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v. 30, n. 2, julho a dezembro de 2022 (publicação contínua), e2230202


Recebido: 7.dez.2022   •   Aceito: 19.jul.2022   •   Publicado: 4.ago.2022

Artigo original / Revisão por pares cega / Acesso aberto

 

 

Da reprodução social da unidade familiar camponesa: um estudo de caso no vale do Tocantins

On social reproduction of the peasant family unit: a case study in the Tocantins Valley, Brazil


orcid_id.png  Dernival Venâncio Ramos Júnior[1]

orcid_id.png  Harley Silva[2]   



DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30-2_02


Resumo: Este artigo discute os resultados de pesquisa empírica sobre uma unidade familiar camponesa localizada no norte do estado do Tocantins. O trabalho situa essa unidade familiar no contexto das regiões de expansão da produção de soja em monocultura, além de enfatizar de que maneira a reprodução social do grupo decorre de sua capacidade de mobilizar os recursos naturais renováveis disponíveis na área, bem como dos resultados do trabalho do grupo familiar. O grupo familiar constrói relações econômicas diversas, ligadas às trocas de mercado, assim como a outras formas de integração econômica fundadas em relações de domesticidade e reciprocidade (POLANYI, 2012). O texto destaca a capacidade que o grupo tem de fazer uso de técnicas de produção e reprodução simultaneamente singelas e sofisticadas, como o cultivo de quintais produtivos com notável biodiversidade, as quais, em conjunto, asseguram a sua permanência mesmo diante das condições de dificuldade.

Palavras-chave: reprodução social; unidade familiar camponesa; quintal produtivo; estratégias de reprodução; Amazônia Sul Oriental.

 

Abstract: This article discusses the results of empirical research on a peasant family unit located in northern Tocantins state, Brazil. The project situates this family unit within the context of regions where monoculture soybean production is expanding, and also emphasizes how the social reproduction of the group results from its ability to mobilize the renewable natural resources available in the region as well as the products of their work. The family group constructs a variety of economic relationships linked to market exchanges and other forms of economic integration based on relationships of domesticity and reciprocity (POLANYI, 2012). The text highlights the group's ability to make use of production and reproduction techniques that are both simple and sophisticated, such as cultivating productive and remarkably biodiverse home gardens, which combine to ensure the permanence of the group even in difficult conditions.

Keywords: social reproduction; peasant family unit; productive home gardens; reproduction strategies; southeastern Amazon.

 

 

 

Introdução

O objetivo deste texto é discutir a reprodução social do campesinato na região do vale norte do rio Tocantins a partir do caso de uma unidade familiar agrícola localizada no município de Darcinópolis, Tocantins. A premissa é a de que o caso estudado permite conhecer parcialmente as maneiras pelas quais grupos camponeses têm conseguido assegurar sua permanência no território e sua reprodução social com base em arranjos sociais e produtivos que, ao mesmo tempo, se conectam a relações de mercado que se expandem na região, sem a elas se integrarem inteiramente. Tendo como referências teóricas as obras de Polanyi (2000, 2012) e Chayanov (2014), consideramos que essa trajetória de reprodução social se faz possível com base na capacidade desses grupos de manter formas de produção e relações sociais que ultrapassam o mercado como modo de integração econômica, preservando características decisórias e reprodutivas que são peculiares aos campesinatos.

A família estudada vive nas proximidades da rodovia BR-010, na Amazônia Oriental, região frequentemente tomada no discurso oficial como vazio demográfico (LOUREIRO, 2001) e reserva de terras acessíveis aos processos de colonização (MORBACH, 1997). Segundo Negreiros (2018), a família possui laços de parentesco com grupos que chegaram à região abrindo fazendas de gado no final do século XIX, dentro da lógica habitual de expansão pecuária formada no Nordeste do país. Esses grupos desenvolveram um modo de vida camponês em interação, nem sempre pacífica, com grupos indígenas e quilombolas locais, como ocorreu na região da Ribeira, denominação que faz referência à localização geográfica da área que se localiza na ribeira do rio Tocantins. A toponímia derivada desse rio dá a dimensão de sua importância para a penetração na região, ao passo que o relativo abandono dessa nomeação em favor do uso das denominações político-administrativas municipais sinaliza a reorganização do território por novas lógicas políticas e econômicas.

No século XIX, a região foi demográfica e economicamente atingida por dois movimentos importantes para a formação de uma ocupação camponesa de longa duração.[3] Em primeiro lugar, verifica-se a entrada de grupos camponeses deslocados pela violência dos processos políticos e militares da Balaiada (MEDEIROS, 2012). Nas últimas décadas desse século, a área foi incluída marginalmente na dinâmica do mercado da borracha, novamente através da navegação nos rios Tocantins e Araguaia, levando grupos a se fixarem nas margens ou nas ilhas fluviais do local. Em grande medida, esses grupos permaneceram na localidade até o final do século XX. Sua permanência foi ameaçada apenas na década de 2000, quando os grandes projetos estatais de construção de infraestrutura, como ferrovias e usinas hidrelétricas, a exemplo da Usina Hidrelétrica de Estreito, trouxeram novas dinâmicas à região (RAMOS JÚNIOR; SILVA; LUCENA, 2020).

De igual maneira, a chegada das monoculturas à região, a partir do ano 2000, tornou-se uma força de exclusão dos grupos camponeses. Assim, foram expulsos das áreas em que viviam ao longo das últimas décadas com a expansão da soja, do milho e do eucalipto nos terrenos que têm características apropriadas à produção mecanizada (SANTOS, 2018; NEGREIROS, 2018; GOMES, 2019). Algumas famílias que habitam a localidade foram atraídas por projetos de desenvolvimento dos governos militares entre os anos de 1960 e 1980, embora tais empreendimentos estivessem voltados preferencialmente para grandes empresas e grandes proprietários, sem privilegiar grupos camponeses ou mesmo o chamado pequeno agricultor ou agricultor familiar.[4] Ainda assim, famílias migrantes procedentes especialmente dos estados do Nordeste, de Minas Gerais e de Goiás estabeleceram-se no vale do Tocantins em busca de terra e “sossego” (SILVA, 2011). No início do século XXI, momento de crescimento da economia brasileira e mundial, com retomada de investimentos públicos favoráveis ao grande capital (SANTOS, 2018), aumentou a intensidade dos conflitos que ameaçavam a permanência dessas populações em seus territórios. Desde os anos 1960, a área de transição entre o Centro-Oeste e a Amazônia Legal, que caracteriza em termos ecológicos e regionais o norte do Tocantins, tem sido constantemente mobilizada por ondas de atratividade para grandes projetos capitalistas, como também por busca de oportunidades por famílias de produtores agrícolas.

Como dito anteriormente, este trabalho trata da realidade de um grupo familiar residente na área rural do município de Darcinópolis-TO. Metodologicamente, a pesquisa baseou-se em um arranjo metodológico que chamaremos “mutirão epistêmico”, dadas as características coletivas e institucionais do processo. Usamos essa concepção, que emergiu durante o trabalho, mas deve ainda ser desenvolvida em trabalho futuro, para nomear a colaboração de uma equipe multidisciplinar[5] trabalhando de forma interativa. Um mutirão epistêmico consiste na ida conjunta a campo, durante uma jornada, de profissionais de diversas áreas e com expertises diferentes. Esse grupo interage internamente e também com os sujeitos com quem o estudo é realizado, nesse caso os camponeses e pesquisadores locais. A interação é registrada de maneiras também diversas, produzindo-se dados variados, cuja lógica é inspirada na metodologia do estudo de caso. Os dados são sistematizados em relatórios e depois, durante a análise, ocorrem retornos a campo com o objetivo de consolidar ou produzir informações adicionais. A técnica ajusta-se bem ao contexto regional, pois a realidade pesquisada é permeada de nuances que exigem, para sua compreensão, interação inter e transdisciplinar. A experiência começou a ser realizada no âmbito do projeto Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (Procad) Amazônia, intitulado Economia e cultura dos comuns.[6] O objetivo do projeto é produzir formação teórica e metodológica, aglutinando diferentes gerações (professores e estudantes), sujeitos (acadêmicos e camponeses, quilombolas e indígenas) e instituições universitárias (RAMOS JÚNIOR et al., 2018).

