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v. 30, n. 2, julho a dezembro de 2022 (publicação contínua), e2230214


Recebido: 1.ago.2022   •   Aceito: 28.nov.2022   •   Publicado: 15.dez.2022

Artigo original / Revisão por pares duplo-cego / Acesso aberto

 

 

O agro é branco? Seletividade racial e política fundiária no Brasil

Is ag white? Racial selectivity and land policy in Brazil


orcid_id.png  Camila Penna[1]   



DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30-2_07


Resumo: O objetivo do artigo é contribuir com a construção de um marco analítico para a compreensão da relação entre racismo institucional e política fundiária no Brasil. Para tanto, colocamos em diálogo aportes conceituais de debates recentes no campo das teorias de Estado, no campo de estudos sobre racismo institucional e no campo de estudos sobre a questão fundiária. Concluímos que a noção de seletividade estratégica (JESSOP, 2016) tem um potencial heurístico para o estudo da relação entre política fundiária e racismo institucional. A partir desta noção argumentamos que existem duas seletividades do Estado brasileiro no que tange à política fundiária: uma seletividade estrutural e uma seletividade racial. As duas seletividades estão relacionadas e se complementam.

Palavras-chave: racismo; seletividade; Estado; política fundiária.

 

Abstract: This article constructs an analytical framework to understand the relationship between institutional racism and land policy in Brazil. Conceptual contributions from recent debates in the fields of state theories, institutional racism, and the land issue are incorporated into this dialog, to conclude that the notion of strategic selectivity (JESSOP, 2016) has heuristic potential for studying the relationship between land policy and institutional racism. From this notion, we argue that two selectivities exist within the Brazilian state with regard to land policy: structural selectivity and racial selectivity. These two selectivities are related and complement each other.

Keywords: racism; selectivity; state; land policy.

 

 

Introdução

Este trabalho objetiva avançar na construção de um marco analítico para a compreensão da relação entre racismo institucional e política fundiária no Brasil. Os efeitos do racismo sobre o acesso desigual a terra no Brasil vem sendo denominado de racismo fundiário (GOMES, 2019). Embora a questão agrária no Brasil tenha sido amplamente discutida a partir de diferentes perspectivas, a dimensão racial ainda é pouco tematizada para a compreensão das causas e dos efeitos da concentração fundiária. Busco contribuir com esse debate por meio de subsídios das teorias de Estado, uma vez que é no âmbito do Estado que se inscrevem as seletividades que irão dificultar ou facilitar o acesso de determinados grupos ou reivindicações à agenda pública. Partindo da noção de seletividade estratégica (JESSOP, 2016) argumento que existem duas seletividades do Estado brasileiro no que tange à política fundiária: uma seletividade estrutural e uma seletividade racial. As duas seletividades estão relacionadas e se complementam.

A possibilidade de acumulação primitiva de capital por meio da terra esteve associada, no Brasil, à expropriação dos territórios da população indígena e da exploração da mão de obra da população escravizada. Ou seja, o processo de concentração de terras no Brasil e a estratégia de acumulação de capital por meio da agroexportação estiveram inerentemente ligadas à exclusão da população não branca do acesso a terra, na esteira de um processo de divisão racial do trabalho (QUIJANO, 2005). Paralelamente, é o racismo estrutural que permite e facilita o processo histórico de expropriação de terras das populações tradicionais. A racialização da população brasileira, notadamente a partir do final do século XIX com o racismo científico, teve como efeito a hierarquização das raças fundamentada na ideologia da brancura (GUERREIRO RAMOS, 1957) e a desconsideração das populações não brancas como titulares de cidadania e de direitos, inclusive do direito a terra. No Brasil, assim como em diferentes partes do mundo, a condição de “quase humanos” (KRENAK, 2019) ou de humanos “coisificados” (CÉSAIRE, 1978) serviu como justificativa para a invasão e expropriação dos territórios das populações não brancas, tanto no processo de colonização portuguesa, como nos processos mais recentes de colonialismo interno (GONZÁLEZ CASANOVA, 1963) e de neocolonialismo (N’KRUMAH, 1965; FERNANDES, 1975). A continuidade desse processo é visível tanto no lema que orientou o processo de colonização da Amazônia levado a cabo pelo governo Médici, no período do regime militar: “Levar homens sem terra para terras sem homens” quanto nas justificativas mais recentes para acelerar a titulação de terras, que ressaltam o papel desbravador do colono que foi para o norte “integrar para não entregar”, como afirmou o secretário especial de Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, em audiência pública para discussão do PL no 510/2021 no Senado Federal.[2]

O artigo está dividido em quatro partes, além de introdução e conclusão. Na primeira, faço uma breve descrição da relação histórica entre a política fundiária no Brasil e a formação do Estado, na segunda, apresento as contribuições das diferentes teorias do Estado mobilizadas para a construção do quadro analítico, na terceira, exponho os conceitos de racismo institucional e de branquitude. E na quarta seção discuto a pertinência da noção de seletividade racial e de seletividade estrutural para estudar a relação entre racismo institucional e política fundiária. Na conclusão, sistematizo as proposições do artigo e assinalo para o potencial analítico da noção de seletividade racial.

 

Política fundiária e construção do Estado

Formulações recentes sobre a natureza do Estado têm apontado que tanto seu formato quanto suas funções, em determinado tempo e espaço, são sedimentações e estabilizações de disputas entre diferentes atores (SKOCPOL, 1995; JESSOP, 2016). Essas disputas, ocorridas em contextos de correlações de forças distintas, vão, ao longo do tempo, deixando rastros na forma de normas, leis, órgãos estatais, procedimentos e rotinas formais e informais. As estabilizações operam como mecanismos seletivos, podendo dificultar ou facilitar a incorporação de certas pautas, ações e agentes no processo de definição de políticas.

No caso da política fundiária é importante lembrar que o Brasil, como Estado pós-colonial, teve como processos fundantes a expropriação das terras das populações originárias e seu genocídio, e a posterior apropriação dessas terras na forma de sesmarias, que eram porções de terra concedidas pela Coroa portuguesa a quem tinha capital (cabedal) para explorá-las. Essas terras eram exploradas pela população negra escravizada e traficada da África. Antes mesmo da terra se tornar uma propriedade, essa população já era propriedade e também mercadoria. Pessoas que, na forma de renda capitalizada, eram fundamentais para o processo de acumulação capitalista no Brasil (MARTINS, 1979) A primeira legislação fundiária, a Lei de Terras, de 1850, institui a compra como mecanismo de acesso a terra, o que impossibilitaria a propriedade fundiária por parte da população negra escravizada, que após passar três séculos sendo propriedade, passava pelo lento e gradual processo de abolição. Importante lembrar que a mesma lei previa que os recursos obtidos com a venda de terras públicas seriam utilizados para demarcação das terras a serem distribuídas aos colonos brancos que vinham da Europa para trabalhar nas fazendas agroexportadoras (BRASIL, 1850).

