimentos.[14]

 

O abastecimento alimentar urbano pela perspectiva do Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes

Estampado no centro da cidade, o Mercado Municipal de Campos, com 100 anos de história (completados no dia 15 de setembro de 2021), conviveu com todo o loop econômico que o município enfrentou. Trata-se de local privilegiado tanto para a comercialização de serviços, alimentos e outros produtos quanto para a socialização e encontro dos campistas. Não é apenas um estabelecimento de trocas comerciais, pois tem representatividade social e histórica. Nos mercados municipais destacam-se a valorização de produtos locais e regionais, o que contribui para a sua permanência no espaço urbano (ALVES; RIBEIRO FILHO, 2011), mesmo com a presença de supermercados e hipermercados sofisticados (CUNHA; CAMPOS, 2022).

Olhando para a história do Mercado Municipal de Campos, as Bancas de Pescado e a “Quitanda Velha” foram os dois primeiros espaços pensados para comercializar alimentos na cidade, durante o século XIX. As Bancas de Pescado eram localizadas entre o porto da rua do Rosário e o largo do Capim. Entre 1842 e 1850, elas começaram a ser deterioradas. A partir de meados da década de 1880, os pescados (sobretudo, robalos, piaus e tainhas) não eram mais comercializados nas bancas, sendo colocados para venda nas calçadas (SOUSA, 2014).

Durante o século XIX, a Quitanda Velha, situada na praça das Verduras, era considerada um lugar de referência para a convivência no espaço urbano, como também representou um local privilegiado para comprar alimentos na cidade (SILVA; MIRANDA, 2013). A Figura 1 ilustra o Mercadinho ou Quitanda Velha na praça das Verduras, em 1890.

 

Figura 1 – Mercadinho da praça das Verduras em 1890

         

Fonte: Coleção Dr. Dario Marinho apud Silva e Miranda (2013).

 

No século XIX, o local (atualmente praça Prudente de Morais) era chamado praça das Verduras. Em 1850, a Câmara Municipal (Ata do dia 15 de abril) definiu que a praça das Verduras e o largo do Capim eram os dois lugares adequados para o comércio (verduras, gêneros ou quaisquer outros objetos) na cidade. Em 1857, a Câmara definiu o porto da Escada, e suas imediações, como local para a venda de pescado. Na sessão de 2 de agosto de 1869, o conselheiro Thomaz Coelho sugeriu a construção de uma praça de Mercado nos terrenos à margem do canal, entre as ruas Formosa e do Conselho. Seis anos mais tarde (sessão de 3 de fevereiro de 1875), foram definidas as construções de duas praças de Mercado: uma entre o canal e a rua Barão do Amazonas e, a outra, na praça das Verduras, ambas com cobertura e gradis (SOUSA, 2014).

Em 1879, a Câmara Municipal conferiu ao setor privado o direito de explorar uma das praças de Mercado com o objetivo de eliminar a Quitanda Velha, que era vista como uma feira ao ar livre e sem higiene, porém, localizada no centro comercial da cidade. A partir daí, de acordo com Sousa (2014), escolheram a praça do Mercado, no largo do Rocio, para realizar tal construção.

A praça das Verduras ocupava uma área privilegiada e, por isso, surgiram tentativas, ao longo do século XIX, de retirá-la como um espaço do mercado popular representado pela Quitanda Velha. Dentre as tentativas, a mais próxima de se concretizar foi o convite para transferir a Quitanda Velha para o largo do Rocio. Mas, em 1878, quando a Câmara decidiu a transferência do comércio de verduras para o largo do Rocio, os quitandeiros da praça das Verduras se reuniram, pediram para que não fosse feita a mudança (SILVA; MIRANDA, 2013) e solicitaram providências na Câmara Municipal (SOUSA, 2014).

A sugestão da mudança do mercado/comércio de mercadorias da Quitanda Velha para o largo do Rocio aconteceu em virtude da localização da estação da primeira ferrovia de Campos, que era no próprio largo. Não existia outro lugar mais apropriado para vendas de mercadorias da baixada campista do que uma praça em frente à estação de trem (SILVA; MIRANDA, 2013).

