ESA_logo.png                                         Recebido: 10.dez.2023   •    Aceito: 4.nov.2024   •    Publicado: 20.dez.2024




Seção Temática
Agronegócio, Infraestrutura Logística e Dinâmicas Fundiárias na Amazônia


                                                                                                                                                                                                                                            
Acumulação primitiva no Baixo Amazonas/PA: as disputas territoriais em torno do lago do Maicá e o Complexo Portuário da Embraps em Santarém – PA

Primitive accumulation in the Lower Amazon, Pará: territorial disputes around Lake Maicá and the Embraps port complex in Santarém, Pará

 

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Rogério Almeida[1]

 

 

  

https://doi.org/10.36920/esa32-2_st07   

 

 

Resumo: O debate em torno da acumulação primitiva é a baliza teórica na reflexão sobre as situações de disputas territoriais e de projetos de desenvolvimento na região do Planalto Santareno, em particular, no espaço denominado lago do Maicá, no Baixo Amazonas, ou o Oeste do Pará. No lócus em questão coexistem populações indígenas, quilombolas e camponesas, estas, alvo da sanha do capital encarnado, entre outros setores, pela Embraps (Empresa Brasileira de Portos de Santarém), que visa edificar na região um complexo portuário. O projeto integra um pacote de macropolíticas de desenvolvimento que ambiciona consolidar o Baixo Amazonas como um corredor de exportação de commodities. A reformulação de Planos Diretores consta entre as medidas mobilizadas pelas forças do capital em aliança com setores conservadores da região, como recurso jurídico em direção à incorporação de espaços aos circuitos da agricultura capitalista, a partir de grandes obras de infraestrutura. É justo sobre as situações antagônicas embutidas no espaço do lago do Maicá que reside o objetivo do presente artigo.  Ele resulta, além de revisão bibliográfica e análise documental, a exemplo do Relatório de Impacto Ambiental (Rima), do projeto e do Plano Diretor, de atividades de campo sistemáticas na região antes da pandemia do coronavírus, e esporádicas, após o período de isolamento, e de observações em eventos locais que contemplavam o tema em questão.

Palavras-chave: acumulação primitiva; Amazônia; desenvolvimento.

 

Abstract: The debate around primitive accumulation serves as a theoretical guide for reflecting on situations of territorial disputes and development projects in the Planalto Santareno region, particularly the space known as Lago do Maicá in the Lower Amazonas and western Pará. Here Indigenous, Quilombola and peasant populations coexist, and are the targets of intensive capital efforts including plans by Embraps (Empresa Brasileira de Portos de Santarém) to build a port complex in the region. The project is part of a package of macro-scale development policies to consolidate the Lower Amazon as a commodity export corridor. Reformulation of master plans is just one of the measures mobilized by the forces of capital, in alliance with conservative sectors in the region, as a legal resource to incorporate spaces into the circuits of capitalist agriculture through large infrastructure projects. This article focuses on the antagonistic situations embedded within the space of Lago do Maicá. In addition to a bibliographical review and analysis of documents like the project's environmental impact report and the master plan, the findings are derived from systematic field activities in the region prior to the coronavirus pandemic and sporadic efforts after social isolation efforts, as well as observations at local events covering this topic.

Keywords: primitive accumulation; Amazon; development.

 

 

 

 

“As armas e os barões assinalados

Que da Ocidental praia Lusitana,

Por mares nunca dantes navegados

Passaram ainda além da Taprobana,

Em perigos e guerras esforçados

Mais do que prometia a força humana,

E entre gente remota edificaram

Novo Reino, que tanto sublimaram”.

Luiz Vaz de Camões

 

Introdução

É o porto um espaço de fluxo e refluxo de mercadorias, pessoas e informações; ou um testemunho concreto de um determinado período histórico de um modo de produção; espaço de trabalho e de grupos em confrontos em um tempo acelerado pela intervenção da técnica e das tecnologias; seria uma encruzilhada de trocas materiais e simbólicas em uma acumulação desigual de tempos; ponto de chegada ou de partida, ou um horizonte de esperança para quem migra e, ainda, um espaço que conecta realidades díspares em determinada totalidade?

Em remotas eras do processo do modo de produção capitalista, o de Liverpool, por exemplo, se consolidou como estratégico e fundamental no aprofundamento das trocas desiguais na fase mercantil do capital. A que conectou o Velho Mundo – África – Novo Mundo no processo de tráfico negreiro e o saque de riquezas das colônias, transferidas para dinamizar a industrialização europeia e incrementar o que se convencionou classificar de modernidade.

O período é categorizado por Marx (2018) como acumulação primitiva ou originária. “... O comércio trilateral entre África, Europa e América constituía um circuito de polos que se alimentavam reciprocamente, permitindo a expansão continuada da acumulação capitalista”, defendem Gonçalves e Costa (2020, p. 48), em revisão sobre o conceito. Por sua vez, Moraes (2011, p. 51) considera ser “um movimento pluriescalar e espacialmente desigual e combinado, que desconhece distensão em seu percurso histórico”. O introito anterior evidencia o viés marxista como parâmetro para a presente análise.

Ao iluminar a questão, tendo como recorte espacial as Américas e Antilhas, Ianni (1978) calcula que, entre os séculos XVI e XIX, os movimentos, as articulações e as rearticulações, internas e externas, nas formações sociais e escravistas foram determinadas, em variáveis graus, pelas exigências da reprodução do capital europeu. No primeiro momento, o capital internacional mercantil e, em segundo plano, o capital internacional industrial. Operação realizada política, econômica e culturalmente sob o signo de violências.

Em ambiente histórico mais recente, Harvey (2009) defende a tese da acumulação por despossessão. A interpretação reside no fato de que a acumulação ancorada na violência não representa um fenômeno restrito a sua “fase originária”, um ato pretérito. Mas trata-se de um processo de permanência no percurso do modo de produção capitalista. Mesmo na presente fase, marcada pela financeirização, que não cessa em incorporar espaços não mercantilizados ao sistema da economia mundial.

Por seu turno, Gonçalves e Costa (2020) avaliam que ao longo do percurso histórico dos processos de acumulação do capital, as categorias sociais se interpenetraram no aprofundamento das desigualdades entrelaçadas. Os padrões de poder, mando e obediência (classe, raça e etnia) permanecem nas relações em uma sociedade marcada historicamente pelo patrimonialismo, clientelismo, autoritarismo e rupturas democráticas. 

No caso aqui em voga, o projeto do porto do Maicá, no município de Santarém – PA, Oeste Paraense, a sociodiversidade experimenta, desde sempre, processos de apagamento em planos, programas, políticas e cartografias dos projetos de desenvolvimento; para não falar nos meios de comunicação. Trata-se de recursos mobilizados no sentido de legitimar a integração subordinada do espaço composto por indígenas, quilombolas e camponeses – entre outros sujeitos – aos circuitos globais de commodities. E, ainda, abarcar espaços não mercantilizados à economia global.

Os sujeitos historicamente alçados à condição de subalternização e não reconhecidos em planos, programas e políticas públicas desenvolvimentistas e dos registros de aventureiros e pesquisadores se identificam, tanto como classe trabalhadora quanto mobilizam o critério de identidade. No caso de classe trabalhadora, assumem-se como pescadores, trabalhadores rurais, profissionais da educação ou saúde, artistas. No que tange ao aspecto identitário despontam como indígenas, quilombolas, extrativistas, camponeses, a partir de uma cosmologia que não dissocia homem e natureza, como o fez o conjunto de ideias da modernidade. 

Nas pelejas recentes entre a sociodiversidade local e o grande capital, tem sido a mobilização a partir do critério de identidade, amparada juridicamente a partir da Convenção 169,[2] o principal recurso normativo de defesa dos territórios[3] na Panamazônia. Um instrumento diante da agenda de grandes obras de infraestrutura, das quais o Baixo Amazonas integra a cartografia, organizada em plano macro a partir da Iniciativa de Integração de Infraestrutura Sulamericana (Iirsa). Este replicado no PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e outras políticas.  O imperativo recai sobre Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (Enids), em que a região do Baixo Amazonas[4] desponta como estratégica para a redução dos custos de escoamento da produção de commodities do Brasil Central.

No que tange ao aspecto metodológico, o horizonte do trabalho almejou realizar uma análise crítica a partir da totalidade e das contradições referentes ao recorte espacial adotado pelo presente artigo. Ele partiu da materialidade da vida do homem em sociedade e as situações de conflito a ela inerentes em busca de uma realidade para além das superficialidades (materialismo histórico). Além de revisão bibliográfica e análise documental, a exemplo do Relatório de Impacto Ambiental (Rima), do projeto e do Plano Diretor, de atividades de campo sistemáticas na região realizadas antes da pandemia do coronavírus, e esporádicas, após o período de isolamento, ocorreram observações diretas em eventos locais que contemplavam o tema em questão. Parcialmente aqui registradas.