Essas experiências fundantes da distribuição e do acesso a terra no Brasil e os primeiros marcos legais criados para manter e legitimar a concentração da propriedade fundiária ilustram como as disputas entre atores sociais inseridos em determinada correlação de forças se consolidam em normas e aparatos institucionais, que vão paulatinamente construindo o que chamamos de Estado. Em seu formato mais recente, este conjunto heterogêneo de centros de poder e de capacidades (JESSOP, 2016, p. 56), que denominamos Estado brasileiro, foi se expandindo e se complexificando. Todavia, a propriedade de terra continuou sendo estruturante para sua organização. As repartições públicas destinadas a gerenciar o ordenamento fundiário e a produção e exportação dos produtos agrícolas e minerais foram alguns dos primeiros órgãos burocráticos a serem organizados no Brasil. Paralelamente, a propriedade de terras foi historicamente o lastro de cidadania, que conferia aos indivíduos proprietários direitos políticos essenciais, como o direito a escolher representantes em um sistema eleitoral de voto censitário (FAORO, 2012). A propriedade de grandes porções de terra também esteve relacionada ao poder de determinar disputas de poder nas esferas local, regional e federal, e as relações sociais e políticas fundamentadas na concentração de terra tiveram importante impacto sobre a construção do sistema político brasileiro (LEAL, 2012). A magnitude e a capacidade de orientar a pauta política que a Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) vem exercendo no Congresso nos últimos anos são ilustrativas da importante conexão entre concentração de terra e poder político.

A constatação de que há uma concentração de terras no Brasil e de que essa concentração tem um recorte racial foi capturada pelo Censo Agropecuário de 2017, quando pela primeira vez se perguntou a cor/raça dos produtores rurais. Quando se olha a proporção entre brancos e negros em termos do número total de estabelecimentos, há pouca diferença: 52,9% dos estabelecimentos são ocupados por pretos e pardos e 45,4% são ocupados por brancos (IBGE, 2019). Contudo, quando se olha para o tamanho das propriedades, há uma concentração significativa de brancos proprietários. Com efeito, os negros só são maioria em propriedades com menos de 5 hectares. Em propriedades que vão de 1 mil a 12,5 mil hectares, eles correspondem a 22,9% dos proprietários, enquanto 69,8% destas propriedades maiores pertencem a brancos.

Ao cruzar os dados da proporção de brancos e negros na população rural com os dados da área total ocupada por cada grupo, Girardi (2022) assinala que ainda que os brancos sejam a minoria da população rural no Brasil (36,3%), eles ocupam a maioria da área total dos estabelecimentos agropecuários (59,4%). Os negros, que constituem a maioria da população rural (61%), controlam apenas 28,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários. A área média dos estabelecimentos agropecuários dos negros é de 38,1 hectares, e a área média dos estabelecimentos dos brancos é de 91,5 hectares, mais que o dobro. Além da desproporcionalidade no acesso a terra, a população negra rural também tem maior participação no grupo de produtores que não sabem ler ou escrever, no grupo de produtores que não recebem orientação técnica e no grupo de produtores sem área, e que não são proprietários (GIRARDI, 2022)

A despeito de sua existência secular, o reconhecimento e a regularização da posse coletiva de territórios quilombolas como política são recentes e resultados de longo processo de articulação dos movimentos negros. Essa política, que já enfrentava dificuldades logísticas de implementação, tem sido atacada pelo governo Bolsonaro (2019-2022), que prometeu, dentre outras coisas, não titular nenhum território quilombola em seu governo. Da mesma forma, as populações indígenas, que a partir da Constituição de 1988 tiveram garantidos seus direitos ao território, também estão sendo cada vez mais atacadas pelos invasores de terra que buscam expandir as fronteiras do agronegócio. Subjacente a este avanço está a associação entre terra e propriedade/meio de produção como justificativa para o direito à posse, em oposição a uma concepção de terra como território. Vale lembrar a expressão proferida pelo atual secretário especial para Assuntos Fundiários, Nabhan Garcia, em uma de suas primeiras entrevistas no cargo: “Tem muita gente que critica o grande latifundiário, mas hoje o maior latifundiário do país é o índio.”[3] Essa afirmação contrasta significativamente com os dados que indicam a disparidade entre a proporção do território destinado à população indígena e à propriedade privada no Brasil. Aproximadamente um milhão de indígenas ocupam 13% do território brasileiro, ao passo em que 97 mil proprietários detêm 21,5% da área do território (SPAVOREK et al., 2019)

Em que pesem os ataques mais recentes do governo Bolsonaro, a seletividade racial referente ao acesso a terra é uma característica do Estado brasileiro resultante das estabilizações (na forma de políticas, leis, normas, procedimentos, órgãos, rotinas burocráticas) das distintas disputas em torno da política fundiária. Essa seletividade não se limita à existência de uma lei ou norma, mas opera na combinação entre diferentes procedimentos, normas e políticas que resultam em múltiplos pontos de veto para o acesso à propriedade por parte da população não branca e pobre. Aqui é importante destacar que há uma sobreposição entre a dimensão estrutural e racial da seletividade na política fundiária, que é uma característica dos países de Terceiro Mundo que foram colonizados. Para compreender essa sobreposição, é essencial retomar a formulação de Franz Fanon em Condenados da Terra:

Quando se observa em sua imediatidade o contexto colonial, verifica-se que o que retalha o mundo é, antes de mais nada, o fato de pertencer ou não a tal espécie, a tal raça. Nas colônias a infraestrutura econômica é igualmente uma superestrutura. A causa é consequência: o indivíduo é rico porque é branco, é branco porque é rico. É por isso que as análises marxistas devem ser sempre ligeiramente distendidas cada vez que abordamos o problema colonial. (1968, p. 29)

Fazendo uma análise da relação entre classe e raça no Brasil, a partir de um diálogo entre as contribuições de Poulantzas e da teoria colonial, Carlos Hasenbalg argumenta que:

as minorias raciais não estão fora da estrutura de classes das sociedades multirraciais em que as relações de produção capitalistas – ou outras relações de produção, no caso – são as dominantes. Outrossim, o racismo, como articulação ideológica incorporada em e realizada através de um conjunto de práticas materiais de discriminação, é o determinante primário da posição dos não brancos dentro das relações de produção e distribuição. (2005, p. 121)

