ESA_logo.png                                       Recebido: 25.01.2024   •    Aceito: 29.maio.2024   •    Publicado: 27.jun.2024                                                                                                                                                                                                                                                   

Estatismo, colonialismo e imperialismo: rumo a uma teoria autonômica do mundo multipolar e da reprodução territorializada-etnicizada-generificada de poderes

Statism, colonialism, and imperialism: towards an autonomous theory of the multipolar world and territorialized/ethnicized/ gendered reproduction of powers

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Andrey Cordeiro Ferreira[1]

 

 

 

 

 

https://doi.org/10.36920/esa32-1_06

 

 

Resumo: O objetivo do presente artigo foi tentar realizar um balanço crítico dos conceitos de imperialismo e colonialismo (e seus conceitos correlatos, como colonialismo interno, situação colonial, neocolonialismo, colonialidade e pós-colonial), e propor alguns apontamentos teóricos para análise das relações e dinâmicas de poder contemporâneas, que unifiquem, na medida do possível, contribuições da sociologia, antropologia e economia política. Apesar de um amplo uso das noções de colonialismo e imperialismo, no léxico político e nas ciências sociais, seu uso permanece controverso. Certamente, ainda existem diversos autores que fazem uso do conceito de imperialismo, bem como aqueles que refutam a sua validade. Entendemos que tais definições são necessárias, pois os conceitos de imperialismo e colonialismo (incluindo colonialismo, colonialismo interno, neocolonialismo, situação colonial) são indispensáveis para pensar a realidade complexa do sistema mundial no século XXI. Mas sua validade exige a crítica dos aspectos economicistas e eurocêntricos que orientaram parte significativa das formulações sobre o tema (inclusive de muitas críticas). O colonialismo e o imperialismo, sob variadas e complexas formas, continuam a condicionar a história mundial e, por isso, é preciso que sejamos capazes de perceber sua existência e analisar sua dinâmica. Aqui tivemos a pretensão de lançar as bases para uma nova forma de teoria do imperialismo e colonialismo, como relação global de heteronomia e da acumulação etnicizada/racializada-generificada e territorializada, que possa romper com os limites dos paradigmas etnocêntricos e desenvolvimentistas-modernizadores de conhecimento histórico.

Palavras-chave: Análise dos Sistemas mundiais; autonomias; terra e território; Mundo Multipolar; sociedades sem e contra Estado.

 

Abstract: This article attempts to conduct a critical theoretical review of the concepts of imperialism and colonialism (as well as related concepts such as internal colonialism, colonial situation, neocolonialism, coloniality, and post-colonialism) and proposes some insights for social science analysis. Although the concepts of colonialism and imperialism are widely cited in the political lexicon and social sciences, their use remains controversial; some authors still utilize the concept of imperialism while others refute its validity. We understand that these definitions are necessary, since the concepts of imperialism and colonialism are indispensable for thinking about the complex reality of the global system in the twenty-first century. Their validity, however, requires a critique of the economistic and Eurocentric aspects that guided many formulations on this topic. Varied and complex forms of colonialism and imperialism continue to shape world history, and we consequently need to be able to perceive their existence and analyze their dynamics. Here we lay the groundwork for a new theory of imperialism and colonialism as a global relationship of heteronomy and accumulation founded on structural discrimination based on ethnicity, gender, and territory that is capable of going beyond the limits of ethnocentric and developmentalist/modernist paradigms of historical knowledge.

Keywords: World systems analysis; autonomies; land and territory; multipolar world; societies without and against the state.

 

 

 

Introdução

O objetivo do presente artigo foi tentar realizar um balanço crítico dos conceitos de imperialismo e colonialismo (e seus conceitos correlatos, como colonialismo interno, situação colonial, neocolonialismo, colonialidade e pós-colonial), e propor alguns apontamentos teóricos para análise das relações e dinâmicas de poder contemporâneas, que unifiquem, na medida do possível, contribuições da sociologia, economia política e antropologia. Apesar de um amplo uso das noções de colonialismo e imperialismo, no léxico político e nas ciências sociais, seu uso permanece controverso. Certamente, ainda existem diversos autores que fazem uso do conceito de imperialismo, bem como aqueles que refutam a sua validade (Negri, 2000; Harvey, 2004; Osorio, 2018). Entendemos que tais definições são necessárias, pois os conceitos de imperialismo e colonialismo (incluindo colonialismo, colonialismo interno, neocolonialismo, situação colonial) são indispensáveis para pensar a realidade complexa do sistema mundial no século XXI. Mas sua validade exige a crítica dos aspectos economicistas, etnocêntricos e eurocêntricos que orientaram parte significativa das formulações sobre o tema. O colonialismo e o imperialismo, sob variadas e complexas formas, continuam a condicionar a história mundial e, por isso, é preciso que sejamos capazes de perceber sua existência e analisar sua dinâmica. Estes três fenômenos (estatismo, colonialismo e imperialismo) não podem ser reduzidos nem a fenômenos exclusivamente econômicos, nem políticos, nem culturais, pois são multidimensionais, são fenômenos históricos de longa duração, que foram ressignificados pela emergência do sistema mundial capitalista e pelas transformações em diferentes ciclos de mundialização.

Ao mesmo tempo, o imperialismo-colonialismo é um fenômeno global de poder, condicionando a organização social, política e cultural no nível local, de modo que é impossível uma análise sociológica e antropológica das sociedades e culturas sem uma compreensão clara do impacto do imperialismo-colonialismo. No final do século XXI, longe do imperialismo-colonialismo ter desaparecido, ele assumiu novas e complexas formas, sob impulso do estatismo e do monopolismo capitalista. Os recentes conflitos no mundo, que se desenrolaram depois de 2000, como as guerras (Guerra e Invasão do Afeganistão, segunda Guerra do Iraque, em 2003, Guerra Civil na Síria e Líbia, em 2011, seguidas pela Guerra na Ucrânia, 2014 e 2022, Israel-Palestina), mas também os processos globais de land grabbing e estrangeirização de terras, bem como a intensificação de conflitos e insurgências étnicas e subnacionais, mostram que existem novas fenomenologias do imperialismo e do colonialismo. É isso que tentaremos discutir e teorizar.

 

Impérios e colônias: algumas genealogias conceituais e simbólicas

A experiência imperial-colonial da modernidade (ou seja, do mundo pós-1400s) traz consigo uma estrutura cognitiva gerada há milhares de anos antes dele. As categorias cognitivas e linguísticas da experiência imperial-colonial e, consequentemente, da teoria do imperialismo-colonialismo são profundamente enraizadas em tradições estatais e cosmologias de diferentes civilizações, de longa duração e milhares de anos (Eliade, 1984). Entretanto, não podemos incorrer nos erros seja do anacronismo (projetar uma continuidade absoluta da Antiguidade aos dias de hoje, ignorando radicais transformações), seja do presentismo (de ignorar as profundas raízes históricas dos fenômenos, que ajudam a compreender seus sentidos, por meio de sua genealogia). Roma é, talvez, o centro exemplar dos Impérios ocidentais. Mas ao mesmo tempo que se formou o Império Romano no Ocidente (em torno do mar Mediterrâneo), criou-se vários Impérios no Oriente,[2] como o Han, na China, que constitui outra linha de evolução imperial (estruturada em torno do conceito de mundo ou tian  como fundamento da organização do Império, que apontavam para outro tipo de filosofia). Esses Impérios, bem como diversos outros na Europa, África, Oriente Médio, formaram vários modos de governo, cosmologias e ideologias de legitimação, que contribuíram para a formação de diversas sociedades e culturas regionais e mundiais. Na Antiguidade não existia um conceito de nacionalidade análogo aos modernos, sendo a expansão das fronteiras políticas das sociedades imperiais um desdobramento de uma cosmologia política que considerava as autoridades políticas (reis, imperadores) titulares de um direito transcendental sobre o mundo, de modo que a expansão, conquista e colonização de outros Estados e das periferias tribais autônomas era concebida como uma missão inerente à existência dos Impérios e suas respectivas sociedades (Pagden, 2007). O mundo e grande parte da história da humanidade foram preenchidos por uma pluralidade de centros e Impérios regionais, que eram ilhas, no que James Scott denominou de mundo ou ecologia dominada por periferias de povos autogovernados (Scott, 2011).  

O conceito de mundo como “domínio” de titularidade da autoridade de um Estado é fundamental para compreendermos toda a discussão sobre Império e imperialismo. Num certo sentido, o conceito de Império é o desdobramento do conceito de Estado, da ideia de que o Estado é um ente necessário. Assim, o estatismo (ou a crença ou doutrina na inevitabilidade da necessidade e na defesa do Estado) é um conceito que descreve uma propensão de certas sociedades e culturas e está incrustada nos paradigmas das ciências sociais (Bourdieu, 2014). Os Impérios foram o desdobramento dessa tendência do estatismo. Podemos, ao fazer uma reflexão, afirmar que os Impérios, de modo geral, tem três características principais: primeiro, é uma unidade política organizada em torno das cidades ou urbes, que funcionam como fortificações militares e espaços de pacificação e padronização cultural (linguística, religiosa e tecnológica); segundo, eles estão sempre operando uma relação de fixação e expansão de suas fronteiras, gerando contínuos fluxos migratórios para dentro (absorvendo territórios e populações das suas periferias) e para fora (pela fundação de novas cidades ou colônias em territórios disputados); terceiro, o Império é uma forma política e um processo histórico, no sentido que eles foram a evolução de um sistema de cidades-Estados que mantinham relações de guerras e comércio, sendo o Império uma forma política e transformação desse sistema – que resultou na supremacia de um Estado particular que centralizou o poder e autoridade e expandiu seus territórios. Logo, não é possível definir o conceito e a teoria do Império e do imperialismo sem pensar no conceito de Estado, pois o Império nada mais é, historicamente, do que uma evolução do Estado e das sociedades globais que criam esses Estados. Da necessidade de manter o Estado como sinônimo das sociedades, da crença na sua inevitabilidade e necessidade, surgiu a conveniência de expandir os Estados, e os Impérios são essas formas de Estado ampliado e projetado, fortalecido.

