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v. 29, n. 3, outubro de 2021 a janeiro de 2020, p. 597-634
Recebido em 3 jul. 2021. Aceito em 3 set. 2021.



Política de Assistência Técnica e Extensão Rural no Brasil: um caso de desmantelamento?

Brazilian National Policy for Technical Assistance and Rural Extension: a case of dismantling?

 

DOI: 10.36920/esa-v29n3-5


orcid_id.png  Vivien Diesel[1]
orcid_id.png  Pedro Selvino Neumann[2]
orcid_id.png  Marcelo Miná Dias[3]
orcid_id.png  José Marcos Froehlich[4]



Resumo: No contexto dos estudos sobre desmantelamento de políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil, o artigo questiona a oportunidade de aplicação deste referencial para interpretação da trajetória recente da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater). Neste estudo utilizou-se uma metodologia de análise sistemática de notícias, documentos oficiais e textos legais para caracterizar a proposta do Mapa para Política de Ater pós-2018 e, com suporte nestas fontes, buscou-se sustentar o argumento de que se encontra em curso um processo de reforma da política, com reformulação reorientada ao reenquadramento conservador. Esta análise evidencia a complexidade, as contradições e o viés conservador da mudança em curso, indicando preocupações futuras quanto a agendas de equidade e sustentabilidade.

Palavras-chave: Assistência Técnica; Pnater; desmantelamento de políticas públicas; desenvolvimento rural.

 

Abstract: In the context of the dismantling of rural development public policies in Brazil, the article analyses the recent trajectory of the National Policy for Technical Assistance and Rural Extension (PNATER) to consider if the theorical notion of dismantling is adequate in this case. This study used a methodology based on the systematic analysis of news, official documents, and legal texts to characterize the proposal of the Ministry of Agriculture for rural extension policy post-2018. This allowed us to conclude that the case under study involves a political reform informed by conservative reframing. The analysis highlights the complexity, contradictions, and conservative nature of the changes underway, indicating future concerns about equity and sustainability agendas.

Keywords: Rural advisory services; PNATER; dismantling of public policies; rural development.

 

 

 

 

 

Introdução

Um dos aspectos mais destacados nas publicações recentes sobre políticas públicas na América Latina se refere às repercussões da ascensão e à queda de governos progressistas. Para Bringel e Falero (2016), a ascensão de governos progressistas em diversos países da América Latina, na primeira década dos anos 2000, veio acompanhada do surgimento de elevadas expectativas de avanços no enfrentamento de questões relativas à pobreza e à equidade social, questões ambientais, de direitos humanos e, em alguns casos, de implementação de propostas decolonizadoras. Entretanto, por volta de 2015, estas expectativas estavam sendo revisadas, em um cenário de ascensão de coalizões de centro-direita identificadas com agendas neoliberais.

O caso brasileiro pode ser tomado como ilustrativo desta dinâmica. A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, é considerada um marco inicial de uma série de governos progressistas que se mantiveram no poder até 2016, quando ocorreu o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Não obstante o caráter progressista destes governos, o período 2003-2016 foi caracterizado, segundo Delgado (2012), pela convivência (contraditória e conflituosa) de dois projetos políticos distintos para o desenvolvimento rural:

[...] herdamos da década de 1990 uma disputa por propostas de desenvolvimento, políticas públicas e significados entre dois projetos políticos alternativos, o projeto neoliberal do agronegócio, pautado fundamentalmente pela expansão da agricultura de exportação estruturalmente complementar ao “ajustamento constrangido à globalização”, e o projeto democratizante, representado inicialmente no meio rural pela proposta de reforma agrária e de desenvolvimento rural fundado na agricultura familiar, mas que deverá incorporar posteriormente novos atores e propostas, e que é pautado, entre outros elementos, pela afirmação da expansão da agricultura de mercado interno, do reconhecimento dos direitos sociais das populações rurais, da democratização do acesso às políticas públicas, e do objetivo fundamental da segurança alimentar e nutricional da população brasileira. (DELGADO, 2012, p. 103)

Analistas assinalam que cada proposta de desenvolvimento rural foi suportada por uma base social particular, distinguindo-se o protagonismo dos povos dos campos, das águas e das florestas no suporte à proposta de desenvolvimento rural sustentável e solidário; e o protagonismo dos atores do agronegócio (com apoio de mineradoras, petroleiras, especuladores, resorts e condomínios privados de luxo e do próprio Estado) no suporte à proposta de modernização do campo (VALADARES et al., 2018, p. ii).

Em termos institucionais, durante os governos progressistas deu-se continuidade no apoio ao projeto neoliberal do agronegócio, por meio de políticas públicas formuladas e implementadas pelo Ministério da Agricultura e Abastecimento (Mapa). Ao mesmo tempo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), criado em 1998, formulava e implementava políticas públicas condizentes com o projeto democratizante. Nessas condições, no âmbito do MDA, procurou-se avançar na concepção e viabilização de modelos de desenvolvimento rural mais inclusivos e sustentáveis, fundamentados no apoio à agricultura familiar e sensíveis às diferenças de gênero, geração e etnia (GRISA; SCHNEIDER, 2015).

O impeachment de Dilma Rousseff demarca uma mudança na configuração política, caracterizada pela hegemonização dos atores e do projeto neoliberal do agronegócio. Segundo esclarecem Bruno (2016) e Lerrer (2019), tal mudança é resultado da definição e consecução de uma estratégia política com agenda bem definida e articulada ao longo dos anos 2000 (FPA, 2020). A nova configuração política afetou negativamente a implementação da proposta de desenvolvimento rural sustentável e solidário.[5] Iniciando com a extinção do MDA em 2016, o governo de Michel Temer prosseguiu na desarticulação de iniciativas identificadas com esta proposta, mediante a redução das dotações orçamentárias para programas específicos (VALADARES et al., 2018).[6] O governo eleito em 2018, por sua vez, avançou na supressão de ministérios, secretarias, programas e espaços de participação e gestão social relacionados àquela proposta (SABOURIN et al., 2020).

Tendo em vista a redução do apoio governamental às iniciativas relacionadas à proposta de desenvolvimento rural sustentável e solidário, vários autores (MATTOS, 2017; SABOURIN, 2018; VALADARES et al., 2018; SAUER et al., 2019; PICOLOTTO; PICCIN, 2020; SABOURIN et al., 2020; SABOURIN; CRAVIOTTI; MILHORANCE, 2020) tendem a associar o fim dos governos progressistas a processos de “desmonte/desconstrução/ desestruturação/desmantelamento”, recorrendo a contribuições teóricas de Bauer (2009), Bauer e Knill (2012) e Jordan, Bauer e Green-Pederson (2013) para subsidiar suas análises. O desmantelamento é definido por estes autores como um processo complexo, que se manifesta na redução, decréscimo ou diminuição da densidade e intensidade de uma política pública, utilizando-se de indicadores específicos para aferição de cada uma destas variáveis (BAUER; KNILL, 2012). Conforme síntese de Sinko (2016), trata-se de uma abordagem da mudança política que busca identificar e mensurar a tendência de expansão ou redução de uma determinada política. Neste continuum, a extinção de uma política é dada como uma situação-limite (tratada nos estudos sobre policy termination).

Neste contexto, foi examinado o caso da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), que teve suas bases formalizadas em 2004 sob o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Diversos autores se dedicaram a apontar as características inovadoras da Pnater (PETERSEN; MUSSOI; DAL SOGLIO, 2013; PEIXOTO, 2015; BERGAMASCO; BORSATTO, 2016; DIESEL; DIAS, 2016), pois ela se apresentava compatível com a proposta de desenvolvimento rural sustentável e solidário, avançando em sua agenda ao problematizar os modelos técnico-produtivos e de organização social da produção do agronegócio com base na experiência histórica brasileira de modernização da agricultura; apontando para o potencial da abordagem agroecológica; e também por fundamentar-se na tradição educativa do humanismo crítico freiriano (RODRIGUES, 1997; MDA, 2010). Ainda, recorria a uma institucionalidade inovadora, prevendo participação da sociedade civil, inclusive em sua implementação, por meio de um modelo de pluralismo institucional (PEIXOTO, 2008; DIESEL; NEUMANN; SÁ, 2012; ZARNOTT et al., 2017).

O exame da trajetória da Pnater evidencia que o então já reduzido apoio governamental para sua implementação foi agravado após o impeachment de Dilma Rousseff. Neste sentido, Lima et al. (2019), por exemplo, apresentam análise orçamentária que indica redução de 51% das despesas executadas relativas à Ater para agricultura familiar e 82% na Ater para áreas de reforma agrária no período 2014-2017, corroborando avaliações prévias de Valadares et al. (2018) e Mattos (2017). Do mesmo modo, destaca-se a desarticulação das instâncias gestoras desta política, decorrentes da extinção do MDA, particularmente o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf).

A partir destes dados pode-se inferir que esta política esteve sujeita a um processo de desmantelamento, de modo semelhante às demais políticas relacionadas à proposta de desenvolvimento rural sustentável e solidário. Entretanto, uma observação mais atenta dos fatos relacionados à trajetória recente da Pnater resulta na identificação de indicadores que apontam para tendências contraditórias. A mídia publicou várias notícias em que organizações de representação das entidades e servidores públicos de extensão rural denunciaram a ocorrência de um processo de “desmantelamento” e se mobilizaram para apresentar contrapropostas,[7] num contexto de crescentes restrições orçamentárias. Por outro lado, também foram divulgadas notícias com declarações da ministra da Agricultura afirmando que Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para “pequenos produtores” constituiria prioridade para 2020, ou destacando o lançamento, pelo Mapa, de um programa intitulado “Ater Digital”, em outubro daquele ano. Notícias relativas ao Poder Legislativo Federal, por sua vez, relataram a formação de uma frente parlamentar e estabelecimento de um pacto político para fortalecimento da Ater (FATER, 2019), além da tramitação de um novo projeto de lei de Ater nas câmaras legislativas em 2021.

Evidencia-se, portanto, que a trajetória recente da Pnater é complexa, na medida em que as iniciativas de desmantelamento encontraram certa resistência e novas iniciativas federais têm sido anunciadas. Este fato nos leva a refletir sobre os limites de analisar a trajetória desta política sob os marcos teóricos do desmantelamento de políticas públicas. Neste sentido, concordamos com alguns autores que identificam limitações nos estudos sobre o desmantelamento. Ao observar que estes tendem a abordar a trajetória de uma política ou de um programa específico, estes autores avaliam que esta focalização resulta em dificuldades para identificar a emergência de novas iniciativas e para caracterizar, de modo mais abrangente, as mudanças em curso. Pesquisadores dedicados ao estudo da policy termination reconhecem as dificuldades de extinção de uma política e apontam para a tendência de que políticas públicas específicas não sejam extintas sem que alternativas sejam propostas, de modo que a recriação tende a superar a extinção. Neste sentido, Turnhout (2009, p. 59) apresenta uma síntese desta dinâmica ao argumentar que a sucessão de uma política pública envolve o término de velhas políticas e o início de novas e, por isso, o término de uma política pode ser considerado um componente de um processo maior de sucessão ou mudança de políticas. Há, portanto, uma perspectiva teórica alternativa ou complementar ao enfoque do desmantelamento. Nos parece, então, importante  analisar o caso da Pnater à luz da possibilidade de caracterização de uma reforma ou sucessão de políticas.

