ESA_logo.png                                          Recebido: 29.fev.2024   •    Aceito: 4.nov.2024   •    Publicado: 20.dez.2024

 

Seção Temática
Agronegócio, Infraestrutura Logística e Dinâmicas Fundiárias na Amazônia

 

 

                                                                                                                                                                                                                                            
Latifúndios de carbono e moedas virtuais para proteger a Amazônia: a corrida por terras e financeirização da natureza

Carbon estates and NFTs: the land rush and financialization of nature in the southern Amazon basin

 

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Thereza Cristina Cardoso Menezes[1]

 

 

  

https://doi.org/10.36920/esa32-2_st09   

 

 

Resumo: O texto propõe uma reflexão sobre o desenvolvimento amazônico tomando como suporte empírico duas experiências em curso de financeirização da natureza em propriedades rurais no Sul do Amazonas situadas nos municipios de Lábrea, Pauini e Apuí. Nos casos em análise, tratamos de iniciativas de compensação pela redução de emissões por desmatamento e degradação floresta (REDD+) e de novas práticas de conservação implementadas nessa região que vem enfrentando grande avanço do desmatamento. No primeiro caso, analisamos uma área em processo de demarcação de Terra Indígena vendida a uma empresa que comercializa desde 2021 NFTs (Non-Fungible Token, na sigla em inglês), ou Tokens não Fungíveis (em português) lastreados em itens reais da fauna e flora locais, um tipo de moeda virtual para proteger a Amazônia. No segundo caso, examinamos a formação de sociedades de fazendeiros que estão certificando milhares de hectares de áreas preservadas para a comercialização de créditos de carbono. O objetivo do texto é apontar as dinâmicas em curso do mercado de terras na fronteira agropecuária sul-amazônica derivadas de novas possibilidades de lucro obtido com a financeirização da natureza em áreas da Amazônia que têm sido duramente atingidas pelo desmatamento.

Palavras-chave: financeirização da natureza; Amazônia; créditos de carbono; NFT.

 

Abstract: This text reflects on Amazonian development based on two ongoing situations involving forest financialization currently underway on rural properties in southern Amazonas (Lábrea, Pauini and Apuí). We examine compensation schemes for reducing emissions from clearing and degradation of forests (known locally as REDD+) and new conservation practices in a region where deforestation is advancing significantly. The first case involves an area in the process of demarcation as an Indigenous territory which was sold to a company that since 2021 has been selling non-fungible tokens (NTFs) backed by real local fauna and flora items as a type of virtual currency to protect Amazonia. The second case involves societies of farmers forming to certify thousands of hectares of preserved areas to sell carbon credits. Our goal is to point out the current dynamics of the land market for the agricultural frontier in southern Amazonia that are resulting from new possibilities for profit arising from the financialization of environmental protection in areas of the Amazon hit hard by deforestation.

Keywords: Financialization; Amazon; carbon credits; NFT.

 

 

Introdução

Por muito tempo o desenvolvimento significou a promoção de políticas públicas, que produziram grande impacto em áreas ambientalmente preservadas do país. Em meados da década de 1960, os governos militares, sob o lema “integrar para não entregar”, elegeram a Amazônia como região estratégica para alavancar o crescimento econômico do país, tornando-a objeto de novos programas de governo e megainvestimentos. Uma oferta vultuosa de subsídios fiscais foram disponibilizados para atrair capitais privados para a região, oferecendo o suporte necessário para tornar o Norte do país um novo polo de desenvolvimento nacional.

 A partir da II Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida como Rio-92, o conceito de desenvolvimento sustentável se consolidou, tendo como premissa de desenvolvimento a necessidade premente de conciliar o crescimento da economia com a conservação ambiental. No âmbito desta reorientação de paradigmas, o Brasil abandonou o perfil defensivo adotado até então e passou a protagonista internacional nas questões ambientais. A partir da década de 1990, a Amazônia constituiu-se numa região estratégica no debate sobre o desenvolvimento planetário e atraiu vultuosos recursos para a preservação da floresta,[2] impondo ao governo brasileiro compromissos para a redução do desmatamento na região.

A combinação de maiores investimentos com compromissos políticos permitiu vitórias expressivas da política ambiental brasileira praticada nas últimas décadas. Iniciativas como o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM), com aumento da fiscalização e do monitoramento, permitiram períodos com queda acentuada das taxas anuais do desmatamento da Amazônia Legal[3] no período entre 2004 e 2014. Tal sucesso deve-se não apenas às ações estatais, mas a combinação de múltiplas variáveis relacionadas às vicissituides do avanço da fronteira agropecuária nesse período referentes à dinâmica de preços, oscilações de câmbio e oferta de créditos para a produção das commodities agrícolas (Menezes, 2022).

No período que abarcou os dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) houve um crescimento exponencial da produção agrícola na Região Amazônica ancorado na conjuntura externa muito favorável às commodities agrícolas e minerais que, por sua vez, foram alavancadas pelo expressivo desenvolvimento da economia chinesa em virtude da crescente demanda por esses produtos (Carvalho, 2018).[4]

O período foi marcado por uma forte pressão do setor agropecuário por mudanças normativas que permitissem maior produção como a segurança da expansão territorial do setor por meio da aceleração da destinação de terras públicas regularizadas na Amazônia. Refletindo esta demanda, em 2009 foi lançado o Programa Terra Legal, criado sob pretexto da promoção da regularização fundiária e da segurança territorial de pequenos agricultores e, posteriormente, a regularização de grandes apossamentos rurais que reforçaram as desigualdades no acesso à terra no universo rural da Amazônia Legal (Campbell, 2015, p. 162).

A regularização fundiária impôs-se como uma inflexão no discurso para o progresso da região e um operador conceitual que conciliava desenvolvimento, segurança ambiental e propriedade privada. Considerando este novo imperativo da apropriação privada da terra, a reforma agrária deixou de ser prioridade política e houve uma drástica redução da criação de assentamentos rurais. A regularização fundiária ganhou também a adesão de organizações socioambientais internacionais, que passaram a enfatizá-la juntamente com as ferramentas de vigilância e digitalização do território como um recurso eficaz e possivelmente mais ágil para a redução dos conflitos fundiários, monitoramento e punição do desmatamento ilegal da Floresta Amazônica (Menezes, 2023).