Os termos colônia (devemos falar colônia-metrópole) e Império remetem aos sistemas políticos, linguísticos e intelectuais da Antiguidade. O conceito de colonialismo deriva da categoria latina colonus/colônia,[3] e designava assentamentos romanos em terras estrangeiras voltados à agricultura. A noção de colônia estava sempre ligada à noção, de origem grega, de metropolis,[4] cidade-“mãe”, aquela da qual eram originados os colonos. Desse modo, a colônia designava uma unidade socioespacial subordinada a um centro de poder exterior, composto por um grupo social pertencente a este centro (uma cidade-Estado ou Império, na Antiguidade). A colônia era a projeção do poder dessas sociedades ou civilizações. Logo, a fundação de colônias era uma das formas da construção dos Impérios, na Antiguidade.

Esse breve preâmbulo é fundamental. Os conceitos de Estado, Império, Colônia e Metrópole, tal como apresentados aqui, remetem a uma genealogia, que foi a forma como os Impérios de linhagem romana (ou seja, que confluíram para formação dos Impérios na Europa a partir das instituições e categorias ideológicas e discursivas produzidas a partir da tradição greco-romana) criaram estruturas sociais e políticas. Sem querem sugerir simplificações, os conceitos de Império, colônia e metrópole, sempre reproduziram as relações de centralismo ontológico derivadas do estatismo como doutrina e crença social (ou seja, crença num sistema simbólico e cognitivo, no qual o mundo precisava ter um “centro” gerador de ordem, de proteção e garantidor da existência) e um centralismo político-social (que era materializado nos territórios, sociedades e culturas dos respectivos Impérios, nas suas instituições políticas e de integração social e cultural). Os Impérios tendiam a variados graus de etnocentrismo na Antiguidade, como já observado longamente nos estudos de história e antropologia.

Porém a formação histórica do capitalismo e a revolução industrial levaram a rupturas e continuidades profundas nessas categorias. A formação do mercantilismo, e depois a emergência do liberalismo econômico e da autorregulação do mercado, no contexto das novas expansões coloniais e revoluções industriais e tecnológicas (séculos XVII-XIX) levaram a inovações históricas fundamentais. Podemos dizer que os conceitos de acumulação de capital de autonomização do mercado e a doutrina do utilitarismo, aliada ao cientificismo, criaram uma nova categoria de Estados e Impérios, os Impérios capitalistas. Nele, os Estados criaram uma estrutura social e política na qual pretendiam delegar ao mercado quase todas as funções fundamentais da reprodução social (Polanyi, 2013; Wallerstein, 1966) vão criar uma nova lógica, no sentido de que o Estado e os diferentes tipos de estatismo são relegados a um status ideológico desprestigiado. Ao mesmo tempo, surgirão novas reações e formas de estatismo, no contexto da crise e transição. A formação do sistema histórico capitalista coloca o problema da transição, e absorção, das antigas estruturas de Impérios “pré-capitalistas” no sistema mundial. Entretanto, as práticas e categorias de Império, colônia, metrópole e civilização serão trazidas da Antiguidade e atualizadas. É em tal contexto que toda a discussão sobre o imperialismo irá se desenrolar.

Essa análise das categorias imperialismo e colonialismo é fundamental para a compreensão dos debates sociológicos e econômicos. O conceito de imperialismo não surge como uma categoria científica, ele na realidade deriva da palavra latina imperium (que designava autoridade estatal, comando, poder), que foi recolocada em uso no contexto da revolução francesa, com a ascensão de Napoleão. Desse modo, paradoxalmente, o imperialismo moderno estaria profundamente marcado pela influência do liberalismo político e econômico, como um expansionismo justificado em nome da libertação (comercial ou política), ao mesmo tempo que significava a reiteração da autoridade estatal. Esse saber prático, que engendrou categorias como colônia e imperium, tinha uma conotação global: era o processo de expansão de uma sociedade como todo, de seu domínio e autoridade. Eram fenômenos, por conseguinte, de poder. Os conceitos (multifacetados) de Império, Civilização, Colônia e Metrópole permaneceram de forma mais ou menos direta e sistemática, na organização e formação dos Impérios, até a emergência global do capitalismo, a partir do século XIV no Atlântico (Europa e Américas). A ideia da antiga missão de autopreservação dos Estados-Impérios como sinônimo de sua expansão, seria sintetizada e ressemantizada em conceitos como os de civilização, e fundidas em variadas narrativas e ideologias de legitimação e justificação. O centralismo ontológico se fundiu com os centralismos político-sociais, que apareciam sob diferentes formas institucionais e discursivas (etnocentrismo, eurocentrismo e nacionalismo).

 

Nasce o imperialismo: autocrítica ou consciência culpada do nacionalismo e do colonialismo?

O conceito de imperialismo passou a ser empregado com conotações críticas e sociológicas mais amplas apenas no final do século XIX, quando foi usado para referir-se, de forma mais ou menos pejorativa, às políticas expansionistas e anexionistas de Estados como Inglaterra e França, que construíram um amplo sistema colonial na Ásia e África.[5] A princípio, o conceito de imperialismo tinha um sentido irônico, e foi usado por críticos internos (à Europa) das políticas de expansionismo e conquista coloniais realizadas por Estados europeus. Assim, o conceito de imperialismo era a reversão crítica do conceito de imperium (como categoria positiva de autoridade e poder).

O primeiro livro a tratar de forma sistemática e se propor a elaborar uma definição de imperialismo foi a obra de John Hobson Imperialism: a study (1902). Nela, o autor analisa as relações do imperialismo com o nacionalismo, o colonialismo e o internacionalismo. Para Hobson, o nacionalismo, como movimento de afirmação e expansão das nações, está na gênese do colonialismo e imperialismo. O colonialismo, para ele, é o processo de construção de núcleos populacionais no exterior, com formação de sociedades cuja maioria da população é originada da metrópole. No caso, quando esses colonos, como minorias nacionais no estrangeiro dominam populações nativas, ele emprega o termo “imperialismo”. O imperialismo seria, assim, uma manifestação espúria do nacionalismo e colonialismo. Mas para Hobson, o colonialismo e o nacionalismo seriam expressões legítimas da política dos Estados modernos e democráticos. O autor faz duas considerações gerais importantes sobre o imperialismo: 1) o nacionalismo era ambíguo, ele podia expressar a resistência contra expansão dos Impérios, mas também podia ser a justificativa dessa expansão; 2) a ideia de “Império”, surgida na Antiguidade como uma federação de estados sob controle de um Estado hegemônico, sobreviveu à queda do Império Romano e passou ao Sacro Império Romano-Germânico, reaparecendo ainda sob a forma dos Estados e Impérios absolutistas. Desse modo, o conceito moderno de Império reativa formas organizacionais e discursivas da Antiguidade (Hobson, 1902, p. 7). O livro de Hobson, apesar da crítica, considera o imperialismo uma deformação do nacionalismo das sociedades ocidentais, mantendo como possibilidade um nacionalismo e colonialismo sem dominação, um colonialismo pacífico e integrador, não militarista.

A abordagem de Hobson inaugurou uma série de leituras distintas sobre imperialismo, que assumiriam um tom científico. Daí surgem as leituras social-democrata e liberal social, e depois uma leitura marxista (que se tornou um campo central nos estudos sobre o imperialismo). Além dessas leituras, devemos mencionar a leitura do liberalismo econômico (baseado na obra de Schumpeter) e as leituras realistas ou da teoria da razão de Estado (Pistone, 1998). Além dessas leituras, existe também um amplo campo na antropologia e dos estudos culturais, que enfatizaram o imperialismo como um processo cultural, político-territorial e/ou econômico de integração e subordinação por meio de estruturas pluralísticas (Meillassoux, 1976; Pagden, 2007; Said, 1995; Wolf, 2005), algo análogo ao fato social total de Mauss.

Em síntese, as interpretações anteriores consideram como base fenomenológica do imperialismo-colonialismo as seguintes tendências: 1) o expansionismo na política externa; 2) o militarismo, ou seja, a tendência do conflito por meio da guerra entre Estados independentes e contra povos e nações; 3) a centralização do poder e ativismo estatal e protecionismo econômico; 4) a exportação de capitais e pessoas (colonos).

Devemos, antes de concluir, fazer algumas advertências. O conceito de imperialismo comporta, desde o início, uma ambiguidade. Por um lado, como na formulação de Hobson, há a legitimidade do colonialismo como política. Por outro, há o reconhecimento da dominação e violência decorrentes dessa política. Para além disso, as chamadas teorias do imperialismo, elaboradas a partir do século XIX, pensaram especialmente uma forma particular, a do imperialismo e colonialismo capitalistas (Arrighi, 1994; Wallerstein, 2001). Por isso, é preciso reconhecer as limitações das propostas e conceitos aqui formulados, visto a pluralidade e complexidade de realidades com que precisam lidar.