Tentamos aqui um estudo de caso, focalizando um grupo familiar como unidade de produção doméstica camponesa (CHAYANOV, 2014). Este grupo, em decorrência de sua interação com os processos históricos da região, possui características que são recorrentes entre os grupos camponeses: controle relativamente elevado sobre a terra que ocupa e trabalha; mobilização preferencial do trabalho familiar; produção para autoconsumo e comercialização de excedentes; interação limitada, mas concreta, com sistemas econômicos externos à unidade doméstica, dentre outras. A investigação dessa unidade doméstica de economia camponesa não é vista necessariamente como base para generalização de conclusões. Permite, no entanto, um estudo exploratório de fenômenos de maior amplitude, como etapa na construção de pesquisa de maior abrangência temática e espacial (YIN, 1984; ALVES-MAZZOTTI, 2006).

Os dados aqui analisados foram produzidos no que denominamos pesquisa em mutirão, no dia 25 de maio de 2019, na propriedade do Sr. José e de D. Maria,[7] na área conhecida como Distrito da Ribeira. O trabalho foi elaborado no âmbito de uma pesquisa sobre relações socioeconômicas, práticas e recursos não completamente inseridos no mercado como instituição integradora[8] da economia.

 

Uma unidade familiar do norte do Tocantins e da Amazônia

O Sr. José e a D. Maria, nascidos no norte do estado do Tocantins, são netos de migrantes maranhenses, filhos de pais ocupados no trabalho rural. O Sr. José é um dos treze filhos que o pai teve em três casamentos. Do primeiro casamento, nasceu apenas uma filha, já que a esposa morreu jovem. O pai casou-se novamente com a irmã da esposa falecida e teve mais quatro filhos, dos quais o Sr. José é o mais novo. Casando-se pela terceira vez, o pai teve mais oito filhos, para depois se separar da terceira esposa, pouco antes de falecer.

A família na qual o Sr. José nasceu exemplifica o regime de alta fecundidade característico do padrão reprodutivo das famílias brasileiras, em geral, da primeira metade do século XX, particularmente aquelas de áreas rurais.[9] Esse padrão reprodutivo, hoje incomum, era particularmente compatível com a vida rural na qual a reprodução social dependia de atividades intensivas em trabalho. A vida material dependia também da integração de cada núcleo familiar (pai, mãe e filhos) a uma parentela extensa, que fornecia mecanismos de proteção social em uma sociedade onde inexistiam os suportes de bem-estar social fornecidos pelo Estado (previdência, aposentadorias e saúde públicas, escolarização pública, mecanismos públicos de crédito), tanto quanto a prestação desses serviços por intermédio do mercado (compra de serviços de previdência, saúde, educação, crédito, moradia, entre outros). A D. Maria e o Sr. José casaram-se em 1975 e em 1978 nasceu seu primeiro filho, hoje casado e residente na sede do município de Darcinópolis. Nos anos seguintes, nasceram outros quatro filhos: dois homens e duas mulheres. Destes, uma filha hoje reside no município de Marabá e os outros moram em Darcinópolis e região. O filho mais novo reside em Araguaína, onde é aluno da Universidade Federal do Norte do Tocantins. Nenhum dos filhos do casal mora hoje no sítio, embora se envolvam de modo intermitente no trabalho ali realizado, inclusive com a colaboração de noras e netos.

Ainda na infância, o Sr. José havia começado a lida no trabalho rural, auxiliando o pai nas ocupações da roça e na produção de farinha. Esta é hoje sua atividade principal no sítio próprio, onde mora há quinze anos com a esposa, embora tenha exercido outras atividades, quase sempre no meio rural. Como vaqueiro, trabalhou muitos anos na Fazenda Guaraci, na mesma região onde reside, conseguindo, nessa ocupação, reunir recursos para adquirir as terras que hoje são suas. Esta trajetória é considerada por Velho (2013) como recorrente no processo de ocupação de áreas no Norte do país na primeira metade do século XX. As relações de trabalho e o sistema de remuneração (a “meia”) permitia aos vaqueiros e peões reunir recursos e empregá-los na compra de terras. Embora a trajetória do Sr. José tenha acontecido em período mais recente – nos anos 1990 –, é possível que um mecanismo semelhante tenha possibilitado atingir a compra da terra.

A transferência da família para o sítio atual aconteceu no início dos anos 2000. Essa mudança coincidiu com o avanço da produção de soja na região e com as alterações na distribuição espacial da atividade econômica, hoje dividida entre a pecuária – mais antiga na localidade –, a soja, a produção de eucaliptos e a produção camponesa.

Essa afirmação trivial, a chegada da soja na região, faz na verdade referência a um processo de transformação, com consequências espaciais e econômicas de grande alcance. A afirmação da produção da soja nas áreas de Cerrado brasileiras é resultante de investimentos e esforços institucionais de grande vulto feitos pelo governo federal e governos estaduais, ao longo de décadas. Crédito, desenvolvimento tecnológico e apoio institucional fornecidos pelos entes públicos foram chave nesse processo. As pesquisas e quadros técnicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) representam parcela significativa e coerente desses esforços. Nessa instituição aconteceram pesquisas de adaptação da soja, melhoramento de solos, formação de técnicos e pesquisadores, difusão de conhecimento técnico ligado à emergente economia da soja (BONATO; BONATO, 1987; ALVES; SOUZA, 2013).

Além disso, houve a criação de mecanismos de crédito, investimentos em infraestrutura, manejo jurídico de conflitos pela terra, criação de legislações e marcos regulatórios afins à produção, ao consumo e à exportação da soja, dentre outras questões. Como se vê, um grande e prolongado programa de favorecimento à expansão da atividade agrícola da soja e à estruturação econômica do setor aconteceu no Brasil, aproximadamente entre 1980 e 2010. Como resultado disso, a produção da soja avançou aceleradamente, a partir do Sul do país, no Paraná, Triângulo Mineiro, estados do Centro-Oeste e também para territórios do Tocantins, do Pará e mais recentemente em áreas da região Nordeste, como o Piauí e Maranhão (DALL’AGNOL, 2016; VIDAL, 2015; BALBINOT JUNIOR. et al., 2017; CORONEL et al., 2008). A estruturação desse setor foi fundamental para a afirmação do agronegócio no país, transbordando em termos de relações intra e intersetoriais para setores afins, particularmente as diferentes atividades de monocultura. Esse é o caso da produção de eucaliptos, que também se difunde no norte do Tocantins, que discutimos aqui.

O processo intervém na região do Vale do Tocantins e na trajetória da unidade familiar camponesa de que tratamos. As novas condições técnicas, de mercado e institucionais de produção da soja modificaram as opções de uso da terra, favorecendo a venda e o arrendamento pelos proprietários, antes envolvidos na pecuária e outras atividades. Na região da Ribeira, a chegada da produção de soja, por volta de 2005, levou os proprietários da fazenda onde o Sr. José trabalhava a arrendarem a terra para produtores de soja. O Sr. José vinha nos últimos anos sendo funcionário responsável pela administração da propriedade. As novas condições forçaram o antigo vaqueiro a progressivamente ocupar-se do cultivo do terreno que conseguira adquirir, próximo à fazenda do antigo patrão. Essa proximidade permitiu que, durante algum tempo, ele e a família se ocupassem em tempo parcial de suas terras recém-adquiridas, sem se desligar da atividade na propriedade onde era empregado. A cessão definitiva da fazenda para a produção da soja determinou a transferência da família para a atual residência, bem como delineou a constituição das condições atuais de vida da família.

É importante perceber que o sítio onde se encontram as terras da família é uma área de baixada, na qual a topografia irregular torna mais complicada ou custosa a implantação das condições de mecanização da produção das monoculturas. Comparada ao sítio onde se estende a fazenda do antigo patrão, comumente chamada na região de área de chapada, os baixões são localizações menos atrativas, sendo frequentemente pontos nos quais as famílias camponesas conseguem permanecer em função de sua menor atratividade. Em período mais recente, quando a intensificação da regulação ambiental tornou tal medida uma condição da produção, os grandes proprietários tendem a demandar essas áreas de baixões para a manutenção de reservas legais, como ocorre em outras áreas do Cerrado (GOMES, 2019).

 

 

Figura 1 – Plantações de soja na Ribeira em 2010

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Fonte: Neuza-UFNT.

 



Figura  2 – Plantações de eucalipto e soja na Ribeira em 2019

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Fonte: Neuza-UFNT.