Neste sentido, a investigação adota como amparo teórico o debate sobre a acumulação primitiva defendido em Marx (2018), Gonçalves e Costa (2020), Oliveira (1994), Harvey (2009) e Ianni (1978), em que argumenta o modelo de acumulação referido como elemento de permanência que estrutura as experiências desenvolvimentistas impostas para a Amazônia. Em contraponto, sublinha algumas formas de r-existência das populações locais por ele afetadas. Além da breve introdução anterior, este artigo apresenta a reflexão sobre o conceito marxista e suas derivações. Em seguida, descortina parte das racionalidades da região do Baixo Amazonas, sobre o lago do Maicá, para logo após apresentar o projeto do complexo portuário e o processo de revisão do Plano Diretor do município. Revisão que consagrou a territorialização do capital, e encerra com algumas considerações inconclusivas.

 

Acumulação primitiva

Argumentamos que a acumulação primitiva se materializa como um conceito-chave para o entendimento sobre as experiências desenvolvimentistas impostas para a Amazônia. Nesta direção, a mediação do Estado (autoritário)[5] a favorecer institucionalidades e políticas de financiamento, ombreadas por políticas de renúncia fiscal (isenção de imposto de renda e Lei Kandir, por exemplo), opera na territorialização do grande capital.

No campo da desregulamentação, a revisão de planos diretores de cidades consideradas fundamentais para a expansão do capital, tem sido a página recente que desponta nesta aquarela de pilhagem. Medida ancorada no discurso do mercado pela necessidade de segurança jurídica. Argumento amplificado pela mídia empresarial. Processos que transcorrem em tênue fronteira entre o público e privado, o lícito e o ilícito, como veremos ao longo deste trabalho.

As experiências desenvolvimentistas para as Amazônias têm tido como consequência a expropriação das populações locais, a apropriação privada dos dividendos, do conhecimento ancestral, e a socialização de toda ordem de mazela ambiental e social engendradas pelo processo. O que representa uma profunda modificação do metabolismo da natureza, e implicações danosas sobre todos os ciclos de reprodução da vida. No aspecto social, opera no rompimento dos laços de solidariedade, compadrio e vizinhança das populações locais, como reflete, entre outros autores, Jean Hebétte (2004). Privar é a ordem do dia.

Privados de seus territórios, os segmentos sociais acima mencionados têm a sua reprodução econômica, política, social e cultural posta em risco. Em contrapartida, mobilizam esforços na organização de instituições e ações em rede em defesa dos seus territórios. Com relação às suas manifestações culturais, via de regra, são cooptadas ou incorporadas à lógica do marketing empresarial, quando as empresas do grande capital empenham recursos em patrocínio, como ocorre no município de Juruti, com o Festival das Tribos,[6] patrocinado pela Alcoa.[7]

Outro elemento a ser considerado recai sobre o pico da instalação dos grandes empreendimentos, estruturado pela concentração de capitais em espaços específicos. Um momento marcado pela precarização do mundo do trabalho, em que a terceirização é o recurso adotado. O fato representa um instrumento a mais de apropriação do mais valor. Uma caracterização da acumulação primitiva no presente contexto histórico, como argumentam Gonçalves e Costa (2020). Outro componente é a ausência de organização política do setor, uma representação de classe que possa confrontar a superexploração do trabalho.

A presença de empresas terceirizadas implica situações de tensão no campo cultural e do trabalho, em que “os peões” uniformizados, os veículos de empresas com as suas marcas estampadas, a construção de canteiros de obras traduz a diferenciação nos espaços nos quais são instalados e entre os moradores. 

O movimento da instalação de grande projeto (capital) promove a expropriação – exército de reserva – que em parte é incorporada à iniciativa como operário terceirizado no pico de construção da obra. A expansão do capital sobre a fronteira amazônica provoca uma confluência de estranhos de temporalidades heterogêneas (capital, técnico, funcionário público, peão do trecho, povos originários, trabalhadores terceirizados, pesquisadores, etc.), como adverte, entre outros, José de Souza Martins (1993). Riomares nunca dantes navegados. Tensões. Agruras. Fissuras em dinâmico processo de territorialização, reterritorialização, desterritorialização do que se convencionou etiquetar de globalização.

Ao interpretar o fenômeno sob o princípio de totalidade e suas contradições, Santos (2013, p. 49) assevera que:

... o espaço é teatro de fluxos como diferentes níveis, intensidades e orientações. Há fluxos hegemônicos e fluxos hegemonizados, fluxos mais rápidos e eficazes e fluxos mais lentos. O espaço global é formado de todos os objetos e fluxos.  A escala dos fluxos materiais e imateriais é tanto mais elevada quanto mais seus objetos dão prova de mais inovação. 

Por sua vez, Oliveira (1994, p. 8), ao tratar sobre os processos de integração da Amazônia, realça os diferentes mecanismos acionados pelas violências na inserção subordinada aos circuitos econômicos mundiais:

Uma invasão, uma descoberta, ocupa terras vazias, ou ocupadas por não gente, incapaz de cuidar de si própria. Oferece perigo pela sua vulnerabilidade, pela sua incapacidade cultural – segundo os critérios dos brancos – de cuidar de vastas riquezas; não são propriamente inimigos.  A prática neste caso é de acumulação primitiva. ... Apropriação de terras, garimpagem, exploração da madeira, são os lados “produtivos” da perversidade fáusticado genocídio de indígenas, da devastação florestal, da contaminação dos recursos hídricos, da destruição dos modos de vida dos ribeirinhos, dos indígenas, dos castanheiros, dos seringueiros.

 

A respeito da acumulação primitiva, a ação em rede e a tênue fronteira entre o público e o privado, o lícito e o ilícito, Oliveira (1994, p. 12) enuncia que:

Criam-se redes interativas de circulação mercantil, que é a única esfera onde a acumulação primitiva se deixa revelar, e que servem para todas as transações: o mesmo canal que serve para desovar cocaína, desova ouro, cassiterita, madeiras, lava dólares do tráfico, subfatura nas exportações e superfatura nas importações da Zona Franca de Manaus. A promiscuidade mercantil parece apenas uma irmandade da ilegalidade, de fato é sua natureza de apropriação violenta que as equaliza. Numa ponta, um alto executivo da Paranapanema, na meia direita, um deputado federal ligado ao narcotráfico (que combina com o exercício de pastor de almas), na meia esquerda, o contrabandista do garimpo e o madeireiro, e na ponta esquerda o cartel de Medellin.

Em seguida, arremata:

É desse cipoal de violência privada, que forja representações de interesses (pois elege deputados e senadores) no Congresso e nas grandes empresas estatais, Passarinhos, Barbalhos e Mestrinhos, elegantes e refinados Lacombes, Associações de Empresários da Amazônia (que têm sede em São Paulo), ações na bolsa entre as mais valorizadas, que se arma o Leviatã.  Insistindo, o monopólio legal do Estado é ao mesmo tempo, cobertura e impotência, não é ausência do Estado, como uma hipótese generosa poderia propor.

         No campo discursivo, o horizonte da construção de sentidos reside em desenvolver, fazer progredir e modernizar a Amazônia. A janela discursiva ratifica a categorização da região como vazia e atrasada, os estereótipos atribuídos a seus habitantes (bárbaros ou selvagens) como inaptos na gestão da riqueza e as suas formas de vida inadequadas para a racionalidade do modo de produção capitalista, como suscitam as inquietações de Porto Gonçalves (2001, 2017) ao criticar os pilares da modernidade.

Na dinâmica de expansão do capital, o imperativo das violências da acumulação primitiva tem como premissa subordinar outros espaços na edificação do que se estipulou como modernidade. Permanências. O capital não se reproduz sem lançar mão de formas não capitalistas de produção. No caso amazônico, o fenômeno exacerba, como bem indicam ao longo da história a catequese, a escravização de indígenas, negros e outras categorias, prisões, tortura, assassinatos e chacinas de defensores da reforma agrária, meio ambiente e direitos humanos, e seus apoiadores, e mesmo a criminalização da luta popular,[8] seja na esfera jurídica ou midiática.

Nesta racionalidade imposta, o porto tende a anexar espaços não mercantilizados aos circuitos globais, a partir de uma complexa conjuntura que mobiliza variados sujeitos, temporalidades e escalas. Como já colocado, em uma fronteira tênue entre o público e o privado, entre o lícito e o ilícito, que conjuga recursos antigos a “novos”, apontam Gonçalves e Costa (2020) sob a transpiração em Marx e outros autores que debatem a acumulação primitiva, a exemplo de Rosa Luxemburgo, David Harvey, Klaus Dörre e Virgínia Fontes.

Os autores elaboram a categoria de acumulação entrelaçada, compreendida como “a interconexão e a interpenetração, não só das regiões do mundo, mas também, de diferentes épocas históricas e distintas dimensões da expropriação capitalista” (2020, p. 32). 

O modelo é entendido pelos pesquisadores como a produção de novos espaços capitalistas que viabilizem a reprodução continuada e ampliada do capital. A reelaboração da conjuntura construída se materializa mediante as reconfigurações legais, sociais e culturais, que amalgamam antigas formas às novas, em ação que tende a aprofundar as assimetrias sociais e as descontinuidades espaciais.