De acordo com Sousa (2014), a Lei Provincial no 782 de 1885 autorizou a Câmara a contratar serviços privados para a construção de uma praça de Mercado Público, por usufruto durante 40 anos, que ficou a cargo da empresa Rocio. Silva e Miranda (2013) consideram que essa decisão foi uma maneira de dotar a cidade de melhores condições de comércio e organizar o espaço público com a construção de um novo mercado.

A Câmara modificou o endereço do mercado de peixe em 1889, da rua D. Pedro II para a praça Azevedo Coutinho (SOUSA, 2014). Esse episódio foi relatado durante a pesquisa de campo feita com os feirantes e peixeiros do mercado municipal. Na oportunidade, ao ser entrevistado, Edson, peixeiro do mercado, disse (informação verbal): “desde muito cedo vinha trabalhar no mercado com meu pai e ouvia dele a história de como começou a formação da Peixaria”. Ele relatou que, no começo, a venda de peixe acontecia de modo itinerante na praça Azevedo Coutinho. Eram colocadas lonas no chão para a venda do pescado que acontecia durante as manhãs. Depois, os peixeiros foram transferidos pela Prefeitura para a Peixaria que está localizada na rua Tenente Coronel Cardoso (antes denominada rua Formosa), estando hoje conjugada com a Feira Livre do mercado municipal.

No início do século XX, em abril de 1901, a partir do esforço da Câmara Municipal, o vínculo privado de usufruto da praça foi revertido com a proposta e liquidação das pendências entre a Prefeitura e a empresa concessionária. Em 30 de junho de 1906, a praça do Mercado no largo do Rocio foi inaugurada (SOUSA, 2014). A Figura 2 ilustra a praça do Mercado no largo do Rocio durante a enchente de 1906.

 

Figura 2 – Praça do Mercado no largo do Rocio


Fonte: Acervo da Biblioteca Municipal Nilo Peçanha/FCJOL apud Silva; Miranda (2013).

 

Com o passar dos anos, a praça do Mercado no largo do Rocio começou a ser vista pela população como sendo muito modesta. Em 1917, o prefeito Luiz Sobral, visando dotar a cidade com um mercado mais condigno e adequado para aquela época, decidiu construir o atual mercado municipal (SOUSA, 2014). A construção do novo mercado teve início em 1918, na praça Azevedo Coutinho, espaço que já havia sido pensado para essa finalidade (FREITAS, 2006). Três anos depois, no dia 15 de setembro de 1921, o mercado municipal foi inaugurado pelo prefeito em exercício, Luiz Caetano Guimarães Sobral.

O novo mercado não era somente um equipamento público voltado para o abastecimento de alimentos, mas um símbolo para a cidade. O mercado não atendia apenas às exigências de qualidade dos produtos comercializados, como, também, constituía um local que possibilitou à cidade se equiparar às metrópoles da época, levando em consideração os cânones da modernização das capitais brasileiras, sobretudo, do Rio de Janeiro (FREITAS, 2006; SILVA; MIRANDA, 2013). Desde o início, o mercado municipal era considerado um importante elemento de representação social para os campistas, sendo percebido como um espaço de prestígio social que aludia status diante das outras cidades, o que reforça a escolha deste espaço como objeto analítico deste artigo. O Quadro 3 apresenta uma síntese das principais mudanças e fatos ocorridos no Mercado Municipal de Campos.

 

Quadro 3 – Evolução da trajetória histórica do mercado municipal

Cronologia itinerante do mercado

Localização do mercado

Entre os anos de 1842 a 1850

Bancas de pescado deterioradas no porto da rua do Rosário e na rua do largo do Capim.


8 de junho de 1889


Modificação do mercado de peixe para a praça Azevedo Coutinho.


Até cerca de 1890


Quitanda Velha na praça Prudente de Moraes.


30 de junho de 1901


Praça do Mercado no largo do Rocio.


15 de setembro de 1921,

governo Luiz Sobral (1921-1924)


Inauguração do Mercado Coberto na praça Azevedo Coutinho.