 

 

A produção familiar e suas técnicas

Segundo declarações dos membros do grupo familiar, no momento da realização da pesquisa (maio/2019), a principal atividade econômica era o cultivo de mandioca e macaxeira, para fabricação de farinhas. De acordo com o Sr. José e seus familiares, a produção destinava-se sobretudo ao consumo próprio. Foge a esse padrão apenas em casos excepcionais, quando surgem encomendas de fornecimento por pessoas externas ao grupo, o que acontece principalmente no caso da farinha.

A produção da farinha, elemento-chave da vida econômica da unidade familiar, tem como lugar a casa de farinha, aparato técnico tradicional das famílias e comunidades camponesas do Norte e Nordeste do país, bastante conhecida na pesquisa correlata a essas comunidades (ESPINAL, 1981; LINHARES; SANTOS, 2014). Na casa de farinha, concentram-se os equipamentos destinados ao processamento da mandioca e à produção da farinha: máquina de moer, peneiras, prensa, forno, gamelas, pás, baldes, recipientes, entre outros utensílios. Todo o espaço e os equipamentos são construídos pela família ou, em alguns casos, foram herdados ou doados por familiares ou amigos. Este é o caso de algumas largas gamelas construídas em troncos de madeira que estão presentes e em uso na casa de farinha do Sr. José.

 

Foto 1 – Casa de farinha

Fonte: Neuza-UFNT.

 

O forno é uma estrutura retangular ou, às vezes, redonda, erguida com paredes de tijolos, na altura da cintura de um adulto – aproximadamente 70 cm –, em cujo topo se prende uma chapa de metal, geralmente de ferro ou zinco. No espaço interior, a estrutura de tijolos recebe a lenha (ou carvão) a ser queimada para aquecer a chapa de metal, sobre a qual se deposita a massa ralada da mandioca e/ou macaxeira para a torra. O processo de torra depende de um constante revirar da massa com rodo de madeira preso a uma haste longa, a qual permite ao trabalhador conduzir a massa para torra por toda a extensão da chapa. O tempo de torra de cada carga de massa, segundo o Sr. José, dura em torno de duas horas, dependendo de um conjunto de fatores. As condições de temperatura externa (já que o espaço da casa não é fechado), a disponibilidade e qualidade da lenha seca, a umidade da massa e, claro, a habilidade do trabalhador são determinantes do período de torra.

Aos olhos de uma pessoa não familiarizada com a atividade, o espaço da casa de farinha e o seu entorno parecem preenchidos com objetos aleatórios e desorganizados. Estão ali pedaços de ossos, peças de madeira em formatos imprecisos, pedaços de troncos de árvore escavados, tábuas de madeiras muito grossas, varas finas cortadas em tamanhos mais ou menos regulares, pedaços de malhas de fibra vegetal trançadas, embalagens vazias de lata ou plástico, entre outros materiais. Nada disso é, entretanto, aleatório, desorganizado e menos ainda inútil, já que todos ganham sentido e utilidade na prática da produção da farinha. Alguns objetos, como as enormes gamelas feitas com troncos escavados, têm sido, segundo a narrativa dos familiares, usados por décadas, como equipamento na produção de farinha: “esse foi do meu pai”, “esse meu tio me deu... tem mais de cem anos”, mencionaram com orgulho o Sr. José e seu filho Ronaldo, mais de uma vez.

As varas finas, os pedaços de malha de fibra ou bambu trançados, as peças e tábuas de madeira grossas formam a prensa usada para drenar a massa da mandioca (ou macaxeira) moídas de seu componente líquido. A operação com a prensa permite a drenagem da massa das raízes moídas, extraindo o caldo (manicuera), do qual ainda se retira em seguida a goma, quando o líquido é deixado a decantar por algum tempo em baldes de plástico reaproveitados. 

Em seguida, o recipiente formado pelo tronco escavado recebe a massa de mandioca ou macaxeira moída, momento em que esta é peneirada depois de completar a drenagem na prensa. Dali, a massa segue para a torragem sobre a chapa do forno, na qual é revolvida continuamente de modo manual, com o auxílio do rodo de madeira. Essa operação é crítica para a qualidade da farinha, segundo o Sr. José, constituindo uma tarefa longa e cansativa, pelo movimento constante dos braços e o calor da chapa e do forno.

As características do aparato técnico usado para a produção da farinha suscitam algumas observações importantes. Em primeiro lugar, é notável o enraizamento da técnica e dos equipamentos de produção na disponibilidade de recursos locais. Essa característica, juntamente com a transmissão tácita de conhecimentos entre os indivíduos do grupo, permite um importante nível de controle dos membros do núcleo familiar sobre suas condições técnicas de produção. Tal situação contribui positivamente para a segurança alimentar e nutricional do grupo, reduzindo os riscos de privação ou penúria em termos nutricionais. Um efeito adicional, embora não necessariamente planejado, é a penetração relativamente lenta do padrão consumo urbano industrial contemporâneo. Sabe-se que este possui efeitos deletérios sobre o padrão de vida do grupo, inclusive sobre a saúde, tendo sido alvo de críticas nas últimas décadas, embora nem sempre tais efeitos sejam conhecidos ou reconhecidos por aqueles sobre os quais incidem (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003; BATISTA FILHO; BATISTA, 2010).

Ao mesmo tempo, a condição materialmente frugal da organização técnica implica riscos de desorganização dos mecanismos de produção e perda de repertório técnico e tecnológico e, portanto, perda da estabilidade da reprodução social do grupo e da segurança alimentar em particular. O caráter tácito da formação e transmissão de conhecimento entre os membros da família talvez não favoreça mecanismos de acumulação e adensamento da técnica. Em momentos de crise, o abandono da atividade por algum membro que detenha um repertório particularmente importante e não compartilhado da técnica de produção pode colocar em risco o patrimônio de conhecimento técnico do grupo. Assim, a perda de repertório ou o seu empobrecimento repentino aparecem como possibilidades abertas em função desse quadro.

Não se percebeu em campo nada que colocasse em dúvida a capacidade do grupo de manter seu nível de reprodução ou mesmo de ampliá-lo, muito embora formular perguntas de pesquisa sobre a existência de fragilidade seja um processo legítimo. Mesmo que as condições de produção se assemelhem a um “nível elementar de complexidade” dos objetos técnicos e equipamentos empregados na produção, tem sido suficiente para o autoconsumo e a existência de excedentes, comercializados ou não. Nesse sentido, entender quais fatores asseguram a estabilidade das técnicas e tecnologias empregadas na produção é um processo sem resposta imediata. A prática diária e repetida pelos mesmos grupos, ao longo de períodos extensos, geralmente contribui para a sofisticação de técnicas e objetos técnicos empregados. É desejável, no entanto, compreender se e como operam ou não condições de tensão reprodutiva  que impulsionam adensamento e tais atividades.

Considerada do ponto de vista de suas relações de produção e reprodução social,[10] a unidade familiar da qual tratamos garante as suas condições materiais de existência com base em uma combinação dinâmica de produção para o próprio consumo e para comercialização. Pode-se dizer que há essa combinação dinâmica, pois é notável que o estabelecimento empregue combinações não estáveis, ao longo do tempo, do uso de recursos e capacidade de trabalho, que se voltam ora para o autossustento, ora para a venda da produção.[11] Assim, a unidade de produção domiciliar não chega a estabelecer uma especialização na produção de algum produto ou serviço que venha a se sobrepor aos demais que podem ser produzidos com base nos recursos que a família detém. A situação aparece ao contrário: a família declara que, na maior parte do tempo, se dedica à produção diversificada, embora modesta, de um número razoável de artigos agrossilvopastoris, apesar de haver predominância clara do conjunto macaxeira-mandioca-farinhas.

A família do Sr. José e de D. Maria cultiva produtos que seriam viáveis como artigos preferenciais para venda, sobretudo no conjunto das farinhas de mandioca-macaxeira, além da própria macaxeira. Há as culturas anuais (feijão, arroz, milho) e o leite que, segundo os membros da família, já foram produzidos para a venda, embora atualmente a produção seja pequena, focalizada no consumo familiar. A especialização produtiva, no entanto, não parece ser um objetivo perseguido, talvez porque implicaria o abandono ou enfraquecimento das condições de diversificação produtiva, a qual aparentemente é percebida pelo grupo familiar como estratégia preferencial.