Na questão aqui posta, no aspecto normativo, a revisão do Plano Diretor do município de Santarém foi um dos elementos mobilizados pelo setor interessado na construção do porto no lago do Maicá, um espaço ainda não plenamente mercantilizado. Cumpre aqui uma ressalva. Ainda que a região esteja incorporada aos circuitos da economia global desde o século passado, a fagocitação se dá na seleção do espaço, fragmentação. Incorpora-se o espaço que é estratégico. Passível de exploração, como tentamos apresentar a seguir.

Baixo Amazonas: entre rios, circuitos econômicos e r-existências 

Um porto não protagoniza uma iniciativa isolada. A ela somam-se o modal de transporte (hidrovia, rodovia e ferrovia) e complexos hidroelétricos. Uma convergência de interesses capitais de diferentes setores. Uma cartografia da expropriação, como se verifica no projeto Arco Norte, representado na Figura 1. O conjunto da obra configura efeitos cumulativos sobre a natureza e a sociedade. Reconfigurações econômicas, políticas, culturais e sociais e uma infinidade de situações de conflitos de heterogêneas nuances.

No Baixo Amazonas, o projeto Arco Norte[9] encarna o documento normativo que almeja consolidar a região como um corredor de circulação de commodities do Brasil Central. Uma geografia do saque, descortinada no âmbito econômico e político do país lá pelo século XVI, quando da anexação subordinada do porto da cidade do Rio de Janeiro, aos caminhos e descaminhos das dinâmicas da acumulação global.

Conforme atesta a representação a seguir, o Pará concentra o maior número de portos. No conjunto de dez, quatro estão no estado, projetados, já instalados, ou em fase de ampliação em Marabá, Santarém, Barcarena (Vila do Conde) e Itaituba (distrito de Miritituba). Ainda que normatizados em 2016, mobilizações pretéritas e outros documentos produzidos pelos interessados no projeto que servem de base, já sinalizavam para a estrutura do projeto. Neste sentido, o objetivo do trabalho foi refletir sobre o projeto de instalação de um complexo portuário na cidade de Santarém – PA, em uma região denominada lago do Maicá, espaço que abriga indígenas, quilombolas e camponeses.

 

Figura 1 – Mapa do Arco Norte

Diagrama, Mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Ministério da Infraestrutura, 2016.

 

 

A Embraps é a empresa interessada no empreendimento. Ela é composta por “empresários” do Mato Grosso, alguns envolvidos em grilagem de terras, conforme análises de Oliveira (2005). Ituqui, Curuá Una, Trombetas, Erepecurú e Maicá são alguns dos rios que colaboram para a formação do rio Amazonas, em sua parte, por onde percorre em terras paraenses do Baixo Amazonas, região considerada como de colonização pré-colombiana, Amazônia, em sua parte Oriental. Nesta latitude corre em paralelo com o Tapajós. Um tem a feição das águas barrentas, enquanto o outro, um tom azulado. 

As águas dos caudalosos rios Tapajós e Amazonas ajudam a conformar as gigantes bacias hidrográficas homônimas que embelezam a frente da cidade de Santarém. As águas, uma azul e outra barrenta, não se misturam. Contudo, os circuitos econômicos externalizados às margens dos rios representam uma totalidade do processo de avanço do capital sobre a fronteira, como pontuado anteriormente por Santos (2013). 

O circuito local fica ao rés do chão, expresso na feira do Mercadão 2000 e seu entorno. Pescado, carnes, artesanato e hortifrutigranjeiros conformam um comércio alimentado pela produção local de um pujante e diversificado campesinato, este territorializado em diferentes modalidades espaciais (terra firme, várzea e ilhas). Neste conjunto encontramos ocupações, projetos de assentamentos de diferentes categorizações (reforma agrária, projeto de desenvolvimento sustentável, projeto de desenvolvimento agroextrativista), sob diversa responsabilidade (União ou estado). E, ainda em territórios indígenas, em reservas extrativistas, em quilombos e áreas periurbanas (produtores de hortifrutigranjeiros). Trata-se de uma sociodiversidade tributária de saber milenar (Almeida, 2021). Saber amiúde desconsiderado.

Noutro extremo, emerge o porto da multinacional Cargill, que conecta o local ao global, a partir da exportação de commodities de grãos, soja em particular, sob a égide de uma nova divisão internacional do trabalho. Embarcações modestas e navios graneleiros representam outra diferenciação das dinâmicas da região. A partir de uma conformação marcada por circuitos, redes, espaços, temporalidades e racionalidades antagônicas. Os sujeitos em oposição colocam em xeque o valor de uso e o valor de troca das riquezas inerentes à região, Almeida (2021). 

O trabalhador informal é típico da orla das cidades ribeirinhas da Amazônia. À beira dos rios, os trabalhadores fazem a estiva de variados produtos oriundos de diferentes locais do município de Santarém e cidades do entorno. É o braçal que carrega produtos em carroças feitas de madeira e dois pneus. Rústica arquitetura. Na carroça da beira do cais, o homem ocupa o lugar do animal. Trata-se de trabalho extenuante, de baixa remuneração, desprovido de contrato social e realizado sob um sol inclemente ou chuva torrencial, como atesta o registro na Figura 2. Nestas paragens, o transporte fluvial rivaliza com o rodoviário. O rio é a rua, Almeida (2021).

 

 

Figura 2 – Orla de Santarém/PA

Uma imagem contendo ao ar livre, barco, edifício, água

Descrição gerada automaticamente

Fonte:  Trabalho de campo (registro do autor, 2017).

 

As embarcações nativas carregam, além de mercadorias, pessoas. As pessoas viajam em redes. Rede[10] é uma questão-chave dos circuitos equidistantes que conformam a totalidade da dinâmica local. Se o braçal coopera para a circulação de mercadorias do circuito local, as esteiras mecanizadas da empresa Cargill ativam o deslocamento dos grãos dos silos até os navios, que dali ganham os mares até alcançarem o velho mundo, os Estados Unidos e a Ásia, em particular. Antes, porém, registrem-se as carretas a cortarem a BR-163 (Cuiabá-Santarém), e as balsas que percorrem o Tapajós, do polo produtor do Brasil até alcançar o porto da Cargill, em Santarém.  

Formas de usos das riquezas naturais, escalas e tempos de cada circuito estão diametralmente em oposição. As bolsas de valores internacionais não fazem cotação dos produtos oriundos da cadeia local, mas, sim, do segundo, mobilizado pelas grandes corporações.  Tanto um quanto o outro se encontram mundialmente articulados em redes. O primeiro em defesa de seus territórios e das riquezas naturais, enquanto o segundo, pela apropriação e controle das terras ancestrais e das riquezas existentes, numa equação que acentua a condição colonial da região, a distribuição desigual dos ativos e passivos oriundos do processo do modo capitalista de produção, como projetado para o lago do Maicá. Tem-se assim uma totalidade contraditória, como esboçado nas primeiras páginas deste trabalho. Adiante, apresentamos melhor o locus.

 

O lago do Maicá

Por estas barrancas, o tempo corre lento. Tributário de beleza exuberante, o lago do Maicá resulta da confluência dos rios Tapajós e Amazonas, na região de várzea de Santarém, município cravado na Amazônia Oriental, no Baixo Amazonas paraense. A região ganhou notoriedade após a sua reinserção nos circuitos mundiais de troca desigual, a partir do projeto da construção do porto da Cargill, lá pelo começo da década de 2000. Uma obra realizada com total indiferença às normas nacionais do campo ambiental. Desprezo que permanece no processo de revisão da licença, como denunciam relatórios produzidos pela ONG Terra de Direitos, em 2021 e 2024 (Martins; Schramm; Ramos, 2024).

A empresa estadunidense privou a população do uso coletivo da praia da Vera Paz, e igualmente subjugou parte do sítio arqueológico nomeado de Porto. Espaço que rivaliza em importância com o sítio Aldeia. Em síntese, toda a região é ímpar nestes registros, em particular, o município de Santarém. 

A pesquisa de 2021, escrita por Schramm et al., esclarece que, além da ETC (Estação de Transbordo de Cargas) na orla na cidade, no encontro dos rios Tapajós e Amazonas, em 2010, a Cargill instalou um armazém de grãos e cereais na comunidade de Cipoal, às margens da BR-163, ainda em Santarém. O armazém conta com uma estrutura de silos com capacidade de armazenamento de 30 mil toneladas de grãos e uma área de pátio para carreta.

Na memória de abusos da Cargill, a pesquisa da Terra de Direitos relata que em 2012 foram realizadas as obras de ampliação, com a implementação de um silo com capacidade para 30.000 toneladas de grãos na área retroportuária da empresa. Já em 2014, a expansão continuou com a instalação de três silos metálicos, com capacidade de armazenamento para 54.000 toneladas, um píer flutuante coberto para recebimento de barcaças e um descarregador de rosca (Barge Unloader) com capacidade de movimentação de 1.500 toneladas/hora. A ampliação foi concluída em 2017, com investimento total de R$ 240 milhões. O que aumentou a capacidade anual de escoamento de dois para cinco milhões de toneladas de grãos.  O processo se deu tendo como base um EIA-Rima precário.