A partir dos anos de 2019-2022, período do governo de Jair Bolsonaro, o bioma Amazônico começou a registrar os piores índices de desmatamento da última década, além da multiplicacão de garimpos ilegais, resultantes de medidas administrativas que paralisaram as ações de fiscalização e medidas punitivas às infrações ambientais. A título de exemplo, entre janeiro e dezembro de 2021 foram destruídos mais de 10.000 km² de mata nativa, tendência que se manteve ao longo do ano de 2022, que registrou recorde da série histórica com a destruição de 10.267 km² de florestas, superando índices registrados em todos os anos anteriores.[5]

O Amazonas, estado historicamente mais preservado da Região Amazônica, superou índices históricos de devastação e se tornou o segundo estado que mais destruiu florestas em 2021, com a devastação concentrada em florestas públicas não destinadas, áreas privadas e assentamentos da reforma agrária situados nos municípios do Sul do estado, faixa que integra uma região de pungente desenvolvimento agropecuário denominada Amacro[6] (união das iniciais dos três estados AM, AC, RO). Em 2021, mais de 80% do desmatamento no estado do Amazonas se concentraram na região abarcada pela Amacro, segundo dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) e análise do Ipam (Sul, 2021).

A região da Amacro reúne municípios que se tornaram o epicentro do agronegócio dos três estados, registrando, por sua vez, os mais altos índices de desmatamento destes estados. Dentro do perímetro da Amacro estão cerca de 77% do desmatamento em Rondônia, 63% no Acre e 82% no Amazonas, reunindo em seus 454 mil km² mais de 35 abatedouros e 8 milhões de cabeças de gado, quantidade que supera, em aproximadamente cinco vezes, a população residente na região.

Tomando este contexto como ponto de partida, este artigo propõe uma reflexão a partir de dados etnográficos e documentais sobre experiências de financeirização da natureza em grandes propriedades rurais situadas em três municípios do Sul do Amazonas, localizados no arco do desmatamento,[7] apontando a interrelação entre dinâmicas agropecuárias tradicionais e inovadoras de apropriação da terra que apostam na rentabilidade das florestas, sinalizando a presença de uma rede complexa de novos atores do universo empresarial e finaceiro que atuam apoiados por formas ilegais de apropriação de terras, bem como ações estatais no plano executivo e legislativo que facilitam o acesso aos recursos naturais na fronteira amazônica.

A incorporação de incentivos econômicos às políticas ambientais é um tema que vem sendo longamente discutido no campo dos estudos sobre conservação ambiental e objeto de debates em fóruns internacionais. A título de exemplo, em 2001, a Organização das Nações Unidas (ONU) já sugeria a incorporação de incentivos econômicos às políticas ambientais (Constanza et al., 2014) e, em 2005, a Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (UNFCCC, sigla em inglês) propôs um sistema de compensação de emissões de carbono denominado REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal).

A possibilidade de compensar danos ambientais representou uma reorientação no debate a respeito da relação desenvolvimento e meio ambiente, ou seja, o desenvolvimento econômico poderia continuar de forma galopante mediante o pagamento de danos provocados por meio da contribuição para a preservação, valorando-se, portanto, os serviços ambientais prestados para a preservação de ecossistemas sensíveis.

A seguir, dados sobre a aéreas pesquisadas no Sul do Amazonas. Destaco que a perspectiva teórica adotada para interpretar os dados empíricos é inspirada em Grillo (1997), que propõe uma abordagem do desenvolvimento como um campo discursivo heterogêneo, plurivocal, ainda que hierárquico, mas profundamente condicionado por dinâmicas multiescalares permeadas por considerável influência das singularidades relacionadas a dinâmicas históricas e sociais locais. Do ponto de vista metodológico, a pesquisa sobre o tema das práticas de desenvolvimento atualmente em curso na Amazônia é desafiadora e exigiu as práticas tradicionais de trabalho de campo em comunidades ribeirinhas, indígenas e propriedades rurais, bem como gestores de instituições e organizações ambientais sediados no Sul do Amazonas. A pesquisa se estendeu ainda na internet, especialmente em sites com entrevistas e divulgação de empresas no Youtube e manifestações em redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram. Acompanhei ainda as postagens, declarações e material da imprensa local que mencionavam os diversos atores e empresas que integram a rede do mercado verde atuante no Amazonas.

Ao longo do texto, apresento brevemente a região, situando o atual padrão de desenvolvimento em curso nesta nas últimas décadas e, em seguida, analiso novos investimentos emergentes na região ancorados na financeirização da natureza em latifúndios com áreas de floresta remanescentes oportunizados pela possibilidade de recompensa financeira pela manutenção de florestas/estoques de carbono para a mitigação do aquecimento global.

O foco do texto recai sobre iniciativas em andamento nos municípios sul-amazonenses de Lábrea, Apuí e Pauini, localizados na fronteira do Amazonas com Rondônia, Acre e Mato Grosso, que despontaram recentemente nos rankings de desmatamento na Amazônia, especialmente durante os anos do governo de Jair Bolsonaro.

 

Experiências de financeirização no Sul do Amazonas

A mesorregião Sul do Amazonas se divide internamente nas seguintes microrregiões e seus respectivos municípios: Boca do Acre (Boca do Acre e Pauini), Purus (Canutama, Lábrea e Tapauá) e Madeira (Apuí, Borba, Humaitá, Manicoré e Novo Aripuanã). Esta é considerada a região economicamente mais promissora do agronegócio no estado do Amazonas, além do seu potencial hidrelétrico, em mineração e manejo florestal. Cerca de 1/3 das terras do Sul do Amazonas são legalmente protegidas por Terras Indígenas e Unidades de Conservação, restando, portanto, uma quantidade substantiva de terras públicas e privadas potencialmente disponíveis para outros fins (Santos; Pizziol, 2016).

 Municípios vizinhos da região pesquisada, como Humaitá, vêm assumindo um papel produtivo cada vez mais evidente na economia regional, em razão do crescimento acelerado da produção de soja, arroz e milho, cultivos estes que têm se expandido além das áreas de pastos. Em 2021, a unidade local do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas estimava o crescimento do plantio do município em 3 mil hectares de soja, 2,1 mil hectares de arroz e 400 hectares de milho (Idam, 2022). Municípios como Humaitá tornaram-se polos centrais de articulação do corredor logístico regional, transformando-se em área para o escoamento da soja produzida na região por meio de importantes investimentos públicos em infraestrutura como o Porto Graneleiro de Humaitá e o Anel Viário de Humaitá, que proporcionaram mais eficiência e agilidade para o escoamento da produção entre Rondônia/Sul do Amazonas para o Porto de Itacoatiara,[8] beneficiando e modernizando a cadeia produtiva regional.