Como condição desse arranjo de diversificação produtiva, o núcleo familiar assegura sua reprodução social graças à existência de relações sociais externas à unidade domiciliar, organizadas por combinações de relações típicas e não típicas da economia do mercado. No último caso, os membros da unidade domiciliar declaram manter, internamente e em face de outros núcleos familiares, relações de prestação mútua de serviços e fornecimento não remunerado de produtos, em geral de víveres. Nenhuma das duas práticas – prestação de serviços mútuos e cessão de artigos e víveres – parece exercer um papel sem importância na reprodução social do grupo. O grupo declara, com ênfase, que essas são práticas consolidadas e correntes, ou seja, têm sido usadas há muito e se mantêm em uso.

A tese da dissolução inevitável dos campesinatos tem sido sustentada há muito tempo. O desaparecimento do modo de vida camponês vem sendo assumido mesmo por formulações teóricas díspares, a despeito de evidências históricas contrárias (COSTA, 2012a; VAN DER PLOEG, 2008, 2011, 2016). De um lado, autores críticos ao capitalismo, ligados à tradição marxista, apostaram na absorção do campesinato na condição geral das classes trabalhadoras. Isso porque os campesinatos tenderiam a perder o controle sobre suas condições de sobrevivência (terra, autonomia do trabalho, entre outras) e se aproximariam da condição dos proletários urbanos (COSTA, 2012a; ABRAMOVAY, 2012). De outro lado, as abordagens liberais apostaram na difusão necessária de economias organizadas por mercados, o que também levaria as economias camponesas a serem encampadas nas economias de mercado. Isso aconteceria tanto por sua integração ao consumo mercantil quanto por sua especialização produtiva e dependência da produção de outros agentes de mercado (COSTA, 2012a; ABRAMOVAY, 2012). Ambas as posições continuam influentes. Tais teorias permanecem dominantes malgrado os fatos históricos não tenham confirmado o desaparecimento do campesinato e também diante do surgimento de outras proposições teóricas distintas.

A história da Amazônia é muito variada e fornece situações diversas que desafiam a hipótese do desaparecimento do campesinato tanto em sua vertente crítica quanto daquelas que assumem a defesa do capitalismo (COSTA, 2012b; MARTINS, 2016). Felizmente, outras formulações teóricas permitem que a realidade amazônica seja interrogada de maneira interessante. Em especial, novas possibilidades são abertas por teorias cuja premissa é que a realidade econômica seja estruturalmente heterogênea (POLANYI, 2000, 2012; PINTO SANTA CRUZ, 2000).

Mesmo no quadro da teoria econômica liberal, há contribuições que corroboram a existência concreta de limites à vigência plena de economias de mercado. Esse é o caso da Nova Economia Institucional – NEI (FIANI, 2011). Essa tradição assinala o fato de que existem relações econômicas não redutíveis ao mercado e ao sistema de preços. Além disso, tais relações seriam não residuais mas estruturais para a vida econômica, mesmo não estando no escopo das relações do mercado. Ainda que sem abandonar os limites da economia mainstream, como a hipótese da eficiência dos mercados e dos agentes atomizados, a NEI assinala que, sem considerar as instituições, o economista é incapaz de compreender grande parte da vida econômica.[12] A teoria econômica neoinstitucionalista, que despontou nos anos 1970, retomou pontos já colocados por autores institucionalistas anteriores, como Thorstein Veblen e Karl Polanyi, embora tenha se afastado destes autores, ambos críticos da tradição liberal. É a obra de Polanyi que nos serve aqui de referência teórica principal.[13]

As características identificadas em campo e narradas pelos membros do núcleo familiar do Sr. José e sua companheira D. Maria sugerem a convivência prolongada de estratégias de reprodução da vida que combinam relações com o mercado e outras formas de integração econômica (POLANYI, 2012). Além disso, não há elementos para considerar que essas relações não são orientadas para o mercado, sejam ocasionais ou que se restrinjam a momentos de privação e precariedade. Não é nesses termos que o grupo se refere a tais relações, já que, ao contrário, suas menções a práticas compreensíveis em termos de reciprocidade e domesticidade (POLANYI, 2000) foram feitas de modo variado. Essas práticas compreendem atitudes de socorro a famílias e pessoas consideradas próximas, tais como partilha de recursos e víveres, manutenção de laços sociais afetivos, coesão de grupo e afins, cujo resultado é a manutenção das condições de vida. Isso se dá tanto no que toca à cessão ou ao recebimento de artigos (víveres, materiais, objetos, recursos da natureza) quanto no que diz respeito à prestação mútua de serviços, ao auxílio ou a outras formas de compartilhamento.

 

Relações de produção e reprodução dentro e fora do grupo familiar

Segundo os familiares do Sr. José, D. Maria e Ronaldo, a produção de farinha para a venda foi, até período recente, a principal fonte de renda da família. Nos últimos anos, houve queda dos preços da farinha, o que levou o Sr. José a reduzir a produção ao suficiente para o consumo da família, com alguma quantidade excedente. O valor de venda da saca de 80 litros (aproximadamente 50 kg) de farinha teria caído de R$ 400,00 para R$ 300,00, uma redução de preços de 25%, portanto.[14] Uma mudança tão forte dos preços é um fator importante na configuração das decisões das condições de trabalho e produção de famílias camponesas. A produção até então direcionada ao mercado se reduz ou é revertida para o consumo doméstico e o fortalecimento das relações de reciprocidade com vizinhos e amigos. Por isso, no momento da pesquisa, a produção excedente era usada, segundo o chefe de família, para “socorrer os amigos”, questão que possui relevância na manutenção das relações entre esses grupos, como se abordou anteriormente.

Interessa-nos discutir de que maneira essas estratégias combinam formas de ação orientadas ou não para o mercado e sua lógica. A questão é saber se existem no grupo em estudo economias apoiadas em relações não estritamente dirigidas ao mercado, considerando-se suas características. As práticas dirigidas ao mercado operam pela compra e venda de bens e serviços, tendo como objetivo a obtenção de lucros e a acumulação, enquanto constatamos a existência de práticas do grupo estudado que não parecem ir nessa direção.

A teoria econômica hegemônica identifica a economia ao funcionamento do mercado, ao conjunto de relações de compra e venda de bens e serviços, cuja origem é a produção para a comercialização. Nesses termos, o funcionamento e a própria existência de economia correspondem à existência ou difusão de um arranjo institucional específico, os mercados competitivos, o que está vinculado, portanto, a uma pressuposição de que as economias são ou tendem a se tornar institucionalmente homogêneas.

A existência de heterogeneidade institucional da vida econômica é uma proposição do trabalho de Karl Polanyi (2000, 2012), para quem a realidade econômica, histórica e contemporaneamente, não se resume à organização apenas por mercados. O autor argumenta que as economias, tanto no passado como no presente, operam com uma estrutura heterogênea, na qual funcionam diferentes Formas de Integração Econômica (FIEs). Essas FIEs incluem o mercado, mas também a domesticidade, a reciprocidade e a redistribuição. Nos dois primeiros casos, essas formas de integração têm como fundamento mais comum o reconhecimento mútuo dos envolvidos de seu pertencimento a um mesmo grupo, como acontece nas escalas variadas de parentesco. A redistribuição, por sua vez, implica a existência de instâncias hierárquicas, cuja prerrogativa econômica mais importante é receber, centralizar os recursos produzidos por grupos que lhes reconhecem e, em seguida, distribuí-los segundo critérios próprios (POLANYI, 2000).

Uma questão de interesse é saber se a heterogeneidade é um atributo transitório ou se possui estabilidade. Esse debate é, de certa maneira, complementar àquele sobre a capacidade e possibilidade dos grupos camponeses de manter sua existência diante da difusão de economias de mercado no campo[15] e na produção agrícola. No caso ao qual nosso trabalho se dedica, a heterogeneidade institucional ajusta-se e complementa a heterogeneidade de formas de uso, posse e compartilhamento de bens, recursos e construções coletivas. Assim, o que resulta dos esforços coletivos de produção e reprodução da vida material não são apenas e tão somente bens, propriedades e relações privadas, mas também aqueles que são comuns, de tal sorte que a vida se produz pelo crescimento de interdependências que não se exaurem em privatizações e construções privadas, senão no fazer comum (OSTROM, 1990; THOMPSON, 1998; LAVAL; DARDOT, 2015). Nesses termos, voltemos à discussão da unidade produtiva do grupo familiar do Sr. José e D. Maria em Darcinópolis-TO.