 Entre as irregularidades cometidas pela Cargill, o documento sublinha: i) invisibilização de povos e comunidades tradicionais; ii) fragilidades nos diagnósticos de uso e ocupação dos solos; iii) omissões quanto aos processos de organização social das áreas de influência da ETC; iv) não realização de consulta prévia e informada a povos e comunidades tradicionais; v) frágeis análises de questões ambientais; vi) diagnósticos elaborados predominantemente com dados secundários.

Martins, Schramm e Ramos (2024) sublinham a presença de outros projetos portuários, igualmente instalados com indiferença às normas jurídicas, tanto na cidade de Santarém como em Itaituba e Rurópolis, onde, além de terminais, almeja-se a criação de um pacote de PHC (Pequenas Centrais Hidroelétricas). No caso da cidade de Santarém, vale colocar em relevo os portos erguidos ao arrepio da Lei, a exemplo da empresa Atem’s Distribuidora de Petróleo S/A. Ela instalou o porto distinto das informações que tramitaram do processo de licenciamento, no qual constava operação com cargas não perigosas. Desde 2020 a empresa vem sendo autuada por diversas infrações.

Ainda conforme a mesma fonte, há irregularidades cometidas pela Dinizia Trading Importação e Exportação Ltda., que operou sem a licença de operação emitida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará. Em 2018 foi punida, após nova autuação, a pagar 20 mil UPFs (Unidade de Padrão Fiscal), estimada em R$ 4.578,20. Soma-se ainda à constelação de infratores a Distribuidora Equador de Produtos de Petróleo Ltda., que controla uma rede de postos de gasolina no município e região. Coleciona autos de infração desde 2007, com multas que variam de R$ 50 a 5 mil UPFs. Além dos crimes cometidos, o relatório da ONG Terra de Direitos alerta sobre a ausência de transparência de informação sobre os processos de licenciamentos ambientais. É notório, no conjunto dos empreendedores, a indiferença aos marcos legais, que ameaça o ecossistema local, entre eles, o lago do Maicá. Violências e violações que integram o repertório do conceito aqui posto em debate.   

O lago do Maicá localiza-se à margem direita do rio Amazonas. Ele faz parte de um complexo ecossistema, composto por ilhas, e uma parte de “terra firme”, que se encontra adjacente às áreas de várzea. Ao longo do seu leito e ao redor de seus braços, o lago do Maicá banha inúmeros territórios que recebem o nome de bairros ou comunidades, conforme sua localização. Em toda essa área, conhecida como “região do Maicá”, esparramam-se os bairros Mararú, Diamantino, Maicá, Pérola do Maicá, Jaderlândia, Urumanduba (Lei Municipal no 18.051/2006)9 e as comunidades Murumurutuba, Bom Jardim, Açaizal, Igarapé-Açú, Ipaupixuna, Santa Cruz, Santos da Boa Fé, São Raimundo da Palestina, Tiningu, Miritituba, Areião e São Francisco da Cavada.[11]

As comunidades Murumurutuba, Tiningu, Bom Jardim e Pérola do Maicá (Arapemã) são consideradas como terras de remanescentes de quilombos, e todas são elas devidamente filiadas à Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS). Estas comunidades quilombolas são os principais sujeitos no enfrentamento contra a construção do complexo portuário, bem como o povo Munduruku aldeado na região.

A Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps), dona do CNPJ no 15.302.195/0001-00, localizada na avenida Mendonça Furtado no 1680, Ponto 1, bairro Santa Clara, Santarém – PA, é quem pleiteia a construção do complexo portuário no Maicá, composta por empresários do Mato Grosso. O capital social declarado na Receita Federal é de R$ 17 milhões. O conjunto de sete sócios declarados tem como representante legal o senhor Pedro Riva. Os demais sócios são Wagner Riva, José Luiz Ruaro Baggio, Fábio dos Anjos Souza, Cristiano Zortea, Rogerio Luiz Delfino e Ennes Zortea.

A respeito de Pedro Riva, no site da Receita Federal, consta que é proprietário ou sócio de empresas que operam no ramo de comércio, categorizadas como microempresas nas cidades de Ipiranga do Norte, Taupah e Sorriso, e de loteamento e incorporadoras. Na cidade de Sinop, é sócio da empresa Pedro Riva & CIA Ltda., que opera desde 2005 e é responsável pelo Loteamento Menino Jesus. Wagner Riva e Ronaldo Riva são os demais sócios. Soa no mínimo estranho um declarado microempresário ser o principal representante da proposta do complexo portuário.

O sobrenome Riva é recorrente em investigações do professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2005) sobre grilagens de terra no Mato Grosso. A família também exerce poder na política local, a exemplo do deputado José Geraldo Riva que, em 2018 foi condenado a 26 anos de prisão por formação de quadrilha e peculato, pelo desvio de mais de R$ 36 milhões da Assembleia Legislativa. O político, à época, respondia a mais de 100 ações na Justiça. Fato amplamente divulgado na imprensa.

 

O projeto do Complexo Portuário da Embraps

O complexo portuário do Maicá está projetado para ocupar parte do território da região do município de Santarém, denominada Grande Área Verde do Maicá, em particular, o bairro Área Verde. O empreendimento da Embraps tem como principal propósito a exportação de grãos do Brasil Central (soja e milho).

O complexo é composto por terminal fluvial com capacidade de ancoragem de navios do tipo Panamax (260m), considerado um dos maiores na classificação de navios – a classificação é uma referência ao canal do Panamá –, os quais só atracam em porto de grande calado (12 metros). O terminal graneleiro ocupará área total de 151.640 m², conforme consta no Relatório de Impacto Ambiental (Rima, 2014) da Embraps, produzido pela agência de fomento à pesquisa no estado, Fadesp,[12] e sinalizado na Figura 3, a seguir.

Ainda conforme o mesmo documento, a estrutura será composta por um pátio com capacidade para receber 938 carretas tipo bitrem, quatro pátios com capacidade de 110.000 toneladas cada, com estimativa de movimentar até 7.920.000 t de soja por ano. O tombador de carretas terá dois edifícios, cada um equipado com quatro tombadores, com a capacidade de descarga de 150 t/h e recebimento de 1.200 t/h, e mais dois elevadores modalidade caneca, com capacidade de 600 t/h cada. A Figura 3 exibe a configuração do complexo e a tabela da projeção do movimento da produção.

 

Figura 3 – Complexo Portuário da Embraps de Santarém – PA

Fonte: Rima, 2014.

 

 

O Quadro 1 a seguir detalha a capacidade anual projetada de movimentação de produtos.

 

Quadro 1 – Capacidade de Movimentação anual

Fonte: Relatório de apresentação da Embraps, 2014.

O Rima (2014) indica que:

A construção do terminal está programada para duas fases: a primeira fase das obras e serviços deve durar vinte e quatro meses para finalização a partir do recebimento da Licença de Instalação. Ao término desta fase, as operações de movimentação de grãos no empreendimento deverão iniciar. O terminal da Embraps planeja movimentar no seu primeiro ano de operação 4,8 milhões de toneladas/ano de grãos soja. (p. 13)

 

O mesmo documento atesta que o carregamento dos granéis será feito por três torres metálicas com pescante móvel, com capacidade nominal mínima de 3.000 t/h, e vai operar 24 horas. O documento alerta que a Embraps pretende adquirir novas áreas com vistas à ampliação. O Rima do projeto relata que a capacidade anual de exportação em sua primeira fase será de 4,8 milhões de toneladas de grãos de soja.

 

O Complexo Portuário do Maicá – fases e processos

O projeto do Complexo Portuário mobiliza uma imbricada rede de interesses e sujeitos em variadas escalas no recente contexto de reinserção da Amazônia aos circuitos globais, notadamente, tendo como base a exportação de produtos primários. A iniciativa é uma demanda dos produtores de grãos do Brasil Central, com vistas a reduzir os custos de exportação, a partir de um corredor na região Norte, em detrimento dos portos Paranaguá (PR) e Santos (SP).

No lago do Maicá, no campo popular, articulados em redes locais, nacionais e internacionais em defesa de seus territórios – mas não de forma homogênea – e das riquezas que eles agregam, e mobilizados a partir da condição de classe e de critérios identitários, podemos realçar os seguintes sujeitos: Colônia de Pescadores Z-20, Federação dos Quilombolas de Santarém (FOQS), Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), Pastorais Sociais da Igreja Católica, ONGs, associação de moradores, pesquisadores, Central de Associação de Moradores da Grande Área do Lago do Maicá. Além de igrejas evangélicas e terreiros de umbanda, sobre um território heterogeneamente configurado pela presença de projetos de assentamentos, territórios indígenas (Munduruku), quilombolas e extrativistas (Almeida, 2021).

Na referida área, além de assentamentos urbanos formais e informais, habitam populações ribeirinhas e quilombolas, as quais desenvolvem relação direta com o lago Maicá e com o rio Ituqui, canal formado a partir do rio Amazonas. Observa-se no entorno do projeto do terminal, várias comunidades quilombolas em diferentes fases de titulação do território e Projetos de Assentamentos Agroextrativistas (PAEs) criados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), conforme demonstra o mapa na Figura 4.

