ESA_logo.png                                          Recebido: 4.out.2023   •    Aceito: 16.out.2023   •    Publicado: 27.nov.2023

 

Seção Temática
Sindicalismo de Trabalhadores(as) rurais no Brasil: transformações, permanências e os 60 anos da Contag
                                                                                                                                                                                                                                            

Contag: 60 anos de um sindicalismo em movimento

CONTAG: 60 years of unionism in motion

 

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Ricardo Braga Brito[1]

 

 

  

 

https://doi.org/10.36920/esa31-2_15   



 

 

Resumo: Resenha do livro Contag: 1963-2023. Ações de reprodução social e formas de ações coletiva, de Marco Antonio Teixeira.

Palavras-chave: resenha; Contag.

 

Abstract: Review of the book Contag: 1963-2023. Ações de reprodução social e formas de ações coletiva, by Marco Antonio Teixeira.

Keywords: review; CONTAG.

 

TEIXEIRA, Marco Antonio. Contag: 1963-2023. Ações de reprodução social e formas de ações coletivas. Rio de Janeiro: Mórula, 2023. 448 p.

 

 

Apesar de completar 60 anos em dezembro de 2023, ainda são poucas as análises sobre a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag; até 2015 a sigla correspondia à Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura). A publicação do livro Contag: 1963-2023. Ações de reprodução social e formas de ações coletivas, de Marco Antonio Teixeira, contribui para reconstituir um histórico da confederação e do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR), sinalizando seu protagonismo. Sua publicação é parte da celebração dos 60 anos da Contag, sendo uma importante contribuição acadêmica e política ao debate sobre o sindicalismo no Brasil, intensificada pela qualidade original da pesquisa em termos empíricos e na construção do quadro teórico. O livro é fruto da tese de doutorado do autor, defendida em 2018, no Programa de Pós-Graduação em Sociologia do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), trabalho que ganhou o prêmio Maria de Nazareth Baudel Wanderley da Rede de Estudos Rurais em 2021.

A obra conta com um prefácio sobre a construção de uma pesquisa a partir de dentro da Contag, escrito por Leonilde Servolo de Medeiros, referência na análise sobre movimentos sociais e sindical de trabalhadores(as) rurais no Brasil. Em seguida, o autor apresenta a si mesmo, indicando suas motivações e trajetória de pesquisa e assessoria na Contag. O livro está dividido em uma introdução, com as reflexões teórico-metodológicas, quatro capítulos, que traçam e analisam a experiência da Contag entre 1963 e 2015, período em que se centrou a pesquisa de doutorado do autor, e um posfácio sobre os anos de 2015 a 2023. Ao final, estão três anexos com a sistematização de atores e tipologia das ações.

O objeto central do livro é a trajetória da Contag, apreendendo o acúmulo de lutas políticas e o aprendizado do fazer-se da e na Confederação. A pesquisa aproxima suas ações, concepções e formas de organização a partir da leitura dos momentos políticos e suas possibilidades realizada pelos atores e atrizes sociais que a compõem, pensam e fazem, entendendo a si mesmos como movimento social e sindical. Para apreender a complexidade das formas de ação dos movimentos, o autor coloca em diálogo as teorias sobre ação coletiva e as teorias feministas sobre reprodução social, superando a centralidade comumente dada às ações públicas dos movimentos, tais como greves, ocupações de terra e de espaços públicos e marchas. Na metáfora que mobiliza, essas ações são a ponta do iceberg: elas revelam a parte visível, as reivindicações que são tornadas públicas e normalmente apontam para situações de conflito e interlocução com o Estado. Contudo, essas ações são construídas com ações que têm menos visibilidade, com as quais se consolidam a identidade do movimento, suas pautas, consensos mínimos, formas de organização, táticas e meios de capilarização. Entendendo as formas de ação coletiva e de reprodução de modo integrado, Teixeira apreende o objeto em sua totalidade e especificidade, dando grande contribuição às pesquisas sobre movimentos sociais.

Esse enquadramento teórico se constitui em conjunto com a análise de farto material documental produzido pela Contag, entrevistas realizadas com dirigentes e assessores(as) sindicais e observação participante, além de leitura crítica da bibliografia. Deste modo, se construiu um quadro mais complexo da atuação e vivência da Contag e do MSTTR. No Capítulo 1, acompanhamos a trajetória da Confederação, desde as lutas camponesas dos anos 1950 até sua dissociação sindical em 2015. O Capítulo 2 analisa as formas de reprodução social, centrando-se nos congressos e nas discussões internas da Confederação. No Capítulo 3, vemos as formas de ação coletiva, compreendendo as formas de luta com base na legislação e ações públicas como o ciclo de greves de trabalhadores(as) rurais do setor canavieiro (1979-1985) e o Grito da Terra Brasil realizado a partir de 1994. O último capítulo integra as formas de ação coletiva e de reprodução social, analisando as Marchas das Margaridas realizadas entre 2000 e 2015. Por fim, o posfácio estende a análise para as percepções e atuações durante as mudanças vividas após o golpe de 2016, as políticas neoliberais de Temer e Bolsonaro, a pandemia de Covid-19 e a eleição para o terceiro governo de Lula em 2023.