O Sr. José, no momento da pesquisa, tinha 66 anos, sendo que todos os seus quatro filhos eram também adultos. As informações fornecidas pela família sobre sua composição e trajetória permitem uma discussão sobre os tipos e as modificações de suas estratégias reprodutivas. A interação com os filhos, por exemplo, exemplifica a força de relações de reprodução voltadas para dentro do grupo. Uma das filhas do casal reside hoje no município de Marabá, no estado do Pará, a 272 km de distância de Darcinópolis, onde fica o sítio de seus pais. Segundo D. Maria, esta filha também vive da agropecuária em uma área rural e sua principal atividade é a pecuária leiteira, na qual produz diariamente 300 litros de leite. Parte dessa produção é transformada em queijo, comercializado em Marabá juntamente com o restante do leite produzido na propriedade. Uma parte dos recursos gerados pelo trabalho da família da filha é usada para compra de gado para a criação no sítio do Sr. José. De acordo com a narrativa de Ronaldo, há ciência na família de quais e quantos são os animais da filha, mas todo o plantel é manejado conjuntamente na propriedade da família que visitamos.

Ronaldo, casado, declarou viver na área urbana, na sede de Darcinópolis. Seu trabalho, no momento da visita ao sítio da família, era como motorista na Secretaria Municipal de Saúde. A casa onde residia pertence ao pai, e, conforme disse, é um ponto de apoio importante para os membros da família que residem no sítio. Ronaldo no passado trabalhou por algum tempo diretamente com o pai nas ocupações do sítio. Também foi operador de um trator comprado pela família para uso no próprio sítio e para a prestação de serviços aos produtores rurais da região. Segundo Ronaldo, a atividade deixou de ser viável em função dos custos de manutenção da máquina, quando esta se tornou mais desgastada. Na atividade recente, como motorista da Prefeitura, ele dispõe de menos tempo livre, mas ainda assim dedica alguns períodos aos trabalhos do sítio, nos quais estão incluídas a produção das farinhas para consumo da família e/ou comercialização e o manejo do plantel de gado que a família mantém, sendo que uma parte desse plantel pertence ao próprio Ronaldo. O padrão que se percebe é que a capacidade de trabalho de Ronaldo e seus recursos de alguma maneira integram, ao longo do tempo, o conjunto de recursos que o núcleo familiar maneja.

Chama a atenção a maneira como o grupo se relaciona com dinâmicas de valorização da terra derivadas da proximidade com áreas de cultivo de soja. Esse é um aspecto particularmente interessante no tocante ao manejo que o núcleo familiar realiza em momentos particulares dos recursos que detém. A proximidade com as fazendas de cultivo de soja coloca um conjunto de problemas importantes com os quais a família convive.[16] Ao mesmo tempo, implica a valorização da terra em termos de valor de mercado. Esse aspecto poderia funcionar – e de fato o faz, em alguma medida – como um forte elemento de desarticulação dos modos de vida do núcleo familiar, induzindo-o à venda de suas terras ou à adoção das lavouras de monocultura. No entanto, conforme declarado pelo grupo, a possibilidade de venda de parcelas do terreno, aparentemente, tem sido uma estratégia da família para mobilizar seus recursos de maneira cuidadosa, o que possibilita o aumento dos meios de reprodução ampliada da vida.[17] A venda de uma parte relativamente pequena do terreno (10 alqueires) em período recente (2015) foi usada como estratégia, segundo Ronaldo, para a aquisição de um veículo utilitário leve para uso nos trabalhos do sítio.[18] O dinheiro advindo da venda permitiu também a renovação do curral e das instalações de manejo do gado, além da reforma da casa em que a família reside no sítio.

A reprodução das condições materiais de vida da família tem razoável autonomia em relação ao mercado, ou seja, à compra e venda de bens e serviços. Parte dessa autonomia deve-se ao esforço do grupo em prover-se do necessário usando os recursos de que dispõe no sítio, além da capacidade de trabalho do grupo familiar. Outro fator que possui importância na construção dessa autonomia, segundo a argumentação dos membros da família, é a existência de relações de ajuda mútua com parentes e amigos. A imputação de parentesco aqui deve ser vista de modo flexível, dado que não houve qualquer esforço de delimitação do parentesco. Logo, a categoria pode incluir o parentesco sanguíneo e o de afinidade, como é comum acontecer no caso de relações de compadrio, por exemplo. O fato relevante para discussão é que a prestação de ajuda mútua foi mencionada explicitamente no que se refere à realização de tarefas que ultrapassam a capacidade de mobilização de trabalho do grupo familiar. Isso vale especialmente para tarefas ligadas à produção agrícola, como a limpeza de terreno ou a colheita da macaxeira e mandioca, e também para momentos de construção de estruturas físicas necessárias à produção e à reprodução – casas de farinha, currais, moradia, entre outras. A argumentação sobre a necessidade e perenidade da manutenção dessas formas de esforço coletivo é clara e direta: as famílias não possuem recursos financeiros para a contratação de trabalho remunerado, vindo de fora do domicílio. Isso denota, em negativo, que não existe localmente oferta perene de trabalho para a realização dessas tarefas, o que torna a opção necessariamente custosa. É possível dizer que esse “custo elevado” (em termos relativos) se deve a pelo menos dois conjuntos de questões. Por um lado, a força de trabalho local teria de ser deslocada de sua ocupação usual, isto é, da realização de tarefas próprias de cada família, o que eleva o custo de trocar uma ocupação pela outra.[19] Por outro lado, a contratação teria de recorrer a trabalho trazido da área urbana do município ou de outras localidades, o que obviamente aumentaria o custo da operação, contribuindo, da mesma maneira, para a opção de realização das tarefas por meio de ajuda mútua.

 

O espaço do quintal e a reprodução familiar

Para compreender a manutenção das condições de vida do grupo familiar, é preciso considerar a importância das características de uma parcela importante dos recursos de que o grupo dispõe, concentrados e organizados no quintal do sítio. Chamaremos de quintal o terreno no entorno da casa ocupada pela família do Sr. José e de D. Maria. O termo empregado com frequência no terreno de residências urbanas ou sítios rurais é utilizado aqui de modo adaptado. Nesse sentido, o quintal é o terreno de uso cotidiano, mas inserido no conjunto de uma propriedade rural mais ampla, geralmente chamada de chácara, lote ou fazenda, em outras regiões do país.

No caso da família do Sr. José e de D. Maria, o quintal é uma parcela do terreno da família, como se disse anteriormente, de aproximadamente 50 hectares.[20] A área do quintal é delimitada por uma cerca de arame, distinguindo-se do restante da área da família por concentrar um grande número de estruturas e equipamentos de uso cotidiano, dentre os quais se destaca a moradia familiar. Estão nesse espaço também um curral, chiqueiro e galinheiro, a casa de farinha e um grande número de espécies frutíferas, arbustos e plantas voltadas para o uso alimentar, medicinal, ornamental e cerimonial.[21] Em conjunto, esses equipamentos e áreas cultivadas dão ao quintal um papel-chave na manutenção das condições de vida da família, ajustando-se à ideia atualmente usada de quintal produtivo (PADOCH; DE JONG, 1991; LINS, 2014; ALMEIDA; GAMA, 2014; MATOS, 2015).

O conceito de quintal produtivo atém-se à particularidade dessas áreas, ou estruturas, nos processos de reprodução camponesa. Seu uso recente lança luz a aspectos que habitualmente são considerados nos estudos clássicos sobre os grupos camponeses,[22] em que as famílias e seus meios materiais de reprodução são tomados de maneira mais ou menos homogênea. As famílias detêm força de trabalho e terra, assegurando, com esses meios, sua sobrevivência. A particularidade do quintal como uma parcela distinta do recurso à terra ou o papel particular de quem cultiva os quintais não é tratado de maneira detida. Isso contribui para a invisibilidade das mulheres na organização e manutenção dos quintais. Nem mesmo na tradição chayanoviana a análise da importância dos quintais como aparato produtivo, tendo em vista o papel do trabalho feminino nos quintais, teve destaque. Chayanov deu importância às características demográficas de idade e sexo, dado seu papel no ciclo de vida da família. A estrutura etária e a presença de homens e mulheres eram consideradas atributos de peso na capacidade produtiva-reprodutiva da unidade familiar camponesa (COSTA, 2012a). Porém, o autor não introduziu distinção qualitativa entre o trabalho masculino e feminino, considerando, ao contrário, o trabalho de mulheres, a partir de avaliação quantitativa, como uma fração do trabalho masculino, cuja potência seria maior (NOBRE, 1998).