A trajetória da Pnater pós-2018 é pouco conhecida. Tendo em vista as limitações nos dados e análises disponíveis sobre a política de Ater no atual governo, a pesquisa reuniu e analisou informações e documentos disponíveis, buscando identificar em que medida o caso pode ser tratado como relativo à reforma ou à sucessão da política. O estudo partiu do pressuposto de que, embora o caso da Pnater esteja relacionado ao desmantelamento das iniciativas identificadas com a proposta de desenvolvimento rural sustentável e solidário, ele pode ser mais bem compreendido como uma reforma em curso, que alcança a formulação original da política, com o intuito de revisão de seus fundamentos ontológicos.[8] Haveria, portanto, uma intenção de reformulação orientada por um reenquadramento (reframe) da questão da assistência técnica e extensão rural como política pública. A análise de tal processo implica problemas metodológicos específicos. Segundo Capano (2009), o estudo da mudança da política é dificultado pelo fato de que só se pode falar em mudança a partir da possibilidade de identificar uma situação de estabilidade que permita a comparação com um pretenso estado “normal” (prévio à mudança). Este requisito é particularmente crítico, pois verifica-se uma tendência à permanente mudança da política, dada a necessidade de sua adaptação a um ambiente dinâmico. Assim, o estudo da mudança da política é favorecido quando se utilizam categorias de análise bem definidas. Uma das formas de contemplar esse desafio passa pela consideração de que uma política envolve elementos abstratos/teórico/conceituais (aqui tratados como “orientações gerais”); objetivo e conteúdo de programas e meios. Considerando estas ponderações e as limitações relacionadas aos dados disponíveis para a análise do caso, optou-se por abordar as orientações gerais e, num segundo momento, os programas e os meios. Assim, na estruturação do texto foi dada ênfase às mudanças anunciadas no governo pós-2018, discernindo as orientações gerais da proposta do Mapa (atual gestor da política de Ater) e suas derivações em termos de programas e iniciativas, como também os meios mobilizados para implementá-los. Por fim, na última seção do texto, foi discutida a possibilidade de tratamento da política de Ater do Mapa como um caso de reformulação de uma política pública orientada pelo reenquadramento da questão da assistência técnica e extensão rural.

Considerando a restrição de documentos oficiais relativos à proposta do Mapa para Ater, a pesquisa enfatiza a análise do conteúdo de “notícias do Mapa”, recorrendo, quando necessário, à consulta de fontes complementares. Importante ressaltar que, por tratar-se de uma primeira aproximação ao tema, buscou-se fornecer subsídios para futuras pesquisas sobre o caso da Pnater no contexto do desmantelamento das políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil.

 

A política de Ater na programação e estrutura do Mapa após 2018

A trajetória histórica da política de Ater remete ao contexto das políticas federais de apoio ao desenvolvimento agrícola, sob modelo agroexportador, mediante modernização da agricultura, intensificadas de 1960 até 1980 (GONÇALVES NETO, 1997). O reconhecimento da relevância das organizações de Ater na promoção da difusão de tecnologias e operacionalização do crédito rural (OLIVEIRA, 1984) não foi suficiente para a manutenção do apoio federal a estas entidades quando se agravou a crise econômica e a pressão para ajuste estrutural e reforma do Estado. Com desarticulação da coordenação nacional ocorrida em 1990, nos anos seguintes as organizações de Ater ficaram dependentes de recursos estaduais e municipais e sujeitas a iniciativas de reformas propostas pelos governos estaduais (PEIXOTO, 2008; MUCHAGATA, 2003). Nesta trajetória, uma das principais manifestações da ascensão de governo progressista, em meados os anos 2000, foi a recomposição do apoio federal à Ater. O governo federal propôs uma nova orientação para política consubstanciada na Pnater (MDA, 2004) e buscou tornar a sua concepção balizadora da atuação das entidades estaduais, estabelecer uma institucionalidade de gestão e destinar recursos para sua implementação. Assim, a Pnater constituiu a base para um conjunto de programas, ações de capacitação de extensionistas e financiamento de iniciativas de intervenção educativa em todo o território nacional desde 2004 (CAPORAL; RAMOS, 2009). A preocupação em tornar a política de governo em uma atribuição do Estado levou à proposição da Lei no 12.188 (Lei de Ater), aprovada em 2010.

Em termos institucionais, foi proposto um modelo de gestão da Pnater que previa a operação de uma estrutura complexa. Nesta estrutura destacava-se o protagonismo do Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (Dater), vinculado à Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), no MDA, ao qual cabia a participação na formulação, implementação e avaliação da política de Ater (PEIXOTO, 2008). A estrutura de gestão permaneceu a mesma durante os governos progressistas, diferenciando-se, apenas, pela criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). Para entender as motivações de sua criação é necessário considerar que, no decurso de sua implementação, a Pnater passou a operar mediante elaboração de chamadas públicas, o que levou à criação de uma agência reguladora para gerenciá-las, originando a Anater, formalizada no Decreto no 8.252 de 2014 (PEIXOTO, 2020).

A partir do impeachment de Dilma Rousseff, em maio de 2016 as competências do MDA foram transferidas para o Ministério do Desenvolvimento Social e, logo em seguida, para a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário, criada no âmbito da Casa Civil. O governo eleito em 2018 realizou ampla reestruturação político-administrativa em janeiro de 2019, incluindo-se a revisão de antigas competências e atribuições dos ministérios então existentes. Naquela ocasião, as competências originalmente atribuídas ao MDA foram transferidas para o Mapa. Na nova estrutura, a gestão da política de Ater ficou sob a responsabilidade da Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo (SAF) do Mapa, conforme o Decreto no 10.253, de 20 de fevereiro de 2020. Nesta Secretaria, o Departamento de Desenvolvimento Comunitário passou a ser responsável pela coordenação da Pnater. Ao mesmo tempo foi mantida a estrutura da Anater, com suas atribuições previstas em normas legais.

Quando observada a composição do principal instrumento de programação orçamentária do Mapa, identifica-se a previsão de ações de Ater. No Plano Plurianual (PPA) 2020-2023 coube ao Mapa a responsabilidade e o gerenciamento de quatro programas, que compreendem os principais campos temáticos de sua atuação: Agropecuária Sustentável, Defesa Agropecuária, Governança Fundiária e Pesquisa e Inovação Agropecuária.[9] Considerando a descrição oficial destes programas finalísticos, identifica-se que déficits no acesso do agricultor à informação, ao conhecimento e a inovações são apresentados como fatores que contribuem para a ocorrência dos problemas que o Programa visa confrontar. Apenas o Programa Governança Fundiária não cita explicitamente estes déficits. Embora seja presumível que a implementação dos distintos programas previstos no PPA implique, em maior ou menor medida, ações de Ater, a “ampliação da oferta dos serviços de Ater aos agricultores familiares, médios produtores, técnicos agrícolas e outros” é tratada como resultado intermediário e, por isso, especificamente monitorada no âmbito do Programa Agropecuária Sustentável. Tal composição representa uma mudança em relação ao PPA 2016-2019, que contemplava as ações de Ater no Programa Fortalecimento e Dinamização da Agricultura Familiar, que foi extinto.

A observação dos documentos relativos ao planejamento estratégico do Mapa (MAPA, 2020a, 2020b) permite constatar que a Ater foi tratada como um objetivo estratégico, vinculado ao Programa Agropecuária Sustentável (MAPA, 2020b, p. 50). Neste sentido, o objetivo estratégico relativo à Ater, formulado por ocasião do planejamento estratégico do Mapa, foi redigido nos seguintes termos: “Aperfeiçoar e intensificar as iniciativas de assistência técnica e extensão rural e outros modelos de introdução de tecnologias.” (MAPA, 2020b, p. 50). Um conjunto de Projetos Estratégicos Corporativos (PECs) específicos concorre para a consecução deste objetivo estratégico.[10]

Complementarmente à análise dos documentos de programação das ações, buscou-se uma aproximação com a manifestação pública de representantes do Mapa acerca da importância relativa auferida à Ater. Do conjunto das notícias publicadas entre janeiro de 2019 e junho de 2021 na página do Mapa, sob o link (https://www.gov.br/agricultura/ pt-br/assuntos/noticias), foram selecionadas para esta análise aquelas que tinham a Ater (Assistência Técnica e Extensão Rural) como seu tema central, gerando-se o Quadro 1.[11]

 

Quadro 1 – Notícias selecionadas referentes a Ater, publicadas no site do Mapa (jan. 2019 a jun.2021)

 

Data

Título

1

8/2/2019

Secretaria de Agricultura do RS vai receber veículos e notebooks

2

29/3/2019

Tereza Cristina no Nordeste: “A assistência técnica é uma prioridade no ministério”

3

11/4/2019

Técnicos agrícolas pedem ampliação dos valores de projetos de crédito rural que podem aprovar

4

15/4/2019

Ministério, Senar, CNA e Sebrae terão R$ 1 bi para assistência técnica, diz Tereza Cristina

5

30/4/2019

Ademar Silva Junior é o novo presidente da Anater

6

29/5/2019

Senar e Mapa debatem proposta para levar assistência técnica a médios produtores

7

2/8/2019

Mapa levará assistência técnica para produtores atendidos por projeto de irrigação na Bahia

8

5/11/2019

Tereza Cristina diz que assistência técnica para pequeno produtor é prioridade em 2020

9

13/11/2019

Parceria entre Mapa e CNA vai levar assistência técnica ao semiárido

10

26/11/2019

Mapa e Sebrae fazem parceria para promover assistência técnica no Agronordeste

11

23/1/2020

Cooperação Brasil-Colômbia busca aprimorar políticas públicas para populações rurais

12

20/2/2020

Técnicos agrícolas podem ser prestadores de assistência técnica e extensão rural

13

23/4/2020

Mapa e Anater lançam cartilha com medidas de higiene para o período de colheita

14

8/6/2020

Tereza Cristina participa das comemorações dos 30 anos da Asbraer

15

2/7/2020

Com tecnologia e assistência técnica, Nordeste será a próxima região de desenvolvimento do Brasil, diz ministra

16

18/8/2020

Mapa vai implementar extensão rural digital criada por Nobel da Economia

17

21/8/2020

Oficina virtual promove intercâmbio de conhecimentos entre Brasil e Colômbia sobre pesquisa em agroecologia

18

7/10/2020

Mapa lança programa Ater Digital

19

8/10/2020

Ater Digital vai impulsionar acesso do produtor rural à assistência técnica

20

15/12/2020

Anater oferece curso on-line para agentes de assistência técnica e extensão rural

21

3/2/2021

Anater ministra mais um curso de formação de agentes de assistência técnica rural

22

23/4/2021

Evento virtual reúne técnicos do Brasil, China e Equador para trocar experiências sobre assistência técnica digital

23

17/5/2021

Mapa, Anater e Emater/RS firmam parceria para potencializar a execução do Programa Nacional de Crédito Fundiário

24

26/5/2021

Agrovilas no Maranhão recebem primeiras antenas de conectividade via satélite

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

Do conjunto das notícias identificadas, foram extraídos excertos que tratam da manifestação de representantes do Mapa. Neste sentido, na notícia 4, a ministra afirma, ao participar de evento com produtores rurais em Juazeiro-BA, que: “Minha grande agonia hoje, como ministra, é levar assistência técnica de qualidade aos pequenos agricultores.” Na notícia 8, na abertura do Congresso Brasileiro de Gestores da Agropecuária, identifica-se outra declaração neste mesmo sentido: “A assistência técnica será meu maior desafio à frente do Ministério da Agricultura.” Finalmente, no contexto de comemoração dos 30 anos da Asbraer, o seguinte excerto reforça as manifestações anteriores: “A ministra destacou a importância da assistência técnica para os agricultores brasileiros e disse que o assunto é uma prioridade para o Mapa” (excerto de notícia 14).