O agronegócio brasileiro vem seguindo uma trajetória de crescimento de longo prazo, com expansão anual significativa das exportações. Em 2022, o setor era o responsável por aproximadamente um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) e participação em 20% do mercado de trabalho do país.[9] Desde a década de 1970, o rebanho bovino brasileiro cresceu cerca de dez vezes, alargando as exportações de carne bovina em um movimento impulsionado pelo crescimento econômico e a alta demanda chinesa por carne. A Amazônia foi responsável por mais de 90% desta expansão, ao custo do aumento de apossamentos ilegais de terra e a multiplicação de queimadas e desmatamentos em terras públicas e áreas de floresta.

O Sul do Amazonas concentra a maior parte do rebanho do estado, e se expandiu a partir da prática da “limpeza de terras”, ou seja, a supressão florestal com a venda de madeira, seguida da criação de pastos que agregam valor para a futura comercialização da terra. A aceleração deste processo na região pesquisada se deu a partir de áreas-vetores de expansão da fronteira agropecuária originadas em Rondônia e Acre (via regiões de Ponta do Abunã e Boca do Acre, por exemplo), tornando municípios como Lábrea[10] possuidor do maior rebanho bovino do estado, com 329.800 cabeças de gado em 2022.[11] Nesse mesmo ano, Lábrea ostentou a trágica colocação no primeiro lugar no ranking de municípios com maior área desmatada no Brasil, superando pela primeira vez o município de Altamira (PA).

Tal desmatamento atingiu especialmente assentamentos rurais, terras públicas e propriedades privadas no entorno da rodovia Transamazônica, que corta o município, atingindo ainda que em menor grau áreas protegidas do município, como as Reservas Extrativistas (Resex) do Médio Purus e Ituxi, a Floresta Nacional (Flona) do Iquiri e a Terra Indígena (TI) Jacareúba-Katawaxi.

A crescente relevância do Sul do Amazonas como polo de desenvolvimento agropecuário deriva do preço comparativamente reduzido da terra nesta área em relação aos municípios produtores de ocupação mais antiga, como Rondônia, o que vem tornando a região muito atrativa para investidores do mercado de terras e do setor agropecuário, pressionando a ampliação de áreas previamente desmatadas em direção às florestas.[12] O período de pesquisa de campo em Lábrea evidenciou esta dinâmica frenética de apropriação de terras, por meio de um movimento intenso de pick-ups potentes circulando na sede municipal e no trecho da rodovia Transamazônica que leva ao municipio, assim como um tráfego incomum de pequenas aeronaves no aeroporto da cidade que, desde a pandemia, teve uma drástica redução da quantidade des voos regulares.

O município de Apuí, vizinho ao de Lábrea, tem uma dinâmica semelhante, tornando-se o campeão de desmatamento na Amazônia em 2022, com 586 km² de florestas devastadas, em um ano em que todo o estado do Amazonas registrou a destruição de 2.071 km² de florestas. A devastação galopante e a multiplicação de focos de incêndios detectados por satélites neste município em grandes áreas florestais foram amplamente noticiadas pela imprensa, deflagrando-se uma enorme pressão internacional sobre o governo brasileiro, que foi duramente criticado pela incapacidade de conter a devastação da Floresta Amazônica.

Os incêndios em Apuí tornaram-se notícia recorrente, e o município foi alvo em 2019, 2020 e 2021 de três operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), uma medida extrema de emprego das Forças Armadas, quando há o esgotamento das forças tradicionais de segurança pública diante de situações de grave perturbação da ordem,[13] risco para a integridade da população ou para o funcionamento das instituições.

O uso da GLO para combater emergências ambientais foi um fato inédito até 2019, uma vez que a medida costumava ser adotada previamente[14]para situações como a segurança de grandes eventos ou graves explosões de violência. Como previamente assinalado, durante o governo de Jair Bolsonaro a fiscalização ambiental foi drasticamente reduzida na Amazônia, ao passo que multiplicaram-se as operações de GLO que aconteceram em 16 dos 34 meses do governo Bolsonaro. Na Amazônia, respectivamente, houve três GLO: Operação Verde Brasil (agosto a outubro de 2019), Verde Brasil 2 (maio a abril de 2020) e Operação Samaúma (junho a agosto de 2021), missões estas que drenaram cerca de R$ 550 milhões de verbas públicas para combate a emergências ambientais e que pouco redundaram em redução do desmatamento.

Os anos de crise ambiental na Amazônia foram também de crescente rentabilidade para as produções agrícolas no país, pressionando o alargamento de áreas produtivas e, consequentemente, a elevação do preço da terra. Os anos do governo Bolsonaro foram marcados pelo desmonte da fiscalização ou punição ambiental, favorecendo a ampliação do arco do desmatamento no Sul do Amazonas e o aquecimento do mercado de terras nesta região, especialmente no entorno da rodovia Transamazônica e BR-319, áreas com pastagens formadas ou propícias ao cultivo de grãos. O momento foi fortemente marcado pelo crescimento da apropriação ilícita de terras, amparada por documentos falsos e facilidades para realizar registros em cartórios locais e no Incra[15] de fazendas situadas nas áreas federais.

Simultaneamente às formas tradicionais de expansão da fronteira agropecuária anteriormente descritas, o período mencionado foi pontuado pela emergência de novas modalidades de uso das grandes propriedades rurais na região para fins de apropriação da terra e seus recursos para propósitos ambientais (Corson; Macdonald, 2012, p. 263), como uso das florestas nas propriedades rurais para a produção de créditos de carbono e demais produtos verdes valorizados pelas agendas ambientais e discursos de mudança climática. Tal fenômeno vem sendo conceituado pela literatura como apropriação verde e grilagem verde (green grabbing), ou seja a “mercantilização da natureza, e sua apropriação por um vasto grupo de atores, para uma variedade de usos – atual, futuro e especulativo – em  nome de ‘sustentabilidade”, segundo Fairhead, Leach e Scoones (Corson; Macdonald, 2012, p. 238).

Além de grandes oportunidades de lucro, os produtos verdes resignificam a natureza a partir de uma lógica mercantil e privatista em que ela é constituída como um capital e alicerce da economia verde (Corson; Macdonald, 2012, p. 241). As mercadorias verdes transitam fundamentalmente em um universo virtual e adquirem valor a partir de narrativas politicas e éticas da recuperação, resgate e responsabilidade que atraem muitos investidores que procuram eficácia e um papel ativo na governaça ambiental do planeta.

A financeirização é resultante dessa teia de agentes e motivações que resignificam a natureza como um capital financeiro. Os efeitos políticos mais evidentes da operação de máquina é o deslocamento da governança ambiental global dos estados para o mercado e a sociedade civil (investidores) na qual redes transnacionais de organizações privadas tornam-se formuladores de políticas ambientais internacionais (Corson; MacDonald, 2012). 