Considerando a interseção entre classe e raça, e sua centralidade histórica para a forma de acumulação capitalista no Brasil, as seletividades racial e estrutural na política fundiária podem ser pensadas como sobrepostas e se reforçando mutuamente, na medida em que o projeto econômico agroexportador leva à seleção positiva de ocupação territorial na forma de propriedade privada voltada para a produção de commodities e à seleção negativa de formas de ocupação coletiva e não voltadas para o mesmo fim. A seletividade racial negativa se dá, principalmente, sobre a população não branca que ocupa terras tradicionalmente ocupadas (ALMEIDA, 2008). São os pleitos de acesso a terra dessas populações que vêm sendo negligenciados na política fundiária brasileira das últimas décadas, a despeito da existência de legislação que os garantam.

 

Estado e seletividade

Para se estudar a seletividade racial do Estado brasileiro, é necessária, antes, uma compreensão do que é Estado. O Estado tem sido estudado e teorizado de diferentes formas nas ciências sociais. São clássicos alguns estudos voltados para explicar sua formação moderna (TILLY, 1975), direcionados à compreensão de seu formato institucional em diversas sociedades e em diferentes esferas políticas (SKOCPOL, 1995; JESSOP, 2016), e há estudos mais preocupados em compreender como o Estado opera por meio de seus efeitos concretos nas relações sociais (SCOTT, 1999; MITCHELL, 1989). Embora cada um desses campos de estudos sobre o Estado tenha contribuído para avançar em aspectos distintos, permitindo a estruturação de múltiplas teorias do Estado, este artigo irá estabelecer um diálogo mais consistente com a teoria marxista do Estado, que pensa a forma e a função do Estado a partir de sua inserção em um sistema capitalista. Mais especificamente, trabalho com a definição inspirada em Poulantzas, da forma como é desenvolvida e operacionalizada por Jessop. Para o primeiro, Estado é a “condensação material da correlação de forças entre classes e frações de classes, que se expressa dentro do Estado de uma forma específica” (POULANTZAS, 1978 apud JESSOP, 2016). Desenvolvendo essa compreensão do Estado como uma relação social, Jessop sugere que ele pode ser compreendido como “um conjunto de centros de poder e de capacidades que oferece chances desiguais a diferentes forças” (2016, p. 56). Desse modo, não é o Estado, como sujeito ou ator quem exerce o poder, mas seus poderes são ativados por políticos e burocratas que ocupam espaços diversos, e que, embora sejam atores-chave, sempre agem no contexto de uma correlação de forças mais ampla (JESSOP, 2016, p. 56).

É importante notar que o Estado não é um produto direto do equilíbrio de forças, a dinâmica da correlação de forças é mediada institucionalmente e discursivamente. Mais especificamente, a correlação de forças é condicionada por estruturas institucionais e por procedimentos específicos do aparato estatal. A visão de Jessop sobre como vão surgindo esses condicionantes institucionais é similar ao que propõe Giddens na teoria da estruturação: “A estrutura não deve ser equiparada a restrição, a coerção, mas é sempre, simultaneamente, restritiva e facilitadora” (GIDDENS, 1984, p. 30). De acordo com Jessop: “ao longo do tempo, estruturas reflexivamente reorganizadas e estratégias e táticas selecionadas coevoluem para gerar uma ordem relativamente estável” (2016, p. 56). Essa estabilização passa a operar como uma estrutura dual (regras e recursos que podem constranger ou fomentar a agência), exercendo um tipo de seletividade. Jessop argumenta que o Estado pratica uma seletividade estratégica que seleciona negativa ou positivamente determinados atores, estratégias e agendas. Mesmo em Estados inseridos em sociedades capitalistas, a forma como essa seletividade funciona é contingente às características da correlação de forças. Esta pode mudar com alterações nos terrenos estratégicos da economia, do Estado, da formação social mais ampla, assim como com mudanças na organização, estratégia e táticas das forças específicas (JESSOP, 2016, p. 565).

O arcabouço conceitual proposto por Jessop, embora esteja inserido no paradigma marxista e situe o Estado dentro de uma teoria mais ampla sobre o funcionamento da sociedade, encontra paralelos nas formulações do neoinstitucionalismo histórico.[4] O conceito de correlação de forças é um conceito análogo ao conceito de regime político, que é definido como: “relações regulares entre governos, atores políticos estabelecidos, contestadores e atores políticos externos, incluindo outros governos” (TILLY; TARROW, 2015, p. 49).

Da mesma forma, a compreensão do processo de formação dos condicionantes institucionais inseridos no aparato estatal ao longo do tempo, e que resultam em uma seletividade, encontra paralelo no conceito de encaixe como sedimentação institucional (SKOCPOL, 1995). Trabalhando em outro paradigma teórico, Skocpol também reconhece a importância de se conceber as instituições estatais como o longo processo de sedimentação das interações com a sociedade civil. Ela cunha o conceito de encaixe (fit) para explicar como foi possível o surgimento de políticas sociais nos Estados Unidos no início do século XX como resultado da dinâmica social em interação com a dinâmica do sistema político. Este conceito, na formulação de Skocpol (1995), se aproxima da noção de seletividade estratégica (JESSOP, 2016). De acordo com a autora, existe uma

estrutura geral de instituições políticas que provê acesso e poder de barganha a grupos e alianças, encorajando e recompensando seus esforços para moldar políticas governamentais, simultaneamente negando acesso e poder de barganha a outros grupos e alianças que operam na mesma política. (SKOCPOL, 1995, p. 54)

Nessa estrutura, grupos com mais recursos teriam múltiplos pontos de acesso a legislaturas, executivos, judiciários e agências públicas, criando oportunidades de bloquear legislações não desejadas e de avançar em legislações favoráveis. Esse conceito de seletividade e de encaixe é importante para compreender os processos por meio dos quais diferentes grupos sociais e organizações se articulam para influenciar as políticas fundiárias no Brasil.