Da análise conduzida nesta seção evidencia-se que as atribuições do Mapa levam a sua atuação a um campo bastante abrangente, que engloba desde questões relativas à regularização fundiária, apoio à inovação (pesquisa agropecuária) e defesa agropecuária, até a promoção da “agricultura sustentável”. Do mesmo modo, depreende-se que a Ater tende a ser reconhecida como um componente instrumental que contribui para resolução de problemas que estão na origem dos programas propostos. Não obstante, é tratada como resultado intermediário no Programa Agropecuária Sustentável, considerada como objetivo estratégico no planejamento estratégico do Mapa e tida como “uma prioridade” em algumas manifestações públicas de representante do Mapa.

 

As orientações gerais do Mapa para política de Ater: uma leitura a partir das notícias

A contextualização apresentada na introdução deste artigo e os elementos reunidos na Seção 2 evidenciam condições favoráveis à ocorrência de uma mudança na política pública de Ater.[12] Conforme explicitado na introdução, uma política se compõe de diferentes elementos: abstratos/teórico/conceituais (suas orientações gerais), objetivo e conteúdo de programas e meios. A caracterização destes elementos revela-se de fundamental importância para a avaliação da possibilidade de tratamento do caso como reforma de política e avaliação de sua magnitude. De acordo com Sinko (2016, p. 235), enquanto as mudanças radicais afetam as bases da política mediante introdução de novos princípios, as mudanças moderadas tendem a operar na adaptação dos objetivos e meios. Tais observações nos levam a inferir que mudanças radicais incidem sobre as orientações gerais da política associando-se, portanto, à sua (re)formulação.

A formulação é considerada uma fase que envolve a identificação ou construção de um conjunto de alternativas políticas e estratégias para confrontar um problema, de forma a subsidiar a tomada de decisão (ZITTOUN; FISCHER; ZAHARIADIS, 2021).[13] Os mesmos autores alertam que, embora a formulação de política seja tratada, geralmente, como uma fase em que predominam ações de caráter técnico-instrumental,[14] este tipo de interpretação subestima o caráter político inerente a esta fase. Dado o caráter político inerente à esta fase, supõe-se que mudanças nas configurações políticas – relativas à hegemonia de determinadas coalizões – podem implicar pressões pela realização de mudanças na formulação de determinada política. Neste contexto, a caracterização das orientações gerais do Mapa para a Política de Ater visa subsidiar a avaliação sobre eventual incidência no âmbito da formulação de política.

Nesta seção buscou-se investigar a atuação do governo pós-2018 na formulação de uma proposta de orientação geral, relativamente coerente, para a Política de Ater. Esta análise enfrenta a dificuldade colocada pela ausência de um documento político que a apresente de forma sistemática. Por outro lado, considerou-se que as manifestações públicas de representantes do Mapa, constantes em notícias relativas à Ater (guardando correspondência com notícias selecionadas na seção anterior) publicadas no site do Mapa, podem contribuir para estes propósitos. Para tanto, foi feita a análise das características das iniciativas relatadas nas notícias visando à identificação de sua abrangência territorial, ao perfil do público envolvido, dos objetivos e à modalidade de intervenção educativa associada à Ater (considerando a forma como a iniciativa é denominada), conforme apresentado no Quadro 2.[15]

 

Quadro 2  – Público-alvo e objetivos da Ater em notícias selecionadas do Mapa

 

Território específico

Público específico

Palavras-chave referentes
a objetivos da Ater

Denominação
da ação

1

Rio Grande do Sul

Produção;
geração de renda

Assistência
técnica

2

Nordeste

Ênfase nos pequenos produtores e agricultores familiares

Produzir com mais eficiência
para ganhar competitividade

Assistência
técnica

4

Prioridade Nordeste (Semiárido)

Pequenos produtores

Produzir mais e melhor, comercializar a produção e aumentar renda; mais
emprego e desenvolvimento da região

Assistência
técnica

5

Nacional

Pequenos e médios
produtores (principalmente pequenos produtores)

Soluções eficazes e produtivas e
qualidade de vida; independência, retorno
de seu trabalho, vida melhor, dignidade e trazer o jovem de volta ao campo

Assistência
técnica

6

12 microrregiões
do país

1800
bovinocultores de corte

Aumento do valor bruto da
produção (VBP) e produtividade

Assistência
técnica e gerencial

7

Bahia
(Projeto Público
de Irrigação)

3 mil pessoas

Para que produtores ampliem suas
atividades e aumentem as riquezas
da região; desenvolvimento regional

Assistência
técnica

8

Nacional

Prioridade
pequeno produtor

Aumento da produção para
superação da condição de pobreza

Assistência
técnica

9

10 estados do Semiárido

Produtores rurais, estabelecimentos rurais, famílias, pobres

Sair da pobreza rural, produzir e gerar riquezas; produzir em escala para si e para o mercado em geral; desenvolvimento regional mediante aumento da competitividade

Assistência técnica e gerencial

10

10 estados do Semiárido

Pequenos agricultores
da região, jovens
do campo, produtores

Desenvolver a capacidade produtiva; gerar renda ao produtor para superação da pobreza e retorno do jovem ao campo; impulsionar o desenvolvimento econômico e social da região

Assistência
técnica e gerencial

Capacitação empresarial

Transferência de tecnologia

13

Nacional

Trabalhadores rurais

Segurança das pessoas envolvidas na colheita

Recomendações sanitárias

14

Nacional

Agricultores brasileiros

Tornar a agricultura de subsistência
em produtora de renda e riqueza

Assistência técnica

15

Nordeste

Pequeno produtor e agronegócio (desde o miniprodutor rural
até a grande empresa rural)

Aumento da produção e produtividade / desenvolvimento econômico,
social e sustentável

Assistência técnica

16

Nordeste

Pequenos produtores rurais, agricultores familiares
(100 mil pequenos produtores)

Promover inovação na
conjuntura de pandemia

Consultoria agrícola digital

18

Nacional

Sistema Brasileiro de
Assistência Técnica e Extensão Rural (Sibrater)

Fortalecer o Sibrater para
acesso dos produtores rurais a
serviços mais modernos e eficientes

Ater digital

19

Nacional

Sibrater

Ampliar o acesso dos agricultores a
serviços modernos, ágeis e eficientes, aumentando a competitividade

Assistência técnica

Ater digital

20

Região Centro-Oeste

Beneficiários finais:
quatro mil famílias assentadas

Treinamento de técnicos para que a assistência possibilite gerar independência financeira e renda aos assentados onde vivem

Assistência técnica

21

Região Centro-Oeste

Beneficiários finais:
3.600 famílias de
agricultores assentados

Programa Produzir Brasil

Assistência técnica rural

23

Rio Grande do Sul

Agricultores familiares
(400 famílias
potenciais beneficiários)

Oportunidade, autonomia e
fortalecimento da agricultura familiar

Extensão rural, mobilização e elaboração de projeto produtivo

24

Maranhão

Sete agrovilas
quilombolas (piloto)
em regiões de baixo IDH

Renda e dignidade

Assistência técnica

Ater 5.0

 


 

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

A análise do conteúdo do Quadro 2 revela uma tendência à proposição de iniciativas da Ater para regiões pobres, relacionando-a, deste modo, à agenda de redução de desigualdades regionais. Nas regiões pobres, discrimina-se um público específico como beneficiário. O público beneficiado é identificado pela atividade profissional, comumente “produtores” ou “agricultores”, inexistindo referências a organizações coletivas destes sujeitos. Embora haja menção “desde o mini produtor rural até a grande empresa rural”, há uma clara ênfase no produtor “pequeno”, com referência eventual ao “agricultor familiar” e “médio produtor”. A categoria política “trabalhadores rurais” surge apenas uma vez e há menor frequência à especificação da condição do “produtor”, se assentado rural ou quilombola. Além da identificação da categorização utilizada, o exame do texto das notícias revela a utilização de alguns qualificativos. Em um excerto da notícia 7 destaca-se a seguinte fala: “Precisamos dar a porta de saída para aqueles que têm como produzir, aqueles que podem ganhar com seu suor” (grifos nossos). Na notícia 2 há referência à afirmação da ministra: “Nós vamos privilegiar aqueles que produzem [...] Jogou-se muito dinheiro fora neste país e agora este dinheiro está fazendo falta. Nós vamos colocar dinheiro onde há necessidade, onde é prioridade. E as prioridades são os pequenos produtores no meu ministério.” Na notícia 8 apresenta-se o público a partir de uma análise da conjuntura: “Não podemos ter uma agricultura comercial que está no mundo, é 4G, daqui a pouco 5G. E temos ainda a pobreza do pequeno produtor, aquele que produz pouco, um produtor que ainda precisa de ajuda” (grifos nossos). Ao mesmo tempo que a categorização remete ao público em condição de maior precariedade na estruturação produtiva ou geração de renda, os qualificativos indicam uma predileção em favor daqueles que apresentam mais “capacidade de resposta” ao estímulo produtivo.

Quando são examinadas as palavras-chave referentes aos objetivos da Ater (Quadro 2), explicita-se a visão sobre a mudança perseguida. Embora os termos utilizados sejam diversos, pode-se depreender uma intencionalidade de que a Ater interfira no âmbito da produção, gestão e comercialização. Na produção, espera-se que incentive o aumento de sua escala, ofertando “soluções eficazes” para melhoria da eficiência (“produzir melhor”). À gestão projeta-se o incremento da competitividade do negócio, para que o produtor possa “comercializar melhor”. A expectativa é que estas ações tenham repercussão no âmbito pessoal, familiar e regional. Argumenta-se que a geração de renda traz impactos positivos na qualidade de vida (“vida melhor”) e, por esta via, possibilita que, no plano psicológico, se verifique o despertar de um sentimento de mais “dignidade” e independência. No plano regional, a expectativa é que esta dinâmica se reflita em maior riqueza, mais emprego, trazendo “o jovem de volta para o campo”. O exame do texto das notícias reforça esta visão sobre os objetivos da “ajuda governamental” (mediante Ater) e permite a identificação de algumas preocupações adicionais com a eficácia e a obtenção de resultados no curto prazo. Em excerto da notícia 10 (grifo nosso) registra-se: “‘O nosso desafio é fazer dar certo, é fazer com que esse programa chegue lá e dê renda ao produtor. Para que, quando a gente termine essa primeira fase, a gente possa dizer que as pessoas saíram da pobreza e o jovem voltou para o campo’, disse a ministra, na assinatura do convênio.” No excerto da notícia 9 (grifo nosso): “‘Tenho certeza de que será um projeto exitoso. É uma coisa que em curto espaço de tempo vai trazer resultados para as famílias que entrarem no projeto. Tenho certeza de que é através da assistência técnica que veremos as pessoas saindo da linha da pobreza na área rural, produzindo e gerando riqueza’, disse.” E na notícia 2: “‘O dinheiro vai chegar na ponta’, ressaltou ela, explicando que o objetivo é fazer com que os pequenos produtores cresçam e tenham condições de ‘andar com as próprias pernas’, conquistando independência.” Na notícia 7, coloca-se: “‘E com a ajuda de políticas públicas para que vocês tenham dignidade e liberdade de produzir, vender e sonhar cada vez mais por vocês, seus filhos e seus netos”, disse. A consideração das ponderações constantes no texto leva a inferir que, mediante a busca de estratégias “eficazes”, se persegue a rápida superação da dependência governamental (possibilitando cessação da intervenção).