Sabemos que os quintais são espaços que reúnem dinâmicas produtivas-reprodutivas fundamentais para as famílias camponesas. Isso é particularmente importante na Amazônia, em função das condições peculiares da região: diversidade ambiental, acesso à terra, limitações de mercados, entre outras (QUARESMA, 2015; RAYOL; MIRANDA, 2019). Essas dinâmicas de produção-reprodução peculiar dos quintais parecem assumir o formato de tentativas de reconstrução, próxima às casas, de fragmentos dos sistemas socioambientais que eram anteriormente encontrados em ambientes naturais, como cerrados, florestas e similares. A transformação das áreas onde havia esses ecossistemas em pastagem, campos de monocultura ou espaços privados nega a aproximação das famílias camponesas a esses recursos, que eram antes de livre acesso. Diante disso, os quintais são cultivados como reserva de biodiversidade socialmente reconstruída e como parte do aparato de reprodução social da unidade familiar. É possível imaginar também que o cultivo dos quintais exista mesmo quando a supressão ou privatização não ameaça o acesso livre a recursos. Nesse caso, a construção dos quintais aconteceria porque reúnem recursos “à mão” e com possibilidade de escolha dos cultivos. As duas razões provavelmente integram-se em muitos casos.

É importante destacar que o exercício de construção do quintal como reserva de recursos se conecta às possibilidades de resiliência da unidade produtiva, contribuindo para a autonomia relativa do grupo familiar. Essa resiliência constrói-se na combinação dinâmica de características socioculturais e demográficas, bem como na mobilização dos ciclos naturais como força produtiva. Os recursos da biodiversidade, mediados pela diversidade do conhecimento do grupo, proporcionam à família recursos com os quais pode contar e que estão sob sua decisão, como opção perene ou ocasional. Diante disso, a construção do quintal é orientada para a diversidade como recurso (DINIZ, 2015). Em termos ecológicos, a diversificação de espécies viabiliza dinâmicas de sucessão de espécies próprias de sistemas ecológicos em recuperação ou transição (HORN, 1975), ou ainda de sistemas agronômicos complexos (COSTA, 2009). Nesses sistemas, a diversidade de espécies e ciclos de vida dos indivíduos cria uma composição de ciclos reprodutivos variados e sazonais. Essa variedade produz uma estrutura temporal de produção, consumo e eventualmente comercialização, distribuídos ao longo do ano e não concentrados em regimes de safra e entressafra, como é o caso dos sistemas especializados.

Na área do quintal da unidade familiar em estudo, encontramos 72 indivíduos (vegetais) de 36 diferentes espécies, entre frutíferas, alimentares, grãos, plantas medicinais, cerimoniais e ornamentais. Nesse espaço, há 21 árvores frutíferas, como banana, manga, cacau e laranja; espécies como abóbora, mandioca, macaxeira, feijão e café são numerosas no quintal. Há um grande número de plantas medicinais – alfavaca, mastruz e babosa, dentre outras. Finalmente, espécies de uso variado como cabaça, usada na fabricação de utensílios de cozinha, o neem (Azadirachta indica), espécie de origem indiana usada como inseticida natural, e a espada de São Jorge, usada como ornamento e proteção cerimonial da residência, da família e do próprio quintal. Como se vê, comparado ao restante do sítio, o quintal se distingue pela quantidade e variedade de espécies vegetais concentradas dentro de seus limites.

A paisagem do sítio, externa ao quintal, é formada por pastos e uma grande quantidade de palmeiras babaçu, recurso também explorado pela família para a produção de azeite. A paisagem agroflorestal proporciona constantemente recursos consumidos, repartidos ou vendidos pela família. Somadas as espécies locais e exógenas de usos diversos (madeira de lei, lenha, entre outras) e as áreas cultivadas com alimentares, o quintal é além disso um ambiente ameno e sombreado que confere conforto ao cotidiano da família. Nas áreas adjacentes, onde predominam pastos e capoeiras, há um grande número de palmeiras babaçu (Attalea speciosa),[23] um recurso também importante, já que delas se extrai uma castanha, da qual se processa o óleo usado para fins diversos, e da polpa da fruta se produz uma farinha também utilizada na alimentação humana e animal (CARRAZZA; ÁVILA, 2010).

D. Maria orgulhou-se em nos dizer que o quintal foi “plantado” por ela ao longo dos últimos quinze anos. É notável também que diversas espécies do quintal ainda representam algo como uma materialização da memória de vínculos afetivos, sociais e de parentescos. D. Maria fez narrativas associando algumas plantas e árvores a amigos, vizinhos e parentes. Nesses casos, os familiares ou amigos teriam fornecido mudas ou sementes que hoje são plantas já desenvolvidas. Em outros casos, a direção da dádiva inverte-se: são parentes ou amigos que vão à sua casa em busca de algum vegetal ou de um fruto, como o jambo branco, levando consigo mudas, sementes ou plantas crescidas que irão constituir outros quintais, materializar laços afetivos e ao mesmo tempo favorecer aparatos de reprodução social em áreas próximas ou distantes. Isso é particularmente importante quando se trata das ervas medicinais, cerimoniais ou ornamentais, na medida em que são frequentemente recomendadas por sua utilidade para a saúde e proteção da família. Assim, a dádiva é decorrência do conselho ou recomendação que se faz ao amigo ou parente. Vale assinalar que, embora o esposo e filhos homens trabalhem em porções do quintal, como na plantação de macaxeira, é perceptível o protagonismo do trabalho da esposa e das filhas na organização do espaço e da dinâmica diária do quintal. Esse aspecto ganha relevo no caso das ditas plantas ornamentais, medicinais e protetivas, em função do frequente papel-chave das mulheres nos problemas e nas atividades do cuidado com crianças e com a família em geral.

No quintal, encontramos também animais: cachorros, galinhas, porcos, essas duas últimas espécies criadas em áreas apropriadas – galinheiro e chiqueiro. Ao lado do quintal está o curral onde se abrigam bovinos e equinos. A família mantém relações de proximidade com alguns animais, particularmente porcos, que recebem nomes próprios e que, por isso, alcançam uma condição singular nas relações familiares, como é o caso de um suíno cujo nome é Mussum. A D. Maria referiu-se a ele diversas vezes, elogiando seu comportamento – atende ao ser chamado, faz demonstrações de afeto aos familiares e visitantes, dentre outras peripécias enternecedoras e divertidas. Uma porca e algumas galinhas também receberam nomes próprios e um tratamento afetivo similar ao divertido Mussum. Dentro das relações de reprodução peculiares da unidade familiar, esses animais estão em uma condição mais próxima à de animais domésticos, como são usualmente cães e gatos, do que daquela da criação, isto é, própria do gado: não serão consumidos nem vendidos. Com eles se estabelecem relações cuja relevância para a família é de natureza pessoal ou emocional. Esse aspecto possui peso na estrutura das relações familiares, em termos afetivos, representando outra dimensão dos laços sociedade/natureza, organizada como condições afetivas de manejo da natureza no quintal, articulando os ciclos reprodutivos da família e das espécies animais e vegetais.

Os quintais, reunindo e articulando espécies animais e vegetais, garantem à família o acesso a uma variedade de recursos que importam na alimentação diária do grupo, mas também impactam na manutenção de laços de reciprocidade com vizinhos, parentes e visitantes. Durante nossa permanência no sítio, um vizinho ao qual já nos referimos anteriormente, e que viera ajudar nas atividades da produção de farinha, passando pelo quintal, arrancou alguns pés de macaxeira, levando-os para dentro da casa. As raízes foram mais tarde usadas no almoço do dia, que afinal era mais extenso que o usual porque estavam recebendo nossa equipe de pesquisadores. Talvez, numa contrapartida não formal pela ajuda que o vizinho trouxe naquela manhã, parte da macaxeira que ele retirou do quintal fosse levada para compor o almoço na sua residência. Assim como se disse dos exercícios de dádiva envolvendo as espécies cultivadas, sementes, frutos, entre outros, o acesso partilhado à abundância de víveres proporcionados pelo quintal compõe uma faceta das condições de reprodução da unidade familiar camponesa. Tomando o cuidado de não idealizar as relações existentes, é concreto afirmar que o quintal é uma estrutura cujo papel nas interações familiares, comunitárias e também nas fronteiriças entre sociedade e natureza possui importância na sociabilidade das comunidades.