 

As teorias do imperialismo contemporâneo: nos quadros da modernidade capitalista

Tomando esse ponto de partida como base, podemos dizer que as teorias do imperialismo podem ser diferenciadas em dois campos políticos-interpretativos, um que considera o imperialismo como tendência inerente do capitalismo e, outro, que considera o imperialismo apenas uma variante possível ou patologia do capitalismo. Além disso, existem duas abordagens predominantes em termos metodológicos, as abordagens economicistas (que consideram que o imperialismo é um fenômeno essencialmente econômico) e as abordagens politicistas, que consideram que o imperialismo é um fenômeno essencialmente estatal, particularmente, da política externa dos Estados nacionais (Cohen, 1976). Tais análises se desenvolveram em dois momentos principais, entre o final do século XIX e o pós-Segunda Guerra Mundial, quando o tema do imperialismo adquiriu grande relevância. No primeiro período (1890-1930), a Europa foi o grande centro de formulação de teses sobre imperialismo e colonialismo. Depois, especialmente entre 1930-1960, o imperialismo e o colonialismo passaram a ser teorizados também na Ásia, África e América Latina, de diversas óticas críticas. 

Façamos então uma breve leitura crítica das teorias do imperialismo, para poder extrair algumas considerações e proposições. No campo das teorias que consideram o imperialismo uma tendência inerente ao capitalismo, estão as abordagens baseadas nas obras de Lenin e Rosa Luxemburgo. Em tais abordagens o imperialismo é compreendido especialmente como resultante das necessidades de acumulação de capital, e a expansão exterior é resultante da busca pela resolução das contradições econômicas internas da acumulação de capital. Lenin irá definir, inaugurando ampla tradição interpretativa, que o imperialismo é o capital monopolista (Lenine, 1977). Tal reflexão legou diversas contribuições a uma série de leituras críticas do imperialismo, como a teoria do capital monopolista, a teoria do desenvolvimento de Baran e Sweezy e a teoria da dependência latino-americana. A principal característica dessa abordagem está na ênfase sobre a expansão da acumulação de capital, o processo de integração do mercado mundial e das estruturas produtivas (Santos, 2003). Rosa Luxemburgo, em particular, deu uma grande importância a chamada “reprodução ampliada do capital”, e introduziu uma questão fundamental: o capitalismo se reproduz ao incorporar e destruir modos de produção não capitalistas (Luxemburgo, 1970). 

No outro campo estão distintas abordagens. As abordagens sociais-democratas e sociais-liberais consideraram o imperialismo um fenômeno exterior ao capitalismo, que se associa a ele por diferentes razões. A tese social-democrata é de que o imperialismo é um aspecto opcional, uma política do capitalismo, que poderia ser modificada em face de reformas nas estruturas econômicas e estatais. Neste campo, estão as análises como as de Hosbon e, também, em certo sentido, as de Kautsky, que levaram o autor a falar do ultraimperialismo. Ele entende que imperialismo é sinônimo de militarismo e colonialismo e, consequentemente, que estes na realidade são não apenas dispensáveis ao capitalismo, como estavam entrando em contradição com a reprodução do sistema capitalista. O ultraimperialismo seria assim uma “fase” em que o capitalismo poderia se reproduzir sem o sistema colonial e sem a política de invasão e anexação, resolvendo as contradições de acumulação por outros meios, pacíficos, de integração. No caso, sua tese é de que a guerra mundial levaria à necessidade de uma aliança entre países imperialistas, substituindo assim a política de guerra por uma paz duradoura denominada ultraimperialismo (Kautsky, 1914).

A tese liberal schumpeteriana é de que o imperialismo é uma patologia pré-capitalista que o capitalismo não conseguiu eliminar. O fim do imperialismo como política dependeria da expansão dos processos de modernização (difusão institucional, cultural e tecnológica). A tese da teoria da razão de Estado é de que o imperialismo estava vinculado às necessidades do Estado unitário e sua projeção de poder exterior. O elemento distintivo desta orientação se assenta na tese da autonomia da política externa em relação às estruturas internas dos Estados (Pistone, 1998). Nesse caso, o imperialismo seria a consequência da organização estatal e das necessidades do primado da razão de Estado, que levam a uma política externa expansionista para defender os interesses vitais do Estado.

Além disso, vários autores, nos Estados Unidos, desenvolveram uma teoria do imperialismo centrada na política externa do país, usando o conceito de imperialismo e colonialismo para denunciar a expansão da URSS, opondo assim o totalitarismo-imperialismo às democracias e ao capitalismo de livre-mercado (Fedenko et al., 1964). Além disso, a teoria dos estágios do crescimento econômico, e com ela quase toda a teoria da modernização, foi uma resposta à teoria do imperialismo-capitalismo, e também identificava o atraso cultural como explicação para as tendências “totalitárias ou autoritárias” em países periféricos e subdesenvolvidos (Rostow, 1964), que tornavam as instituições democráticas capitalistas imperfeitas na periferia. O imperialismo e o totalitarismo (regimes autocráticos) seriam características dos países socialistas ou deformações culturais tradicionais do mundo subdesenvolvido, resolvidos somente pela política de modernização e expansão do capitalismo. Porém eles sempre se recusaram a reconhecer o papel ativo das sociedades e economias capitalistas na criação de políticas coloniais, identificando como características do atraso sociocultural ou propensões culturais inatas, instituições que haviam sido criadas em complexas e contraditórias relações de sobreposição colonial, surgindo daí os argumentos em favor das teses sobre despotismo, patriarcalismo, resistência à mudança tecnológica, baixa produtividade  e escravismo como traços culturais  do “Outro” (Said, 1995; Wolf, 2005). As teses da modernização elaboraram o etnocentrismo e o eurocentrismo e transformaram em diferentes teses da superioridade/inferioridade institucional e social.   

Fazendo um balanço teórico, podemos dizer que os dois campos analíticos apresentam contribuições diversas, mas também limitações, derivadas tanto das políticas que pretendiam justificar ou deduzir das análises quanto dos seus quadros ou pressupostos epistemológicos. Por um lado, as abordagens marxistas, partindo do determinismo econômico e generalizando, a partir de uma situação histórica particular, a inglesa, concebeu que o imperialismo exigia o colonialismo (entendido como um sistema de governo colonial internacional). Os principais mecanismos do imperialismo seriam a exportação de capitais. Além disso, explicava o colonialismo por motivações e dinâmicas especialmente econômicas (busca de mercados e recursos naturais), quando na realidade, em diversas situações, o fator econômico era fraco para explicar a expansão colonial, predominando motivações políticas (especialmente a autopreservação dos Estados imperiais) que se imbricavam com culturais, sendo praticamente impossível distinguir os fatores entre si (Cohen, 1976).

A descolonização e ao mesmo tempo a preservação do sistema capitalista internacional foram fatos que levaram ao questionamento do imperialismo como conceito, fazendo supor que o colonialismo havia sido superado como fenômeno histórico. Tal argumento foi radicalizado no contexto das discussões sobre globalização, retomando a alegação das teorias da modernização e liberais de que o colonialismo era mais uma patologia histórica da transição para a modernidade do que uma tendência inerente a ele.  A existência ou não do colonialismo internacional era assim o elemento que mais pesava na definição da existência do imperialismo como fenômeno, para as abordagens anteriormente mencionadas. A ênfase sobre o protagonismo e organização estatal tinha como contribuição fundamental recuperar que o que se denominava de imperialismo-colonialismo tinha raízes históricas profundas, muito anteriores e não redutíveis ao capitalismo e à economia. Porém tais abordagens subestimavam a tendência do sistema capitalista em estabelecer novas hierarquias e relações de dominação, e minimizou a “nova forma de guerra”, a guerra indireta (característica da Guerra Fria), como na  Guerra do Vietnã e as intervenções da ONU, Inglaterra e França na Ásia e na África ao longo dos anos 1950/1970, bem como o desenvolvimento de ditaduras militares e Estados policiais nas Américas que mostraram que o militarismo e o expansionismo dos países capitalistas centrais não se manifestavam apenas sob a forma do colonialismo internacional e das guerras totais entre potências, mas também sob a construção de blocos e áreas de influência. Esse tema, das guerras indiretas e irregulares como forma de ação do imperialismo, foi apontado em termos embrionários pelos teóricos do neocolonialismo e da dependência (Marini, 1975; Nkrumah, 1967).

Para além dessas críticas, é fundamental observar que grande parte das análises não conseguiu romper com a estrutura epistemológica do etnocentrismo e, em particular, do eurocentrismo. Elas partiam de uma concepção de espaço-tempo centrada na história europeia e o capitalismo era tomado como modelo mais avançado de estrutura social. Mesmo nas críticas, o conceito de desenvolvimento e sociedade industrial moderna foi elevado a um modelo social superior. Subjacente às teorias do imperialismo, estava quase sempre uma concepção de tempo linear-hierárquica, e às vezes um evolucionismo social, que reificava a narrativa da supremacia ocidental ou que tentava substituir a centralidade do Ocidente pela centralidade de um Novo Estado ou Império. O centralismo ontológico continuou acompanhando o centralismo político-social imperial.

Essa estrutura epistemológica legou às críticas do imperialismo um dilema político e teórico, pois elas ficaram presas dentro de um centralismo ontológico e político. O imperialismo e o colonialismo podiam ser considerados inerentes ou deformações do capitalismo, mas a história era pensada a partir da inevitabilidade do estatismo e, depois, do próprio desenvolvimento capitalista. A luta contra aspectos desse centralismo ontológico (que elevou o etnocentrismo aos nacionalismos e ao eurocentrismo) foi realizada de diferentes maneiras, especialmente pelos teóricos da periferia. É o que discutiremos adiante. 