Quanto à modalidade de intervenção educativa associada à Ater, a análise das notícias evidenciou ampla predominância do uso do termo “assistência técnica” e sua derivação “Assistência Técnica e Gerencial (Ateg)”. Por outro lado, o uso do termo “extensão rural” isoladamente foi pouco frequente, sendo associado à assistência técnica para compor a sigla Ater, que é utilizada, como termo composto, na denominação de modalidades específicas: “Ater Digital”e “Ater 5.0”. Destaca-se a introdução e relevância dada ao termo Ateg que, por sua vez, designa uma modalidade de intervenção educativa desenvolvida pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), definido como “modelo inédito de prestação de serviços de assistência técnica continuada”.[16] Cabe ressaltar que, em sua operacionalização, a Ateg recorre à utilização de suporte de tecnologias e sistemas digitais para registro e análise de dados, o que permite a sua aproximação a modelos de Ater Digital.

Diante do exposto, pode-se interpretar que, a partir da análise das notícias, é possível identificar uma proposta relativamente coerente do Mapa para a política de Ater. Neste sentido, observou-se uma tendência a problematizar a condição da “agricultura de subsistência”, a qual é relacionada a um “baixo grau de mercantilização” e, consequentemente, à situação familiar de “pobreza” e ao atraso no desenvolvimento regional. Por essa razão, a ação proposta é de efetivação da inserção mercantil do agricultor mediante reconfiguração da orientação e da escala da produção. A “efetiva integração mercantil” habilitaria a geração de renda e, em função disso, uma “vida melhor” e a riqueza no âmbito regional. Esta transição é considerada factível no curto prazo e dependente da efetiva assistência técnica, sobretudo para aqueles “que produzem”, ou seja, com mais capacidade de resposta. Há uma indicação de que a Ateg seria a modalidade de intervenção educativa mais destacada. Neste sentido, cabe registrar que, no Programa 1031 do PPA,[17] destaca-se o uso deste termo na redação, com referência ao “aumento da oferta de assistência técnica e gerencial para produtores rurais” (grifo nosso).

Entendemos que estas orientações são convergentes com a perspectiva expressa por Alves, Santana e Contini (2016), para quem

O desafio da extensão rural, por sua vez, consiste em ajudar os produtores a escolherem o melhor sistema de produção em termos de rentabilidade econômica. Na agricultura, impera um mercado competitivo; portanto, escolhas incorretas levam ao empobrecimento, à falência e ao desaparecimento do negócio. (p. 84)

É preciso que os investimentos públicos em Ater sejam imaginados para – via crescimento da renda – aumentar o contingente daqueles capazes de assumir os custos dessa assistência. Assim, libera-se o Estado para cuidar dos que não serão capazes de fazê-lo. É necessário que este tenha a disciplina de reinvestir parte da receita fiscal advinda do crescimento da produção na ampliação dessa sinergia. (p. 85)

 

Derivações das orientações gerais na proposição de programas relacionados à Ater

Conforme abordado na seção anterior, o estudo da mudança da política é favorecido pela distinção entre as orientações gerais (elementos abstratos/teóricos/conceituais), as derivações programáticas e os meios definidos para sua execução ou implementação.

Sob perspectiva técnico-instrumental, espera-se que os programas operem em consonância com as orientações gerais de determinada política, convergindo para o alcance de seus objetivos. Tal leitura leva a considerar a concepção de programas como uma ação técnico-administrativa, que busca reunir evidências que instrumentalizem a proposição de medidas eficazes para o alcance dos objetivos da política. Alguns autores chamam a atenção para os limites deste tipo de interpretação quando aplicada à formulação de políticas, levando a necessidade de rever os pressupostos assumidos em relação ao processo de concepção de programas. Neste sentido, Zittoun, Fischer e Zahariadis (2021), ao analisarem a formulação de políticas, reconhecem a possibilidade de que cada processo implicado no ciclo das políticas esteja sujeito a um jogo de forças políticas particular, tendo em vista a composição de atores participantes e padrões de relações que estabelecem entre si. A consideração da pertinência da advertência destes pesquisadores leva a considerar a possibilidade de que o conteúdo dos programas não represente apenas a derivação das orientações gerais remetendo, outrossim, à eventual formação e atuação de coalizões de atores em torno de interesses específicos.

Nesta seção, será enfatizada a análise de programas do Mapa relacionados à Ater, buscando compreender o papel das orientações gerais, apresentadas no item anterior, em seu desenho e execução. A partir destas ponderações, conduziu-se a pesquisa sobre programas de Ater do Mapa em duas etapas: buscou-se a identificação e caracterização do conjunto de programas vigentes e, posteriormente, foram consideradas as suas relações com as orientações gerais, tecendo inferências sobre os possíveis determinantes das situações observadas.

 

Identificação e caracterização dos Programas do Mapa relacionados à Ater

A princípio, identificou-se a impossibilidade de tomar os documentos oficiais relativos à programação orçamentária e ao planejamento estratégico do Mapa (abrangendo PPA e Mapa) (MAPA, 2020a, 2020b), como única fonte para identificação dos programas vigentes, pois não abarcam a diversidade de iniciativas mencionadas em manifestações públicas deste ministério. Do mesmo modo, a análise exploratória evidenciou a inconveniência de restringir o levantamento às referências caracterizadas especificamente como “programas”, o que levou à realização de um levantamento mais amplo sobre iniciativas (planos, programas, projetos, entre outros) relacionadas à Ater, com participação do Mapa, a partir da consulta a três tipos de fontes: documentos oficiais, notícias do Mapa (notícias publicadas no site do Mapa relativas a Programas com conteúdo associado à Ater no período de janeiro de 2019 a junho de 2021) e documentos oficiais da Anater (ANATER, 2021). Posteriormente, quando necessário, foram consultadas fontes adicionais (como o Mapa, 2020a), com vistas a qualificar a caracterização dos programas identificados na etapa anterior. A relação dos programas identificados em cada uma das fontes está apresentada no Quadro 3.

 

Quadro 3 – Iniciativas do Mapa para Ater segundo diferentes fontes

Projetos estratégicos corporativos
do Mapa vinculados a objetivos de Ater

Iniciativas constantes
nas notícias

Iniciativas do
portfólio da Anater

Plano de Ação para o Nordeste (Agronordeste)

Plano Agronordeste

Programa Prospera

Agronordeste

Projeto Dom Helder Câmara

Projeto Dom Helder Câmara

Fortalecimento da Agricultura Familiar
na Amazônia Legal, no Contexto Socioambiental e Econômico
(Fortaf Amazônia Legal)

Projeto Inovação nas Cadeias Produtivas
da Agropecuária para a Conservação Florestal na Amazônia Legal

Programa Bioeconomia Brasil, Sociobiodiversidade

Programa ABC

Projeto ABC Cerrado – ABC + (2020-2030)

Programa Nacional de Conservação de Recursos Naturais e Desenvolvimento Rural em Microbacias Hidrográficas (Águas do Agro)

Projeto Gestão Integrada da
Paisagem no Bioma Cerrado

Projeto Paisagens Rurais

Projeto Ater Médio Produtor Rural

Diversificação das áreas
cultivadas com tabaco

Mais Gestão

Embrapa milho e sorgo

Produzir Brasil

Produzir Brasil

Produzir Brasil

Programa Nacional de Crédito
Fundiário (PNCF) – Terra Brasil

Programa Nacional de
Crédito Fundiário (PNCF)

Cadastro de Terras e
Regularização Fundiária

Projeto-piloto (Ater)

Programa Ater Digital

Formação de extensionistas

Residência Profissional Agrícola

Programa de Residência
Profissional Agrícola

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

A partir da observação do Quadro 3, o primeiro fato a destacar é que são raros os casos de correspondência entre previsão de ação em documento governamental (plano estratégico), sua menção na mídia e indícios de sua execução pela Anater. Ao se questionar sobre estes fatos percebeu-se que o Mapa gerencia, simultaneamente, iniciativas propostas por governos anteriores, que ainda estão em execução (algumas das quais seguindo sua concepção original e outras que tiveram sua concepção parcialmente alterada durante processo de sua renovação contratual e “novas” iniciativas, propostas pelo atual governo. Numa primeira aproximação, como iniciativas que tiveram sua origem em governos anteriores e permanecem com concepção original, identificamos: “Projeto Piloto”, “Mais Gestão”, “Convênio Embrapa Milho-Sorgo” e “Diversificação das áreas cultivadas com tabaco”, por exemplo. Entre as iniciativas consideradas “renovadas”, seriam incluídas, por exemplo, algumas que já compunham o portfólio do Mapa (como aquelas associadas ao Plano ABC), o Projeto Dom Helder Câmara, beneficiado com recursos do Fida e iniciativas sobre a questão da sustentabilidade, que contam com cooperação alemã e inglesa, incluindo também iniciativas recentes de Ater vinculada ao crédito fundiário e Ater para assentados, que podem ter certa correspondência com iniciativas de governos anteriores diante da questão agrária. Como iniciativas “novas”, vinculadas ao planejamento da atual gestão do Mapa, poderiam ser citados o Plano Agronordeste e Produzir Brasil, Projeto Ater Médio Produtor Rural e Programa Ater Digital. Uma vez que as iniciativas de Ater foram identificadas, é possível avançar na caracterização das orientações do Mapa para cada uma delas (Quadro 4).[18]

 

Quadro 4 Caracterização das iniciativas do Mapa relativas à Ater

Região-País

Pec com vínculo com
objetivo estratégico Ater /
Notícia /
Anater

Tipo de
mudança

Piloto

Parcerias
destacadas

Anater/
Modalidade /
Entidade executora

NE

Agronordeste /
Plano Agronordeste/
Agronordeste, Programa Prospera

Inclusão produtiva

+

+
[Destaque CNA/Senar Financiamento]

Anater /
Convenio /
Senar

NE

Projeto Dom Helder Câmara /
Projeto Dom Helder Câmara /
Projeto Dom Helder Câmara

Superação pobreza e sustentabilidade

x

+
Financiamento do Fida (Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola)

Anater/
Chamada Pública/
Diversas

NO

Fortalecimento da Agricultura Familiar na Amazônia Legal, no Contexto Socioambiental e Econômico – Fortaf Amazônia Legal/
–/

Inclusão produtiva

x

+
Parceria Conab

– /
– /

NO-BR

– /
Programa Bioeconomia Brasil – Sociobiodiversidade/

Novas
economias

x

Conta com apoio da Cooperação Alemã [Financiamento]

– /
Chamada Pública/
Diversas

NO

– /
Projeto Inovação nas Cadeias Produtivas da Agropecuária
para a Conservação Florestal na Amazônia Legal /

Sustentabilidade

+
[Cadeia produtiva pecuária bovina]

Compõem
portfólio cooperação Brasil-Alemanha [Financiamento]

– /
– /

CO

Projeto Gestão Integrada da
Paisagem no Bioma Cerrado/
Projeto Paisagens Rurais /

Sustentabilidade

+
[Bacias selecionadas
Bioma Cerrado]

Inclui cofinanciamento Banco Mundial-Cooperação alemã

– /
– /
Senar

Programa Nacional de Conservação de Recursos Naturais e Desenvolvimento Rural em Microbacias Hidrográficas (Águas do Agro) /

Conservação
solo e água


[Programa em fase de lançamento]

– /
– /

CO

– /
Programa ABC, Projeto ABC Cerrado, ABC + (2020-2030) /

Sustentabilidade

+

Inclui iniciativas
com financiamento internacional

–/
–/
Senar e outros

BR

– /
Projeto Ater Médio Produtor Rural /

Fortalecimento competitividade

+

–/
–/
Senar

BR

– /
Programa Ater Digital /

Modernização institucional

x

Asbraer

–/
–/
ATER estaduais

BR

Produzir Brasil /
Produzir Brasil /

Inclusão produtiva

x

Anater/
Parceria Ater
Estaduais +
Chamada Pública/
Diversas

BR

– /
PNCF – Terra Brasil /
Programa Nacional de
Crédito Fundiário (PNCF)

Acesso
a terra

x

Anater /
Parceria Emater-RS – contratualização pelo beneficiário

Nota: (+) indica relevância da estratégia; (x) indica pouca relevância da estratégia; (–) indica não se aplica ou informações insuficientes.