Governo (1967-1971) José Carlos Barbosa


Reforma do Mercado Coberto com as construções das divisórias de alvenaria dos boxes.


Governo Raul Linhares (1977-1982)


A cobertura da Feira Livre.


Segundo governo de José Carlos Barbosa (1983-1988)

Inauguração do galpão da Feira Livre e Peixaria


Governo Anthony Garotinho (1989-1993)


Troca do telhado e restauração do piso do Mercado Coberto, construções das bancas de alvenaria na Feira Livre e na Peixaria.

Fonte: Elaboração própria a partir dos estudos de Freitas (2006), Silva e Miranda (2013) e de Sousa (2014).

 

 

A Figura 3 ilustra como era o Mercado Coberto ao tempo da sua inauguração, em 1920.

 

Figura 3 – Prédio histórico antes da sua inauguração em março de 1920


Fonte: G1 Norte Fluminense: mercado de Campos antigamente (divulgação/Prefeitura de Campos), 2014.[15]

                

Para se ter acesso ao Mercado Coberto foram colocadas quatro portas que, a princípio, eram fechadas por meio de portões de ferro lavrados, substituídos ao longo do tempo. Atualmente, são portas de aço que ficam nas duas extremidades laterais e no centro da edificação. Esse espaço é formado por dois blocos de boxes, um central e outro lateral. Fora isso, existe uma sala da administração, que conduz o funcionamento de todo o mercado. Com o passar dos anos, o Mercado Coberto passou por reformas estruturais. A primeira ocorreu no governo de José Carlos Barbosa (1967-1971), quando foram construídas as divisórias de alvenaria em todo o Mercado Coberto. As divisões dos boxes foram alteradas em diversos momentos. Em 1970, foi realizada uma nova divisão dos boxes internos, ampliando sua quantidade e, ao mesmo tempo, reduzindo a área de extensão. Os açougues e outros espaços (que tinham os seus interiores voltados para a parte central do Mercado Coberto, mas realizavam as vendas na parte exterior do mercado) perderam o contato com o interior do mercado. Na parte interna do Mercado Coberto, a distribuição e o número de boxes foram modificados em virtude da remoção das estruturas de madeira e tela de arame que foram trocadas pelas paredes de alvenaria e lajes pré-moldadas (FREITAS, 2006).

No governo de Raul Linhares (1977-1982), a cobertura da Feira Livre (que também compreende a Peixaria) foi iniciada, porém, as bancas de alvenaria foram construídas apenas no início da década de 1990. Tem-se, nesse período, a segunda reforma, ocorrida no mandato do prefeito Anthony Garotinho (1989-1993), com a colocação da laje de cobertura, além da troca do telhado e do piso (FREITAS, 2006). A Figura 4 ilustra o espaço físico do mercado municipal, a partir de sua última reestruturação, destacando suas respectivas subdivisões: (I) Mercado Coberto ou Prédio Histórico; (II) Feira Livre; (III) Peixaria. Verifica-se que o Mercado Municipal de Campos é constituído, informalmente, de três espaços, e cada um apresenta um modo particular de funcionamento, conforme ilustra a Figura 4.

 

Figura 4 – Mapa com as divisões de cada parte do Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes-RJ

 

Fonte: Adaptado de Almeida (2019, p. 81).

 

O espaço da Feira é constituído por uma estrutura de sustentação de aço que dá suporte à cobertura de alumínio. O local é rodeado de paredes laterais baixas que permitem a visibilidade e a entrada de luz solar e ventilação. De acordo com permissionários antigos do mercado, que trabalham há mais de 50 anos nesse local (informação verbal coletada a partir de entrevistas realizadas em 12 de maio de 2019), no governo de José Carlos Barbosa, inicialmente, foram criadas bancas de madeira para a Feira Livre e a Peixaria. Na administração de Raul Linhares, foi construída a cobertura de zinco que protege a Feira e a Peixaria. As bancas de alvenaria foram construídas no primeiro mandato de Anthony Garotinho (1989-1992).