 

O imperialismo visto das colônias e Alter-sociedade: unidade contraditória de lógicas histórico-sociais

Foram as críticas elaboradas na periferia (especialmente pela teoria da dependência, e por estudos críticos da sociologia, antropologia e literatura), que chamaram a atenção para as limitações do enfoque economicista e politicista e começaram a problematizar o expansionismo colonial no interior das democracias liberais, bem como a pensar o imperialismo-colonialismo como fenômeno sociocultural global e multifacetado, não estritamente econômico ou político. Nesse processo, foram cunhados os conceitos de colonialismo interno, nos países centrais, na antropologia e nos grupos multidisciplinares, se falaria também da situação colonial (Wallerstein, 1966; Balandier, 1993), bem como a crítica do neocolonialismo e, posteriormente, os conceitos de pós-colonial e colonialidade do poder. Essas abordagens fizeram importantes contribuições ao estudo do imperialismo-colonialismo, que pretendemos recuperar aqui, especialmente chamando a atenção para as recorrentes e inovadoras formas de colonialismo e dominação imperial estabelecidas no final do século XX.

Iremos começar nossa discussão por algumas reflexões realizadas na antropologia social. A noção de situação colonial foi desenvolvida por Georges Balandier no seu livro Sociologia atual da África Negra (1963). A obra de Balandier é um marco, mas não é a única, e vários antropólogos na África e nas Américas problematizaram o impacto do colonialismo sobre a antropologia (Asad, 1973; Cardoso de Oliveira, 1980). Essa abordagem partia de uma crítica dos estudos de sociologia e antropologia que consideravam as sociedades e Estados em insulamento e isolamento histórico (expansão da economia de mercado, industrialização, mudança ou preservação dos sistemas políticos), e advogam em favor da necessidade de considerar que o colonialismo gerava uma totalidade de relações que perpassava todos esses fenômenos sociais, e a tal totalidade denominou de situação colonial (Balandier, 1993). Nessa proposição, o autor destaca como fundamental, para a compreensão das sociedades colonizadas, o estudo da história da colonização, aliado ao da ação administrativa e o controle político estabelecido (por meio das “instituições nativas”, que implicava uma justaposição contraditória de poderes). Esse controle se expressava também numa dominação cultural, sendo a racialização uma dimensão central da situação colonial (criação de relações raciais hierárquicas e da ideia da supremacia branca). Às reflexões de Balandier se somaram as de outros antropólogos e sociólogos, que na antropologia se traduziram na formulação de conceitos como o de “nível local da política” (para indicar a justaposição e entrecruzamento de instituições locais indígenas com instituições mundiais, oriundas do imperialismo-colonialismo) e dos conflitos interétnicos e “raciais” (Swartz, 1968; Wallerstein, 1966). Tal abordagem antropológica e sociológica do colonialismo teve como grande contribuição trazer uma análise dialética de escalas, dando centralidade e protagonismo aos grupos e sociedades “colonizadas”, mostrando como a organização social, regional e local, era perpassada por processos mundiais de expansão do imperialismo-colonialismo em diferentes dimensões, e como em grande medida este se reorganizava em função das resistências e estruturas sociais com as quais se defrontava. Max Gluckman, Victor Turner e vários outros desenvolveriam reflexões sobre como a cultura, o simbolismo e as estrutura políticas dos povos africanos eram revolucionados de cima, pela estrutura de dominação imperial-colonial e, de baixo, pelas diferentes respostas socioculturais e novas formas de resistência e organização (Gluckman et al., 1966; Swartz; Turner, 1966). Entretanto, a noção de “situação colonial” estava também profundamente limitada pelo contexto de colonialismo internacional, dialogando pouco com as realidades diferentes (como as latino-americanas) e com as teorias gerais sobre o imperialismo. 

Outros antropólogos, como Leslie White, Eric Wolf e Claude Meillassoux, a partir de diferentes perspectivas, problematizaram as relações econômicas, a divisão internacional do trabalho e as consequências socioculturais da expansão capitalista.[6] Nessas contribuições, podemos destacar as ideias de Meillassoux (incorporando várias contribuições da teoria da dependência e estudos econômicos sobre a África) que formulou uma teoria sobre o que denominou de duplo mercado de trabalho, os fluxos de trabalho (migrações temporárias internacionais e internas) e a comunidade doméstica. Nessa teoria, o imperialismo-colonialismo opera por mecanismos determinados, que integra a dominação de classe, racial e a dominação de gênero, para fazer funcionar a economia imperial-colonial. O elemento histórico fundador do colonialismo é a expropriação de terras, mas esta nunca é completa e definitiva. O imperialismo-colonialismo na África colocou os povos numa condição camponesa, ou seja, de uma posse parcial de terras, que permitia o desenvolvimento de uma agricultura de autorreprodução, mas que era apenas parcialmente suficiente para a sobrevivência da comunidade doméstica. As relações econômicas do imperialismo-colonialismo impuseram uma divisão sexual do trabalho, na qual as mulheres deveriam assumir maior participação na agricultura doméstica, e os homens seriam liberados para o trabalho assalariado em empreendimentos de agricultura comercial e mineração. Esse arranjo permitia um rebaixamento geral do nível salarial, de modo que os países coloniais apresentavam maior desigualdade social. A migração para o trabalho exigia assim o trabalho gratuito das mulheres nas comunidades domésticas, e ambos os mecanismos asseguravam maiores taxas de acumulação, gerando então o fenômeno da superexploração. O trabalho de Meillassoux teve o mérito de reconhecer as relações de gênero no centro da discussão da exploração imperialista.

Mas, para além dele, toda uma série de antropólogas e estudos feitos da perspectiva de mulheres já vinham desenvolvendo reflexões nesse sentido (Guimarães; Hirata, 2021). Existe um conjunto de estudos, escrito pela perspectiva das mulheres, da crítica de gênero e do feminismo intersecional, que traz contribuições teóricas que são convergentes e devem ser exploradas. Os conceitos de generificação (como processo de criação de hierarquias sociais e simbólicas edificada a partir de conceitos de homem e mulher) e o de dividendo patriarcal (como um excedente oriundo da exploração de gênero) são ferramentas importantes para tais análises. E, ainda, a importância do poder e regulação das relações de gênero (como mecanismo de interseção entre reprodução social, biológica e gestão patrimonial) na fundação e reprodução dos colonialismos e do imperialismo. Ao analisar a formação dos Impérios ibéricos, Verena Stolcke mostrou como a classe senhorial colonial montou uma visão de mundo centrada na ideia de pureza de sangue, que exigia o controle da linhagem pelo gênero e pela endogamia. As relações de classe, gênero e étnicas estavam em interseção (Stolcke, 2007; Strathern, 2014). 

O imperialismo-colonialismo produzia assim a desterritorialização que era sinônimo de descoletivização, viabilizada por três mecanismos: expropriação colonial de terras; criação, regulação; e exploração de papéis de gênero (sendo o dividendo patriarcal apropriado pelos empreendimentos capitalistas e classe dominante), e pela discriminação étnico-racial no mundo social. A desterritorialização-etnicização-racialização-generificação (como mecanismos de expropriação e dominação) foram notadas em vários contextos como componentes centrais do imperialismo-colonialismo, que não se reduzia à exportação de capitais e exploração de recursos naturais, ou a uma questão agrária, mas produzia uma organização social e política fundada na reprodução heteronômica desterritorializada-generificada-racializada das sociedades locais, sendo essa organização essencial à reprodução do colonialismo-imperialismo.  A análise antropológica, em termos de situação, e os estudos de gênero e feministas permitiram, assim, que o imperialismo-colonialismo fosse pensado como o exercício do poder político, econômico e simbólico, que englobava estruturas internacionais e estruturas sociais locais, relações sociais, raciais e de gênero. Analisando a partir de contextos concretos, de países colonizados ou periféricos, a crítica ao economicismo e eurocentrismo foi desenvolvida. 

 

O imperialismo visto das periferias e dos Estados dependentes

Na sociologia e economia política, o tema do imperialismo apareceu como uma categoria para debater as relações entre desenvolvimento e subdesenvolvimento. Nos anos 1950, 1960 e 1970, especialmente na América Latina, no interior da teoria da dependência, em suas alas moderadas ou  radicais – como Fernando Henrique Cardoso e Enzo Falleto, Teotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini, Vania Bambirra, André Gunder Frank – foram desenvolvidas várias hipóteses sobre o lugar do imperialismo (Santos, 2003). A teoria da dependência tomou como ponto de partida global as relações internacionais do pós-Segunda Guerra Mundial, dando especial importância para a condição da América Latina e o papel dos Estados Unidos. Nessa reflexão, o problema fundamental seria justamente a explicação do fenômeno do subdesenvolvimento ou “atraso” dos países periféricos.[7] Desse modo, os diversos teóricos da dependência, na América Latina, mas também na África, deixaram de tratar categorias de desenvolvimento/subdesenvolvimento como categorias estanques (que indicariam as diferenças de eficiência e nível de desenvolvimento sociocultural entre países centrais e periféricos) para pensá-las como uma relação de dominação. O subdesenvolvimento era assim um produto de complexas relações comerciais, tecnológicas, da divisão do trabalho, sendo permanentemente impostas pelos países centrais aos países periféricos, como forma de manter suas posições de poder e interesses geopolíticos e econômicos. 