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

A aproximação permitida pela caracterização das iniciativas apresentada no Quadro 4 revela que estas estão orientadas à promoção de diversos tipos de mudança: acesso a terra, superação da pobreza, inclusão produtiva, fortalecimento da competitividade, novas economias, conservação do solo e água, sustentabilidade e modernização institucional. Ainda, é possível argumentar que algumas iniciativas têm mais proximidade ou compatibilidade com as orientações gerais do Mapa para a política de Ater, conforme foram caracterizadas na seção anterior.

Entre as iniciativas que guardam mais proximidade com as orientações gerais do Mapa para a política de Ater podem ser incluídas aquelas orientadas à superação da pobreza, à inclusão produtiva, à modernização institucional e ao fortalecimento da competitividade. Embora o Projeto Dom Helder Câmara seja aquele mais diretamente identificado com a superação da pobreza, tomando por base alguns estudos sobre ele (SIDERSKY; JALFIM; ARAÚJO, 2009), entende-se que sua concepção original tende a se diferenciar em relação às orientações gerais do Mapa. O Projeto Dom Helder Câmara teve início em meados dos anos 2000 e, atualmente, abrange cerca de 900 municípios do semiárido. Visa promover o desenvolvimento sustentável a partir do trabalho com agricultores em extrema pobreza e conta com financiamento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida). Nestes termos, entende-se que a iniciativa Agronordeste apresentaria mais compatibilidade com as orientações gerais do Mapa. A descrição do PEC Agronordeste (MAPA, 2020a) aponta que este concilia ações diretas do Mapa, sejam elas sob demanda ou concentradas, isto é, ações focadas em territórios e em “cadeias promissoras” que visam estruturar 30 polos de desenvolvimento até dezembro de 2022. O documento informa que o Mapa “formou uma ampla e vigorosa aliança” em torno do Plano Agronordeste, resultando na proposição de um incontável número de iniciativas específicas. Na página da Anater, por sua vez, com relação ao Plano Agronordeste, há previsão de ações relacionadas à execução do Programa Prospera Agropecuária Semiárido, Assistência Técnica e Gerencial. Outra iniciativa próxima às orientações gerais do Mapa refere-se ao Programa Produzir Brasil, que corresponde a um PEC que tem como objetivo ofertar Ater a assentados da reforma agrária titulados ou em processo de titulação (MAPA, 2020a). Na página da Anater, por seu turno, constam documentos de chamadas públicas em 2020 e 2021 para seleção de organizações, contratos de prestação de serviços e instrumentos de parceria com Emater-GO, Agraer-MS e Emater-DF para execução do Produzir Brasil, bem como referências aos processos de capacitação de extensionistas. Por fim, com menor apelo às questões de pobreza, mas com igual ênfase na orientação técnico-produtiva da Ater, inclui-se o Projeto Ater Médio Produtor Rural, que é um componente do PEC Inovação e Agregação de Valor ao Médio Produtor Rural, que tem como uma de suas frentes de atuação o Projeto de Desenvolvimento da Cadeia de Corte Bovina do Médio Produtor Rural (MAPA, 2020b). De acordo com a notícia 6 (Quadro 1), visa aumentar a renda do “pecuarista brasileiro”, prevendo a atuação do Senar para atendimento (Ateg) a 1800 bovinocultores de 12 microrregiões.

Consoante com o reconhecimento da importância da atuação orientada à dinamização econômica, são apresentadas as iniciativas de viabilização do extrativismo e as iniciativas relacionadas a formas inovadoras de exploração de recursos da sociobiodiversidade que, embora mais destacadas na Região Amazônica (Norte do país), alcançam o cerrado e outras regiões. Neste sentido, o Mapa propôs o projeto Fortalecimento da Agricultura Familiar na Amazônia Legal no Contexto Socioambiental e Econômico (Fortaf Amazônia Legal), que se destina a viabilizar aos agricultores familiares, sobretudo extrativistas, acesso às políticas de comercialização da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), apresentando componente limitado de Ater. Outra iniciativa deste grupo é o Programa Bioeconomia Brasil (Sociobiodiversidade). De acordo com o Mapa, o Programa, apoiado pelo governo alemão, articula parcerias para promover a estruturação de sistemas produtivos com o uso sustentável dos recursos da sociobiodiversidade. O foco é a geração de renda com impactos positivos sobre a qualidade de vida dos envolvidos.

Um terceiro grupo de iniciativas orienta-se a promover a sustentabilidade: mudanças no uso do solo e/ou nos sistemas e práticas produtivas com vistas a preservação de serviços ecossistêmicos, conservação do solo e água e minimização de impactos ambientais indesejados. O exame do Quadro 4 evidencia que estas iniciativas tendem a se concentrar nas regiões Amazônica e do Cerrado e que muitas são desenvolvidas em parcerias com cooperação internacional, com destaque à cooperação alemã que trabalha em diferentes biomas brasileiros. Em negociações realizadas em novembro de 2019, por exemplo, estabeleceu-se que a cooperação bilateral Brasil-Alemanha envolveria proteção florestal, recuperação e reflorestamentos em pequenas propriedades da Mata Atlântica e implantação do cadastro ambiental rural; inovação em cadeias produtivas da agropecuária; e apoio às iniciativas de bioeconomia.[19] O Projeto Gestão Integrada da Paisagem no Bioma Cerrado (Projeto Paisagens Rurais) é uma das iniciativas deste portfólio da cooperação e visa promover atividades de treinamento e assistência técnica para adoção de práticas de Agricultura de Baixo Carbono (ABC), com foco na sustentabilidade das pastagens e recuperação e conservação da vegetação em Áreas de Preservação Permanente (APPs) e reserva legal. Este Projeto resulta de uma ampla parceria que inclui organizações de cooperação internacional, de governo, de pesquisa e privadas, sob coordenação do Serviço Florestal Brasileiro.[20] O Projeto Inovação nas Cadeias Produtivas da Agropecuária para a Conservação Florestal na Amazônia Legal alinha produção com sustentabilidade, contando com acordos internacionais e recursos doados pelo governo alemão, intermediados pelo IICA, tendo o Mapa como gestor. Expectativas em torno da execução deste Projeto foram estabelecidas em 2019, mas só no final de 2020 foram efetivados acordos para cessão dos recursos, de modo que poucos foram os avanços até o presente.

Com relação às iniciativas orientadas à promoção da sustentabilidade na região do Cerrado, destacam-se aquelas relativas ao Plano ABC. O Programa ABC e sua atualização (“ABC+, 2020-2030”) são vinculados ao Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC), implementado desde 2010 como ação relativa à ratificação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Ao enfatizar o componente Ater, destacam-se duas iniciativas: o Projeto ABC Cerrado e o Projeto Rural Sustentável. O Projeto ABC Cerrado, com início em 2014, orientou-se a difundir tecnologias sustentáveis do Programa ABC para os produtores rurais do Cerrado. Foi executado pelo Senar por meio de recursos do Banco Mundial. Convergente com os propósitos de promoção de adoção de práticas sustentáveis, o Projeto Rural Sustentável conta com recursos do governo do Reino Unido e opera a partir de uma arquitetura institucional complexa que tem o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (Iabs) como executor e a Embrapa como coordenadora científica e de apoio às atividades executivas do projeto. Poderia ser citado, ainda, o Programa Nacional de Conservação de Recursos Naturais e Desenvolvimento Rural em Microbacias Hidrográficas (Programa Águas do Agro), integrante do planejamento estratégico do Mapa, mas este está em fase inicial de implantação.

Neste contexto, o Programa Ater Digital pode ser considerado como relativo à modernização da estrutura e gestão dos serviços das entidades governamentais de Ater, a partir da incorporação de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Este programa foi lançado em outubro de 2020, encontrando-se em fase inicial de implantação. Na justificação da necessidade de realização de mudança na forma de trabalho extensionista, argumenta-se a ineficiência do modelo operacional da Pnater, baseado em interação presencial, por seu limitado alcance em termos de público atingido (PEIXOTO, 2020),[21] o que justifica os esforços de promoção da Ater Digital. Partindo do modelo da Ateg, há evidências de que diferentes formatos para a Ater Digital estão sendo considerados pelo atual governo, como se evidencia na notícia 16, que se refere a uma iniciativa de realização, no Brasil, de um projeto-piloto de Ater Digital com aplicação de metodologia desenvolvida pelo Prêmio Nobel Michael Kremer e aplicada na África e Sudeste Asiático (FABREGAS; KREMER; SCHILBACH, 2019). Neste sentido, uma das frentes do Programa Ater Digital do Mapa relaciona-se justamente à comparação de estratégias e metodologias, considerando, inclusive, aquelas que vêm sendo desenvolvidas e utilizadas pelas entidades estaduais de Ater. Nesta mesma linha destaca-se, também, a assinatura de convênio entre Anater e Senar em 2020 para oferta de cursos de capacitação técnica e metodológica para agricultores, técnicos e extensionistas mediante Ensino a Distância (EAD). Cabe, por fim, registrar a histórica atuação das entidades estaduais de Ater na execução de políticas públicas, como observado em recente (datada de 2021) parceria da Anater e Emater-RS para execução de serviços de Ater destinados a 400 potenciais beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) no Rio Grande do Sul.

 

Aproximações aos determinantes das relações entre programas e orientações gerais

A caracterização da diversidade de iniciativas do Mapa relacionadas à Ater, ainda que represente uma primeira aproximação, evidencia a insuficiência da consideração das orientações gerais para a compreensão da abrangência e conteúdo de iniciativas em curso em determinado momento. Os descompassos podem ser explicados, introdutoriamente, em virtude da processualidade da Administração Pública, o que obriga o Mapa a executar iniciativas de governos anteriores, garantindo sua execução segundo sua concepção original ou a partir de uma concessão revisada por ocasião da renovação dos contratos dos projetos. Mas, embora a consideração desta dinâmica seja pertinente, ela não se mostra suficiente para explicar o descompasso de iniciativas em curso em relação à orientação geral do Mapa para a Política de Ater, pois encontra-se diversidade mesmo nas iniciativas “novas” – propostas pela gestão do Mapa pós-2018.

Para os fins de análise, no conjunto das iniciativas propostas pelo Mapa, convém distinguir uma tendência à ampliação da agenda e outra de diferenciação do conteúdo de programas no que se refere às orientações gerais. Para entender a dinâmica de ampliação da agenda, retomando as manifestações públicas de representantes do Mapa constantes nas notícias, identifica-se a possibilidade de avançar na compreensão desta a partir do reconhecimento da utilização de três tipos básicos de referências às motivações para proposição de iniciativas. Neste sentido, a noção de “necessidade” é muito utilizada na justificação das iniciativas relacionadas à superação da pobreza e inclusão produtiva, enquanto a noção de “oportunidade” subjaz às propostas de iniciativas de valorização dos recursos da sociobiodiversidade nos marcos da bioeconomia, por exemplo. A terceira noção, que chama particular atenção, remete a “imperatividade” e mostra-se associada às iniciativas relativas à promoção da sustentabilidade, por exemplo. Entende-se que a investigação dos casos que podem ser associados à noção de imperatividade, chama a atenção para algumas condicionantes políticas do processo de proposição de iniciativas.