Estes comerciantes[16] relataram, em conversas informais, que era comum a comercialização de verduras e legumes no interior do Mercado Coberto, quando existiam apenas as estruturas de madeira e arame. No entanto, com o passar dos anos os produtos oferecidos naquele espaço foram se modificando. Hoje, os legumes e verduras são vendidos apenas na Feira Livre, sendo que antigamente tais produtos eram vendidos no Mercado Coberto. Informaram ainda que as construções da Feira Livre e da Peixaria são mais recentes que o Mercado Coberto, pois elas se formaram quando agricultores, principalmente da baixada campista, começaram a trazer alimentos para serem vendidos nas imediações do Mercado Coberto. Esses alimentos eram empilhados no chão da Feira, sem qualquer tipo de bancas ou barracas para acomodá-los. Com o passar dos anos, a Feira foi aumentando de tamanho e adquirindo a configuração dos dias atuais (em 2021), com cobertura de alumínio, chão cimentado e bancadas de alvenaria, ocupando quase todo o espaço do galpão ao lado do Mercado Coberto. A ampliação do tamanho da Feira tem relação não apenas com as exigências sanitárias, mas também com o aumento gradativo do número de comerciantes. Muitos vinham do interior vender seus produtos apenas de modo sazonal. Com o passar do tempo, começaram a frequentá-la periodicamente e, consequentemente, ocuparam o espaço.

A partir da trajetória histórica do Mercado Municipal de Campos, é possível perceber que ele auxilia o abastecimento urbano alimentar da população, desde o início do século XX. Nesse sentido, o estudo sobre o Mercado Municipal de Campos traz elementos que reforçam a importância da consideração do tempo e da sequência de eventos para a compreensão do seu percurso ao longo dos anos (PIERSON, 2004). Merece atenção o papel sempre presente da Câmara Municipal, o que remete a uma proximidade com o Legislativo, que desde o início marca as relações com os atores privados daquele espaço. O mercado, criado por meio do poder público (pela Câmara Municipal), é também um ambiente de convívio social dos campistas e visitantes que podem se encontrar e se relacionar há 10 décadas. O local é repleto de histórias e elementos culturais, sendo responsável por movimentar e aquecer a economia da cidade, perpetuando-se mesmo com a existência de outros canais de comercialização, como supermercados, hipermercados e hortifrutis, mais contemporâneos e requintados, que se soma aos conflitos e interesses presentes nas relações entre o público e o privado, bem como às formas de convívio entre estes atores no mercado municipal de Campos.

 

Os comerciantes do Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes e a sua relação com a Prefeitura

A relação formal entre a Prefeitura e os comerciantes no mercado municipal se configura por meio do ato administrativo da “permissão”, que possibilita aos permissionários o direito de uso e exploração comercial desse local, sob responsabilidade do governo municipal. Esta informação foi obtida na pesquisa na Codemca, responsável pela administração do Mercado.

A pesquisa documental e a análise qualitativa dos dados coletados no campo permitem fazer uma descrição ampliada do mercado, como um equipamento público (operado privadamente) de abastecimento urbano. Como ressaltado, as informações sobre os permissionários e seus espaços individualizados de comercialização não estavam catalogadas. Assim, a partir da coleta de dados em arquivos mais recentes disponibilizados pela Codemca, identificamos que a Prefeitura possui 384 comerciantes cadastrados como permissionários do mercado municipal. A maioria dos comerciantes nos três espaços – Mercado Coberto, Feira Livre e Peixaria, é do sexo masculino (64%). As faixas etárias mais frequentes são: 41 a 50 anos de idade, 51 a 60 anos de idade e mais de 60 anos de idade, sendo que a maioria dos comerciantes tem acima de 41 anos (75%).

A permanência dos comerciantes no mercado municipal é de longa data. O Prédio Histórico tem a maior média de tempo de permanência, aproximadamente 25 anos. Esta é a parte mais antiga do mercado, com um século de existência. Os peixeiros e feirantes apresentaram médias de tempo de permanência semelhantes, em média 19 anos, o que também era esperado, uma vez que eles foram reconhecidos formalmente pelo poder público e se estabeleceram no mercado municipal no mesmo período.