O conceito de encaixe foi adaptado para explicar o processo por meio do qual a relação entre movimentos sociais e Estado, no Brasil, vai gerando estabilizações institucionais que garantem aos movimentos mais acesso ao processo político (LAVALLE et al., 2018). Para essa literatura, encaixes seriam:

sedimentações institucionais de processos de interação socioestatal que ganham vida própria (artefatos: instrumentos, regras, leis, programas, instâncias, órgãos) e mediante as quais atores sociais são, em alguma medida, bem-sucedidos em dirigir de modo contínuo a seletividade das instituições políticas ao seu favor, ampliando sua capacidade de agir. (p. 47)

Embora este conceito tenha sido útil para analisar como movimentos constroem institucionalidades mais ou menos estáveis para avançar suas agendas, entendemos que é necessário tomar como objeto de análise não só a interação entre Estado e movimentos, mas todo o subsistema de coalizões de atores que buscam influenciar determinada esfera de políticas (SABATIER, 1987). A disputa entre organizações que defendem uma desconcentração de terras por meio de uma reforma agrária, como os movimentos agrários, e as organizações que defendem a ampliação do acesso a terra por parte da população indígena e quilombola, além do movimento socioambiental, estão em disputa direta com organizações e atores que buscam aumentar o acesso a terra para o agronegócio e para expansão da fronteira agrícola. Compreender essa disputa é fundamental para explicar como se dão os encaixes ou como opera a seletividade. Mais especificamente, compreender essa disputa é essencial para entender a relação entre racismo estrutural e política fundiária.

É a concepção de Estado construída a partir das contribuições retomadas acima que orienta este trabalho: uma compilação de centros de poder e de capacidades, que estabilizados ao longo do tempo geram sedimentações institucionais que operam como seletividades, selecionando positiva e negativamente determinados atores, estratégias e discursos (agendas). É nessa chave que discutimos como se dá a relação entre racismo estrutural e acesso a terra.

Considerando que o Estado no Brasil está inserido em um sistema econômico capitalista, também é relevante olhar para como a dinâmica econômica influencia a disputa em torno das políticas fundiárias. Mais especificamente, para compreender a relação entre política fundiária e racismo estrutural, é necessário ter em consideração quais são as estratégias econômicas dominantes defendidas pelo Estado no decorrer do tempo, os projetos de Estado (visões sobre como deve ser organizado o Estado) em disputa e os projetos hegemônicos (visões hegemônicas sobre a natureza e o propósito do Estado perante a sociedade) (JESSOP, 2016). No caso brasileiro, uma das estratégias econômicas prioritárias tem sido a exportação de produtos agropecuários, notadamente commodities como soja, carne, milho, algodão. A essa estratégia econômica alguns autores vêm denominando “agroestratégia” (ALMEIDA, 2011) ou “economia do agronegócio” (DELGADO, 2012). Essa estratégia, alinhada com os interesses do capital agroindustrial, vem se fortalecendo desde o início do século XXI e, por conseguinte, tornando cada vez mais central o papel dessa fração de classe no bloco no poder.

O pacto de economia política do agronegócio é o projeto hegemônico que tem sustentado o bloco no poder, notadamente a partir do final do governo FHC, e contribuído para a sedimentação de dispositivos de seletividade estratégica. Este pacto consiste na “articulação público privada da política agrária e das estratégias privadas de acumulação de capital no espaço ampliado do setor agrícola tradicional e dos complexos agroindustriais, perseguindo lucro e renda da terra” (DELGADO, 2012, p. 109). Ele afeta diretamente a política fundiária porque a renda fundiária é parte central da estratégia de acumulação, o que vai de encontro a políticas de terras distintas da apropriação privada individual, tais como a demarcação de terras indígenas, a titulação coletiva de territórios tradicionais, a criação de reservas legais. Em nenhum desses casos a terra vai para o mercado e gera renda fundiária. Esse pacto se fortaleceu significativamente a partir de 2003, com a indicação de Roberto Rodrigues para o Ministério da Agricultura, e está diretamente ligado a um silenciamento da política de reforma agrária, com um concomitante avanço das políticas de desenvolvimento rural (LERRER; FORIGO, 2019). Isso fica evidente na não atualização dos índices de produtividade, no controle frouxo da função social da terra e, principalmente, na timidez da implementação da política nacional de reforma agrária no segundo governo Lula e nos dois governos Dilma.

No escopo dessa estratégia da economia do agronegócio, o projeto de Estado caracteriza-se pela centralidade de órgãos e agências responsáveis por política agrícola, que sempre foram centros de poder e de capacidade estatal fundamentais na estrutura do Estado brasileiro. O projeto hegemônico cada vez mais se aproxima de um ultraliberalismo, que busca retirar do Estado o controle sobre o território, passando-o para a iniciativa privada (LEITE; CASTRO; SAUER, 2018). As últimas legislações relativas à da política fundiária têm andado no sentido de privatizar e flexibilizar a regulamentação das terras da União, estados e municípios. Em consonância com a estratégia econômica central que envolve a produção e exportação de commodities, a garantia do direito de propriedade privada se torna cada vez mais soberana, ameaçando os direitos de populações tradicionais que se encontram na fronteira agrícola. Com efeito, o avanço do projeto hegemônico ligado à economia do agronegócio (DELGADO, 2012) tem efeito direto na política fundiária. Houve, a partir de 2007, uma redução drástica na implementação de políticas de reforma agrária e na garantia de direitos territoriais às populações indígenas e quilombolas (SAUER, 2019).

Com a centralidade cada vez maior das frações ligadas ao agronegócio nas coalizões governistas dos governos Temer e Bolsonaro, articuladas em torno do argumento da “segurança jurídica” (POMPÉIA, 2020), há progressivamente mais desincentivos a políticas de desconcentração de terras e cada vez mais incentivos à privatização de terras públicas (LEITE; CASTRO; SAUER, 2018). Ou seja, as estabilizações estatais selecionam negativamente estratégias de atores que buscam democratizar o acesso a terra, como as populações quilombolas que aguardam a titulação coletiva de seus territórios em um contexto de corte de recursos para que essa política seja levada a cabo; e selecionam positivamente as estratégias de atores que buscam privatizar e colocar no mercado as terras públicas e manter a distribuição concentrada atual, como a Confederação Nacional da Agricultura que vem pautando a necessidade de alteração do marco legal para regularização fundiária de terras públicas ocupadas no sentido de desburocratizar o processo e garantir “segurança jurídica” ao investidor.[5] A alteração na legislação acelera e facilita a apropriação privada de terra pública, levando à sua entrada no mercado e à possibilidade de geração de renda fundiária, notadamente com a compra de terras por fundos de investimentos estrangeiros (LERRER; FORIGO, 2019).