O conceito de dependência foi cunhado, assim, para expressar relações de dominação que existiam entre os Estados independentes, mostrando como diversos mecanismos de dominação e desigualdade, especialmente econômica, operavam entre eles (mesmo em face da inexistência da relação de colonialismo internacional). Uma parte dos teóricos da dependência, a sua ala mais radical ou “à esquerda” (como Marini, Amin e Gunder Frank), colocou a relação de dependência nos quadros da teoria do imperialismo: desse modo, a relação de dependência seria justamente a forma de manifestação do imperialismo pós-colonial, ou imperialismo sem colônias.[8] O desenvolvimento dependente significava que ele, o desenvolvimento capitalista nacional, continuava a ser comandado de “fora”, não mais por uma metrópole, mas por centros de poder num sistema internacional. Os conceitos de troca desigual e de superexploração é que qualificavam a dependência, com ênfase sobre a produção (interna) ou circulação (internacional).  

Outro conceito fundamental dessa escola foi o de subimperialismo. Marini vai chamar a atenção para como, na América Latina, alguns países, especialmente o Brasil, alcançaram uma posição expansionista na região, exportando capitais e estabelecendo relações de dominação com outros países, como Paraguai e Bolívia, e criando contradições nas relações internacionais. O desenvolvimento do capitalismo estava possibilitando a criação de centros médios de acumulação e o subimperialismo surgia como uma política acessível a alguns poucos países, como Brasil e Irã. Assim, ficava aberta a possibilidade para que países da periferia pudessem apresentar características de militarização e expansionismo, antes presentes apenas nos países centrais (Marini, 1977). 

Outra vertente de análise, realizada a partir da sociologia, gerou o debate sobre colonialismo interno na década de 1960. Cabe observar que a reflexão era substancialmente diferente: tratava-se de países independentes há mais de um século (como Brasil, México e Argentina) vivenciando processos de modernização e desenvolvimento. Trazer a noção de colonialismo, assim, era um empreendimento controverso. Autores como Pablo González Casanova, Rodolfo Stavenhagen, Aníbal Quijano, André Gunder Frank, Florestan Fernandes, entre outros, formularam diferentes perspectivas sobre dependência e colonialismo interno (Chaloult, 1978). Para Casanova, a noção de colonialismo interno apresenta três características: a) disparidades sociais regionais, de renda e participação social nas instituições políticas; b) relações assimétricas, de poder ou dominação entre centros internos e suas periferias; c) desenvolvimento econômico desigual regional. “O colonialismo interno corresponde a uma estrutura de relações sociais baseada na dominação e na exploração entre grupos distintos, culturalmente heterogêneos” (Gonzales Casanova, 1978). Para Casanova, o colonialismo interno distingue-se da estrutura de classes, pois implica não somente uma relação de exploração dos trabalhadores pelos capitalistas, mas também uma relação de dominação de toda uma população (culturalmente distinta) por outra. Ou seja, o colonialismo interno é uma estrutura de dominação paralela e sobreposta à estrutura de classes capitalista e, nesse sentido, ela pode ser compreendida como uma estrutura atemporal de dominação colonizador-colonizado que permanece nas sociedades “modernas”. Logo, o conceito de colonialismo interno tem uma ambiguidade na sua formulação, pois ele indica uma estrutura desigual, mas sugere que ela é um “arcaísmo” do período colonial. Stavenhagen considera o colonialismo interno a partir da emergência de novas categorias sociais, como o ladino. O ladino é o mestiço, ou seja, ele é uma categoria nova, local, que vai se estabelecer como uma “classe dominante” em relação aos povos indígenas da América Latina. Outros autores, como Quijano, vão em direção semelhante (ver Chaloult, 1978). André Gunder Frank considera o colonialismo interno como expressão da dependência internacional. Ele analisa as relações “metrópole/satélite” em três níveis: setorial, regional e internacional. O autor emprega o conceito de colonialismo interno quando ocorre transferência de capital de uma região pobre para uma região rica e afirma que o colonialismo interno só pode se desenvolver em uma estrutura capitalista, ou seja, é um produto do imperialismo (Chaloult, 1978; Frank, 1979). O colonialismo interno aparece assim como característica dos Novos Estados, que exercem uma política de tipo colonial em relação a suas populações indígenas ou originárias, no seu esforço de construção estatal. Retomando a tese sobre a relação com os modos de produção não capitalistas de Rosa Luxemburgo, e em diálogo com a teoria antropológica, Gunder-Frank retomou a tese da centralidade dos sistemas “não capitalistas” para a resolução das crises do capitalismo e, com isso, da importância da compreensão das sociedades não capitalistas (Frank, 1980).

Outras formulações importantes sobre o imperialismo foram desenvolvidas na África, por autores como Samir Amin e Kwame Nkrumah. Aqui destacamos a categoria neocolonialismo, que surgiu no vocabulário internacional nos anos 1950 e 1960. Tal categoria ganhou destaque no contexto africano e asiático, com a denúncia de que, apesar das descolonizações, o domínio dos países europeus se prolongava sob a forma de um “neocolonialismo”. O texto de N’Krumah Neocolonialismo: último estágio do imperialismo (1967) cumpre um papel destacado na elaboração do discurso e do conceito de neocolonialismo. Entretanto, cabe observar que essa elaboração inicial visava legitimar uma política nacionalista de industrialização e desenvolvimento dos países africanos, e uma política externa pan-africanista. O aspecto central da análise de N’Krumah é que o capital financeiro e a ajuda internacional cumprem um papel central na subordinação dos Novos Estados independentes pelos países centrais, assegurando assim o controle político das estruturas estatais dos Novos Estados (recém-independentes) pelas antigas metrópoles. O neocolonialismo é uma relação de poder, no qual um Estado independente é dirigido de fora, por um país central, sua antiga metrópole. Esse domínio tem algumas características: a) o predomínio do capital financeiro, o investimento externo é essencialmente financeiro, não produtivo, e penetra o Estado por meio do dinheiro da ajuda internacional e dos empréstimos; b) as guerras totais entre países centrais foram substituídas por guerras limitadas nos países periféricos, especialmente nos países africanos; c) o Novo Estado tem uma constante crise fiscal, precisando permanentemente de empréstimos financeiros para viabilizar suas despesas. O poder do capital financeiro, por meio da ajuda internacional, está diretamente ligado ao arranjo do neocolonialismo, sendo um dos principais instrumentos para garantir o controle externo sobre os países independentes. Assim, o investimento estrangeiro se alia à ajuda/cooperação internacional (sob a forma de financiamentos e empréstimos) para construir as relações de dominação; d) a essência do neocolonialismo está numa política de fragmentação territorial, criando “vários pequenos Estados independentes inviáveis economicamente”; e) substituição do antigo monopólio exercido pela metrópole pela possibilidade de o Estado mudar “seu senhor neocolonial”, intensificando então a competição interestatal no centro.  Dessa forma, “o neocolonialismo guarda uma estreita afinidade com a dependência”, de modo que o conceito também visa demarcar como existe dominação imperialista mesmo sem o colonialismo internacional (Rao, 2015).

Na África, nas Américas e na Ásia, até os anos 1970, já existia uma acúmulo crítico indicando que mesmo em face do desaparecimento do sistema de colonialismo internacional construído no final do século XIX, existiam pelo menos duas grandes outras formas de colonialismo que foram inventadas como resposta às descolonizações: o colonialismo interno, como artifício de Novos Estados independentes para submeter povos indígenas e originários dentro de suas fronteiras herdadas, e o neocolonialismo, forma de potências capitalistas prolongarem o domínio em Estados recém-independentes. Portanto, antes da emergência da globalização e das narrativas do fim da história e do imperialismo, já havia um grande e rico legado crítico feito em países “periféricos”. 

 

Globalização e pós-modernidade: a crítica neoliberal do conceito de imperialismo e a crítica da crítica

Os conceitos de colonialismo e imperialismo tornaram-se controversos, e muitos autores passaram a advogar seu abandono (ver resenha sobre o tema em Osório, 2018). A partir dos anos 1970, com o avanço da descolonização e a crise do sistema socialista internacional (que levou à extinção da URSS em 1991), as teorias do imperialismo e do colonialismo passaram por desafios e questionamentos. Nesse momento emergiu o discurso da globalização (falamos de discurso, e não de teoria, pois a globalização passou a ser um modo de narrar a experiência capitalista mundial, um discurso em parte triunfalista da vitória do capitalismo sobre o socialismo. A palavra “globalização” foi adicionada ao dicionário Oxford English Dictionary (OED) em 1930, indicando que o termo já era usado naquela época. No entanto, é importante notar que o conceito e o discurso da globalização emergiram especialmente a partir dos anos 1960, alcançando importância central nos anos 1990,[9] e adquiriram uma característica relativamente apologética, no sentido de afirmar que o capitalismo tinha adentrado numa era de paz e integração mundial, representada pelas sociedades tecnológica e comercialmente integradas.[10] Assim, falar da globalização era um modo de falar do capitalismo mundial contemporâneo, enfatizando os aspectos da simetria e integração (política, econômica e cultural).