Quase metade dos comerciantes declara que a passagem dos boxes ou bancas acontece de modo hereditário (48%). É comum comerciantes transferirem a permissão do uso do espaço dos boxes ou bancas para familiares, como filhos, irmãos e pais, dentre outros, conservando as atividades comerciais, e a Prefeitura não faz nenhuma imposição ou exigência quanto a isso. Nunca houve processo licitatório para as escolhas das ocupações desses boxes ou bancas, o que remonta à questão da informalidade nas relações entre o público e o privado nesse ambiente. Este modus operandi observado no campo aponta para um modelo com um perfil patrimonialista (LEAL, 2012; COSTA, 2012), que se reforça na apropriação do público como se fosse privado, sustentando interesses individuais ou de grupos, em que não prevalece uma delimitação clara entre o público e o privado. 

Vale ressaltar que a indicação dos diretores do mercado é realizada pelo governo municipal, portanto, o poder público mantém influência na sua estrutura operacional. Verificou-se uma carência de normas que compreendam o atual cenário em que operam os atores sociais que compõem o mercado, como é o caso do Regimento Interno, sem alteração desde 1921. O último termo de permissão estabelecido para a atuação de um comerciante foi em 2011 e, apenas seis anos depois, em 2017, foi realizado um novo recadastramento dos permissionários. Além disso, outro aspecto que chama a atenção é o fato de que a taxa de “Permissão de Uso de Solo”, de acordo com informações coletadas no campo, parou de ser cobrada a partir da gestão do prefeito Arnaldo Vianna, sem um respaldo normativo que avalize essa isenção.

A partir dos dados coletados por meio dos questionários, constata-se que os permissionários realizam suas compras diariamente (47%), ou algumas vezes por semana (45,2%), ou mensalmente (7,8%). Os principais estados de origem dos produtos comercializados são: Rio de Janeiro (85%), Espírito Santo (41,5%), São Paulo (25%), Paraná (4,6%), Bahia (3,08%), Pará (3,08%), Ceará (1,54%) e Goiás (1,54%).

No Mercado Coberto, estão localizados os açougues, bares, depósito de bebidas, lanchonetes, lojas de acessórios eletrônicos, artesanatos, artigos esportivos, artigos religiosos e da flora, doces e embalagens gerais, utensílios de uso doméstico, sementes, mudas, roupas para cama, mesa e banho, mercearias, pastelarias, relojoaria, restaurantes, salão de beleza e tabacaria, dentre outros. O horário de funcionamento é geralmente das 5 às 18 horas, mas aos sábados se encerra às 15 horas e aos domingos às 13 horas.

Na Feira Livre, é mais comum a venda de frutas, legumes e hortaliças, mas também são encontrados biscoitos, animais vivos, mudas de plantas, condimentos e especiarias, grãos, doces, ovos, queijos, bebidas, carnes defumadas e conservas, dentre outros. Após o encerramento das atividades, os alimentos são cobertos com lonas. Normalmente, o horário de funcionamento da Feira Livre é das 6 às 18 horas. No entanto, apenas nessa parte da Feira, a administração não estabeleceu um horário fixo para a abertura e fechamento devido aos horários das chegadas dos caminhões atacadistas. Eles começam a chegar por volta de 18 horas e continuam até próximo das 7 horas do dia seguinte. Os feirantes permanecem no local, mesmo não existindo clientes, para receber e arrumar as mercadorias dos atacadistas que estacionam seus veículos nos arredores da Feira Livre do mercado.

Na Peixaria, são vendidos diversos tipos de pescado e frutos do mar, como anchova, bagre, badejo, camarões, traíra, cação, caranguejos, corvina, dourado, lagosta, namorado, tilápia, pargo, pescada, robalo, salmão, tainha e caranguejos, dentre outros. O horário de funcionamento é, normalmente, das 5 às 16 horas. A administração alegou que o fechamento da Peixaria tem que ocorrer mais cedo em virtude da lavagem do espaço, realizada pelos agentes da própria Prefeitura, todos os dias, às 17 horas. A administração deixou livre o horário de entrada, mas tenta estabelecer o fim das atividades às 16 horas, o que gera conflito com os permissionários. Após a lavagem, alguns comerciantes tentam permanecer na Peixaria, pois afirmaram que dispõem de pouco tempo para vender todo o pescado.