Em oposição a estas territorialidades, a Embraps, por sua vez, planeja a construção de um pátio regulador de cargas, que estabeleceria o fluxo de carretas, previsto para ser implantado à margem esquerda da rodovia estadual PA-370, também nas proximidades de comunidades quilombolas.     

 

Figura 4 – Configuração Territorial do Planalto Santareno

Mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Elaborada pelo autor (2021).

 

A gênese burocrática do Complexo Portuário do lago do Maicá tem como marco legal a elaboração do Termo de Referência pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará (Semas/PA). A problemática sobre o projeto tem início a partir daí: a quem caberia a responsabilidade sobre o processo, sendo que o rio Amazonas é de responsabilidade federal?

Data de março de 2013 a solicitação de licença ambiental da Embraps para a Semas/PA, bem como a apresentação do referido estudo. Em novembro do mesmo ano, a Semas publicou o Termo de Referência para a elaboração do EIA-Rima pela Embrapas, que contratou a Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (Fadesp) (Cunha et al., 2016).

O Termo de Referência exigiu que o EIA-Rima identificasse, na área de influência da obra, “todas as áreas legalmente protegidas (Áreas de Preservação Permanente, Unidades de Conservação Federais, Estaduais e Municipais, Reservas Legais, Quilombos, Reservas Indígenas) e ambientalmente sensíveis” Cunha et al. (2016, p. 105). Também conta como exigência a identificação e caracterização das populações tradicionais existentes na área de influência do empreendimento e as possíveis interferências nos respectivos grupos.

Enquanto os estudos ambientais (EIA) ainda estavam em curso, a Embraps ingressou com pedido de autorização para a construção e exploração de terminal privado na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). O empreendimento foi considerado “apto” pela agência reguladora, que logo em seguida comunicou à Secretaria de Portos da Presidência da República: “... a habilitação da Empresa Brasileira de Portos Santarém Ltda., única participante do Anúncio Público no 23/2014, realizado em 12 de dezembro de 2014”.[13]

Cunha et al. (2016), ao construírem a linha do tempo sobre o processo burocrático jurídico, informam que a Semas tornou público, em seu site, o Rima elaborado pela Fadesp, em outubro de 2015. Ele atesta a presença do Território Quilombola [TQ] do Arapemã, localizado em ilha homônima, do lado oposto do rio Amazonas, distante 4 km da área de interesse da Embraps. O referido território foi reconhecido pela Fundação Palmares em 2004. O EIA-Rima declara que o TQ está fora da área de influência direta do empreendimento. A Figura 5 demonstra as incongruências e, a seguir, as rotas de navegação do projeto do terminal portuário. Assim como Cunha et al. (2016), Arco (2017), Santos e Martins (2018) sinalizam para uma inconsistência sobre os referidos documentos elaborados pela Fadesp sob a encomenda da Embraps.

Enquanto o Rima indica que o TQ não será afetado pelo complexo portuário, o EIA sinaliza que, na área diretamente afetada pela implantação do Porto da Embraps, no bairro Área Verde, não foram encontradas populações tradicionais legalmente reconhecidas. No entanto, no lado oposto do rio Amazonas, a cerca de 4010 metros de distância do indicado no projeto, localiza-se o Território Quilombola do Arapemã, reconhecido no ano de 2004, o qual merece algumas considerações por se situar na Área de Influência Direta da Obra.

Estas “imprecisões” serão usadas pelas representações das comunidades quilombolas no sentido de provocar o MPF sobre o processo de licenciamento ambiental do projeto, bem como as normativas estipuladas na Convenção no 169 da OIT, que consagram a necessidade da Consulta Prévia, Livre e Informada das comunidades a serem afetadas pelo empreendimento. 

Ainda segundo Cunha et al. (2016), Santos e Martins (2018), em fevereiro de 2016 os MPs Federal e Estadual interpelam na Justiça Federal, no município de Santarém, Ação Civil Pública (ACP) contra a Embraps, a Antaq, o estado do Pará e a União, na qual pedem a “suspensão do licenciamento para a construção do Terminal Portuário”.

A ACP argumenta que a Fadesp invisibilizou as comunidades remanescentes de quilombos e outras modalidades equivalentes a grupos sociais, na qual consta:

Em síntese, sustentam que o procedimento de implantação do terminal portuário se encontra viciado porque o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental não previram corretamente a presença de comunidades tradicionais e quilombolas na área de influência do empreendimento e não foi providenciada a consulta prévia, livre e informada a estes grupos populacionais. (Convenção OIT no 169; ACP, 2016, p. 1)

Com base na documentação produzida pelo Incra sobre a existência de comunidades tradicionais na grande Área do Maicá, onde consta a presença de comunidades quilombolas que serão diretamente afetadas pelo empreendimento, a ACP ressalta:

Trata-se de demanda na qual o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL alega vícios no procedimento de implantação de terminal portuário na grande área do Maicá, na cidade de Santarém, ao argumento de que não foi providenciada a consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais e quilombolas situadas na área de influência do empreendimento. (2016, p. 2)

O documento mencionado alerta para o contrassenso produzido pelos estudos ambientais assinados pela Fadesp:

... conforme Portaria Interministerial no 60/2015, dos Ministérios do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, presume-se que há influência a comunidades quilombolas quando o empreendimento portuário, situado na Amazônia, estiver localizado a menos de 10 (dez) quilômetros destas. Ora, o próprio Rima consigna que há comunidade quilombola a 4 (quatro) quilômetros do local de sua implantação. (2016, p. 3)

Cunha et al. (2016), ao cruzarem as informações cartográficas dos relatórios da Embraps e as bases de dados do Incra, evidenciam as situações de conflitos e de influência direta do projeto, em que merecem destaque os territórios quilombolas do Arapemã e Saracura, localizados na área de influência direta do Terminal Portuário.

Sarmento, em construção da linha do tempo, assim sintetizou o percurso do projeto:

a) Em 2013, a Embraps apresentou estudo ambiental e fez o pedido de licença ambiental junto à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (Semas/PA) para instalação portuária;

b) Em novembro de 2013, a Semas/PA publicou o Termo de Referência (TR) para elaboração de EIA e respectivo Rima (p. 140 e ss. da ACP);

c) Em abril de 2014, a Embraps ingressou com pedido de autorização para construção e exploração de terminal de uso privado junto à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq);

d) Em 12/12/2014 foi realizado o Anúncio Público n. 23/2014 para referida construção; a Embraps foi a única participante e sagrou-se habilitada. (2019, p. 76)

 

Figura 5 – Localização do Complexo Portuário da Embraps e suas incongruências com a territorialização local

Diagrama, Mapa

Descrição gerada automaticamente

Fonte: Incra, 2015. In MPF e MPE-PA, 2016; Cunha et al., 2016, p.100.

 

A ACP, com base no escopo da Convenção no 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, promulgada pelo Decreto no 5.051/2004, impõe que as comunidades consideradas tradicionais que estejam sob a área de influência direta do projeto sejam previamente ouvidas e consultadas, conforme normativa supralegal (art. 5o, § 2o, da Constituição), que dispõe:

1.               Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a)               Consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

b)              Estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;

c)               Estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.

2.               As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.

Desde a efetivação da liminar assinada pelo juiz federal, o processo de licenciamento encontra-se suspenso. No entanto, a suspensão não implicou a imobilização dos setores alinhados ao projeto, dentre eles, o sindicato dos ruralistas do município, que mantém diálogo constante com os setores do Mato Grosso, e a interferirem no processo de revisão do Plano Diretor do município.

 

Revisão do Plano Diretor da cidade como instrumento de territorialização do capital

O capítulo recente sobre o processo de licenciamento do Complexo Portuário recai sobre a revisão do Plano Diretor da cidade. A Assembleia-geral da revisão do Plano, ocorrida no ano de 2017, decidiu, após uma grande mobilização dos setores populares aglutinados a partir do Movimento Tapajós Vivo, pela não implantação do complexo portuário no lago do Maicá.

Em contrapartida, a Câmara de Vereadores, ao apagar das luzes do ano de 2018, dias antes do recesso, a despeito da consulta pública, encaminhou o pleito em favor da Embraps. Decisão imediatamente endossada pelo prefeito Nélio Aguiar (DEM). Um favorecimento à territorialização do capital. Uma trama de verve econômica, jurídica e, sobretudo, política. Uma trama categorizada como acumulação primitiva entrelaçada, como debatido anteriormente por Gonçalves e Costa (2020).

Por ironia, a decisão contraria o art. 3o do Plano Diretor “Participativo” do Município de Santarém, no qual constam: i) justiça social; ii) respeito à diversidade étnica, social, cultural, econômica e de gênero; e iii) inclusão social, compreendida como garantia de acesso a bens, serviços e políticas sociais a todos os munícipes. E, no item X – participação da população nos processos de decisão, planejamento e gestão pública municipal. Um requinte formal da democracia burguesa liberal.

A revisão do plano diretor,[14] no sentido de facilitar a incorporação de espaços não mercantilizados, tem se materializado como fenômeno recente na região. O caso da cidade de Santarém foi precedido pela experiência do município de Itaituba, que abriga no distrito de Miritituba um mosaico de complexos portuários de empresas multinacionais do setor de grãos. Uma tênue convergência entre interesses públicos e privados, entre o lícito e o ilícito, como evidenciam as interpretações de Oliveira (1994), Rodrigues e Rodrigues (2015) e Gonçalves e Costa (2020). 