Durante o trabalho de campo realizado em 2023, adquiriu-se conhecimento sobre a compra de duas grandes propriedades na região, uma de 41 mil hectares e outra de 150 mil hectares, respectivamente adquiridas por um “fazendeiro de São Paulo” e um “empresário do setor madeireiro que atuava no Acre”. Ambos estavam buscando ampliar essas áreas adquiridas mediante a compra de novas terras nos municípios de Lábrea, Pauini e Apuí para investimento em créditos de carbono e NFTs, fato que apontava uma inflexão na dinâmica de investimentos em terras na região.

Esse movimento no mercado de terras manifesta o crescimento do mercado voluntário de crédito de carbono que vem aumentando globalmente nos últimos anos, impulsionado por empresas interessadas em compensar suas emissões de gases do efeito estufa. Em 2021, esse mercado decolou e quadruplicou em relação ao ano anterior, movido pela oferta de diversas empresas que desenvolveram projetos, especialmente na Amazônia (Silveira; Oliveira, 2021). No caso dos projetos baseados em desmatamento evitado, o desenvolvedor precisa comprovar que a floresta da região sofre grande risco de ser desmatada e que seu projeto é fundamental para manter a sua integridade ambiental, uma vez que as reduções de emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE) associadas a um crédito de carbono não teriam ocorrido sem os recursos fornecidos pelo projeto de carbono. A seguir, dois estudos de caso no Sul do Amazonas.

 

NFTs em terras Apurinã: o caso Nemus

A empresa brasileira Nemus (Nemus Earth) está no centro de um conflito envolvendo a compra de milhares de hectares de terras tradicionalmente ocupadas em Pauini (área de fronteira com Lábrea) para a geração de ativos digitais no perímetro territorial pertencente a indígenas da etnia Apurinã,[16] cujos recursos naturais estariam sendo explorados sem a adoção dos devidos trâmites de consulta livre, prévia e informada. A empresa Nemus está operando na área destinada à Terra Indígena Baixo Seruini/ Baixo Tumiã, situada entre os municípios de Lábrea e Pauini, o qual se encontra em processo de reconhecimento.

A presença Apurinã nessa região é muito antiga, com registros de viajantes deste povo desde meados do século XIX, assim como dos demais coletivos indígenas da região do médio Purus como os Deni, Paumari, Jamamadi, Jarawara, Suruahá, Hi-Merimã e Banawá. A história Apurinã foi marcada por conflitos que caracterizaram a abertura de seringais. Os seringueiros organizavam expedições armadas denominadas “correrias” para invadir aldeias sob justificativa de responder aos ataques indígenas ou se apossar de seus territórios (Schiel, 1999, 2004).

O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) teve um posto em funcionamento por mais de duas décadas na região do rio Seruini, afluente do rio Purus, chamado Posto Marienê, criado em 1913 e desativado na década de 1940, por ocasião de um histórico de conflitos com seringueiros que resultou na morte de dezenas de Apurinã.[17]

Em 1975, período do governo militar, a Funai permitiu a compra dessa área de presença indígena pela empresa Madeireira Nacional, conhecida como Manasa,[18] atestando formalmente não haver conhecimento da existência de aldeamentos indígenas na área, permitindo, inclusive, que a empresa captasse recursos com incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) para expandir suas atividades. A Manasa compreendia uma imensa área que abrangia parte das atual TI Tumiã, a foz do rio Seruini e a TI Guajahã, o que pressionou o reconhecimento e a demarcação de terras pelos indígenas.

No caso da área da Terra Indígena Seruini-Tumiã, desde 2012, o povo Apurinã aguarda a conclusão do processo de demarcação da sua terra. O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTDI) foi concluído, mas até 2023 ainda não havia sido avaliado pela Presidência da Funai, criando uma situação de grande insegurança e ameaça aos indígenas desse território.[19]

No final de 2021, a propriedade registrada em nome da madeireira foi vendida à Nemus, negócio possivelmente estimulado pela prerrogativa política de “demarcação zero”de terras indígenas e de prioridade ao agronegócio, eixos do programa de governo de Jair Bolsonaro, expressos em medidas infralegais publicadas durante sua gestão, como a liberação, em 2020, da certificação de propriedades rurais pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) dentro de terras indígenas ainda não homologadas.[20] No início de 2022, a empresa Nemus foi autorizada a entrar na Terra Indígena pela Assessoria de Acompanhamento de Estudos e Pesquisas da Funai (Aaep),[21] então chefiada por um policial federal, sob protestos dos funcionários da Coordenação Regional da Funai do Médio Purus, situada em Lábrea.[22]

A empresa Nemus iniciou já em 2022 o comércio de NFTs (Tokens não Fungíveis)[23] em áreas bem conservadas ambientalmente da antiga madeireira, localizadas no município de Pauini, se comprometendo com os compradores a manter a integridade da proteção ambiental da área. Os tokens são lastreados em itens reais da fauna e flora locais da região, e a empresa pretende impulsionar, além dos NFTs, a produção de castanha para exportação e abrir uma pista de pouso entre os rios Seruini e Pauini. Segundo informações do site da empresa,[24] há quatro grandes porções (drops) de terra disponíveis para comercializações próximas ao rio Purus (ver Mapa 1 a seguir que mostra a terra indígena Baixo Tumiã/Baixo Seruiní e a área dos NFTs anunciados pela Nemus). No decorrer da pesquisa, apenas um dos “drops”, com cerca de 10 mil NFTs possuíam fichas digitais disponíveis para compra imediata (Bispo, 2023). A compra de um NFT não implica a posse física da terra, mas uma representação simbólica e virtual do território real.

 

Mapa 1 –  Área aproximada da Terra Indígena Baixo Tumiã/Baixo Seruiní e área dos NFTs anunciadas pela Nemus

 

 
 
Fonte:
Reprodução (Pajolla, 2022).

 

Os ativos digitais NFT da Nemus são vendidos on-line por valores entre 150 dólares e 51.000 dólares em moedas virtuais, de acordo com o site da empresa disponível em 12 idiomas. Desde 2021, esses tipos de ativos digitais ganharam destaque no mercado, movimentando bilhões de dólares. A valorização está ancorada na exclusividade e confiança da autenticidade, além da possibilidade de rastreabilidade associada à tecnologia blockchain, que permite mais controle sobre a prática de fraudes relacionadas a operações de compra e venda. Os desenvolvedores de projetos NFTs podem limitar o número de uma propriedade digital específica, impulsionando o valor em função da sua escassez. É um negócio de natureza especulativa cujos preços e interesse dependem do valor socialmente atribuído e da cobiça por bens exclusivos com grande retorno financeiro por parte dos investidores.