Uma reclamação recorrente dos comerciantes ouvidos é o fato de que a cobertura de zinco da Feira Livre e da Peixaria deixa o espaço muito quente nos momentos em que as temperaturas estão elevadas, o que favorece a putrefação e reduz o tempo da vida útil dos alimentos perecíveis e in natura como pescados, folhas, frutas, legumes e verduras. A Feira Livre, em termos de tamanho, é o maior espaço do mercado. Segundo Freitas (2006, p. 93), “é esse espaço que concentra a mais intensa circulação de público e o maior volume de produtos e negócios”.

Um dado que merece destaque é que mais da metade dos comerciantes (54%) da Feira Livre e da Peixaria relataram que compram habitualmente alimentos da agricultura familiar e da pesca artesanal local. No entanto, a oferta dos alimentos, oriundos da agricultura familiar e da pesca artesanal do município e de regiões próximas, ainda é pequena para o mercado. Isso acontece devido às dificuldades logísticas para entregar os alimentos, além da dificuldade de garantir a oferta em quantidades satisfatórias. A maioria dos comerciantes que compra alimentos da agricultura familiar está situada na Feira Livre (66%). Nos outros espaços, Mercado Coberto (17%) e a Peixaria (17%), também são comprados alimentos da agricultura familiar, mas em menores quantidades.

Por fim, destacam-se os aspectos histórico e cultural que o mercado municipal representa na cidade, materializados na permanência desse equipamento urbano, que sobrevive em meio ao surgimento de outros espaços de comercialização de alimentos. Os resultados da pesquisa permitem considerar o Mercado Municipal de Campos em uma perspectiva de patrimônio da cidade, pela manutenção do Prédio Histórico (Mercado Coberto) e pelo papel que as subdivisões que o compõem (Feira Livre, Peixaria e Prédio Histórico) desempenham no cotidiano do abastecimento alimentar da cidade, mesmo apresentando uma estrutura física sucateada, que reverbera nas suas condições higiênicas e na sua aparência.

 

Considerações finais

O sistema de abastecimento alimentar, no decorrer da história do país, passou por diversos movimentos e ainda existem muitos desafios que precisam ser enfrentados por essa política. Ao longo dos anos, muitas ações e iniciativas foram desenvolvidas pelos governos para levar alimento à população e impedir as mais variadas crises de carestia e escassez de alimentos que perpassaram a trajetória do abastecimento no Brasil, e com um triste déjà vu, nos dias atuais, com inflação de alimentos e a volta do país ao Mapa da Fome da ONU, em 2019 (REDE PENSSAN, 2021).

O artigo se ateve mais à etapa da comercialização dos alimentos a partir da descrição da história de um equipamento público voltado para o abastecimento de alimentos e outros tipos de produtos e serviços – o Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes. Assim, buscou-se entender como se delineou a trajetória do mercado municipal, como um equipamento que participa diretamente de uma política de abastecimento alimentar urbano, desde a sua constituição até os dias atuais.

O mercado representa memória e patrimônio cultural material e imaterial para a cidade. Muito embora, desde a sua última reforma, no início da década de 1990, apresente uma estrutura física degradada, que se reflete nas suas condições higiênicas, na aparência do espaço e nas condições precárias de operacionalidade, o mercado resiste em virtude do grande número de frequentadores, mesmo em meio à existência de outros canais de abastecimento urbano.

Um ponto importante percebido na pesquisa é que as regras informais ditam as relações dos órgãos públicos com os permissionários, o que interfere em seus papéis regulatórios e de fiscalização com os comerciantes do mercado. Nesse sentido, verificou-se que, no mercado, há casos de transmissão por hereditariedade, aluguel, doação e venda dos boxes ou bancas sem o consentimento da Prefeitura. Esses “acordos” informais feitos entre os próprios atores privados e, muitas vezes, sem autorização da prefeitura, com o passar do tempo podem ser legalizados, tornando-se, portanto, “regras formais”.