Como é característico das estratégias de reprodução social da unidade familiar camponesa, o quintal fornece ainda, em alguns casos, elementos que podem vir a ser comercializados, embora de maneira não contínua ou sistemática. Outra vez, o caráter não sistemático da escolha por comercializar produtos do quintal não parece ser uma insuficiência de organização, mas uma decorrência do arranjo conjunto no qual o recurso à renda gerada pela troca de mercado compõe a reprodução social, embora não a oriente. Na ocasião da nossa visita, a D. Maria mostrou-nos sua produção de chocolate feita para venda,[24] função semelhante ocupada pelas polpas de frutas. Esses produtos, quando vendidos, ajudam a compor a renda do domicílio.

 

Considerações finais

As características da unidade familiar estudada neste trabalho ajudam a compreender os processos sociais de transformação do campesinato na região norte do Tocantins. Ao mesmo tempo, põem em evidência as estratégias de reprodução social desses grupos na região diante das pressões colocadas pela convivência mais intensa com relações econômicas mediadas pelo mercado.

Notabiliza-se, nessas famílias, a persistência relativa de características da reprodução social camponesa. Nesse contexto, encontramos o papel da família como força de trabalho fundamental e das relações sociais de reciprocidade com parentes, por sangue ou por afinidade. Encontramos a luta por oportunidades de acesso à terra e pela sua manutenção como meio fundamental de reprodução no núcleo familiar, ainda que em meio a pressões que colocam nos grupos camponeses a necessidade de interagir de modo parcial com a própria economia de mercado como uma estratégia de reprodução que não abandone inteiramente suas condições de autonomia relativa.

A compreensão dessa convivência tensa entre padrões de reprodução torna-se mais sólida quando se recorre a uma perspectiva de análise que não faça a identificação entre economia e mercado. Tal distinção – a economia não é idêntica ao mercado – permite entender que os grupos sociais recorrem a diferentes estruturas e práticas para a integração e estabilidade da produção da vida material, mesmo que sejam também levados a recorrer parcialmente às trocas típicas de mercados, sem se aterem apenas a elas ou a elas subordinar-se.

Diante desse cenário, Polanyi afasta-se da teoria econômica hegemônica que faz a vida econômica derivar inteiramente de uma racionalidade e um egoísmo atávicos do indivíduo (o homo economicus) e de sua agregação em mercados autorregulados. Coloca a hipótese de uma economia substantiva, uma vez que é constituída pela interação substantiva entre sociedade e natureza. Tal perspectiva reconhece que os indivíduos não são como átomos racionais e egoístas, mas se constituem como participantes/construtores dessa interação. Como consequência, a economia não se apresenta como resultado de uma progressiva homogeneização rumo à difusão de sua única instituição integradora, o mercado, cuja expansão irá suprimir cedo ou tarde aquilo que se encontra ainda fora de suas práticas típicas. Ao contrário, a economia é como uma paisagem social institucionalmente heterogênea, já que existem em operação distintas formas de integração econômica (domesticidade, reciprocidade, redistribuição e mercados), ainda que alguma se apresente hegemônica em diferentes espaços-tempo.

Retornando à situação específica da unidade familiar de que tratamos, a encontramos na contraditória situação de ligar-se à economia de mercado que a circunda de mais de uma maneira, mas recorrendo a estratégias de manutenção de autonomia quanto às suas condições materiais de reprodução. Ressaltamos não apenas o papel da terra em sentido estrito, mas sua importância como mediação social e espacial das relações do grupo com a natureza como força produtiva. Nessa questão, demos destaque à construção social do quintal produtivo, tornado espaço privilegiado dessas relações entre os membros da família, das mulheres em especial, e os ciclos naturais. Ainda em conformidade com a persistência das características de famílias camponesas, percebemos a existência de relações importantes com as trocas de mercado, em particular com mercados locais, sem que o grupo familiar abrace de modo irrestrito a entrada nas condições de reprodução social típicas das sociedades de mercado.

As transformações trazidas à região pela presença do agronegócio da soja e eucalipto, e consequente disputa pela terra, pressionam o modo de vida da unidade familiar, criando condições e momentos de fragilidade econômica e ameaçando sua permanência no território. Rodeados por esses empreendimentos econômicos de grande porte e racionalidade mercadológica, grupos camponeses da Ribeira, vale norte do rio Tocantins, prosseguem em seu território, empregando uma capacidade sólida de manejo de seus recursos, a manutenção de modo de vida, o enraizamento territorial e a diversificação das estratégias de reprodução social. A unidade familiar em estudo permite compreender maneiras pelas quais esses grupos asseguram sua reprodução social a partir de arranjos sociais e produtivos que ao mesmo tempo se conectam às relações de mercado que se expandem na região, sem a elas se integrarem inteiramente.

A reprodução social se faz possível por meio de formas de produção e relações sociais que ultrapassam o mercado como modo de integração econômica, preservando características decisórias peculiares aos campesinatos, como a diversificação das estratégias de reprodução. Além da domesticidade e reciprocidade praticadas com familiares, vizinhos e parceiros, estabelecem conexões peculiares com os mercados, com o Estado e mesmo com os grandes projetos de desenvolvimento, como ferrovias, usinas e projetos ligados à produção de commodities agrícolas, como se percebe nos exemplos da produção de leite e de farinha. O manejo dos excedentes dessa produção ora é destinado a um fim, ora a outro, recorrendo inclusive se necessário à captura dos movimentos de valorização da terra pela monocultura que tudo circunda, como discutimos no caso da venda de terra para aquisição do veículo como estratégia de ampliação das condições de reprodução.

 

 

Agradecimentos

Este trabalho foi elaborado com financiamento do Edital Procad Amazonia no 21/2018, financiado pela Capes. Filia-se, portanto, ao Procad Economia e Cultura dos comuns, formado pelos programas de pós-graduação PPGCult – UFNT, PPGE-UFPA, Cedeplar-UFMG. Os autores agradecem às diversas contribuições dos muitos colegas dos três programas membros na elaboração do trabalho.

 

 

 

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Como citar

RAMOS JÚNIOR, Dernival Venâncio; SILVA, Harley. Da reprodução social da unidade familiar camponesa: um estudo de caso no vale do Tocantins. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 30, n. 2, e2230202, 4 ago. 2022. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30-2_02.  

 

 

Dernival Venâncio Ramos Júnior

Professor do Colegiado de História e do Programa de Pós-graduação em Estudos de Cultura e Território da Universidade Federal do Norte Tocantins (UFNT). Doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB).

dernivaljunior@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-5092-1199
http://lattes.cnpq.br/9941464654933458


Harley Silva

Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
harley74@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-9908-5777
http://lattes.cnpq.br/1485109352201821

 



                                   

 

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[1] Doutorando em Antropologia Social na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), França, em co-tutela com o Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/MN/UFRJ). Mestre em Ciências Sociais pela École Normale Supérieure (ENS) de Paris, França. E-mail: rolemberg.igor@gmail.com.  

[2] Doutorando em Antropologia Social na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), França, em co-tutela com o Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/MN/UFRJ). Mestre em Ciências Sociais pela École Normale Supérieure (ENS) de Paris, França. E-mail: rolemberg.igor@gmail.com.  

[3] O conceito de longa duração deve-se ao historiador Fernand Braudel. É um termo usado para designar uma abordagem que dá prioridade às estruturas históricas de longa duração, em contraposição ao que se denomina história eventual (histoire évènementielle), na qual predomina a análise em escala de tempo de curto prazo. A abordagem da longa duração concentra-se em compreender estruturas quase permanentes ou em evolução lenta. O cerne da ideia é examinar longos períodos de tempo e tirar conclusões de tendências e padrões históricos, embora reconhecendo a importância de eventos e fatores de curto prazo e conjunturas de médio prazo. Ver Braudel (1965).