A Nemus negociou em apenas um dia 10% de sua oferta inicial de Tokens não Fungíveis disponibilizados, ativos que representavam 8 mil hectares florestais, sinalizando a perspectiva promissora para a conversão de terra preservada em ativos digitais NFT. Os lotes à venda têm tamanhos variados entre um quarto de hectare e 81 hectares (0,6 a 200 acres), os compradores podem localizá-los por meio de mapas on-line disponíveis e o seu dono poderá acompanhar em tempo real os projetos de conservação e atividades economicamente sustentáveis.

A Nemus é dona de uma área de 41 mil hectares de floresta no estado do Amazonas rica em madeiras e castanhais e com a expectativa de negociar aproximadamente US$ 5 milhões com a venda de NFTs. Com o lucro, a empresa pretende investir na compra de mais 2 milhões de hectares de terra no município de Pauini para expandir o negócio e apoiar o desenvolvimento sustentável e a bioeconomia (castanha e, possivelmente, madeira, mediante planos de manejo) em uma região fortemente pressionada pelo desmatamento.

O caso da empresa Nemus evidencia a corrida empresarial para emissão de créditos de carbono nas terras preservadas no entorno das áreas mais ameaçadas da Amazônia, gerando ativos lastreados na floresta e na produção extrativista. Destaque-se que o benefício à comunidade da localidade é pedra angular da valorização das NFTs pelos compradores. A Nemus adquiriu um latifúndio envolvido em um moroso processo burocrático de destinação para os povos indígenas, fato possibilitado por uma conjuntura política anti-indígena e muito favorável a modalidades de apropriação privada da terra e das florestas, avaliadas neste momento como produto lucrativo no mercado financeiro diante da emergência climática e do evidente fracasso do Estado brasileiro na missão de proteger suas florestas e respectivas populações.

Para além da propaganda positiva de sustentabilidade e respeito às comunidades divulgada aos clientes, a narrativa da Nemus se apoia em uma proposta de governança territorial e social para uma vasta área do município de Pauini, baseada em ações de restauração florestal, incentivo ao extrativismo sustentável e com valor agregado e, sobretudo, na promessa de gestão empresarial do mundo social no município de Pauini, com investimento em infraestrutura e serviços, como na construção de clínicas e escolas comunitárias e na geração de empregos.

A Nemus foi criada por um grupo de empresários brasileiros do setor de manejo florestal sustentável. Entre seus principais fundadores está Flavio de Meira Penna, CEO da Nemus, 65 anos, nascido em Nova York, mas com longo período de residência no Rio de Janeiro, o que permitiu a sua fluência em português. Em entrevistas, disponíveis no YouTube,[25] ele se autodefine como treehugger (abraçador de árvores), empreendedor e conservacionista, possuindo no currículo profissional cargos de gerência em grandes empresas da área de Tecnologia da Informação, bancos, startups e iniciativas empresariais no ramo madeireiro. Nas décadas de 1980 e 1990 Penna trabalhou com Organizações Não Governamentais captando recursos externos para investimento em projetos ambientais.

Além da expertise obtida no universo do financiamento ambiental, Flavio Penna tem na sua trajetória profissional a aquisição e recuperação de empresas falidas, iniciando suas incursões empresariais na Amazônia com a compra e recuperação de uma empresa madeireira em Xapuri/AC, que atualmente exporta 98% da produção (produtos de madeira legalizada) para a Europa e os Estados Unidos. Em entrevistas concedidas à imprensa especializada em finanças, Flavio Pena costuma atribuir à influência dos seus filhos o seu interesse recente no investimento em NFTs. Sua filha é funcionária do governo norte-americano e atua no campo da meteorologia e mudanças climáticas, e seu filho é operador do mercado de criptomoedas. Desse encontro entre a própria trajetória ambiental-empresarial e as influências familiares teria surgido a ideia de “criar uma moeda virtual para proteger a Amazônia”.

Segundo Penna, o NFT é um mecanismo sustentável de proteção ambiental, que evita as formas tradicionais de captação de recursos externos tal qual ele realizava no passado para as ONGs ambientalistas. Sua aposta atual é evitar mediadores e criar uma ponte direta entre realizadores de projetos ambientais e os investidores interessados, permitindo a formação de uma comunidade de “guardiões da floresta” que fiscalizam seu investimento monitorando a proteção da terra adquirida/NFT com satélites e, futuramente, drones. Somado a isso, criam-se condições para o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis, que permitam agregar valor no local onde se desenvolve o projeto, melhorando efetivamente a qualidade de vida das comunidades amazônicas. Em suma, estrutura-se uma “governança” em que a empresa capta recursos diretamente no mercado e suprime a necessidade do Estado e das ONGs.

A área de 41 mil hectares adquirida pela Nemus possui um antigo plantio abandonado com mais de 200 mil castanheiras produtivas e inexploradas há anos, em virtude dos conflitos pelo direito de uso entre comunidades indígenas Apurinã após a criação da Resex Médio Purus e os estudos (RTDI) da TI Seruini/Tumiã. Tal conflito foi potencializado por anos de embates de competência entre gestores institucionais da Funai e do ICMBio, incapazes de mediar as tensões entre lideranças e colaborar para selar acordos de uso benéficos para ambas as comunidades. Um dos projetos prioritários da Nemus é explorar o enorme potencial dos castanhais a partir da construção de uma fábrica com capacidade de coletar, processar, embalar, criar uma marca e exportar a sua produção. Atualmente, as comunidades da região vendem o quilo da castanha por menos de 50 centavos de dólar, enquanto a castanha pode chegar a ser vendida em um supermercado na Europa ou nos Estados Unidos pelo equivalente a 25 dólares/quilo.

Há um ano vieram a público denúncias de possível pressão da empresa Nemus para que indígenas assinassem documentos em apoio à exploração dos grandes castanhais do território adquirido, assim como as promessas da empresa de abertura de uma pista de pouso e de estrada entre o rio Seruini e o município de Pauini. Em meados de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas acionou a Nemus e solicitou que a empresa comprovasse a propriedade da terra, a consulta às comunidades indígenas e a autorização da Funai para exploração econômica da área. Após as denúncias, a Nemus se manifestou na sua conta no X (ex-Twitter) informando que a terra é propriedade privada e sem sobreposição com quaisquer terras indígenas, e que teria prestado as informações necessárias para as instituições brasileiras. Em um canal norte-americano do YouTube, Flavio Pena mencionou que os indígenas que demandam as terras compradas pela Nemus seriam na verdade “invasores” de suas terras,[26] ainda que nos vídeos de divulgação da empresa constem esta parceria e o apoio de indígenas e extrativistas das comunidades tradicionais que vivem na região do Seruini.[27]

 

Fazenda Fortaleza Ituxi

O segundo caso de interesse deste artigo consiste no projeto de REDD+[28] da Fazenda Fortaleza Ituxi, localizado numa propriedade no Sul do município de Lábrea, que vem se notabilizando pela proteção das florestas e apoio ao manejo sustentável comunitário de açaí e castanha em uma área privada de 150 mil hectares. Tal negócio surgiu no campo de possibilidades a partir da expansão do mercado voluntário de carbono derivado do compromisso da maior parte dos países em compensar todas as suas emissões de gases do efeito estufa até 2050 ou 2060, impulsionando setores poluidores a comprar créditos no mercado voluntário.