Neste sentido, tanto as interpretações de Gonçalves e Costa (2020) sobre a acumulação primitiva entrelaçada quanto as reflexões sobre agroestratégias de Almeida (2010) e Santos (1999, 2013) podem ser mobilizadas para a análise do caso em tela, bem como as inquietações que giram em torno do debate do conjunto de ideias que gravitam sobre a colonialidade que favorece a reflexão sobre padrões hierárquicos de poder, com proeminência sobre classe, raça etnia e gênero. E, ainda, algo que conforma a formação histórica do país, que recai sobre o patrimonialismo como recurso de reprodução econômica, política e social de classe, como atesta a composição do Legislativo de Santarém, dono de clara tez conservadora, conforme o mostra o Quadro 2.

O Legislativo, composto em sua maioria por homens brancos, tributários de perfil conservador, procrastinou o quanto foi possível o processo de revisão do Plano Diretor.  Na última sessão do mês de dezembro de 2018, ocorrida no dia 11 – quando os movimentos sociais estavam desmobilizados por conta do fim de ano –, por unanimidade, a Câmara aprovou um plano contrário ao processo homologado da Assembleia Final, que decidira pela não construção do complexo portuário do lago do Maicá. Sublinhe-se que a presença dos edis no percurso de audiências públicas foi insignificante, quase nula.

 

Quadro 2 – Composição da Câmara de Santarém em 2018

No

Vereador (a)

Partido

1

Antonio Rocha

MDB

2

Alaércio Magalhães Cardoso (Drogamil)

PRP

3

André Nobre Pastana (André do Raio X)

PSDC

4

Antonio Alysson Cunha Pontes

PSD

5

Dayan Serique dos Santos

PPS

6

Emir Machado de Aguiar

PODEMOS

7

Francisco de Sousa (Chiquinho)

PSDB

8

Henderson Lira Pinto

MDB

9

José Maria Júnior Pereira Tapajós

PR

10

Maria José Maia da Silva

MDB

11

Rogério Cebuliski (Gaúcho)

PSB

12

Ronan Manuel Liberal Lira JR

MDB

13

Silvio dos Santos Neto

PTB

14

Tadeu Elmano da Cunha Pereira

DEM

15

Valdir Matias Azevedo Marques JR

PV

16

Jander Ilson Pereira

PSDB

17

Jardel Luís Castro Guimarães

PODEMOS

18

Orlanei Amaral Santana (Ney Santana)

PSDB

19

Raimundo Feleol Cardoso (Didi Feleol)

PDT

20

Sílvio Lopes Amorim

PSC

21

Yangler Glay Santos Matos (Mano Dadai)

PRTB

Fonte: Elaborado pelo autor, 2021.

 

A composição da Casa expressa ainda a representação de troncos familiares que hegemonizam o poder econômico e político no município, onde possuem relevo as famílias Rocha, Tapajós, Liberal e Maia. E, em oposição, não consta nenhuma representação do campo popular, trabalhador urbano ou rural, indígena ou quilombola, extrativista ou pescador. Categorias que fazem parte da sociodiversidade local, e materializam o perfil territorial do município, a partir de terras indígenas, projetos de assentamento, territórios quilombolas, reservas extrativas, dentre outras modalidades, como já citado. Assimetrias capitais. Registre-se ainda que, a única mulher da Câmara integra o clã Maia, a ex-secretária de Educação e ex-vice-prefeita (2013-2016), Maria José Maia, que vem a ser irmã do ex-prefeito e ex-deputado federal (DEM), Lira Maia.

O referido político, em 2014, quando saiu candidato a vice-governador em chapa de Helder Barbalho, era o parlamentar com o maior número de processos criminais no STF (Supremo Tribunal Federal), 14 ações, e outras 24 no Ministério Público Federal (MPF). No portfólio criminal de Maia constavam, à época, sete procedimentos por crime de responsabilidade, infrações administrativas atreladas ao exercício da função pública na condição de prefeito (1997-2004).

Maia também é acusado de peculato, um eufemismo para explicar a apropriação de recurso público. Na ação de número 524 do MPF, Lira Maia é acusado de irregularidades em 24 processos na compra de merenda escolar. Em valores da época, o desvio beirava a casa de R$ 2 milhões.  Em 2016, o político foi condenado a sete anos e seis meses de prisão pelo crime de apropriação e desvio de recursos. A árvore deu frutos.

Em dias atuais, pesa sobre a família a acusação de nepotismo. Em 2021, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), entrou com uma ação civil pública, na qual constam como arrolados Maria Renilza Maia Matos e Rodrigo José Maia da Silva. Os citados ocupavam cargos de confiança da Secretária de Educação, chefiada por Maria José Maia, na gestão de Nélio Aguiar (DEM). A primeira vem a ser sobrinha e, o segundo, filho de Maria José Maia. Insistências patrimoniais.

O juiz Diego Belchior Santana, além de pedir o afastamento da parentela, estipulou em R$ 200 mil a causa. Assim como Nélio Aguiar, em segundo mandato, o ex-prefeito Alexandre Von é considerado afilhado político de Lira, bem como Henderson Lira Pinto, hoje deputado federal em primeira legislatura. A eleição de chefes do Executivo representa garantia de assentos do clã em secretarias, a exemplo do controle das pastas de finanças e da educação na gestão de Aguiar.

Após este longo parêntese dessa página infeliz da nossa história, marcada pelo patrimonialismo, voltemos à ata do dia 11 de dezembro de 2018. A última sessão do ano de 2018 foi presidida por Antonio Rocha, chefe do Legislativo, como atesta a ata da casa. Empresário do ramo de transporte fluvial, ex-deputado estadual e ex-vice-prefeito, responde a processo na Operação Perfuga, acusado de fraude em processo de licitação da Casa Legislativa. Chegou a ficar afastado por 180 dias, por ordem da Lei. 

Apesar de não concorrer a nenhum cargo, Antonio Rocha elegeu o filho, Erlon Rocha, ao cargo de vereador. Foi o mais votado no pleito de 2020. Em outro extremo, Marcos Antonio Vinhote Rocha, outro filho, passou a cumprir pena de quatro anos de prisão por tráfico de drogas, a partir de 2018. 

No mesmo pleito, a família Tapajós elegeu dois dos seus, Junior (reeleito) e Angelo. Junior Liberal conseguiu mais um mandato. A exceção da composição do Legislativo foi o PT ter eleito dois representantes, Carlos Martins e Biga Kalahari (influencer). Em legislatura pretérita, o partido chegou a eleger a dirigente sindical ligada à reforma agrária e à defesa do meio ambiente, Ivete Bastos. Por conta de sua atuação, por vários anos viveu sob escolta policial, em virtude de ameaças de morte. As ameaças continuam. O partido chegou a governar o município entre 2004 a 2012, na gestão da promotora pública do Pará Maria do Carmo Martins. Martins foi a primeira mulher a governar Santarém. Atualmente, é deputada estadual. É irmã de Carlos Martins, eleito como vereador.

Na última sessão da Câmara do ano 2018, entre moções de aplausos, ordem do dia e expediente, cumpre sublinhar umas ironias. É digno destaque à moção de aplausos do vereador Alysson Pontes (PSD), pela passagem dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no mesmo dia em que aprovaram a revisão do Plano Diretor, contrariando a decisão popular. Tem-se ainda a iniciativa contra os movimentos sociais realizada pelo delegado Jardel Castro Magalhães.

A ata registra que o parlamentar solicitou a criação de uma comissão especial de estudos de parlamentares para investigar o que ele denominou de “proliferação” de grupos étnicos e territoriais no município. Sendo que a região possui relevância mundial, justo pela presença de sociedades complexas desde a era pré-colombiana, em que Santarém é considerado um relevante sítio arqueológico, pesquisado dentro e fora do país. 

Acusado de envolvimento com quadrilhas de grileiros de terras, o superintendente de Polícia Civil do Baixo Amazonas foi suspenso do cargo. Em dezembro de 2023, a casa do delegado foi alvo da operação “Retomada II” da Polícia Federal. Sem êxito, o policial foi candidato ao Senado no último pleito pelo Podemos. O envolvimento do delegado em grilagem de terras com pessoas oriundas do Mato Grosso repercutiu nacionalmente. As redes de tramas em diferentes dimensões abordadas anteriormente dialogam com as interpretações de Oliveira (1994), em que estão entrelaçadas a política, inúmeras modalidades de crimes, as disputas territoriais e de sentidos sobre a Amazônia e as políticas de desenvolvimento, bem como as assimetrias entre os sujeitos envolvidos nas disputas.

 

Manifestações contra o processo de revisão do Plano Diretor e R-existências populares

Por conta da decisão dos poderes Legislativo e Executivo do município, considerada arbitrária, vários setores da sociedade produziram notas em oposição ao desfecho. Neste conjunto, temos desde frações da Igreja Católica, setores ligados ao urbanismo, professores de universidades centrais do país, a exemplo da USP, Ufscar, grupo de professores da Ufopa, ONGs, entre outros. Conseguimos acessar 15 destas notas, e destacamos algumas que consideramos relevantes.