Na relação da Prefeitura com os comerciantes do mercado, verificou-se uma influência do poder público na condução dos permissionários, pois a indicação dos diretores do mercado é realizada pelo governo municipal. Porém, a gestão pública carece de uma legislação que compreenda o atual cenário em que operam os atores sociais que compõem o mercado.

Por fim, vale ressaltar a importância de um mercado longevo como o Mercado Municipal de Campos, que vai além da sua função comercial, e caracteriza-se como um ponto tradicional da cidade, com mais de 100 anos. É um equipamento público que aquece a economia local a partir da grande variedade e volume de produtos alimentícios que oferece aos seus frequentadores, como também é um local de geração de empregos e renda, uma vez que emprega mais de 600 comerciantes/feirantes. Somado a isso, o mercado possibilita um encontro interpessoal entre os comerciantes e clientes, a experiência de participar de relações sociais em coletividade, trocar, difundir conhecimentos, produzir sentimentos de pertencimento comum, estimular a criação da identidade coletiva.

 

 

 

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SILVA, Leonardo de Vasconcellos; MIRANDA, Elis de Araújo. De Praça das Verduras a Chá Chá-Chá: imagens de um espaço público em contínua degradação. Novos Cadernos, Belém, v. 1, n. 16, p. 191-210, 2013. Disponível em: https://periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/article/view/1071/1778. Acesso em: 12 jun. 2021.

SOUSA, Horacio. Cyclo Aureo: História do 1o Centenário da cidade de Campos 1835-1935. Vol. 1. 20. ed. Campos dos Goytacazes: Essentia, 2014.

TEIXEIRA, Jodenir Calixto. Modernização da agricultura no Brasil: impactos econômicos, sociais e ambientais. Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros, Três Lagoas, v. 1, n. 2, p. 21-42, 2005.

TOLEDO, Edilene. Um ano extraordinário: greves, revoltas e circulação de ideias no Brasil em 1917. Estudos Históricos Rio de Janeiro, v. 30, n. 61, p. 497-518, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/eh/a/4pzvZkq8Cmf54NrbCfC7pCD/?lang=pt. Acesso em: 20 set. 2021.

VARGAS, Heliana Comin. Comércio e cidade: uma relação de origem. In: WORMAN, Karen; OLIVEIRA, Cláudia Leonor (Orgs.). Memórias do comércio paulista. 1. ed. São Paulo: SESC; Museu da Pessoa, 2012. p. 74-79.

 

 

Como citar

CAMPOS, Mauro Macedo; ALMEIDA, Lohana Chagas de; ROCHA, Daniete Fernandes. Abastecimento alimentar urbano: a trajetória da política pela perspectiva do Mercado Municipal em Campos dos Goytacazes (RJ). Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 30, n. 2, e2230215, 20 dez. 2022. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30-2_08.

  

 

 

Mauro Macedo Campos

Professor e Pesquisador Associado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (PPGSP) da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-Doutorado em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

mauromcampos@uenf.br
https://orcid.org/0000-0001-9472-5165
http://lattes.cnpq.br/9868180374193429

Lohana Chagas de Almeida

Mestra em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF).

lohanachadeal@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0002-3626-4097
http://lattes.cnpq.br/1758728458254994

 

Daniete Fernandes Rocha

Doutora em Ciências Humanas: Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudo de Exclusão e Políticas Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais (POLIS-UFMG). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas, Territorialidades e Alimentação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (GEPPTA-UENF).

daniet.rocha@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-5624-5459
http://lattes.cnpq.br/5933882123337928

                                   

 

 

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[1] Professor e Pesquisador Associado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política (PPGSP) da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-Doutorado em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: mauromcampos@uenf.br

[2] Mestra em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF). E-mail: lohanachadeal@hotmail.com

[3] Doutora em Ciências Humanas: Sociologia e Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudo de Exclusão e Políticas Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais (POLIS-UFMG). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas, Territorialidades e Alimentação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (GEPPTA-UENF). E-mail: daniet.rocha@gmail.com.  