Nas últimas décadas, a seletividade estratégica tem se dado no sentido de coibir, de diferentes formas, pleitos, atores e ações que reivindicam a democratização do acesso a terra. Isso é visível na redução paulatina dos orçamentos de centros de capacidade e de poder que têm a função de fazer avançar essas pautas, tais como Incra, Funai, Fundação Palmares (SANTOS et al., 2021). Também é visível nas articulações, no âmbito do Legislativo e do Executivo, para flexibilização da privatização de terras públicas, como nos projetos de lei sobre regularização fundiária, o PL no 2.633/2020 e o PL no 510/2021, ambos derivados da Medida Provisória no 910/2019, enviada pelo governo ao Congresso no final de 2019 e não votada, tendo perdido sua validade. O primeiro dos dois projetos, de autoria do deputado Zé Silva (Solidariedade/MG), ligado ao sindicalismo rural, propõe uma flexibilização dos critérios para regularização fundiária de pequenas e médias posses em terras públicas. Já o segundo projeto, de autoria do senador Irajá (PSD/TO), filho de Kátia Abreu, é mais abrangente e propõe a flexibilização também para posses grandes, sem a necessidade de vistoria presencial. O primeiro deles foi aprovado na Câmara e tramita com o segundo, no Senado.

 

Racismo institucional e branquitude

Buscando compreender como o racismo opera em diferentes níveis, vários autores estabeleceram classificações para explicar formas diferenciadas de racismo. Jones (2002) distingue entre racismo institucionalizado, pessoalmente mediado e internalizado. O racismo como fenômeno global é definido como um

sistema que atribui valor e distribui oportunidades com base no fenótipo (raça), conferindo, de forma injusta, vantagens e desvantagens a indivíduos e comunidades e minando o potencial de realização da sociedade como um todo, por meio do desperdício de recursos humanos. (p. 10)

O racismo pessoalmente mediado é aquele comumente definido como preconceito e discriminação. Preconceitos seriam suposições sobre as habilidades, motivos e intenções dos outros com base em sua raça, e discriminações seriam as ações diferenciadas em relação aos outros com base em sua raça. Racismo internalizado seria a incorporação, por parte do grupo estigmatizado, das mensagens negativas sobre suas habilidades e valor intrínseco. Racismo institucionalizado seria o efeito das estruturas, políticas, práticas e normas que resultam em acesso diferencial a bens, serviços e oportunidades com base na raça. Como é codificado nos costumes, práticas e lei, não é necessário que haja um perpetrador para que ele ocorra. A inação política em face da necessidade de uma parcela da população é uma forma frequente de racismo institucional. Essa forma de racismo se manifesta tanto em condições materiais, como pior qualidade de moradia, saúde, educação, como no acesso ao poder, com menor presença em espaços de poder e menor acesso à informação (JONES, 2002).

Almeida (2019) distingue entre racismo individual, institucional e estrutural. O primeiro seria uma patologia manifestada por meio da discriminação com base na raça. Racismo institucional seria mais amplo, não se resumindo a comportamentos individuais. Seria o “resultado do funcionamento das instituições, que passam a atuar em uma dinâmica que confere, ainda que indiretamente, desvantagens e privilégios com base na raça” (ALMEIDA, 2019, p. 26). Contudo, o autor distingue racismo institucional de racismo estrutural, uma vez que as instituições são “apenas a materialização de uma estrutura social ou de um modo de socialização que tem o racismo como um de seus componentes orgânicos” (ALMEIDA, 2019, p. 30). Ou seja, o racismo estrutural é um fenômeno anterior e mais abrangente do que o racismo institucional, englobando toda a complexidade de relações sociais que caracterizam uma ordem social: “o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo ‘normal’ com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural” (ALMEIDA, 2019, p. 33).

No processo histórico e político por meio do qual o racismo estrutural se reproduz, o Estado teria um papel fundamental, notadamente mediante o controle populacional e do poder soberano de decidir sobre a vida e a morte, como descreve Foucault (2005) ao tratar do biopoder. As estruturas estatais modernas são responsáveis por classificar e dividir as pessoas em grupos (ALMEIDA, 2019), o que foi fundamental para os processos de colonização, para os regimes de apartheid na África do Sul e nos Estados Unidos, e para a estratégia de branqueamento da população no Brasil, com as diversas políticas de incentivo à imigração. A própria inexistência de um Estado como forma de organização política, nos moldes dos Estados modernos criados na Europa a partir do século XVI, foi tomada como um parâmetro para justificar a dominação colonial (MBEMBE, 2016), haja vista que era um indicativo de “ausência de civilização”.

Outro conceito importante para se compreender a dimensão estrutural do racismo e sua relação com o acesso a terra no Brasil é o de branquitude, entendida como o lugar de poder simbólico e material que sujeitos considerados brancos se veem ocupando global e localmente nas sociedades ocidentais (STEYN apud NOVAES; SCHUCHMAN, 2012). Esse lugar de poder outorga ao branco a condição de “normal” ou de padrão, não sendo ele entendido como pertencente a uma raça, e simultaneamente outorga ao não branco a condição de “outro” racializado. Olhando para a relação entre branquitude e Estado, Paterniani (2016) define como branquidade do Estado “os vínculos entre os diferentes tipos de racismo presentes em algumas práticas e concepções estatais, especialmente em duas dimensões que dizem respeito à ocupação da cidade: a política urbana (ou urbanística) e a repressão policial a ela vinculada” (PATERNIANI, 2016, p. 3). A noção de branquidade do Estado é importante na medida em que chama a atenção para o fato de que a estrutura estatal e as formas como o Estado exerce seu poder, longe de estarem a serviço do bem coletivo, são atravessadas pela dimensão racial. Propomos que a noção de branquidade do Estado também pode denotar os vínculos entre racismo estrutural, racismo institucional e racismo individual que caracterizam práticas e concepções estatais no âmbito da política fundiária.

Observando a política fundiária durante a última década, na esteira da expansão da economia do agronegócio (DELGADO, 2012), Gomes (2019) ressalta a conexão entre a hegemonia dos setores ligados ao agronegócio e à mineração e a degradação de biomas, distribuição desigual de danos ambientais e a redução no reconhecimento de direitos territoriais. Para designar esse processo, ela propõe a noção de racismo fundiário, que seria a

complexa rede que articula ações violentas dos(as) brancos(as) contra os corpos, as culturas, os territórios e bens ambientais de negros(as) e índios(as), as formas jurídicas limitadoras e ceifadoras dessas cosmovisões, os estrangulamentos orçamentários e políticas estatais vocacionadas a fortalecer seus empreendimentos predatórios, a pilhagem secular de corpos, minérios, saberes etc. e projetos de mundo. (GOMES, 2019)

Esta noção de racismo fundiário se aproxima dos conceitos de racismo institucional apresentados anteriormente e é importante para delimitar as seletividades que caracterizam o processo de acesso a terra no Brasil.