O plano de manejo florestal da Fazenda Fortaleza Ituxi iniciou-se em 2013 com um planejamento com duração prevista para trinta anos de comercialização e venda de créditos de carbono.[29] O proprietário da fazenda informou ter investido cerca de 1 milhão de reais para custear os diversos trâmites de certificação[30]e no constante monitoramento para garantir a integridade ambiental da propriedade contra invasões e tentativas de desmatamento provocadas pelos madeireiros que atuam na região.

Ao final de 2020, o fazendeiro concluiu sua primeira venda de créditos de carbono, fato amplamente divulgado na imprensa, assim como o seu lucro de 18 milhões de reais[31] com o negócio. O projeto de REDD+ da Fazenda Fortaleza do Ituxi foi desenvolvido pela Carbonext,[32] empresa que cria e monitora diversos projetos florestais de REDD+ na Amazônia. Posteriormente, a empresa Moss tornou-se parceira do empreendimento atuando na etapa de negociação e venda dos créditos de carbono emitidos pela fazenda.

Como pode-se observar, a entrada no negócio de REDD+ exige investimentos, tempo com rigorosos trâmites e uma rede de empresas parceiras para que a propriedade atenda os critérios do mercado e alcance os potenciais compradores. Uma das parcerias estabelecidas pela Fazenda Ituxi foi com a Carbonext, a empresa que mais tem gerado créditos de carbono por desmatamento evitado no Brasil. A Carbonext foi fundada em 2010 e, em 2022, recebeu um aporte de 40 milhões de dólares da petrolífera Shell. Muitos dos atuais projetos em curso da Carbonext foram desenvolvidos com proprietários de terras, que geralmente se associam para aumentar a área oferecida no mercado de créditos de carbono. Além de estabelecimentos agropecuários, a empresa iniciou negociações para o estabelecimento de parcerias com associações indígenas[33] e outras comunidades tradicionais, oferendo-lhes projetos elaborados em troca de uma comissão de 30% dos créditos que conseguissem negociar no mercado de carbono.

A negociação dos créditos de carbono é uma etapa delicada do negócio do carbono e requer conhecimento de um mercado ainda muito novo e instável. A empresa Moss começou a operar oficialmente em 2020, e se autointitula a primeira bolsa de carbono brasileira, permitindo aos investidores adquirir “tokens” associados aos créditos de carbono, constituindo uma loja digital que comercializa os créditos gerados atualmente por seis projetos sustentáveis localizados na Amazônia. Os créditos da Moss (MCO2 Token) podem ser comprados na plataforma da empresa e também estão listados em bolsas de criptomoedas como o mercado Bitcoin, Gemini, Global, entre outros.

O diretor executivo da Moss Luis Adaime – há inúmeras entrevistas dele disponíveis no YouTube[34] – possui trajetória profissional no mercado financeiro, tendo ocupado por cinco anos o cargo de vice-presidente do CreditSuisse. Em 2021, a Moss já possuía quatro projetos em atividade: Santa Maria (77 mil hectares no Norte do Mato Grosso e Amazonas), Madre de Dios (99 mil hectares no Peru), Agro Cortex (186 mil hectares entre os estados do Acre e Amazonas) e Fazenda Ituxi (com 150 mil hectares em Lábrea, no Amazonas). Em 2020, a Moss transacionou um total de 6 milhões de dólares em crédito de carbono e, até o final de 2021, acumulou 20 milhões de dólares em negociações.

O proprietário da fazenda Fortaleza Ituxi é Ricardo Stoppe, médico e empresário, nascido no interior de São Paulo. Sua jornada na Amazônia se iniciou no ano 2000, quando comprou terras no Mato Grosso que, posteriormente, foram vendidas para a aquisição de uma propriedade maior, com 150.000 hectares de terra, parcialmente desmatada na região do rio Ituxi, no Sul de Lábrea. Stoppe iniciou atividades nesta propriedade na pecuária, mas, segundo seu relato, obstáculos logísticos, com as legalizações ambientais e os conflitos com autoridades locais, o desestimularam a dar continuidade a atividade na propriedade.[35]

Stoppe tomou conhecimento de projetos de créditos de carbono bem-sucedidos e muito lucrativos no Acre, desenvolvidos em parceria com empreendedores norte-americanos, e iniciou a busca de aportes e associações para obter as certificações necessárias para comercializar os créditos de carbono de sua propriedade. Esse processo durou dois anos e, segundo ele, foi permeado por inúmeras dificuldades, especialmente na etapa de negociação dos créditos produzidos.

Desde 2020, Ricardo Stoppe se tornou garoto-propaganda das propriedades rurais comprometidas com a preservação, e o sucesso de seu empreendimento tem sido amplamente noticiado pela imprensa, que o retrata como um empresário visionário e ambientalmente comprometido, empregador de 150 comunitários e responsável por conservar mais de meio milhão de hectares nas ameaçadas florestas no Sul do Amazonas. O sucesso da comercialização dos créditos de sua propriedade demonstra que “preservar dá dinheiro”, “filosofiaque inspirou outros trinta proprietários de cerca de 130.000 hectares da Região Sul de Lábrea, que se entusiasmaram e decidiram se associar a Stoppe para a obtenção da certificação e comercialização dos créditos das áreas preservadas de suas propriedades rurais. Associado às empresas como a Moss e a Carbonex, Stoppe buscava ampliar seus domínios territoriais na região, tendo informado em entrevistas estar negociando mais 270.000 mil hectares de terras no município de Apuí, que pretendía certificar para futura negociação de créditos de carbono.

Em 5 de junho de 2023, Dia do Meio Ambiente, o empresario Ricardo Stoppe foi preso preventivamente e apontado pela Polícia Federal como líder de um possível esquema de fraudes na comercialização de créditos de carbono lastreadas em terras griladas da União, apropriação ilegal de cerca de 538 mil hectares de terras públicas e uso fraudulento da emissão de documentos para legalizar madeira extraída de áreas proibidas.