Quanto à decisão do Legislativo e do Executivo local, o Sindicato dos Sociólogos do Estado do Pará (2018) critica:

A Câmara de vereadores de Santarém ao decidir pela autorização de obras portuárias no Maicá, passou por cima da Plenária final de Revisão do Plano Diretor Participativo, que reprovou a ideia. De nada valeram meses de intensos debates entre os mais diversos setores da sociedade – empresariais, acadêmicos, entes públicos e organizações sociais. Com a decisão, a Câmara demonstra não ter compromisso com os anseios da população e atua na contramão do desenvolvimento com sustentabilidade social, econômica e ambiental.

Já o manifesto animado pela professora da USP, Ermínia Maricato, que contou com a adesão de professores da UFRJ, Adauto Cardoso, UFPR, José Ricardo Vargas de Faria, UFSC, Maria Inês Sugai, entre outros, declara que:

A conferência municipal ocorrida nos dias 23 e 24 de novembro de 2017 foi, sem dúvidas, o fórum mais representativo do exercício da cidadania ativa pelas moradoras e moradores de Santarém. Estiveram presentes diversos segmentos da sociedade civil: associações de moradores, empresários, ambientalistas, pastorais, movimento indígena, quilombola, diversos coletivos, estudantes, professores, entre outros. Todas essas pessoas construíram esse espaço como forma de contribuir para discussões acerca do planejamento urbano da cidade, ações que impactam diretamente em suas vidas cotidianas. Nesse fórum, ficou registrada a rejeição do projeto de transformar a Área de Proteção Ambiental do Maicá em área portuária devido às evidentes consequências predatórias ao meio ambiente e às populações cujo sustento depende dos recursos naturais existentes na área.

A nota de repúdio da Federação das Associações de Moradores e Organizações Comunitárias de Santarém (Famcos), entidade que integrou a comissão executiva do processo de revisão do Plano Diretor, salienta que, dos 21 vereadores que compõem a Câmara Municipal, somente três participaram de forma esporádica das jornadas de debates. A Famcos esclarece que:

Na Conferência final do processo de revisão do Plano Diretor, duas propostas divergentes e relacionadas à questão portuária foram apresentadas. Numa delas, o agronegócio queria para si o lago do Maicá, especificamente para a construção de um complexo portuário. Na outra proposta, defendida pela sociedade civil organizada e pelos movimentos sociais, priorizava-se o lago do Maicá como área de pesca artesanal, turismo de base comunitária e também para embarque e desembarque de pequenos barcos. E foi esta segunda proposta a aprovada pela ampla maioria das pessoas presentes, em sintonia com as regras e com a dinâmica do Plano Diretor Participativo (PDP) que estava sendo conduzido pela própria prefeitura de Santarém. A vitória da proposta defendida pelos movimentos sociais não foi digerida pelos representantes do agronegócio que saíram ameaçando reverter a situação quando a votação do texto final na Câmara de Vereadores.

A decisão da Câmara de Vereadores em atender a demanda do setor da agricultura capitalista, e o respectivo endosso do prefeito Nélio Aguiar, resultam do contexto da fragilidade da democracia nacional, e ilustram o ambiente de reinserção da região aos circuitos mundiais de trocas desiguais, no qual é premissa pétrea a fragilização dos marcos jurídicos formais que, de certa forma, garantem os processos democráticos de revisão do Plano Diretor municipal. Como bem analisado pelo antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, ao tratar de agroestratégias, o setor visa fragilizar ou suprimir os direitos das populações consideradas tradicionais, destaque aqui para os remanescentes de quilombolas.

Ao longo das jornadas, o campo popular tem realizado uma série de ações. O movimento social da região promoveu, dentro da pauta de debates do Dia da Mulher, um ato contra o projeto. Os indígenas, por sua vez, implementou um evento no campus da Ufopa de Santarém, organizado pelo Fórum Amazônia Oriental (Faor), o coletivo Tapajós Vivo e o Xingu Vivo, no arcabouço do projeto Mãe da D’água, que congrega mulheres indígenas e do qual fazem parte a Associação Wakomboru (Munduruku), a Associação Parerip (Munduruku do Médio Tapajós), o Conselho Indigenista Tapajós Arapiuns (CITA), o Conselho Gestor do Povo Ka’apor, as Guerreiras da Floresta (Guajajara) da TI Caru. Na ocasião, indígenas, quilombolas, camponeses e pesquisadores debateram, nos dias 27 e 28 de abril de 2019, sobre os possíveis impactos do projeto, caso ele venha a ser efetivado. Na ocasião, a liderança Munduruku, Alessandra Korap, ao refletir sobre a agenda desenvolvimentista, avaliou:

O que o governo tem apresentado a nós é um pacote de morte. Há anos brigamos pelo reconhecimento de nossos territórios, e o avanço é bem pequeno. O governo não entende e não respeita que cada povo tem seu modo de vida, o seu modo de lutar e viver (Seminário sobre Grandes Projetos no Baixo Amazonas, 27 abr. 2019).  

A liderança alerta para as ações desleais das empresas em processos de licenciamento, e para a necessidade dos sujeitos locais protagonizarem pesquisas:

As empresas que sem permissão dos povos tendem a fotografar e filmar os mesmos e usar os registros para legitimar audiências e o endosso dos empreendedores.  “A gente precisa intensificar o nosso trabalho de educação de base e protagonizar pesquisas para que o nosso povo não seja enganado (Seminário sobre Grandes Projetos no Baixo Amazonas, 27 abr. 2019).

Daniela Pinto, quilombola e estudante da Ufopa, advertiu sobre os impactos que os moradores do lago do Maicá estão sofrendo por conta do anúncio do projeto, e os embates já travados entre os moradores e a Embraps. “Nosso povo está adoecendo e já notamos o consumo de drogas em nossa comunidade. Este modelo de desenvolvimento é insustentável”, salienta a estudante, que defende a necessidade de união entre indígenas e quilombolas para o enfrentamento das ameaças dos grandes projetos. A seguir, registro do seminário realizado na Ufopa, em 2019.

Em maio de 2016, um conjunto de movimentos sociais que agrupou indígenas, quilombolas e camponeses, ao lado de estudantes, realizou um ato público contrário ao projeto e em defesa do lago do Maicá.  Em marcha, decidiram pela obstrução de um trecho de confluência da avenida Tapajós com a rodovia Cuiabá (BR-163), nas proximidades do porto da Cargill, cujo objetivo residia em tornar lento o deslocamento das carretas de soja que abastecem o porto da empresa estadunidense.

O seminário realizado na Ufopa soma-se a outras ações de resistência, em oposição à agenda de grandes projetos na região. No decorrer dos anos, o coletivo Tapajós Vivo tem produzido documentos (cartilhas, livros e vídeos), manifestos, eventos de formação política com o conjunto dos movimentos sociais voltados para os mais variados segmentos. Registre ainda ações de massa como a Romaria da Terra e das Águas e formações políticas que gravitam em torno do conjunto de ideias que norteiam o Bem Viver como oposição ao desenvolvimentismo.

Debates sobre os impactos dos grandes projetos têm ocorrido na região, tanto dentro quanto fora da universidade. Uma infinidade de mediações faz parte destas intervenções, nas quais constam parcelas da Igreja Católica, pesquisadores da região e fora dela, universidades, ONGs, movimentos sociais e redes de outras regiões, tanto do próprio estado quanto regional, e mesmo de outros países, por conta dos diálogos possibilitados pela Rede Fórum Panamazônico. Na Figura 6, o registro de peça de comunicação do movimento. 

 

Figura 6Flyer da manifestação pela passagem do Dia da Mulher contra o Projeto da Empresa Embraps

https://3.bp.blogspot.com/-wM9__lCVD0M/Vt1NGXLQpbI/AAAAAAAAC6g/D8Xtj_Dsag8/w400-h281/maica%2Bmulheres.jpg

Fonte: Redes sociais, 2016.

 

Os debates e trocas de experiências a partir do Fórum Panamazônico têm sinalizado para formas de r-existências em defesa dos territórios das populações locais. A imagem pela passagem do Dia da Mulher, na Figura 6, na qual indígenas e quilombolas ocupam lugar central, tem como propósito manifestar a oposição ao projeto do Complexo Portuário no lago do Maicá.

 

Considerações inconclusivas

Ao longo dos séculos, não há nenhuma experiência desenvolvimentista imposta sobre a Amazônia que não possa ser enquadrada como acumulação primitiva, independente da coloração ideológica do governo. Talvez a exceção resida no apagar das luzes da década de 1980, quando da redemocratização, momento em que setores historicamente marginalizados conseguiram, em certa medida, ter algumas demandas atendidas, cujo ponto de inflexão para que isso ocorresse tenha sido a execução do extrativista Chico Mendes. Violências estruturais.

Naquela quadradura histórica, instituições foram criadas, políticas, programas e planos elaborados, em que o ponto de destaque recai sobre a efetivação das Reservas Extrativistas. A reforma agrária da Amazônia. O ser humano ao centro, sem dissociar da natureza.