 

Seletividade estrutural, seletividade racial e política fundiária

Seletividade estrutural

Argumentamos que existem duas seletividades do Estado brasileiro no que se refere à política fundiária: uma seletividade estrutural e uma seletividade racial. As duas estão relacionadas e se complementam. A primeira é relativa à composição histórica da dinâmica de classes no contexto de um capitalismo dependente e à manutenção de uma estratégia econômica de exportação de produtos primários (FERNANDES, 1975). No caso brasileiro, isso significa, historicamente, resguardar e assegurar o investimento nos setores agroexportadores, cujas frações dominantes sempre compuseram os diferentes blocos no poder (JESSOP, 2016). A relevância dessa estratégia econômica e das frações de classe associadas a ela se intensificou nos últimos dez anos, quando a estratégia econômica hegemônica passou a ser a “economia do agronegócio” (DELGADO, 2012).  As seletividades estruturais se manifestam no regime jurídico e na legislação, bem como em atos administrativos, que selecionam negativamente ações e grupos que ameaçam o direito absoluto à propriedade privada, subsumindo a função social da terra à produtividade voltada para a agroexportação.

A seletividade estrutural está relacionada à garantia da propriedade privada como função do Estado em um modo de acumulação capitalista. Esta seletividade, mesmo com o instituto da desapropriação por interesse social (que reconhece a função social da propriedade) opera por meio da existência de múltiplos pontos de veto quando se trata da ameaça ao direito absoluto à propriedade. Mais recentemente, as estratégias dos agentes políticos e sociais para garantia do direito absoluto de propriedade têm sido defendidas com o argumento de segurança jurídica (POMPEIA, 2020).

A estratégia de acumulação do Estado brasileiro (JESSOP, 2016), na qual a agroexportação de commodities tem tido papel cada vez mais preponderante (ALMEIDA, 2011; DELGADO, 2012), garante ao agronegócio lugar central na correlação de forças e na definição da organização do Estado. É importante levar em consideração a estratégia de acumulação para a compreensão das estratégias dos diferentes atores, com diferentes capacidades, para influenciar as políticas públicas. Nesse modelo, o significado associado à terra é o de mercadoria e o de meio de produção. Também é importante ter em conta a crescente relevância que a terra tem tido como recurso especulativo (SAUER; BORRAS JR., 2016).

 

Seletividade racial

A segunda seletividade é a racial e está relacionada ao racismo institucional (ALMEIDA, 2019) e à branquidade do Estado (PATERNIANI, 2016), que dificulta o acesso a terra por parte da população não branca no Brasil e seleciona negativamente as ações e pleitos referentes à garantia de direitos territoriais de indígenas e de quilombolas. Essa seletividade foi sendo construída historicamente, desde a integração da América Latina ao capitalismo mundial ainda no período colonial, quando se estruturou uma divisão racial do trabalho, na qual os não brancos tinham posição subordinada. Esse processo gerou padrões mais duradouros de divisão de poder material e simbólico, característico do que Aníbal Quijano chama de colonialidade do poder:

A classificação racial da população e a velha associação das novas identidades raciais dos colonizados com as formas de controle não pago, não assalariado, do trabalho, desenvolveu entre os europeus ou brancos a específica percepção de que o trabalho pago era privilégio dos brancos. A inferioridade racial dos colonizados implicava que não eram dignos do pagamento de salário. Estavam naturalmente obrigados a trabalhar em benefício de seus amos. Não é muito difícil encontrar, ainda hoje, essa mesma atitude entre os terratenentes brancos de qualquer lugar do mundo. E o menor salário das raças inferiores pelo mesmo trabalho dos brancos, nos atuais centros capitalistas, não poderia ser, tampouco, explicado sem recorrer-se à classificação social racista da população do mundo. Em outras palavras, separadamente da colonialidade do poder capitalista mundial. (2005, p. 120)

A colonialidade do poder e seus efeitos materiais e intersubjetivos perduram para além do período colonial, sendo determinantes para as relações étnico-raciais e de classe no período pós-independência. Essas relações étnico-raciais, que se sobrepõem às relações de classe, também caracterizam um tipo de colonialismo interno (GONZALEZ CASANOVA, 1963), que implica a perpetuação das relações de dominação colonial nas estratificações internas dos países colonizados, cristalizando-se na manutenção de uma hierarquização racial, sustentada tanto em uma dimensão material quanto na dimensão das subjetividades. É nesse contexto que se pode compreender como opera a seletividade racial do Estado, que incide selecionando negativamente atores, pautas e estratégias identificadas como “outras”, “marginais”, “prejudiciais ao desenvolvimento”, tais como as que ameaçam o direito à propriedade privada de quem quer contribuir para agronegócio. 

No campo da política fundiária a seletividade racial está conectada com a garantia do direito absoluto à propriedade privada, mas supera a seletividade estrutural. Não é possível capturar o fenômeno da seletividade racial olhando apenas para a garantia da “segurança jurídica” ou da propriedade privada como direito absoluto. A seletividade racial se atualiza mediante a associação entre terra e meio de produção, em detrimento de uma concepção de território. Ou seja, no que concerne à disputa dos critérios de legitimidade para o acesso a terra, o significado hegemônico associado a ela é o de meio para produção de mercadorias (notadamente commodities agrícolas). E o parâmetro para a ocupação legítima é a produtividade. Isso é diferente de uma legitimidade lastreada pelo sentido de identificação vinculado ao pertencimento coletivo e uso comum, como é o caso das terras tradicionalmente ocupadas (ALMEIDA, 2008). Tal situação significa que as justificativas apresentadas para questionar o direito de povos indígenas e quilombolas a terra são, quase sempre, relacionadas à produtividade do agronegócio e à importância do agronegócio para o crescimento e desenvolvimento do Brasil. Concomitante ao avanço da ideologia neoliberal, a associação entre terra e propriedade se torna uma justificativa cada vez mais essencial à estratégia de acumulação agroexportadora e ao projeto hegemônico articulado pelas frações dominantes do agronegócio, e tem como efeito a deslegitimação de uma concepção de terra como território, fundamental para o pleito de acesso a terra de populações não brancas.