Neste sentido, destaca-se a relevância de considerar os compromissos políticos assumidos pelo país[22] e a conjuntura das relações internacionais. Observa-se que pautas da agenda internacional se fazem presentes nos documentos oficiais do Mapa. Além da vinculação dos Programas do Mapa aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU) no âmbito do PPA 2020-2023, alguns dos resultados intermediários perseguidos são passíveis de vinculação com estas agendas. No caso do Programa Agropecuária Sustentável, por exemplo, o espelho do monitoramento relativo a 2020 do PPA 2020-2023 tem como resultados intermediários monitorados os seguintes itens: ampliar a utilização das tecnologias do Plano ABC nos municípios do Brasil; ampliar a área dos imóveis rurais presentes no CAR com análise da regularização ambiental realizada; fortalecimento da agricultura familiar na Amazonia Legal; ampliar a quantidade de culturas realizadas ou renovadas para os estudos de Zoneamento Agrícola de Riscos Climáticos (Zarc) no ano; ampliar o acesso ao crédito rural; e ampliar a oferta de serviços de Ater aos agricultores familiares, médios produtores, técnicos agrícolas e outros.

A observação do conteúdo das notícias complementa esta análise, aproximando a complexidade das motivações e relações estabelecidas entre os atores. Uma notícia referente à cooperação Brasil-Alemanha, datada de 2 de dezembro de 2019,[23] por exemplo, registra a recente integração do Mapa em iniciativas que eram tratadas em outras unidades da Administração Pública:

Esta é a primeira reunião do grupo que ocorre durante o governo do presidente Jair Bolsonaro e que conta com a presença do Ministério da Agricultura brasileiro. “A participação do Mapa, ocorre, principalmente, pelas atribuições que a pasta ganhou, com a vinda de novas secretarias, como a de Agricultura Familiar e Cooperativismo, e de temas como o da bioeconomia, das cadeias de valor e de inovação. O papel que o Mapa tem, como um grande representante da produção no Brasil, seja agrícola, pecuária, florestal ou extrativista, o torna um ator fundamental nesse processo de negociação”, ressalta o secretário-adjunto de Comércio e Relações Internacionais.

Assim, entende-se que, na definição de sua posição diante destas iniciativas, o Mapa pondera as possíveis contribuições destas para o Projeto Estratégico Corporativo específico orientado à “Promoção da Imagem da Agropecuária Brasileira em Mercados Internacionais” (MAPA, 2020a). O reconhecimento da relevância de ações neste âmbito revela-se no seguinte diagnóstico:

A disseminação de mensagens negativas, não verdadeiras, prejudicam a imagem do Brasil e influenciam negativamente a manutenção e ampliação do comércio com outros países. Sendo assim, se faz necessário o desenvolvimento de uma estratégia de promoção e defesa da imagem da agropecuária brasileira em mercados internacionais. Estratégia essa baseada no uso de dados oficiais e científicos que possam contrapor e comprovar os aspectos positivos e conservacionistas nos quais a produção brasileira se desenvolve. (MAPA, 2020a, p. 15)

Na avaliação do embaixador da Alemanha no Brasil, a iniciativa de cooperação Brasil-Alemanha em torno do projeto “Inovação nas cadeias produtivas da agropecuária”, por exemplo, é positiva, pois “[...] mostra o compromisso do Brasil em produzir de forma sustentável e em cumprir o Código Florestal Brasileiro. ‘Estamos convencidos de que isso irá melhorar a posição dos produtos brasileiros nos mercados internacionais’”, afirmou.[24]

Outro aspecto a considerar refere-se à diferenciação do conteúdo das iniciativas em relação às orientações gerais do Mapa. Entende-se que qualquer análise desta questão deve partir do reconhecimento da heterogeneidade das realidades regionais brasileiras. Considerando que a eficácia de uma iniciativa de desenvolvimento depende de sua capacidade de levar em conta a realidade na qual se aplica, compreende-se que uma política nacional tende a incluir iniciativas diversas em seu conteúdo com vistas a contemplar as diversidades regionais. Entretanto, as análises conduzidas nas seções anteriores levam a reconhecer a necessidade de desconsiderar, também, a influência de atores políticos na definição do conteúdo das iniciativas. Neste aspecto, considera-se emblemático o caso do Programa Agronordeste, que conta com a parceria de uma entidade de representação na agricultura e que, recentemente, ampliou as articulações para incluir empresas privadas. Em notícia publicada no site do Mapa, por exemplo, anuncia-se que em 13 de novembro de 2019 foi firmada parceria do Mapa com a CNA, formalizada por meio de convênio entre Anater e Senar, para oferta de Ateg no âmbito do Plano Agronordeste, contando com substantiva participação de CNA/Senar no seu financiamento. Nesta linha, em notícia publicada em 10 de junho de 2021, indica-se que: “Prospera expande parceiros para capacitação de pequenos produtores de milho do Nordeste”. Entre os novos parceiros incluem-se Corteva Agriscience para Brasil, Abramilho, AGCO América do Sul e Yara Brasil, caracterizando a formalização de parcerias governo-empresas privadas na condução das iniciativas vinculadas à política pública de Ater, processo que merece mais atenção analítica no que se refere a suas implicações sobre definição do conteúdo da política pública.

A consideração destas relações entre atores público-privados assumiria especial relevância no contexto atual, tendo em vista o cenário prospectivo de expansão de parcerias público-privadas. Conforme adiantavam Santana e Gasques (2020), ao tratar das perspectivas das políticas agropecuárias para os próximos anos, dificilmente o Estado voltará a adotar posturas intervencionistas, pois as restrições fiscais são mais acentuadas e a experiência dos governos anteriores teria revelado que estas levam a distorções no funcionamento dos mercados, em vez de corrigir suas falhas. Entretanto, os autores (2020, p. 220) preveem a necessidade de ampliação de ações relativas ao seguro rural, questões ambientais, sociais, trabalhistas, comerciais, incentivo à produção de alimentos saudáveis e fortalecimento dos “segmentos que ficaram fora da modernização agropecuária, em particular os pequenos produtores.” Ainda, para os autores, essas ações tenderão a se desenvolver sob nova institucionalidade: instituições públicas agropecuárias menores (quanto ao número de funcionários), maior participação do setor privado nas fontes de financiamento do crédito rural e estocagem de produtos agrícolas e expansão das parcerias público-privadas na condução de atividades de pesquisa e assistência técnica rural.

Assim, a dinâmica da concepção e proposição de iniciativas não parece constituir uma mera atividade técnico-administrativa, instrumental, pois as análises realizadas levam a reconhecer a possibilidade de formação e atuação de coalizões específicas para construção das interfaces entre interesses públicos e privados, nacionais e internacionais. Do mesmo modo, parece importante avaliar o peso de variáveis espaçotemporais, tendo em vista que certas problemáticas que motivam a ação pública podem ter alcance exclusivamente regional, sua manifestação pode ser afetada por fatores sociogeográficos ou variar no tempo. Neste sentido, pode-se considerar a pandemia do Covid-19 como um caso que ilustra a influência da conjuntura sobre as políticas, uma vez que há um reconhecimento de que a necessidade de distanciamento social ocasionou forte investimento em tecnologias da informação e comunicação.[25]

 

Política de Ater do Mapa: um caso de reformulação por reenquadramento?

Revisões e análises efetuadas anteriormente neste trabalho indicam que mudanças nas configurações políticas repercutiram nas políticas de desenvolvimento rural brasileiras e, no caso da Política de Ater as competências relativas a sua gestão passaram do MDA para o Mapa. A análise de documentos, normativas legais e manifestações de representantes (referidos em notícias) permitiu a caracterização das orientações gerais e programas que compõem a proposta do Mapa para a Política de Ater.

A princípio considerou-se que o apoio do Mapa a uma mobilização no âmbito legislativo para alteração da Lei de Ater constitui um indício de que a proposta do Mapa não condiz integralmente com a de governos anteriores. Ou seja, pode-se julgar que o reconhecimento da necessidade de reforma se concretizou no apoio do Mapa a uma iniciativa de formação de uma Frente Parlamentar de Defesa da Ater (FATER, 2019), cuja principal ação foi a apresentação de um Projeto de Lei (PL) com vistas a alteração da Lei de Ater de 2010. Trata-se do PL no 4.371, encaminhado pela FPA, com apoio do Mapa, proposto em 2020 e arquivado em 2021.[26] Nesta seção, buscou-se, então, investigar a possibilidade de tratar a Política de Ater do Mapa como um caso de reformulação de uma política pública, orientada pelo reenquadramento da questão da Assistência Técnica e Extensão Rural.

Pressupor a possibilidade de reenquadramento implica assumir que o Mapa pretenderia afirmar um novo discurso quanto à orientação geral da política. Hajer e Laws (2008) consideram que o enquadramento (framing) é um instrumento conceitual de ordenamento discursivo que ajuda os analistas e agentes (practioners) a lidar com a ambiguidade – característica essencial da “prática política”; auxilia a conferir sentido a determinados fenômenos sociais, tomando como referência certos pressupostos ontológicos e epistemológicos; e permite “alinhar ações”, configurando uma estratégia para tornar dominante uma certa “história normativo-prescritiva” que influenciaria processos decisórios no campo político, com derivações sobre a formulação ou reformulação de políticas públicas. Partindo destas considerações avaliou-se que a análise de reenquadramento se beneficia da comparação entre fundamentos das orientações gerais. Tal delineamento parte da suposição de que MDA e Mapa apresentam posições distintas as quais remetem, em última instância, às diferenças na forma de perceber a estrutura da sociedade e sua dinâmica. Para realizar a investigação com brevidade, recorreu-se à comparação de posições anteriores e atuais, assumidas pelo MDA e Mapa, respectivamente, em relação às suas leituras sobre: estrutura social do meio rural, noção de modernidade, noção de desenvolvimento, papel dos movimentos sociais e das modalidades de intervenção do Estado. Considerando estes aspectos, a análise feita dialoga com as ponderações de Capano (2009) para problematizar as questões teórico-epistemológicas na ciência política e, para subsidiar a análise, foram examinados documentos oficiais e publicações acadêmicas sobre a proposta de Ater do MDA (MDA, 2004; ALEMANY; SEVILLA-GUZMAN, 2006; CAPORAL; COSTABEBER, 2007; DIESEL; DIAS, 2016), além de ter sido feita uma avaliação no que se refere à caracterização da proposta do Mapa realizada nesta pesquisa. Recorreu-se, complementarmente, à observação de como diferenças nas posições explicam as alterações propostas na Lei de Ater pelo PL no 4.371, apresentado em 2020 à Câmara dos Deputados. Num segundo momento a análise se desloca para a exploração das repercussões destes processos sobre a concepção de programas.

As investigações realizadas permitem considerar que a leitura sobre a estrutura social constitui um dos principais fundamentos da diferenciação de posições. Com relação à estrutura social, enquanto a posição do Mapa orienta-se ao obscurecimento da diferenciação social, tratando todos como “produtores” (distintos apenas quanto à escala e à rentabilidade da produção), o MDA trabalhou em prol da valorização e reconhecimento da diferenciação social com base na condição, gênero, geração e identidade. Tais diferenças de posições têm repercussões no âmbito político-organizativo. Neste sentido, no caso do MDA – partindo-se de pressupostos que reconhecem que diferenciações sociais estão relacionadas a reivindicações diferenciadas –, foram valorizados modelos plurais de representação e participação nos espaços políticos, enquanto no caso do Mapa procura-se afirmar a oportunidade da centralização política e representação unificada dos “produtores rurais” do agronegócio. Tais posições se refletem na tendência ao fortalecimento das entidades de representação política do agronegócio que, ao perseguir agenda unificada, prejudicam a visibilidade política de grupos/situações específicas e diferenciadas. No âmbito do PL no 4.371, por exemplo, estas posições se refletem na reivindicação de eliminação dos indicativos de diferenciação de categorias sociais na agricultura. Enquanto na lei de Ater de 2010 o artigo 1o dispõe que esta destina-se “à Agricultura Familiar e Reforma Agrária”, no PL no 4.371 prevê-se que a Pnater se destina “para o conjunto dos estabelecimentos rurais” (grifo nosso). Para alguns pesquisadores (NIEDERLE et al., 2019; SABOURIN et al., 2020), tal fato remete à dinâmica de desconstrução simbólica, associada ao desmantelamento de políticas de desenvolvimento rural, que busca afirmar a leitura e o diagnóstico de que as diferenças de composição social no rural se referem, essencialmente, ao tamanho ou escala da produção.