Nessa linha, os discursos da globalização/pós-modernidade podem ser considerados os herdeiros e desenvolvedores de algumas teses liberal e sociais-democratas do imperialismo, que o consideravam uma patologia ou acidente histórico e que tenderia a desaparecer como fenômeno (como na perspectiva de Hobson e Schumpeter) e também das próprias teorias da modernização (de Rostow e Shills). Logo, enquanto se tentava afirmar o caráter novo do fenômeno globalização, os discursos da globalização/pós-modernidade eram um prolongamento de uma linha político-epistemológica muito anterior. Era como se as teorias da globalização confirmassem as teses da teoria da modernização e desenvolvimento. Por outro lado, no interior do discurso da globalização, alguns autores observaram que, na verdade, o que era chamado de “globalização” poderia ser considerado, a partir de outros conceitos, mundialização, e estes eram, em grande medida, o prolongamento, e não a negação ou a superação, dos fenômenos descritos pela teoria do imperialismo e da dependência (Chesnais, 1996; Dreifuss, 2001; Ianni, 1994). Logo, a globalização ou mundialização poderiam ser conceitos para descrever uma nova forma histórica, a do imperialismo do final do século XX. Continuaram existindo diferentes e conflitantes linhas de interpretação, abrigadas no interior de diferentes teorias.  O discurso da globalização e os teóricos do hiperglobalismo e da pós-modernidade tendiam a ver o imperialismo e o colonialismo como um fenômeno superado pela nova forma de mundialização, e eles produziram um argumento muito mais aceito. Os críticos identificaram a globalização como uma das novas formas de imperialismo, porém tal crítica perdeu espaço.

Mas nos anos 2000, das periferias, surgiu um movimento de crítica da crítica (globalista, neoliberal e pós-moderna). Na América Latina, África e Ásia, sob o impacto da nova economia política, surgiram outros campos de investigação que passaram a evocar os conceitos de colonialismo e imperialismo, e a refletir sobre o chamado “pós-colonial”. Outro campo de estudos, muito heterogêneo, e que passou a problematizar o colonialismo, são os chamados estudos pós-coloniais, descoloniais e da colonialidade do poder (Bhabha, 2013). Eles têm em comum o fato de que recuperam o conceito de colonialismo, a partir da crítica da escrita da história e literatura, com a motivação de rever ou construir as histórias, rompendo com o ponto de vista colonial. Nesse terreno estão estudos pós-estruturalistas, pós-modernos, os estudos subalternos e a abordagem da colonialidade do poder (Mignolo, 2005; Said, 1995; Spivak, 2010). O conceito de colonialidade e a abordagem descolonial apresentam várias semelhanças, estando presente a análise crítica do discurso eurocêntrico nas ciências sociais. Assim, a ênfase sobre a continuidade do caráter colonial das sociedades latino-americanas é um traço que se distingue, porém a ideia da colonialidade foi ampliada para a análise de situações contemporâneas, surgindo conceitos como o de colonialidade da natureza (Alimonda, 2002), para explicitar o caráter desigual da exploração e destruição da natureza nos países periféricos e da centralidade do racismo para o moderno sistema mundo (Quijano, 1999). Tal crítica retomava em grande medida os pressupostos das teses do colonialismo interno, apresentando alguns dos seus impasses e contradições, especialmente a ideia de que as sociedades latino-americanas ficavam presas numa espécie de continuísmo histórico, não dando suficiente atenção às mudanças e às variações brutais, de país a país, que impedem que as contradições contemporâneas[11] sejam redutíveis à oposição colonizador/colonizado, reificando, em certa medida, um nacionalismo político e metodológico.[12] Por outro lado, os estudos sobre a colonialidade, tendo a vantagem de explicitar o eurocentrismo e o racismo nas relações cognitivas e discursivas, também deixaram de lado uma análise do caráter histórico do imperialismo-capitalismo (nesse sentido, retomando certa tradição latino-americana que considerava o colonialismo interno um legado contínuo do colonialismo, um fato a-histórico). Porém, por mais pertinentes que possam ser eventuais críticas a tais abordagens, elas tiveram vários avanços que devemos registrar: primeiro, demonstraram a existência de relações coloniais internas às sociedades pós-coloniais (latino-americanas, africanas e asiáticas) e tentaram criar quadros teóricos para pensar essa realidade sob o impacto das mudanças da globalização neoliberal (1990-2010), desmistificando a ideia de que a globalização foi uma era de integração mundial simétrica; segundo, tais abordagens adicionaram dois componentes, como confluência de críticas anteriores, que foi apontar a centralidade do racismo para a organização dos Novos Estados e seu funcionamento e ampliação e incorporação da ideia de uma epistemologia ambiental, mostrando que existiam formas de dominação e destruição que denominaram de colonialidade da natureza (Mignolo, 2005; Parreira; Alimonda, 2005). Nesse sentido, eles ampliaram a abordagem para além do economicismo e do politicismo, mostrando, assim como vertentes da antropologia nos anos 1960 e 1970, outras dimensões do imperialismo e do colonialismo, em operação no contexto da globalização.  

Como parte dessa crítica da crítica neoliberal, nos anos 2000, surgiu uma nova onda de reflexão sobre o imperialismo, motivadas especialmente pelas intervenções militares dos Estados Unidos e da Otan na Europa e no Oriente Médio, mas também pelo processo de investimento estrangeiro global em terras e recursos naturais. Autores importantes têm retomado o debate sobre o imperialismo. David Harvey, James Petras, Eduardo Gudynas, Maristella Svampa, Samir Amin, Sam Moyo, Paris Yeros, Antonio Negri e Michael Hardt são alguns exemplos. Negri e Hardt, numa obra importante e de grande repercussão, advogam em favor do abandono do conceito e imperialismo, em favor do que denominam “Império” – uma ordem internacional sem um centro de poder e com fronteiras fluidas.[13] Assim, a era da globalização seria considerada a ascensão de um único Império mundial. O foco de análise seria lançado sobre as relações jurídicas e políticas internacionais. Tal obra, apesar de várias contribuições, tem dois problemas principais. Ela substitui o conceito de Sistema Interestatal (como unidade contraditória e plural de Estados desiguais) pela noção de um Império único (que é, paradoxalmente, descentralizado); ao mesmo tempo, institui uma análise politicista, que está preocupada, quase que de forma unilateral, com a dimensão jurídica. Numa direção diferente, David Harvey, teorizando a partir da experiência das invasões militares dos Estados Unidos no Oriente Médio nos anos 2000, fala de um Novo Imperialismo.[14] Na definição de Harvey, há uma historicização do imperialismo (menciona um imperialismo capitalista, distinto de outros imperialismos) que articula uma lógica do Estado com uma lógica territorial do capital, sintetizada na noção de acumulação por espoliação. David Harvey elaborou a tese da “acumulação por despossessão”, para demarcar uma tendência do que chama de “neoimperialismo”, de expropriação territorial. Mas, como vimos, essa ideia não era nova. Ela já tinha sido regularizada nas teorias do imperialismo como a essência do colonialismo, a ideia da centralidade da expropriação das terras e substituição das pessoas e populações, como questão agrária e relação com modos de produção não capitalistas. Na antropologia social também se reconheceu que o imperialismo era uma forma de desterritorialização/territorialização. 

No final dos anos 2000 e na década de 2010, um novo debate sobre imperialismo surgiu nas Américas, Ásia e África, motivado pela nova onda de concentração global de terras. Moyo, Yeros e Jha realizaram uma crítica da abordagem de Harvey, que considerou o que eles denominam (evocando Marx) de papel da acumulação primitiva na constituição do capitalismo periférico. Para Harvey, segundo Moyo, Yeros e Jha, a acumulação por despossessão aparece não condicionada por uma relação estrutural centro-periferia, porém como um resultado da contradição das lógicas territoriais. Moyo, Paris e Yeros, por sua vez, retomam um problema fundamental: o imperialismo tem uma dimensão monopolista (na economia), expansionista-militarista (na política externa) e uma relação internacional centro-periferia. Assim, a “acumulação primitiva” é um traço inerente do capitalismo e tende a se reproduzir continuamente, o que estava acontecendo com a nova partilha da África nos 2010. Apesar da validade de aspectos da crítica dos autores, entendemos que a perspectiva de Harvey não nega a existência da lógica de uma relação de dependência estrutural internacional, mas articula dialeticamente a lógica do poder (estatal) com a lógica mercantil (capital) e a lógica territorial-espacial. A grande vantagem da análise de Yeros, Moyo e Jha é mostrar como um processo de acumulação dirigido por forças imperialistas estava promovendo uma nova partilha da África. Mas é necessário reafirmar que cada ciclo histórico de mundialização e formas de desenvolvimento vai gerar distintas “acumulações primitivas”, em contextos históricos particulares (nos anos 2010, o land grabbing era indicador de um processo histórico específico), e que a lógica econômica do capital não é necessariamente suficiente para explicar tais processos. Nas Américas, uma importante discussão surgiu sobre o que passou a ser chamado de “neoextrativismo”. Nesse debate, foi enfatizada a construção de uma nova relação de dependência estrutural, que induzia as economias latino-americanas a um modelo de produção centrado na indústria extrativa. O desenvolvimento, assim, assumia formas de reedição de relações de dominação internacionais análogas às antigas relações coloniais, centradas na superexploração dos recursos naturais e troca desigual. Esse arranjo foi denominado, ironicamente, de neoextrativismo progressista (por ocorrer em governos de “esquerda” e nacionalistas) e imperialismo extrativo (Gudynas, 2009; Petras; Veltmeyer, 2014; Svampa, 2020). Tais análises, mais uma vez, evidenciaram os paradoxos das relações internacionais e tiraram os véus idílicos de certas abordagens sobre o desenvolvimento. As novas pesquisas sobre neoextrativismo e imperialismo extrativo na América Latina, bem como a nova corrida por recursos naturais na África, aportaram novas contribuições teóricas e históricas fundamentais, destacando processos de mundialização marcados por formas de poder coercitivo, dominação e novos modos de expansão e integração mundial, mostrando a validade das críticas realizadas em períodos anteriores.