Essa associação fica visível nos argumentos apresentados para justificar a restrição dos direitos territoriais para os povos indígenas, com a tentativa recente de aprovar o Projeto de Lei no 490/2007, na forma de flexibilização dos critérios para titulação privada. No primeiro caso, são elucidativas as falas dos deputados na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em sessão de julho de 2021, na discussão sobre o projeto que altera o Estatuto do Índio e busca definir um Marco Temporal para a demarcação:

Nós estamos sendo prejudicados no nosso desenvolvimento por conta dessa política. Eu acho que a Deputada Joenia, que também luta pelo desenvolvimento da vida dos indígenas da Raposa Serra do Sol, dos ianomâmis, dos patamonas, dos ingaricós, dos macuxis, dos índios de todas as etnias, do lavrado e da serra, há de convir comigo que nós precisamos dar um direcionamento mais moderno a esse modelo antiquado, que realmente vem atravancando o desenvolvimento do nosso Estado. (Hiran Gonçalves, PP)


Hoje, infelizmente, apoiados pela Funai, muitos indígenas brigam nas próprias aldeias e estão a explorar outras terras. Desnecessário, até porque as terras deles são muito produtivas e hoje representam a área da França e da Inglaterra juntas. Nós não queremos nenhum hectare dos índios. Pelo contrário, queremos que eles possam explorar suas terras e, quando tiverem alguma dúvida em relação às novas áreas de terras, que tragam para o Parlamento suas questões
. (Giovani Cherini, PL)

Sra. Presidente, nós temos que dizer que os nossos irmãos indígenas já têm terra suficiente. Eles já têm território equivalente ao da França e da Inglaterra. Querem mais para quê? Para achatar o sistema econômico. O choro é livre. O Brasil vai crescer. Está crescendo. O pessoal da Oposição está desesperado. [...]Vamos votar o PL 490/2007 e vamos partir para outros PLs que destravem o que fizeram com o Brasil em 16 anos de “lulopetismo”. O Brasil precisa deslanchar. Nós vamos, mesmo com a pandemia, mostrar aos socialistas que o que gera emprego e renda é o capital. (Nelson Barbudo, PSL)

Estas falas, coletadas a partir de uma análise de conteúdo das notas taquigráficas da discussão do PL,[6] expressam uma oposição entre desenvolvimento, entendido como progresso, e ocupação de forma tradicional, pelos indígenas. Elas são ilustrativas de uma grandeza (BOLTANSKI; THÉVENOT, 1999) que equaciona desenvolvimento a progresso e exploração capitalista da terra, em oposição ao uso comunal e tradicional do território. Esse discurso do desenvolvimento como progresso está diretamente ligado à seletividade racial e estrtural, constituindo sua dimensão simbólica, na medida em que legitima a expansão do agronegócio fundamentada na concepção da terra como propriedade privada e meio de produção, em detrimento de uma concepção de território, ou de terra tradicionalmente ocupada.

Os sujeitos políticos vinculados às diferentes concepções de terra vêm se organizando ao longo do tempo para produzir estabilizações institucionais na forma de dispositivos legais que façam valer seus interesses. É no marco dessas lutas que foi se construindo o Estado no campo da política fundiária. As lutas das organizações camponesas nos anos 1950 e 1960 foram importantes para a elaboração do Estatuto da Terra, ainda que este tenha sido aprovado no governo militar, como resposta à pressão desses sujeitos que depois vieram a ser perseguidos, e mesmo que tenha prevalecido a colonização em oposição à reforma agrária. O sindicalismo rural e os movimentos agrários organizados conseguiram pautar a reforma agrária na Constituição Federal, o dispositivo da desapropriação por interesse social e o conceito de função social da terra. O movimento negro conseguiu pautar o artigo 68, dos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que dispõe sobre o reconhecimento do direito à terra para as comunidades remanescentes de quilombos. O movimento indígena conseguiu pautar a noção de terras tradicionalmente ocupadas, cujos direitos territoriais deveriam ser garantidos. Conceito que depois passou a abarcar outras populações tradicionais, como seringueiros, quebradeiras de coco babaçu, pescadores artesanais, extrativistas, e demais populações que estabelecem uma relação de “ocupação tradicional” com a terra (ALMEIDA, 2008). É sobre essas populações não brancas que a seletividade estutural e racial opera negativamente, dificultando os pleitos relacionados ao acesso a terra.

Em oposição a estes, estão os dispositivos estabilizados como efeito da ação dos sujeitos políticos patronais, que historicamente prevaleceram na correlação de forças e puderam construir seletividades positivas para seus interesses e formas de apropriação da terra. A maneira pela qual a seletividade positiva em relação à ação e aos interesses destes sujeitos políticos se dá não é a partir de dispositivos legais, apenas. Embora o direito à propriedade privada esteja garantido na Constituição, e cada vez mais se intensifique uma política de privatização da terra pública por meio de atualização legal, é predominantemente mediante o não cuprimento de certos dispositivos constitucionais e direitos que esta seletividade opera. Por exemplo, embora haja previsão legal para acesso a terra por parte das populações tradicionais, frequentemente não há orçamento para levar a cabo as políticas públicas que garantem esse acesso. A ausência de recurso suficiente acaba por selecionar negativamente estas pautas e positivamente os interesses ligados aos sujeitos políticos que reivindicam a propriedade privada individual da terra e a concepção de terra como meio de produção de commodities. Os sujeitos políticos patronais, que sustentam seus pleitos com base na concepção de terra ligada a desenvolvimento como progresso, também são selecionados positivamente pela inação que garante a permanência do status quo em certos casos, como a não atualização de critérios que poderiam prejudicar os interesses dos proprietários de terra, tais como atualizaçãoes nos índices de produtividade, ou correções no Imposto Territorial Rural (ITR).