Pode-se considerar que essas diferentes leituras sobre a estrutura social se refletem, de certo modo, sobre o modelo institucional proposto. Neste sentido, destacou-se, no PL no 4.371, a supressão de artigos que tratavam da previsão da participação da sociedade civil na formulação do Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pronater) (especialmente os artigos 8o e 9o do Capítulo II), a eliminação de artigos que previam a descentralização político-administrativa da gestão (artigos 10 e 12 que tratam da participação dos conselhos estaduais na gestão da política de Ater), e alterações advogando centralização da gestão da Pnater pelo Mapa e Anater, caracterizado a substituição de modelos de gestão pública participativa (que permitiriam maior aproximação com a diferenciação social e a visibilização da heterogeneidade de demandas e reivindicações nos espaços públicos) em favor de modelo de gestão pública tradicional (caracterizado por centralização político-partidária).

As diferenças de posição também são evidentes no tratamento da ideia de modernidade. Partindo de uma posição identificada com o referencial evolucionista (SZTOMPKA, 1998), para o Mapa a “atualidade relativa/modernidade” de um determinado objeto ou proposta tende a servir de parâmetro para avaliar sua oportunidade. Tal posição fundamenta-se no pensamento de uma orientação da sociedade ao aperfeiçoamento contínuo de suas práticas sociais e econômicas. Sob a perspectiva do MDA, por sua vez, partindo-se do pressuposto de diferenciação e conflitos de interesses entre atores sociais e políticos, a avaliação de determinado objeto ou proposta deveria considerar sua origem social e orientação política. Ao reconhecer a hegemonia política de atores subordinados à lógica capitalista e sua influência na definição das tendências gerais da dinâmica da sociedade e, sobretudo, da dinâmica tecnológica na agricultura, tendeu-se a adotar um posicionamento crítico em relação às propostas feitas em nome da modernidade, por considerar que servem a interesses particularistas vinculados à dinâmica de acumulação de grupos específicos, mais do que a interesses da sociedade como um todo.[27] Essas diferenças de posição tornam-se particularmente críticas numa conjuntura em que se aponta para o advento de uma iminente revolução tecnológica na agricultura mundial, baseada na exploração dos aportes tecnológicos da digitalização. Tendo em vista sua representação da modernidade, o Mapa tende a se posicionar a favor da facilitação desta revolução tecnológica no contexto brasileiro, o que se reflete no apoio aos modelos de agricultura de precisão e agricultura digital e formulação de planos para sua viabilização (EMBRAPA, 2018; MCTI; MAPA, 2021).

Quando são consideradas as leituras relativas à noção de desenvolvimento e as percepções especificas quanto às estratégias de desenvolvimento preferenciais, salienta-se que o Mapa tende à valorização da dimensão econômica e, nesta, do crescimento. A ênfase na dimensão econômica e os pressupostos relativos às repercussões positivas da inovação tecnológica nesta podem levar o Mapa a se posicionar em favor de aumento dos investimentos de grandes capitais externos na agricultura brasileira, o que pode agravar a assimetria de poder na disputa por recursos entre atores que vivem da agricultura. Em contrapartida, tende-se a identificar a posição do MDA como de maior propensão ao reconhecimento da complexidade dos condicionantes do desenvolvimento e ciência da probabilidade de emergência de contradições diversas em seu curso, inclinando-se a atribuir, por isso, maior relevância à dimensão territorial, cultural, social e política.

Por fim, identificam-se diferenças de posições em relação ao papel do Estado e legitimidade política conferida aos distintos atores sociais. Em relação às diferenças de posições sobre o papel do Estado, foi possível reconhecer que o Mapa tende a apoiar posturas de corte neoliberal ou de limitação de sua atuação à correção de “disfunções setoriais”,[28] enquanto considera-se que o MDA demonstrou conferir mais atenção à necessidade de intervenção do Estado para garantia de direitos e avanços em equidade social. Estas leituras também podem suportar diferenças de posições quanto à legitimidade política conferida aos distintos atores sociais. Neste sentido, leva-se em conta que o MDA poderia conferir maior legitimidade aos movimentos sociais ao reconhecer suas eventuais contribuições para a transformação da sociedade. A observação de algumas mudanças propostas no PL no 4.371 possibilita avançar na identificação das diferenças de posição. Destaca-se uma parte do texto em que é mencionado (no art. 10) que: “O Pronater será implementado em parceria com os estados, municípios, entidades cooperativas e representativas dos produtores e as organizações do Sistema S.[29] Observa-se que tal redação diferencia-se da redação original (Lei de Ater) pela inclusão da menção ao Sistema S e exclusão da alusão às ONGs. Entende-se que esta postura está também associada a diferenças de posição em relação à legitimidade dos movimentos sociais – conforme comentado anteriormente – e das ONGs. Neste sentido, tal posição pode ser associada a um esforço de desconstrução simbólica que abrange as ONGs e as organizações ambientalistas de forma mais ampla, as quais vinham assumindo, com apoio federal, protagonismo histórico na promoção da transição agroecológica (BERGAMASCO; BORSATTO, 2016). Conforme Sabourin et al. (2020, p. 5), a partir de acusações de irregularidades na utilização de recursos públicos, desencadeou-se um processo de deslegitimação das ONGs e, de modo mais abrangente, das relações entre Estado e sociedade civil.

Estas diferenças, observadas em seu conjunto, revelam que Mapa e MDA, ao serem sustentados politicamente por coalizões distintas, apresentam diferenças de posições que remetem a fundamentos distintos, diferentes leituras sobre a sociedade e sua dinâmica. Enquanto a posição dos atores do agronegócio (base da coalizão que sustenta o Mapa) procura afirmar o caráter consensual e colaborativo da sociedade, os atores que a ela se opõem ressaltam o caráter eminentemente conflitivo da sociedade, dadas as diferenças de interesses e assimetrias de poder. Inclusive, ao reconhecer a relevância das questões relativas às diferenças de interesse e poder, tende-se a atribuir maior peso à atuação política do extensionista com vistas a facilitação de processos de conscientização/organização sob matriz freiriana (MDA, 2010). A consideração dos fundamentos das diferentes leituras da sociedade e sua dinâmica permite compreender, mais amplamente, as divergências potenciais entre as propostas e caracterizar possível caso de reformulação da política informada por “reenquadramento”.[30] Buscando apresentar uma síntese da análise elaborada, pode-se identificar a ocorrência de um processo de reenquadramento com viés conservador da questão da assistência técnica e extensão rural, que acompanha o deslocamento da competência relativa à Política de Ater do MDA para o Mapa.

Por fim, cabe explorar as possíveis repercussões destes reenquadramentos no âmbito da proposição de programas. Neste sentido, o diferencial no tratamento dado à questão ambiental na agricultura parece ilustrativo. No caso da Política de Ater, a Pnater de 2004 colocava originalmente a dimensão ambiental como estruturante da proposta de desenvolvimento rural, preconizando, entre seus princípios, “a adoção de paradigmas tecnológicos baseados na agroecologia”. Por ocasião da formulação da Lei de Ater, propôs-se que a redação se referisse a “princípios da agricultura de base ecológica”, o que, para Caporal (2011) caracterizava eliminação da referência explícita à agroecologia. Quando da proposição do PL no 4.371, foi sugerida nova alteração na redação, de modo que a Pnater passaria a preconizar a “adoção de princípios da agricultura 4.0 como enfoque preferencial para o desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis”.

Entende-se que estes embates remetem, em um primeiro momento, para a diversidade de leituras sobre a questão ambiental e de enfoques para seu enfrentamento no âmbito da agricultura (VERHAGEN et al., 2017). Na diversidade de enfoques identificados pelos autores, enquanto a Pnater sob o MDA identificava-se com o enfoque da “agroecologia” e preconizava o desencadeamento de um processo de “transição agroecológica”, sob o Mapa tende-se a estabelecer uma identificação com o enfoque da “Intensificação Sustentável” que busca conciliar o aumento da produção agrícola com a minimização do impacto ambiental desta mediante restrições à conversão de áreas naturais em agrícolas e utilização da melhor tecnologia e conhecimento disponível. No caso do Mapa, tal identificação se reflete numa orientação à adoção de “boas práticas” e modernização tecnológica por meio da inovação vinculada à dinâmica do complexo agroindustrial (agricultura 4.0), apresentada como potencializadora do aumento da produção, redução de custos e de impactos ambientais (CAMBOIM; COSTA; FAVERI, 2020). Sob esta perspectiva, a proposta da transição agroecológica é duramente criticada e apresentada como uma alternativa utópica ou fantasiosa (NAVARRO, 2013; GERHARDT, 2014; BAIARDI; PEDROSO, 2020).[31]

Uma observação mais geral das preferências quanto aos enfoques para tratamento da questão da sustentabilidade permite diferenciar as propostas no que se refere a sua relação com o status quo, identificando-se a tendência de que o Mapa opte por enfoques orientados a produzir “melhorias” incrementais com vistas a melhor adaptação do sistema vigente a um ambiente dinâmico, enquanto o MDA tenderia a perseguir a realização de ações capazes de contribuir para mudanças/transformações sistêmicas. Em outros termos, as análises realizadas, em seu conjunto, indicam a tendência de que as posturas do governo pós-2018 sejam convergentes com uma posição de “integração/adaptação” à dinâmica de desenvolvimento capitalista da agricultura, mediante associação às cadeias dinâmicas do agronegócio, seguindo tendência macropolítica observada na América Latina (BRINGEL; MUÑOZ, 2017; GAUDICHAUD, 2016, 2019). Ressalta-se, assim, o viés conservador das mudanças em curso, indicando preocupações futuras quanto a agendas de equidade e sustentabilidade

 

Considerações finais

A pesquisa realizada remeteu a um contexto social caracterizado por uma disputa de projeto político, proposta de desenvolvimento rural, prioridades programáticas e, inclusive, modalidade de intervenção educativa associada à Ater.

Embora as ações vinculadas às políticas possam ser nuançadas (com déficits de coerência interna), nesta pesquisa apontou-se a possibilidade de qualificar a discussão sobre a atualidade da Política de Ater brasileira, partindo da disputa política atual, que remete à distinção de fundamentos de leitura da realidade relativos a estrutura e dinâmica da sociedade. Nesta direção, a mudança de governo ocorrida em 2018 é tratada como uma mudança nas coalizões que ascendem ao poder, que são portadoras de diferentes leituras sobre estrutura e dinâmica da sociedade. Há um reconhecimento de que esta mudança implica um tensionamento das políticas vigentes no sentido de seu desmantelamento, reforma ou sucessão de política.

No caso estudado, da Política de Ater, as observações reunidas na pesquisa apontam para a possibilidade de caracterização de reforma de política, com reformulação orientada ao reenquadramento conservador sem, no entanto, se caracterizar sucessão de política, uma vez que a iniciativa de mudança da Lei de Ater, encaminhada em 2020, foi arquivada.