 O presente artigo buscou refletir sobre a acumulação primitiva mobilizada a partir de um projeto de construção de um complexo portuário, o da região do lago Maicá, na cidade de Santarém, no Oeste do Pará. Região considerada estratégica na geografia da agricultura capitalista, com relevo à produção do Brasil Central, onde o primordial é consolidar o Baixo Amazonas como um corredor de exportação de commodities.

O projeto portuário integra um pacote de obras de infraestrutura organizado a partir do Arco Norte, no qual estão previstas obras de modal de transporte (ferrovia, rodovia e hidrovia), além de grandes e pequenas hidroelétricas. Projetos que ameaçam territorialidades já existentes, entre outras, de indígenas, quilombolas, extrativistas e camponeses. Os sujeitos envolvidos nas disputas territoriais e de sentidos sobre a Amazônia aqui elencados estão articulados em redes de diferentes níveis e escalas em defesa de seus territórios e um projeto em desenvolvimento ancorado na ideia do Bem Viver, entre outras. Este conjunto de sujeitos tem no campo jurídico a Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como recurso no enfrentamento contra o capital. Apesar de toda a abissal assimetria em relação aos seus opositores.

A partir do exposto, é possível evidenciar a centralidade do papel do Estado autoritário na dinâmica da construção de projetos de desenvolvimento, a presença das diferentes frações de classes, bem como o avanço da territorialização do grande capital sobre as terras públicas e os territórios já conformados segundo o uso de diferentes territorialidades da sociodiversidade local.

A conjuntura, assim como em tempos coloniais, tende a expropriar as populações locais que, alijadas de suas condições de reprodução econômica, política, social e cultural empreendem, a partir da mediação de inúmeros sujeitos, barricadas de enfrentamento em defesa de seus territórios, em uma tentativa de contrariar a agenda das grandes corporações do capital mundial, como as agências multilaterais, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, e mesmo fundos de pensão de trabalhadores, a exemplo da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e da Petrobras, que despontam como financiadores destes empreendimentos, como adverte Carlos Walter Porto-Gonçalves. 

Nestes embates, o caráter de classe e identitário e o vetor ambiental costumam ser mobilizados como ferramentas políticas contra aqueles que cobiçam a terra, o subsolo, a floresta e os rios. O porto tende a anexar espaços não mercantilizados aos circuitos globais, com base em uma complexa conjuntura que mobiliza variados sujeitos, temporalidades e escalas em uma fronteira tênue entre o público e o privado, entre o lícito e o ilícito, que conjuga recursos antigos a “novos”, como apontam Gonçalves e Costa (2020).

Tem-se assim, na fronteira, o desencontro de temporalidades mobilizadas por sujeitos que se opõem e se complementam nas disputas territoriais e de sentidos, a partir de uma totalidade contraditória, em que a reprodução ampliada do capital coexiste com formas de acumulação primitiva em suas diferentes nuances de análise.

 

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Como citar

ALMEIDA, Rogério. Acumulação primitiva no Baixo Amazonas/PA: as disputas territoriais em torno do lago do Maicá e o Complexo Portuário da Embraps em Santarém – PA. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 32, n. 2, e2432211, 20 dez. 2024. DOI: https://doi.org/10.36920/esa32-2_st07.   

 

 

 

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[1] Doutorado em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP). Docente pela Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). E-mail: araguaia_tocantins@hotmail.com.     

[2] Protocolos de consulta prévia e o direito à livre determinação. Carlos Frederico Marés de Souza Filho; Liana Amin Lima da Silva; Rodrigo Oliveira; Carolina Motoki; Verena Glass (Orgs.)  São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo; Cepedis, 2019. A obra agrupa o uso da Convenção com os movimentos sociais, em particular na Amazônia.

[3] É compreendido como uma tentativa de um indivíduo ou grupo de atingir, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos, por meio da delimitação e afirmação do controle sobre uma área geográfica. É regido pela disputa do poder, em múltiplas faces, escalas e dimensões, revisa Haesbaert (2002).

[4]  A instalação do empreendimento da Ford no século passado representa um divisor de águas, literalmente. A primeira genuinamente capitalista sob os auspícios do imperialismo, como reflete Francisco de Assis Costa (1998). 

[5] É compreendido para além das rupturas de processos democráticos, em que Fernandes (2005), em consonância com Coutinho (1979), realça a nossa herança colonial para avaliar o ethos autoritário, racista e oligarca de toda evolução econômica, política, social e cultural do percurso da formação do Brasil, bem como a fragilidade da nossa democracia formal liberal, eivada de vícios patrimonialistas, patriarcais e clientelistas, em que são recorrentes momentos de rupturas ou ameaças (parlamentar ou militar), como verificado nos capítulos infelizes recentes da nossa história política. Vale ainda ressaltar o conceito de Estado contrainsurgente, elaborado Rui Mauro Marini, no qual o economista busca analisar a imposição da ideologia desenvolvimentista dependente de uma burguesia nacional-liberal subordinada aos interesses das forças hegemônicas internacionais imperialistas, como revisa Silva (s/d). 

 

[6] O festival ocorre desde 1994, no município de Juruti, no final de julho e começo de agosto, e envolve a disputa entre as agremiações Muirapinima e Munduruku. A iniciativa integra uma geografia de grandes festivais da região, onde se registra ainda o Festival de Bois-Bumbá, na cidade de Parintins – AM, e o Festival dos Botos (Çairé), em Santarém – PA, além de outros com menor visibilidade. As manifestações exaltam a força da cultura local e seus protagonistas, indígenas, caboclas, quilombolas, entre outros.

[7] Expediente equivalente foi usado quando da implantação da empresa em São Luís (MA), nos anos de 1980.

[8] No corredor de Carajás, entre o Pará e o Maranhão, a Vale processa mais de 100 pessoas, entre educadores, indígenas, camponeses e quilombolas, recupera reportagem do site da Agência Pública.

[9] O estudo sobre o Arco Norte é o sexto volume da série Estudos Estratégicos, sob a responsabilidade do Cedes (Centro de Estudos e Debates Estratégicos). O estudo calçado em dados de consultorias internacionais sob os auspícios da Confederação Nacional de Transportes (CNT), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) salienta a fragilidade da infraestrutura do país, considerada uma das piores do mundo, o que onera em demasia o escoamento da produção do agronegócio nacional, em particular, do Brasil Central. O documento teve como relatores os deputados federais pelo Pará, Lúcio Vale (PR/PA) e Remído Monai (PR/RR), e como consultor técnico o atual governador do estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas. O PR, nos dias atuais, atende pela legenda PL. Disponível em: https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/30939. Acesso em: 11.nov.2023.

[10] Sob a transpiração dos tratados do sociólogo Manuel Castells (A sociedade em rede), Santos (1999) considera dois elementos centrais em torno de debate sobre a rede, a realidade no campo da técnica (material) e a social, aquela materializada pela infraestrutura existente na composição do espaço, em que a cooperação entre equipamentos aciona o fluxo de matérias (bens), de informação, de energia e de pessoas, a partir de uma totalidade marcada pela hierarquia de pontos de acesso (origem) e terminais (destino).

[11] VIEIRA, Judith Costa. Quilombolas na cidade: dilemas do planejamento urbano frente ao território do Quilombo do Maicá em Santarém – PA. In: Sociologia, antropologia e culturas jurídicas. [Recurso eletrônico on-line.] Organização: Conpedi/ Unicuritiba; coordenadores: José Alcebíades de Oliveira Junior, Regina Lucia Teixeira Mendes, Maria Luisa Scaramella. Florianópolis: Funjab, 2013. p. 40-73.

 

[12] É uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos, que tem como objetivo apoiar o desenvolvimento científico, social e tecnológico da Amazônia. Criada em 1977 para dar suporte às atividades da Universidade Federal do Pará (UFPA), atualmente, é um dos grandes agentes estratégicos da região Norte. A Fadesp atua na gestão de projetos de pesquisa, ensino, extensão e inovação da UFPA, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Universidade do Oeste do Pará (Ufopa), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Instituto Evandro Chagas (IEC), Instituto Federal do Pará (IFPA) e Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa – Amazônia Oriental), além de outras instituições parceiras.

 

[13] CANDIDO, Cunha et al. Consulta prévia, livre e informada: o caso da construção do complexo portuário do Maicá, no município de Santarém, Pará. In 21o Congresso Brasileiro de Direito Ambiental. Teses de Estudantes de Graduação/Papers of Law School Studentsp, p. 87-101. São Paulo, 2016, p. 89.

[14] Sobre a revisão do Plano Diretor da cidade de Santarém – PA, ver REIS, Ana Beatriz e RODRIGUES, Yuri (Orgs.). A luta pelo direito à cidade na Amazônia: o processo de revisão do Plano Diretor de Santarém – PA. Fase, Santarém – PA, 2019. Disponível em: https://fase.org.br/wp-content/uploads/2019/10/D_L_PLANO-DIRETOR-E-DIREITO-A-CIDADE_EBOOK2-1.pdf. Acesso em: 20.nov.2023.