Outra dimensão material das seletividades ocorre no âmbito da ação do Judiciário e diz respeito à parcialidade na apuração e punição de estratégias efetivadas por diferentes sujeitos. Por exemplo, estratégias como retomadas de terras pelos indígenas e ocupações são rapidamente julgadas com ações de reintegração de posse e despejo. Conforme o relatório de Conflitos no Campo de 2021, houve um aumento de aproximadamente 12% no número de desepejos e nas ameaças de despejo entre 2020 e 2021 (CPT, 2021). Em contrapartida, invasões em terras indígenas e apropriação ilegal de recursos dessas terras não são julgadas ou punidas, e vêm crescendo significativamente entre 2018 (111 casos) e 2020 (263 casos), como aponta o Relatório Violência Contra os Povos Índígenas do Brasil (CIMI, 2020). Esses dados indicam como certas estratégias e atores são selecionados positivamente e outros negativamente quando se trata da luta pelo acesso a terra. A seletividade racial também se expressa na inação em face da violência sofrida por sujeitos não brancos. Entre 2008 e 2017 foram assassinadas 38 lideranças quilombolas no Brasil, e a grande maioria dos assassinos (29) é totalmente desconhecida, o que é indicativo de que

as mortes de quilombolas não são efetivamente investigadas pelo poder público, e, ainda, de que há sério temor relativo à denúncia dos agentes responsáveis, o que se explica também pela baixa efetividade de programas de proteção de testemunhas e de proteção de defensores de direitos humanos. (CONAQ, 2018, p. 63)

 

Conclusão

Neste artigo propomos a utilização de duas categorias analíticas voltadas para a compreensão de como o Estado opera de forma seletiva nas políticas de acesso a terra no Brasil. Sugerimos as categorias de seletividade estrutural e seletividade racial, para capturar a conexão entre política fundiária e racismo estrutural no Brasil. Em resumo, argumentamos que as duas seletividades estão conectadas e se reforçam. Ao passo que a seletividade estrutural opera na garantia do direito à propriedade privada da terra (como ativo e como meio de produção) pelos agentes econômicos prioritários para a estratégia agroexportadora, selecionando negativamente atores e estratégias que buscam o reconhecimento do direito ao território, a seletividade racial opera por meio de múltiplos pontos de veto para o acesso da população não branca a terra, selecionando negativamente os discursos e estratégias que justificam o reconhecimento territorial e selecionando positivamente os discursos e estratégias que se fundamentam na produtividade e geração de riqueza do modelo associado ao agronegócio. O racismo estrutural é chave para se compreender a conexão entre as duas seletividades e seus efeitos combinados na política fundiária. É o tratamento diferenciado com base no fenótipo (JONES, 2002) e na “coisificação” (CESÁIRE, 1978) ou “inferiorização” da população não branca – característicos do padrão de relações sociais construídas historicamente no Brasil (ALMEIDA, 2019) – que permite o questionamento a seu direito a terra e ao território. Em outras palavras, só é possível se produzir uma justificativa legítima para a invasão e expropriação das terras dessas populações, ou para paralisar as políticas que garantem seu acesso a terra, porque elas são consideradas “inferiores”, seja do ponto de vista da produtividade ou do nível de desenvolvimento, seja do ponto de vista da cidadania.

Em consonância com a compreensão de Estado como um conjunto de centros de poder e de capacidades sedimentados ou estabilizados ao longo do tempo, na forma de artefatos ou instituições, assinalamos que, no que tange à política fundiária, o Estado brasileiro foi construindo seletividades estratégicas de viés racial que dificultaram o acesso a terra para a população não branca. Essas seletividades operam como estruturas, a partir das quais os diferentes agentes que tentam influenciar a política fundiária definem suas estratégias e ações. Ao propormos as noções de seletividade estrutural e de seletividade racial como conceitos analíticos para o estudo da relação entre racismo institucional e política fundiária, temos o propósito de contribuir para uma agenda de pesquisa que identifique as condições de possibilidade para a reprodução do racismo fundiário (GOMES, 2019) no Brasil. Para tanto, buscamos aproximar os aportes das teorias de Estado dos estudos sobre racismo institucional e dos estudos sobre agronegócio e agroestratégia e colonialidade.

Pensar a política fundiária a partir da complementariedade entre seletividade racial e seletividade estrutural do Estado é relevante na medida em que contribui para o campo de estudos agrários a partir de um viés racial, frequentemente negligenciado nas análises sobre os dilemas da distribuição de terra no Brasil e em outros países colonizados em que as populações racializadas foram excluídas do acesso a terra e ao território. A proposta aqui exposta busca dar conta da relação entre a dimensão econômica plasmada no projeto hegemônico de acumulação capitalista (seletividade estrutural) e a dimensão racial que diz respeito à exclusão de atores e pautas radicalizadas em uma estabilização do Estado atravessada pela branquitude, na qual o uso da terra para o desenvolvimento (associado ao progresso e à produção de commodities) é visto como o padrão e as formas não brancas e tradicionais de relação com a terra são vistas como “outras”, que atravancam o progresso. A abordagem proposta também visa contribuir para conceitualizar e identificar os múltiplos condicionantes e desafios que uma política fundiária com o propósito de democratizar o acesso a terra pode ter, ou seja, busca oferecer ferramentas conceituais e analíticas para esmiuçar os múltiplos pontos de veto que constituem barreiras ao acesso a terra por parte das populações não brancas.

 

 

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Como citar

PENNA, Camila. O agro é branco? Seletividade racial e política fundiária no Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 30, n. 2, e2230214, 15 dez. 2022. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30-2_07.  

 

 

Camila Penna

Professora Adjunta de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro permanente dos programas de Pós-graduação em Sociologia (PPGS/UFRGS) e em Políticas Públicas (PPGPP/UFRGS). Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB).

camilapennac@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-5579-1653
http://lattes.cnpq.br/5815740752338790

                                   

 

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[1] Professora Adjunta de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Membro permanente dos programas de Pós-graduação em Sociologia (PPGS/UFRGS) e em Políticas Públicas (PPGPP/UFRGS). Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: camilapennac@gmail.com

[2] Fala proferida na 2a Audiência Pública realizada pela Comissão Mista da Medida Provisória no 910 em 12/02/2020. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/comissoes/reuniao?1&reuniao=9608 &codcol=2324.

[3] Disponível em: https://exame.com/brasil/hoje-o-maior-latifundiario-do-pais-e-o-indio-diz-secretario/. Acesso em: 10 jun. 2022.

[4] As duas abordagens têm uma diferença fundamental no que tange à percepção da função do Estado. Ao passo que na tradição institucionalista, mais influenciada pelo liberalismo, ainda está presente um horizonte normativo em que o Estado funcionaria de forma eficiente na medida em que trabalhasse em prol de um bem coletivo (em suas diversas acepções), para a tradição marxista o Estado surge na esteira do modo capitalista de produção e, por isso, não estaria dissociado da dominação de classe, e nunca teria como função a garantia do bem coletivo, mas sim a garantia do processo de acumulação.

[5] A posição da CNA está detalhada nesta live realizada em ocasião da tramitação da MP no 910/2019: https://www.youtube.com/watch?v=nv7mRpGqQ48&ab_channel=SistemaCNA%2FSenar.

[6] Notas taquigráficas disponíveis em: https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/62123.