[4] De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município possuía, em 2010, uma população de 463,7 mil habitantes. Em 2021, o número estimado pelo IBGE foi de 514,6 mil, correspondendo a 60,58% da população do Norte Fluminense (IBGE, 2010).

[5]As participações especiais são, segundo Salles (2022), outra compensação financeira, além dos royalties, que as concessionárias de petróleo pagam ao explorar campos muito rentáveis, com elevado volume de produção de petróleo e gás natural.

[6] Os burocratas de nível de rua, de acordo com Lipsky (2010), são as organizações e o conjunto de agentes que entregam diretamente as políticas públicas e serviços públicos à população.

[7]A Codemca, segundo o organograma da prefeitura (2019), não está vinculada ou subordinada a nenhuma Secretaria da prefeitura.

[8]A alegação recorrente era que “essas fichas [dos permissionários] continham informações pessoais, ou seja, informações relacionadas à pessoa natural do permissionário, como número de documentos e endereços”, segundo informações coletadas durante a pesquisa de campo na Codemca (2018).

[9] Os diários de campo foram produzidos ao longo de toda a pesquisa, que ocorreu entre os meses de março de 2018 e junho de 2019.

[10] Vale ressaltar que o “Mercado Coberto” é a única subdivisão do mercado que tem uma Associação de Lojistas, ainda que informal, pois não tem registro no Cartório de Títulos e Documentos de Pessoas Jurídicas. Não obstante, essa organização de lojistas do “Mercado Coberto” funciona como um mecanismo de arrecadação de recursos para pequenas despesas, tais como limpeza, segurança e manutenções. A Feira Livre e a Peixaria não possuem esse tipo de organização entre os seus pares.

[11] Entre os comerciantes há os permissionários e os não permissionários, pois existe a prática informal de “locação dos boxes” para outros comerciantes que não são permissionários.

[12] A ferramenta do Netquest foi criada em 2001, sendo voltada para o desenvolvimento de tecnologia on-line para soluções de pesquisa. Disponível em: https://www.netquest.com/blog/br/blog/br/ amostragem-porque-funciona. Acesso em: 4 jun. 2022.

[13] Dados referentes ao Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (REDE PENSSAN, 2021, p. 9-10) indicam que “55,2% que se encontravam em Insegurança Alimentar; 9% conviviam com a fome, ou seja, estavam em situação de IA grave, sendo pior essa condição nos domicílios de área rural (12%). Em termos absolutos o estudo indica que “(...) do total de 211,7 milhões de brasileiros(as), 116,8 milhões conviviam com algum grau de Insegurança Alimentar e, destes, 43,4 milhões não tinham alimentos em quantidade suficiente e 19 milhões de brasileiros(as) enfrentavam a fome”. Disponível em: http://pesquisassan.net.br/olheparaafome/

[14] Os Bancos de Alimentos são, segundo os Serviços e Informações do Brasil (2022), “estruturas físicas e/ou logísticas que ofertam o serviço de captação e/ou recepção e distribuição gratuita de gêneros alimentícios oriundos de doações de setores privados e/ou públicos e os destinam a instituições que atendem público em situação de vulnerabilidade social”. Eles são iniciativas para combater a fome e a insegurança alimentar a partir da arrecadação de doações de produtos alimentícios que estão bons para consumo, mas que perderam valor comercial, sendo, consequentemente, desperdiçados.

[15] Disponível em: https://g1.globo.com/rj/norte-fluminense/noticia/2014/09/predio-historico-do-mercado-de-campos-rj-completa-93-anos.html. Acesso em: 10 jun. 2022.

[16] Ao longo da pesquisa de campo, foram entrevistados quatro comerciantes com mais de 50 anos de mercado, sendo três homens e uma mulher. Destes, três atuam no Mercado Coberto (produtos naturais, bar e açougue) e um na Feira Livre (boxe de venda de ovos).