[4] O uso dos termos campesinato, pequeno agricultor ou agricultor familiar não é uma questão trivial ou pacífica entre os pesquisadores. Assumimos que o trabalho trata de uma família camponesa e de sua capacidade de permanência em condições adversas. Sabe-se que há dificuldades em torno do uso da categoria de campesinato. Há o problema da viagem do conceito entre a realidade na qual foi cunhado (europeia, asiática) e a realidade brasileira. Há o espinhoso debate em torno de um pretensamente inevitável desaparecimento do campesinato como sujeito social e histórico, em função do desvanecimento de suas condições sociais de existência no quadro da sociedade capitalista. Há as formas de apropriação política da desavença conceitual, dado que a persistência do campesinato como sujeito histórico se opõe a um otimismo de mercado no qual o pequeno produtor familiar, bem mais afeito à produção para o mercado, surge como substituto (moderno) do camponês (arcaico). A hipótese do desaparecimento do campesinato é aceita, com variações, por escolas de pensamento díspares, desde a teoria crítica marxista até a economia neoclássica de corte liberal (COSTA, 2012a). Entretanto, pelo menos desde o trabalho do economista russo Alexander Chayanov (1888-1937), tem se destacado a particularidade do camponês como agente marginal, mas resiliente no quadro de economias capitalistas. Tal qual Polanyi, embora com outras balizas teóricas, Chayanov assinalou a heterogeneidade institucional dos sistemas econômicos. No caso do camponês, essa heterogeneidade revela-se na capacidade de permanecer em relações peculiares, não homogêneas, com a produção, com o trabalho e o uso da terra, resultando numa interação concreta, mas restringida com o mercado. Para detalhes do debate, ver Wanderley (2003), Costa (2012a), Abramovay (2012), dentre outros.

[5] Dois economistas, cinco historiadores, dois geógrafos, um antropólogo, uma bióloga e uma fotógrafa.

[6] O Procad Amazônia é um programa promovido e financiado pela Capes no período 2019-2023. Seu objetivo é proporcionar o aprimoramento de programas de pós-graduação da Amazônia, por meio de interação entre programas em diferentes estágios de consolidação. O Procad Economia e Cultura dos Comuns reúne os Programas de Pós-graduação em Estudos de Cultura e Território da Universidade Federal do Norte de Tocantins, em Economia da Universidade Federal do Pará e em Economia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (Cedeplar-UFMG).

[7] Optamos por usar pseudônimos com o intuito de preservar a identidade dos sujeitos com quem realizamos esta pesquisa e, assim, evitar qualquer dano moral ou simbólico a eles.

[8] A concepção de integração econômica baseia-se na obra de Karl Polanyi. Segundo esse autor, a economia como esfera da produção social das condições materiais de existência das sociedades humanas existe graças à capacidade das sociedades de se dotarem de instituições integradoras dos processos econômicos no tempo, no espaço, diante das instabilidades e incertezas das complexidades com as quais essas atividades se deparam. Essas instituições possuem modulações e variações, mas têm como regularidade observável o papel de relações de domesticidade, reciprocidade, redistribuição e trocas. Tal formulação bastante simples leva à conclusão de que a identificação entre economia e mercados é insuficiente e inadequada. Ver Polanyi (2000) e Polanyi (2012).

[9] No Brasil, esse comportamento do regime demográfico alterou-se muito rapidamente durante as três últimas décadas do século XX, quando uma série de mudanças sociais e econômicas difundiu no país novos padrões de comportamento reprodutivo (WONG; CARVALHO, 2006). Tais mudanças demográficas aconteceram no quadro de um também muito rápido processo de urbanização, que modificou de modo importante as relações entre áreas rurais e urbanas na sociedade brasileira (SILVA; MONTE-MÓR, 2016).

[10] No sentido que tratamos neste trabalho, a produção e a reprodução social existem em ligação dialética, como dimensões interligadas da vida social. Isso é particularmente relevante no caso das famílias camponesas, cujo atributo fundamental na perspectiva chayanoviana, com a qual dialogamos aqui, é que sejam uma unidade de produção e consumo (CHAYANOV, 1966). Para uma discussão sobre o tema, a importância da esfera da reprodução social e a sua interação com a produção, ver Silva (2017), Lefebvre (2014), Bhattacharya (2017).

[11] Não foram buscadas ou coletadas informações sobre os canais ou locais de comercialização empregados pela família.

[12] Observe, por exemplo, que o cerne dos argumentos da economia institucionalista de North (2018) pode – no mínimo no contexto das periferias do capitalismo – ser visto como reconhecimento da heterogeneidade institucional a ser considerada como ativa no funcionamento das economias. Esse argumento está também considerado em outras bases em autores do estruturalismo latino-americano como Furtado (1961/2009).

[13] A obra mais conhecida de Polanyi (A grande transformação) foi publicada em 1944. No Brasil foram publicadas A grande transformação  (POLANYI, 2000) e Subsistência do homem (POLANYI , 2012). Veblen (1857-1929) publicou suas obras principais entre 1898 e 1920.

[14] Segundo os dados disponíveis no Sidra-IBGE sobre o comportamento da produção de mandioca no município de Darcinópolis, houve uma queda acentuada da produção entre 2012 e 2016, com recuperação em 2017. Os dados assinalam uma quebra demasiadamente brusca (3600 toneladas em 2012 para 150 toneladas em 2013, permanecendo nesse nível até 2016), no entanto, não há indicação de redução de preços. Ao contrário, o preço por quilo estimado a partir do preço da quantidade produzida e do valor agregado da produção mostra um crescimento contínuo, muito embora com preços moderados.

[15] Nos referimos a difusão de economias de mercado no campo no sentido da penetração de várias formas de relações produtivas e reprodutivas mediadas pelo mercado. Trabalho assalariado, compra e venda de terras, consumo de alimentos, dentre outros aspectos. Essas relações pressionam as famílias em direção a mudanças de hábitos. Por outro lado, como se depreende da argumentação de Polanyi (2000, 2012) ou Thompson (1998), a coexistência tensa de formas de integração econômica é um aspecto histórico na vida econômica.

[16] Pelo menos dois desses problemas foram mencionados em algum momento por integrantes do grupo familiar, a despeito de demonstrar bastante cuidado na abordagem dessas questões. Em primeiro lugar, há o fato, muito conhecido em outros contextos, de que o uso de pesticidas para o controle de pragas nas grandes lavouras de soja e milho implica de alguma forma a difusão desses produtos pelo ar e solo. A segunda questão mencionada foi o desaparecimento de rios e nascentes, ou o enfraquecimento expressivo da quantidade água nos corpos d’água remanescentes nas áreas de cultivo de monocultura.

[17] O conceito de reprodução ampliada da vida é usado por J. L. Coraggio para se referir à possibilidade de criação de excedentes sociais suficientes para ampliação das condições de vida de unidades familiares. O conceito é uma contraposição às condições de reprodução ampliadas do capital. Em ambas as situações, um ciclo de reprodução faz possível a ampliação das condições de existência, da vida social ou do capital, respectivamente. Ver Coraggio (2000).

[18] Não foi possível coletar informações sobre quem foi o comprador da parcela de terra vendida. A julgar pela discussão com os membros da família, é possível que o comprador tenha sido um dos produtores de soja no entorno.

[19] Esse é o chamado custo de oportunidade, no jargão da teoria econômica.

[20] Como parâmetro de comparação, o módulo fiscal definido no estado do Tocantins varia entre 70 e 80 ha. A área da família da qual tratamos, portanto, representa 70% do módulo fiscal definido no município de Darcinópolis, onde se localiza. Informação disponível em: https://www.embrapa.br/codigo-florestal/area-de-reserva-legal-arl/modulo-fiscal.

[21] Por usos cerimoniais, fazemos referência à importância das qualidades mítico-religiosas de algumas espécies que têm ampla aceitação cultural no Brasil e no Norte do país em especial. Destacamos a prática muito comum dos banhos usados como proteção ou descarrego (redução de males). Em outros casos, a presença de algumas plantas é considerada benéfica ou protetiva para o ambiente – caso da Arruda (Ruta graveolens), Espada de São Jorge (Sansevieria trifasciata) ou da Comigo Ninguém Pode (Dieffenbachia seguine).

[22] Por clássicos do tema, referimo-nos aos estudos marxistas: Kautsky (1899/1986), Lênin (1899/1985) do final do século XIX e do século XX, Tepicht (1973), além do russo Alexander Chayanov (1966).

[23] O babaçual, segundo o costume local, é de uso comunitário, o que foi sancionado pela legislação estadual. Mesmo que as palmeiras se encontrem em área privada, não se impede o acesso de ninguém que queira coletar as frutas que caem. Ver Martins, Porro e Shiraishi Neto (2014).

[24] Poderíamos dizer que esse produto é um composto de sementes de cacau moído, diferentemente do cacau que passa por uma fermentação. Comercialmente, esse produto é às vezes chamado de nib de cacau, muito comum – e com preços elevados – em lojas de alimentos orgânicos.