Embora esta reforma esteja associada a um possível desmantelamento com redução orçamentária do acesso e abrangência dos serviços públicos de Ater pela população rural (dada a tendência de privilegiar territórios específicos e experiências-piloto mais do que preconizar a universalização da política), entende-se que eventual análise de desmantelamento deve ser precedida da prévia consideração das reformas propostas. Supõe-se, ainda, que, embora tendências gerais em direção ao desmantelamento possam ser identificadas, a mensuração do grau de redução/expansão de determinada política – como a Política de Ater – é dificultada pela escassez de informações precisas e confiáveis e excepcionalidade da conjuntura (pandemia do coronavírus), que afeta a dinâmica administrativa, política e social como um todo.

A observação do conteúdo da política anunciada pelo Mapa aponta para uma reformulação com vistas a adequação às formas de representações da sociedade que secundarizam os conflitos de interesse e assimetrias de poder, por isso, assumem corte conservador. As mudanças nas institucionalidades reforçam esta tendência ao suprimirem os espaços de participação social que poderiam possibilitar a visibilização de atores e demandas não contempladas pelas organizações de representação centralizadas.

Observa-se que tais dinâmicas se refletem no caso da Ater, se consubstanciando em disputas em torno das propostas de desenvolvimento rural, mas também em relação às modalidades de intervenção educativa. Neste sentido, foi verificada a tendência a dar preferência às modalidades educativas baseadas em enfoques teórico-metodológicos liberais (Ateg) em desfavor de críticos (MDA, 2010).

Dada a abrangência, complexidade e dinamismo dos processos analisados, o presente estudo visa, apenas, oferecer contribuições para melhor compreensão da trajetória recente da Pnater, subsidiando análises posteriores.

 

 

 

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Como citar

DIESEL, Vivien; NEUMANN, Pedro Selvino; DIAS, Marcelo Miná Dias; FROEHLICH, José Marcos. Política de Assistência Técnica e Extensão Rural no Brasil: um caso de desmantelamento? Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 29, n. 3, p. 597-634, out. 2021. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v29n3-5.

 

 

 

 

Vivien Diesel

Professora Titular da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), aposentada. Professora Voluntária no Programa de Pós-graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pós-doutora no Departamento de Antropologia Social da Universidad de Sevilla (Espanha).

https://orcid.org/0000-0003-2939-9660
http://lattes.cnpq.br/9100511027348805
viviendiesel@yahoo.com.br 

Pedro Selvino Neumann

Professor Titular e pesquisador no Programa de Pós-graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (PPGEXR/UFSM). Doutor em Engenharia da Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
https://orcid.org/0000-0001-9574-6400
http://lattes.cnpq.br/0786069109358002
neumannsp@yahoo.com.br


Marcelo Miná Dias

Professor e pesquisador no Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ).
https://orcid.org/0000-0002-3404-228X
http://lattes.cnpq.br/2282213279382586
minad@ufv.br


José Marcos Froehlich

Professor e pesquisador no Programa de Pós-graduação em Extensão Rural (PPGEXR) e de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pós-doutor no Departamento de Antropologia Social da Universidad de Sevilla (Espanha).

https://orcid.org/0000-0001-6968-8497
http://lattes.cnpq.br/2717087872404072
jmarcos.froehlich@gmail.com

 

 

 

 

 

 

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[1] Professora Titular da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), aposentada. Professora Voluntária no Programa de Pós-graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pós-doutora no Departamento de Antropologia Social da Universidad de Sevilla (Espanha). E-mail: viviendiesel@yahoo.com.br.

[2] Professor Titular e pesquisador no Programa de Pós-graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (PPGEXR/UFSM). Doutor em Engenharia da Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: neumannsp@yahoo.com.br.

[3] Professor e pesquisador no Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Doutor em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). E-mail: minad@ufv.br.

[4] Professor e pesquisador no Programa de Pós-graduação em Extensão Rural (PPGEXR) e de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Pós-doutor no Departamento de Antropologia Social da Universidad de Sevilla (Espanha). E-mail: jmarcos.froehlich@gmail.com.

[5] Para alguns autores (VALADARES et al., 2018; LIMA et al., 2019; SABOURIN et al., 2020) a fragilização das iniciativas relacionadas à proposta de desenvolvimento rural sustentável e solidário foi paulatina, pois muitas destas eram objeto de disputas internas no MDA e começaram a enfrentar restrições para sua implementação ainda sob governos progressistas. Sabourin et al. (2020) identificaram indícios de fragilização destas iniciativas sob o governo Dilma Rousseff que, ao adotar uma política de austeridade fiscal, reduziu o aporte de recursos destinados a elas.

[6] A verificação dos gastos totais executados pelas unidades orçamentárias revela redução de 56% nos gastos discricionários do MDA/Sead e 64% nos gastos discricionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) entre 2014 e 2017 (LIMA et al., 2019, p. 254), por exemplo.

[7] Destaca-se, por exemplo, a mobilização da Associação Paulista de Extensão Rural (Apaer) no último trimestre de 2020, em contraposição à proposta de reestruturação da Secretaria da Agricultura por suas implicações sobre os serviços públicos estaduais de Ater. Para mais informações, ver: https://www.apaer.org.br/.

[8] Hajer e Laws (2008) afirmam ser esta a característica essencial de um frame, ordenar o discurso por meio de concepções e crenças.

[9] Além destes, há dois programas sob responsabilidade de outros ministérios que contam com a participação do Mapa: “Programa de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade e dos Recursos Naturais” e “Programa Desenvolvimento Regional, Territorial e Urbano” (MAPA, 2020b, p. 20).

[10] O planejamento estratégico do Mapa levou à proposição de Projetos Estratégicos Corporativos (PEC), criados para alcançar os objetivos estabelecidos. O objetivo estratégico referente à Ater é mencionado em cinco projetos estratégicos (MAPA, 2020b).

[11] No período analisado foram pesquisadas 2300 notícias, considerando-se que 24 destas tinham a Ater como tema central.

[12] Em termos gerais, partindo-se do reconhecimento de que MDA e Mapa perseguiam propostas de desenvolvimento rural diferenciadas (desenvolvimento rural sustentável e solidário, no MDA; e de modernização, no Mapa), compreendemos que a extinção do MDA e a passagem da gestão da Pnater para o Mapa repercutem potencialmente sobre as orientações gerais da política. A literatura sobre Policy Dismantling se refere a este processo como estratégia de desmantelamento por “mudança de arena”.

[13] Tradicionalmente, a formulação da política é considerada uma fase do ciclo da política pública que sucede à montagem da agenda e precede a tomada de decisão, a qual é sucedida pela implementação e, então, avaliação da política (HOWLETT; RAMESH; PERL, 2013, p. 15).

[14] Sob abordagem técnico-instrumental, frequentemente a revisão da formulação é associada à incorporação de resultados de processos de avaliação da política. Capano (2009) esclarece que esta postura reflete uma visão sobre determinantes da mudança política potencialmente contestável. Deste modo, o autor chama a atenção para a necessidade de consideração das teorias gerais de mudança política subjacentes à interpretação de processos específicos.

[15] Foi utilizada a mesma seleção de notícias apresentadas no Quadro 1. Na composição do Quadro 2 foram suprimidas quatro notícias (duas relativas a enquadramento profissional de técnicos agrícolas (3 e 12) e duas relativas à promoção de um evento internacional (17 e 22).

[16] Disponível em: https://www.cnabrasil.org.br/senar/atuacao/assistencia-tecnica-e-gerencial. Acesso em 18 jun. 2021.

[17] Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/ppa/plano-plurianual-ppa-202020132023/cadastro_programa_1031-agropecuaria_sustentavel.pdf. Acesso em: 11 out. 2020.

[18] O conjunto de programas sob gestão da Anater, que teve início em governos anteriores (Projeto Piloto, Ater, Convênio Embrapa Milho e Sorgo, Diversificação das Áreas Cultivadas com Tabaco, Mais Gestão, Cadastro de Terras e Regularização Fundiária) não foi caracterizado neste momento, dada a intenção de apenas tratar a proposta de política para Ater do atual governo.

[19] Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/agricultura-e-pecuaria/2019/12/brasil-e-alemanha-firmam-acordo-de-40-milhoes-de-euros-para-apoiar-agropecuaria-sustentavel#:~:text=Os%20governos%20do%20Brasil%20e,Pecu%C3%A1ria%20e%20Abastecimento%20. Acesso em: 10 out. 2020.

[20] Informações adicionais sobre este Projeto estão disponíveis em: https://www.florestal.gov.br/projeto-fip-paisagem ou https://www.florestal.gov.br/documentos/desenvolvimento-florestal/projeto-fip-paisagem. Acesso em: 14 out. 2020.

[21] Este tipo de argumentação ampara-se em análises dos dados do Censo Agropecuário de 2017 relativas ao acesso a serviços de Ater, objeto abordado em diversas publicações acadêmicas recentes (DINIZ; CLEMENTE, 2020; PEIXOTO, 2020; PEREIRA; CASTRO, 2020).

[22] Com destaque à Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), por exemplo.

[23] Notícia intitulada “Brasil e Alemanha firmam acordo de 40 milhões de euros para apoiar agropecuária sustentável”.

[24] Notícia publicada em 10 de dezembro de 2019, sob o título: “Projeto vai levar Inovação nas Cadeias Produtivas da Agropecuária para Produtores da Amazônia”.

[25] As limitações colocadas pela conjuntura da pandemia do Covid-19 têm sido apresentadas, frequentemente, como fatores que limitaram o alcance das metas relativas às iniciativas de Ater. No caso do Mapa, a observação dos dados apresentados em https://www.gov.br/agricultura/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/ppa permite uma aproximação ao desempenho de suas iniciativas relativas a Ater previstas no PPA para o ano de 2020.

[26] Embora esse projeto de lei tenha sido apresentado pelo deputado Zé Silva, ele traduz um conjunto de consensos constituídos no âmbito da coalizão formada em torno da defesa da Ater, que foram referendados pelo Mapa.

[27] A crítica ao modelo de agricultura hegemônico não é exclusivamente brasileira. A observação das contribuições constantes em sites como https://www.biodiversidadla.org/ permite uma aproximação a seus termos e abrangência. 

[28] Um dos tipos de disfunções a qual se recorre para justificar intervenções do Estado na agricultura se refere a questões de abastecimento alimentar. Neste sentido, no  PL no 4.371 foi proposta a inclusão de um princípio (a somar-se aos seis princípios previstos no artigo 3o da Lei de Ater de 2010) que se refere explicitamente à “contribuição [da Ater] para o abastecimento do país”,

[29] Ainda, no PL no 4.371, embora se manifestasse a disposição ao credenciamento de entidades diversas, mantém-se o parágrafo único do artigo 1o que previa prioridade às entidades e órgãos públicos e oficiais de Ater refletindo, possivelmente, posturas de representantes do Legislativo nesta mobilização.

[30] Snow e Benford (1992) argumentam que a ação de reenquadramento ocorre no campo discursivo e opera como um “esquema interpretativo” que busca atribuir sentidos e delimitar fenômenos sociais complexos, selecionando e codificando objetos, eventos, experiências e ações por meio de uma lente valorativa. Desta forma, os enquadramentos (frames) possibilitam articulação e alinhamento de atores em torno de determinados “ordenamentos significativos”.

[31] O’Neil e Gibbs (2020), a partir de um estudo de caso sobre a política energética para residências na Inglaterra, ressaltam as dificuldades inerentes à adoção de propostas que implicam mudanças do status quo, sobretudo sob governos com orientações liberais.