 A chamada Operação Greenwashing da Polícia Federal investigou a existência de certificados fraudulentos baseados na falsificação de dados de cartórios e órgãos públicos do Amazonas, obtidos por meio de uma rede de corrupção envolvendo servidores públicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e Secretaria de Estado das Cidades e Territórios do governo do Amazonas.

O fato foi amplamente noticiado pela imprensa como “escândalo do carbono”, apontando que o grupo empresarial de Ricardo Stoppe usava áreas griladas, especialmente na região da Floresta Nacional (Flona) do Iquiri, gerida pelo ICMBio, situada em Lábrea. A elaboração de projetos de crédito de carbono se consolidavam porque a certificadora internacional (Verra) não verificava a cadeia dominial das terras.[36]

 

Considerações finais

Os dois estudos de caso apresentados previamente, baseados nos projetos de NFTs da Nemus e REDD+ da Fazenda Fortaleza do Ituxi, estão relacionados ao pungente mercado verde, e o Brasil de destaca com capacidade de atender a quase metade da demanda global. Como o país ainda não tem um mercado regulado, conta principalmente com o impulso do mercado voluntário de carbono controlado por empresas, organizações e pessoas físicas, e o preço é estabelecido em função dos projetos.

 O adjetivo “voluntário” deve-se ao fato de que as empresas compradoras de créditos o fazem sem imposições legais, mas pressionadas pela demanda crescente de investidores e consumidores de empresas ambientalmente responsáveis. Esta situação difere do que ocorre em países da União Europeia ou dos Estados Unidos e Canadá, cujas empresas que ultrapassam seus limites de emissão de carbono regulados legalmente são obrigadas a adquirir créditos no mercado para compensação de suas emissões.

 No entanto, em julho de 2023, o governo federal apresentou uma proposta de regulamentação do mercado de carbono que deverá ser aprovada pelo Congresso Nacional até a Conferência da ONU sobre Mudanças do Clima, prevista para 2025. O modelo defendido pelo governo é semelhante ao praticado internacionalmente e tem o apoio do setor produtivo, prevendo a coexistência de mercados regulados e voluntários para a redução das emissões dos gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global. A proposta prevê a criação do Sistema Brasileiro do Comércio de Emissões, limitando as emissões a partir de 25 mil de toneladas de carbono equivalente/ano. As empresas passariam a ser reguladas e receberiam cotas de emissão a cumprir que, caso não fossem alcançadas, teriam que ser compensadas no mercado regulado ou voluntário.

Como apresentado no estudo de caso anterior, mesmo em áreas com projetos certificados, não há garantias de que tais projetos assegurem a integridade ambiental na região onde estão situados ou que não restrinjam o esforço de proteção apenas à circunferência de sua própria área produtiva delimitada. Ou seja, uma área muito protegida e emissora de créditos de carbono pode estar cercada de áreas voltadas para atividades agropecuárias e impulsionadoras de desmatamento.

Os casos examinados apontam que terras disponíveis no Sul do Amazonas têm se articulado para potencializar investimentos na financeirização da proteção ambiental combinados com formas tradicionais de extrativismo de grande valor comercial disponíveis nas florestas e com crescente demanda do mercado internacional, como a madeira, a castanha e o cacau.

A economia de carbono, tal qual a bioeconomia empresarial, vem crescendo na Amazônia intensificadas pelo estímulo da emergência climática e pelo imperativo da apropriação privada como a melhor alternativa para a governança territorial e ambiental eficiente da Região Amazônica. Tal cenário se beneficia das tradicionais ferramentas de expropriação e apropriação ilegal de terras públicas e tradicionais, conforme enfatizado nos dois casos analisados no Sul do Amazonas, potencializadas pela emergência de um círculo de profissionais experientes de projetos ambientais e do mercado financeiro com vasto trânsito e experiência acumulada no comércio internacional.

Neste cenário, as novas formas privadas de governaça do território são incrementadas pelas recentes normativas de regularização e aceleração da digitalização para resolver com celeridade o gargalo do “caos territorial amazônico”, ao passo que persiste a morosidade burocrática dos processos de destinação de terras públicas e regularização de terras tradicionalmente ocupadas.

O agravamento da crise ambiental torna cada vez mais estratégica a preservação do bioma amazônico para a regulação do clima, mas a imposição das formas financeirizadas da proteção à natureza tem conferido aos indígenas e extrativistas do Sul do Amazonas um papel subalterno, uma vez que a proteção ambiental vem se constituindo uma relação de mercado direta entre produtores, consumidores e especuladores de ativos financeiros.

 

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Como citar

MENEZES, Thereza Cristina Cardoso. Latifúndios de carbono e moedas virtuais para proteger a Amazônia: a corrida por terras e financeirização da natureza. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 32, n. 2, e2432213, 20 dez. 2024. DOI: https://doi.org/10.36920/esa32-2_st09.   

 

 

 

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[1] Docente permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Doutorado em Antropologia Social pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN-UFRJ). E-mail: therezaccm@uol.com.br.       

[2] Refiro-me aqui especialmente ao Programa-Piloto para Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PPG7), lançado em 1993. O programa aprovou recursos que totalizaram US$ 250 milhões e constitui-se num dos maiores projetos ambientais implementados em um único país.

[3] Área correspondente a nove estados do Brasil (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins e parte do estado do Maranhão), totalizando cerca de 61% do território brasileiro.

[4] A partir de 2003, a politica internacional brasileira caracterizou-se pelo alinhamento Sul-Sul, permitindo a abertura de novos mercados receptores dessas mercadorias dentro de um cenário internacional favorável ao comércio dos produtos in natura. Houve um estreitamento das relações com a China, por exemplo, garantindo superávits consideráveis à balança comercial brasileira.

[5] Dados respectivamente divulgados pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), e do Sistema Deter-B, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe).

[6] O nome Amacro foi inspirado na região agropecuária denominada Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), designativo da então nova grande fronteira agropecuária do país.

[7] Faixa da Região Amazônica que concentra os maiores índices de destruição florestal provocada por queimadas e desmatamento e que tem sido acometida de secas cada vez mais severas e frequentes. O arco do desmatamento correspode a cerca de 500 mil km2 e vai do Oeste do Maranhão e Sul do Pará em direção ao Oeste da Amazônia, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre.

[8] A extensão navegável do rio Madeira é de 1.060 km, entre Porto Velho (RO) e a foz, em Itacoatiara (AM). Destes, aproximadamente 180 km estão dentro dos limites do estado de Rondônia e 876 km no estado do Amazonas.

[9] O Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio brasileiro é calculado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea – Esalq/ USP) em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Cepea/USP e CNA (2021)

[10] Lábrea possui 12 Terras Indígenas, duas Reservas Extrativistas, duas Florestas Nacionais e um Parque Nacional.