Nesse sentido, tais abordagens serviram como contrapontos críticos aos discursos da modernização/pós-modernidade e a diversos aspectos eurocêntricos das teorias nacionalistas, sociais-democratas e marxistas do desenvolvimento e modernização. E, ainda, elas conseguiram atentar para uma dimensão fenomenológica fundamental: a partir dos anos 2000 vários acontecimentos recorrentes na história do imperialismo e do colonialismo começaram a se configurar, desenhar: o boom ou ciclo das commodities, o processo de land grabbing e a estrangeirização de terras; a intensificação das novas formas de escravidão e superexploração, novas invasões e destruição de Estados independentes e substituição por governos mais ou menos tutelados por forças transnacionais. Essa fenomenologia estava reorganizando o sistema capitalista mundial, modificando os termos da globalização, na dimensão política, econômica e social. Estávamos entrando numa nova conjuntura histórica. Em seu conjunto, esse amplo espectro de teorias sobre o imperialismo, construídas a partir dos centros e das periferias (pela antropologia, sociologia e outras disciplinas, bem como pela prática histórica dos povos), com convergências e rupturas, constitui uma base fundamental para tentativas de reformulação e inovação das teorias que ajudem na compreensão dos fenômenos históricos em curso.

 

Considerações finais: Sistema Mundial, Mundo Multipolar e Alter-sociedades

Os conceitos de imperialismo e colonialismo, e as contribuições teóricas apontadas anteriormente, talvez nunca tenham sido tão importantes quanto agora, na primeira metade do século XXI. O conceito de imperialismo não apenas permanece válido, como novos esforços teóricos para torná-lo mais consistente são necessários. A nova fenomenologia do imperialismo coloca o desafio de superar o centralismo ontológico e os discursos e teoria de legitimação dos Impérios. Não temos aqui espaço para detalhar todas as tarefas, discussões, mas podemos fazer dois apontamentos e sínteses teóricas.

Em primeiro lugar, entendemos e defendemos que os conceitos de imperialismo e colonialismo continuam válidos, mas devem ser situados nos quadros conceituais e metodológicos da análise dos sistemas mundiais, entendida não como uma teoria unificada, mas como um campo de convergências e teorias críticas (Wallerstein, 1999). Para a análise dos sistemas mundiais, como campo metodológico interdisciplinar, se coloca o desafio de superar os determinismos econômico, político e o legado do eurocentrismo e mesmo do etnocentrismo, adotando uma perspectiva dialética e pluralista (Wallerstein, 1999; Wolf, 2005). Considerando o capitalismo um Sistema Histórico particular que surgiu nos séculos XVI e competiu e compete com outros Sistemas Históricos alternativos, desde então, a análise dos sistemas não o considera uma forma superior nem o concebe como estação final de uma linha evolutiva. Desse modo, podemos dizer que para superar o dilema dos determinismos econômico ou político, e romper com a concepção linear-evolucionista social de história, a análise dos sistemas mundiais fornece a melhor estrutura conceitual e metodológica. O desafio de superar os determinismos unilaterais e o centralismo ontológico (do qual uma das principais expressões é o eurocentrismo) implica reconhecer a pluralidade histórica dos sistemas sociais, a capacidade de agência (ação autônoma e autodeterminada) das demais sociedades, compreendendo que a história é o produto dialético das lutas, e não a determinação de cima para baixo do capitalismo, que manipula por meio do imperialismo a tudo e a todos. Nessa direção, as contribuições da antropologia social às análises dos sistemas mundiais foi fundamental, visto o reconhecimento da agência histórica e da capacidade de ação autodeterminada, mostrando o imperialismo e os impérios não são onipotentes (Scott, 2014; Wolf, 2005). As alteridades e resistências impedem a formação de um Império Global ou Universal, moldando o Sistema Mundial como estruturalmente heterogêneo. O reconhecimento da importância das resistências e das alteridades, tanto para impor limites à reprodução do imperialismo e colonialismo, tanto como um recurso para a garantia da própria reprodução do capitalismo, que precisa integrar (por meio do poder coercitivo ou não coercitivo, por subordinação-invasão e/ou alianças) essas sociedades e extrair delas meios de sua própria reprodução. Assim, nossa contribuição é indicar o componente autonômico, no sentido de reconhecer a multi-historicidade (pluralidade-alteridade) dos sujeitos histórico-sociais e sua capacidade de ação por si, que é a essência do conceito de autonomia. 

O conceito de Mundo Multipolar, hoje colocado no discurso da arena internacional, é uma categoria que pode expressar essa diversidade histórica do Sistema Mundial, que não é redutível à economia-mundo capitalista. Esse mundo multipolar, com múltiplos polos organizadores, deve ser entendido como uma expressão de um Sistema Mundial, que é histórico, em transformação, mas que é essencialmente heterogêneo e, pelo menos, trilateral.  Na análise dos sistemas mundiais, se considera que pelos menos duas grandes formas sociais precederam e acompanharam a história de formação do capitalismo: os Impérios ou Sistemas Tributários (também chamados de Estados Tradicionais ou Modo de Produção Tributário) e os chamados Minissistemas (chamadas na antropologia as sociedades “tribais” ou “tradicionais’ ou “sem Estado”). Nesse sentido, tal análise conseguiu mostrar que o capitalismo não é nem absoluto (em termos espaciais e sociais) nem a única via histórica possível. Até o século XIX, existiram três setores ou sistemas, dentro do Sistema Mundial, em relações de luta e complementaridade: a economia-mundo capitalista, os Impérios tributários em transição e as Alter-Sociedades. Para romper com o eurocentrismo e reconhecer o estatuto teórico da complexidade e diversidade histórica (que várias análises anteriores apresentaram), defendemos a tese de que o Sistema Mundial hoje existente é multi-histórico e/ou multipolar, mas trilateral, no sentido que é a síntese de três grandes formas histórico-sociais: primeiro, um “Setor” Sistema Mundial, das chamadas Economias de Mercado, Liberais ou Capitalistas, que são evoluções das sociedades capitalistas que emergiram do mercantilismo e das relações de acumulação primitiva e colonial. Esse setor é o que Wallerstein denomina de economia-mundo capitalista; segundo, um “Setor” Estatista, que é a evolução contraditória de antigos Estados Tributários, que fizeram variadas transições para a modernidade (como o antigo Império Chinês, Japonês, Persa, Turco e Russo). Esse setor tem formas e tradições próprias e específicas de ideologia estatista. Tais Impérios fizeram modernizações conservadoras (Moore, 1975), se integrando na economia-mundo capitalista (como Turquia e Japão), ou passaram por revoluções camponesas e populares (como Rússia e China), constituindo um outro setor estatista, sob o signo do socialismo (ou seja, sociedades cuja centralidade do Estado foi recriada historicamente e seu ativismo foi revitalizado); terceiro, por fim, um Setor que chamaremos de Alter-Sociedades, que foi denominado ao longo da história por inúmeros nomes (tribos, hordas, povos tribais, sociedades sem Estado, povos pré-modernos, sociedades tradicionais ou pré-capitalistas), central na história humana, apesar de sempre aparecer de forma marginal (Scott, 2014). Porém entendemos que essa luta não se resumiu ao período de transição do mercantilismo e feudalismo para o capitalismo (séculos XVII-XIX), mas essa diversidade de sistemas e conflitos se estende até os dias de hoje. Nessa direção, podemos dizer que nossa principal proposição, a partir do balanço teórico realizado, é afirmar que o conceito de Sistema Mundial não deve ser redutível ao de capitalismo ou de economia-mundo capitalista. Hoje, esse setor é reconhecido no próprio Sistema Internacional, pelo direito internacional dos povos indígenas e tribais. Esse terceiro Setor do Sistema Mundial é o que estamos chamando de Alter-Sociedades, que são sociedades e territórios étnica e culturalmente diferenciados, que operam por lógicas não capitalistas de organização e cultural, e que são integradas no Sistema Mundial pelos impérios e pelo Setor Liberal-Capitalista e pelo Setor Estatista, sempre de forma precária, provisória e contraditória, sendo um fator contínuo de tensão e contradição. 

A teoria do imperialismo capitalista é uma condição necessária, mas não suficiente, para compreender a complexidade do Sistema Mundial ou do mundo multipolar, pois é necessário compreender a complexidade (e as diversidades internas) desses três setores ou subsistemas. Uma teoria das Ater-Sociedades é uma tarefa que precisa ser realizada, assim como uma teoria dos diferentes tipos de estatismo (capitalismo de Estado e socialismo de Estado),[15] que foram recriados como formas de resistência à expansão da economia-mundo capitalista, bem como seu antagonismo e unidade contraditória na história. Mas essa é uma tarefa futura.