[11] Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/cidades). No ranking, Lábrea é seguida de Boca do Acre e Apuí.

[12] Informação obtida por meio de entrevistas durante trabalho de campo realizado entre maio e julho de 2023 com pessoas que adquiriram terras em Lábrea, majoritariamente provenientes de Rondonia. Tal informação foi pesquisada e conforrmada pelos sites de imóveis que vendem fazendas e sítios em Labrea.

[13] A respeito dos incêndios no Sul do Amazonas, especialmente sobre a importância de Apuí na deflagração do “dia do fogo” na Amazônia, ver Menezes (2022).

[14] A GLO está prevista no Texto Constitucional de 1988 e foi regulamentada por lei complementar em 1999 no governo de Fernando Henrique Cardoso. Antes da lei complementar, as operações de GLO foram convocadas em 1994, para garantir a segurança durante a conferência da ECO-92 e, em 1996, após os assassinatos no campo em Eldorado dos Carajás/PA.

[15] Em 2021, por exemplo, a Jjustiça atendeu à solicitação da Procuradoria Federal de cancelamento das matrículas e registros dos seguintes imóveis registrados no Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Lábrea/AM: Fazenda Brasileira II; Fazenda Brasileira I; Fazenda Brasileira III; Fazenda Ferrari; Fazenda Ômega; Fazenda Boa Vista; Fazenda Terra Boa; Fazenda Santa Rosa; Fazenda América parte I; Fazenda América parte II; Fazenda Canaã; Fazenda Boa Fé; Fazenda Panorama; e Fazenda Recanto.

[16] Os Apurinã se autodenominam Pupỹkary.

[17] A região que envolve a calha do rio Purus tornou-se mais intensamente povoada em virtude da grande exploração dos seringais, iniciada na década de 1870. Com a Segunda Guerra Mundial e o aumento da demanda da borracha, cerca de 50 mil nordestinos foram transportados para o Amazonas, em meados do século XX, para trabalhar como seringueiros, denominados então “soldados da borracha”.

[18] A Manasa foi criada em São Paulo em 1940 para comercializar madeira, possuindo uma unidade operacional em Guarapuava (PR). Em 1991, a Manasa fundou a Frutasa, produtora de maçãs, sediada nesse município paranaense, e, em 2001, a empresa assumiu o controle da Samco, empresa exportadora de madeiras de pinus. Em 2004, a Manasa informou a venda de parte de suas florestas maduras (com mais de cinco anos) para a americana Viking Global Timber Fund, sediada em Boston, por US$ 32,891 milhões, com o objetivo de pagar dívidas com seus acionistas

[19] Em identificação pela Portaria no 425, de 23 de abril de 2012. Já estive duas vezes na região acompanhando assembleias e reuniões da Comunidade Limeira (Resex Médio Purus), situada dentro do rio Seruini e vizinha de aldeias da Terra Indígena Seruini. O uso de castanhais da área da Manasa tem sido frequente objeto de disputa entre comunidades extrativistas da Resex e indígenas, e tal rivalidade vem sendo instrumentalizada pela empresa Nemus, por meio da cooptação de lideranças pertencentes aos dois grupos, com promessas de desenvolvimento das comunidades.

[20] Instrução Normativa no 9, de abril de 2020, publicada pela Funai.

[21] Há o Ofício no 32/2022, de 17 de março de 2022, da Assessoria de Acompanhamento aos Estudos e Pesquisas (Aaep), então chefiada pelo delegado da Polícia Federal Alexandre Rocha dos Santos que, embora não autorize textualmente o ingresso, não o proíbe, liberando na prática a entrada na TI Baixo Tumiã/Baixo Seruini.

[22] Durante a pandemia, a entrada em terras indígenas foi proibida pela Portaria no 419/2020, assinada pelo presidente da Funai Marcelo Xavier. A norma impedia a entrada de não indígenas nas comunidades e previa que as exceções à regra deveriam ser autorizadas pelas Coordenações Regionais (CRs) da Funai.

[23] Cada token possui a arte de uma planta ou animal da Amazônia, realizada pela Concept Art, empresa com sede em São Francisco, que desenvolve conteúdos de NFTs.

[24] Disponível em: https://nemus.earth/pt_br/. Acesso em: 10 dez. 2023.

[25] Entrevista concedida ao Agromais, disponível no Youtube em https://www.youtube.com/watch?v=qrDOxzvSfcY.

[26] Trecho com a declaração do dono da Nemus sobre a “invasão dos indígenas” em vídeo informativo produzido por Brasil de Fato.

[27] Vídeo-propaganda da empresa divulgando a iniciativa e o apoio de representantes das comunidades e liderança indígena no cartório mudando o nome da terra para “NFT”. Disponível em: https://youtu.be/HlVD4qmowqI?feature=shared. Acesso em: 12 jan. 2024.

[28] REDD – Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, é um suporte financeiro para projetos sustentáveis que estão reduzindo o desmatamento.

[29] Um crédito equivale a 1 tonelada de carbono que foi retirado da atmosfera ou deixou de ser emitido. Os seres humanos emitem cerca de 55 bilhões de toneladas por ano e apenas 20% disso é mitigado.

[30] O projeto da Fazenda Fortaleza Ituxi é certificado pela Verra, a mais destacada entidade de certificação de redução de emissão de carbono do mundo.

[31] Dentre os compradores dos créditos oferecidos pela Fazenda Ituxi estão: IFood, C6 Bank, Grennco.

[32] Disponível em: https://www.carbonext.com.br/projects/fortaleza-ituxi. Acesso em: 13 jan. 2024.

[33] Entre as comunidades que realizaram parcerias com a Carbonext estão comunidades Kayapó, no Pará. Em Mato Grosso, há parcerias com os Cinta Larga e os Arara. No Amazonas, com os Munduruku e, em Rondônia, com os Surui Paiter.

[34] Entrevista de Luiz Adaime no canal do Youtube do Bradesco concedida em setembro de 2022. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=8_RXfGXaXL0. Acesso em: 10 jan. 2024.

[35] Ricardo Stoppe foi convocado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Biopirataria a depor em audiência pública em 2006 para averiguação de denúncias de extração ilegal de madeira patrocinada por empresas ligadas ao então governador do estado de Rondônia, Ivo Cassol.

 

[36] Segundo matéria publicada pela Amazônia Real em 3/7/2024, após a deflagração da operação policial, a Verra suspendeu as contas do grupo empresarial, ou seja, o Projeto REDD+ Unitor (Projeto Verra 2508), Projeto REDD da Fortaleza Ituxi (Projeto Verra 1654) e Projeto REDD+ Evergreen (Projeto Verra 2539).