Assim, chegamos à nossa segunda conclusão. Da revisão crítica das teorias do imperialismo, podemos propor um conceito que tente retratar essas heterogeneidades e as diferentes lógicas pelas quais o imperialismo e o colonialismo das economias capitalistas precisam operar. Se falamos da multi-historicidade, de um Sistema Mundial Trilateral e/ou Multipolar, devemos entender que, sob a ótica imperialista, é necessária uma Reprodução Social Heteronômica. A heteronomia (ou a reprodução social heteronômica) significa que a economia-mundo capitalista (como indicado por inúmeros teóricos) depende de mundos ou fronteiras exteriores para poder viabilizar sua reprodução social, simbólica e econômica interior. A maneira pela qual ela estabelece essa reprodução é a heteronomia. Há assim uma necessidade de expandir e integrar/subordinar sistemas sociais diferentes, sociedades e territórios distintos, que são integrados numa relação hierárquica ou vertical, de variadas formas e graus, em que as vidas delas são determinadas por poderes e necessidades dos centros imperiais. O imperialismo capitalista está regido por uma rede de instituições que podem ser sintetizadas em tal conceito de heteronomia. Por heteronomia entendemos uma relação qualitativa de poder em que (independentemente da forma, método ou tática), implica transferir os poderes e recursos estratégicos para os centros imperiais da própria economia-mundo capitalista. Essa relação de heteronomia é “global”, pois ela articula de modo extensivo quase todas as dimensões da vida social (territorial, cultural, econômica e política). Mas ela é também metamórfica. A heteronomia é um sistema de relações que combina formas de poder coercitivo e não coercitivo, colaboração e cooperação com invasão e imposição (formas como a tutela internacional ou o governo indireto são exemplos dessa heteronomia, assim como o próprio desenvolvimento dependente). Um segundo conceito, que aqui propomos, e sintetiza diversos apontamentos das teorias do imperialismo, é o da reprodução social territorializada/etnicizada-racializada-generificada. A desterritorialização estrutural encontra-se associada à etnicização-generificação da exploração e dominação. Ou seja, a desterritorialização segue uma lógica étnico-nacional-racial e se articula com discriminações de gênero, para viabilizar a reprodução heteronômica. Poderíamos adicionar ainda o componente especista ou da colonialidade da natureza. Quando falamos de desterritorialização, estamos falando não do sentido econômico ou ecológico (da terra como fator de produção ou suporte de recursos naturais), mas do sentido antropológico, integral, do território como parte da ontologia das sociedades. Desterritorializar é, assim, “desincorporar o social”, é atingir a dimensão ontológica, impedir a reprodução da Alteridade. A questão é que, para isso, a economia-mundo capitalista não dispõe de todos os instrumentos (não sendo a violência e coerção suficientes), precisando lançar mão do que chamamos de multi-institucionalidades (ou a articulação de lógicas de acumulação capitalistas com lógicas locais, visando garantir a reprodução social heteronômica e a acumulação de poderes e capitais, como notado pelos conceitos de duplo mercado de trabalho de Meillassoux ou de papéis inter-hierárquicos de Gluckman, do dividendo patriarcal e da divisão étnico-racial do trabalho).  Essas multi-institucionalidades dependem da integração de lógicas culturais e mecanismos cognitivos diferentes, levando à mercantilização de pessoas, naturezas e territórios, justificando e criando continuamente a sua expropriação e transferência-alienação de suas pessoas, corpos, criações (reduzidos e transformados em mercadorias, bens, capitais ou atos administrativos), que são concentrados e remetidos aos centros imperiais. Assim, a reprodução heteronômica do imperialismo implica pressões para destruição da Alteridade social global das sociedades, não sendo um movimento apenas econômico ou político.

Em resumo, é essencial pensar os imperialismos e os colonialismos como processos históricos metamórficos. Os conceitos aqui delineados visam situar um novo problema teórico e uma nova forma de olhar o imperialismo, recuperando e sintetizando contribuições teóricas anteriores, mas olhando a partir de uma teoria da autonomia e heteronomia. Esse foi o esforço principal aqui realizado. O conceito de mundo multipolar, conceito que está ganhando cada vez mais força, não pode ser entendido como uma nova terminologia ou tese idílica das relações internacionais. A teoria autonômica do imperialismo, aqui apenas esboçada, visa trazer críticas e conceitos para pensar o mundo multipolar como um mundo das lutas, resistências (inclusive, podendo vir a engendrar múltiplos imperialismos e colonialismos internos e neocolonialismos), contradições e assimetrias, mas também resistências e alternativas.

 

 

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Como citar

FERREIRA, Andrey Cordeiro. Estatismo, colonialismo e imperialismo: rumo a uma teoria autonômica do mundo multipolar e da reprodução territorializada-etnicizada-generificada de poderes. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 32, n. 1, e2432106, 27 jun. 2024. DOI: https://doi.org/10.36920/esa32-1_06.

 

 

 

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[1] Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Doutorado em Antropologia Social pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS-MN/UFRJ). E-mail: andreycf2099@gmail.com.     

[2] Ver Ancient Chinese and Mediterranean Empires (stanford.edu).

[3] “…from Latin colonia ‘settled land, farm, landed estate’, from colonus ‘husbandman, tenant farmer, settler in new land’, from colere ‘to cultivate, to till; to inhabit; to frequent, practice, respect; tend, guard’”. Ver verbete Colony. In: ttps://www.etymonline.com/word/colony#etymonline_v_15843.          

[4] “from Late Latin metropolitanus, from Greek metropolis ‘mother city’ (from which others have been colonized), also ‘capital city’, from meter ‘mother’ (see mother (n.1)) + polis ‘city’ (see polis)”. Verbete Metropolitan. In: https://www.etymonline.com/word/metropolitan?ref=etymonline_crossreference.

 

[5] “...ela se impôs pela primeira vez na década de 1870, na Inglaterra vitoriana, sendo usada para designar a política de Disraeli, que objetivava robustecer a unidade dos Estados autônomos do Império, ou seja, criar a Imperial Federation. Mas é só pelos fins do século XIX que se inicia o estudo sistemático dessa série de fenômenos” (Pistone, 1998).

[6] Leslie White irá destacar dois aspectos: por um lado, o colonialismo do século XIX resultou de um movimento de retração da política de livre comércio, que tentou ser implantada entre os anos de 1780 e 1820, pela Inglaterra. Papel crucial foi cumprido pela revitalização do papel da Igreja, com a expansão da atividade missionária. Marvin Harris irá analisar os discursos da modernização da revolução verde, mostrando como eles visavam produzir a imagem da irracionalidade econômica das crenças culturais indianas.

[7] Na emergência da teoria da dependência, cumpre um papel fundamental a obra do economista argentino Raul Prebisch O desenvolvimento econômico da América Latina e seus principais problemas. Nessa obra ele discorre sobre o problema da divisão internacional do trabalho, de como o papel agrário exportador atribuído aos países periféricos bloqueava mecanismos de distribuição de renda e elevação da produtividade, sendo a industrialização a solução postulada.

[8] Nesse caso, eles apontaram como o colonialismo interno era a expressão do expansionismo territorial, atingindo camponeses e indígenas, podendo mesmo alcançar a forma de subimperialismo (caso emblemático do Brasil); o militarismo se expressaria na militarização da vida política nacional, com as guerras civis de contrainsurgência e contrarrevolucionárias e as ditaduras militares que tendiam a ser sua expressão; por fim, a centralização do capital se mantinha sob a forma dos grandes monopólios estatais e pela penetração do capital estrangeiro, sob a forma das multinacionais (Marini, 1975, 1977).

[9] Nas ciências sociais o conceito de globalização foi empregado para tentar caracterizar um novo “momento do capitalismo”, com características singulares. Vários autores contribuíram para a formulação e discussão desse conceito: Marshall McLuhan (1911-1980), Theodore Levitt (1925-2006) e um artigo de 1983, “A Globalização dos Mercados”; Anthony Giddens, sociólogo britânico, em sua obra As consequências da modernidade (1990); Manuel Castells, conhecido por sua trilogia A era da informação (1996-1998).

[10] O discurso da globalização foi sistematizado também nas ciências sociais, como na economia e sociologia. Thomas Friedman, autor do livro O mundo é plano (2005), argumenta que avanços tecnológicos, como a internet e a globalização dos mercados financeiros, estão nivelando globalmente e levando à convergência das culturas. Kenichi Ohmae, autor de obras como The Borderless World (1990) e The End of the Nation State (1995), argumenta que a globalização levava ao declínio do poder dos Estados-nação e ao surgimento de uma economia global sem fronteiras. Os discursos da globalização tenderam a convergir com aspectos dos discursos da pós-modernidade.

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[11] Tais teorias serviram de base para a formulação do conceito de “neoextrativismo”, que servirá para enfatizar o modelo “extrativo” (de origem colonial) que foi adotado na América Latina nos anos 2000, o que discutiremos de forma mais minuciosa adiante.

[12] Uma crítica mais detalhada do essencialismo teórico e do nacionalismo metodológico de certas abordagens dos estudos sobre colonialidade e estudos subalternos é realizada no artigo “Capitalismo, colonialismo e segmentaridade; nacionalismo e internacionalismo na teoria e política anti e pós-colonial” (Ferreira, 2014).

[13] “A transição para o Império surge do crepúsculo da soberania moderna. Em contraste com o imperialismo, o Império não estabelece um centro territorial de poder, nem se baseia em fronteiras ou barreiras fixas” (Negri; Hardt, 2002, p. 13).

[14] “Imperialismo é uma palavra que sai facilmente da boca. Mas tem sentidos tão diferentes que seu uso é difícil sem que dele se dê uma explicação como termo antes analítico que polêmico. Defino aqui a variedade  – especial dele chamada ‘imperialismo capitalista’ como uma fusão contraditória entre ‘a política do Estado e do Império’ (o imperialismo como projeto distintivamente político da parte de atores cujo poder se baseia no domínio de um território e numa capacidade de mobilizar os recursos naturais e humanos desse território para fins políticos, econômicos e militares) e ‘os processos moleculares de acumulação do capital no espaço e no tempo’.” (Harvey, 2004, p. 31-32).

[15] Tarefa que realizaremos em outros trabalhos, ainda em desenvolvimento.