A proposição teórica do autor busca apreender os consensos criados. A opção, ainda que secundarize as tensões e conflitos internos, tem o efeito de esclarecer como se constitui a unidade da Contag. Ao longo do tempo, a Confederação se caracterizou mais pela construção de relações de diálogo, cooperação e parceria com o Estado do que pelo confronto. Essa característica foi comumente desqualificada como “pelega” e “pouco combativa”, qualificativos que contêm matrizes de análise que valorizam ações consideradas mais radicais e que ignoram a miríade de atividades realizadas pela Contag na estruturação e capilarização do sindicalismo rural e suas bandeiras de luta. Ignora, portanto, uma leitura do mundo e do Brasil que caracterizou uma ação sindical fundada num período de intensificação das mobilizações sociais no Brasil, mas cuja atuação de seus dirigentes e assessores(as) sindicais foi atravessada por períodos de intensa repressão e violência protagonizadas pelo Estado, grandes proprietários de terra, empresários e grileiros.

A partir de uma sociogênese da Contag, feita com sensibilidade às formas de ação, observamos o acúmulo de lutas políticas que articularam a diversidade de trabalhadores(as) rurais. Em cada momento histórico se observa o protagonismo e a leitura política da Contag, seja ao longo da ditadura empresarial-militar, no processo de redemocratização e realização de ações coletivas de massa, em sua reestruturação, nas ações públicas de reivindicação e articulação de demandas e bandeiras de luta até a dissociação sindical e opção pela representação da categoria de agricultores(as) familiares. Em cada período acompanhamos as discussões realizadas nos Congressos Nacionais e nos cursos de formação. Nesses encontros é formada e reproduzida a Contag, a partir das discussões das reivindicações e estratégias de mobilização, da socialização das experiências e realidades locais tão diversas e da constituição das identidades e redes de solidariedade. Essas discussões tensionam e questionam os próprios limites do movimento sindical e são atravessadas pelo contexto político e pelo peso que o protagonismo de alguns atores sociais assume. Se dos anos 1950 aos 1980, posseiros, lavradores e trabalhadores(as) rurais eram as principais categorias articuladas nas bandeiras de reforma agrária e direitos trabalhistas, a partir de 1990 a categoria agricultura familiar ganhou mais espaço. Ao ir assumindo sua representação, sem excluir uma concepção classista, também se aprofunda o projeto político e de transformação social proposto em contraposição à hegemonia do agronegócio e seu modelo exportador e de expropriação do trabalho e recursos naturais. É possível observar o peso dessa trajetória no livro. Em sua análise, o autor privilegiou as bandeiras de luta por direitos e reconhecimento da agricultura familiar, secundarizando a questão da reforma agrária.

Outro protagonismo está na atuação fundamental das mulheres trabalhadoras rurais dentro do MSTTR e da Contag. Trabalhadoras, assessoras, lideranças e dirigentes sindicais vêm conquistando, desde os anos 1980, mais espaço e voz, a ponto de construir a Marcha das Margaridas, cujo nome é uma homenagem a Margarida Maria Alves, liderança sindical paraibana assassinada em 1983. A Marcha é, hoje, a maior ação de mulheres do campo, das águas e da floresta da América Latina. Reflexões sobre a necessidade de criar condições para ampliar a participação política das mulheres na vida sindical e reconhecer o seu papel político e produtivo precederam a Marcha. O contínuo processo de socialização e organização das mulheres trabalhadoras rurais no interior dos sindicatos, federações e confederação constrói a sua percepção e demanda como sujeitos políticos que elaboram um projeto de transformação, com outro modelo de organização da sociedade e da produção que articula agroecologia, bem viver e uma diversidade de identidades.

Por fim, esse objeto complexo suscita algumas reflexões sobre sua agência. Na apresentação do autor e em relatos de dirigentes e assessores(as), a trajetória de engajamento no sindicalismo rural representa um processo de aproximação constante e mútuo entre sujeito e objeto, que costura ambos. É na relação íntima com o objeto e a diversidade de relações sociais, estabelecidas pelas ações coletivas e de reprodução social, que se constrói a síntese. O engajamento e a transformação de si em meio ao contato com a Contag e o MSTTR relatados indicam uma pedagogia da luta que se constitui no fazer-se das trabalhadoras(es) rurais em suas várias categorias e identidades. Por meio da vivência nas ações de reprodução social se faz a solidariedade, impactada pelas ações coletivas. Integradas, entende-se o efeito da organização, reflexão e discussão sistemáticas e coletivas na transformação de uma vida, no acúmulo de experiências de luta e de mudança no interior do movimento sindical. Essa mudança é mais desafiadora na medida em que os atores e atrizes se colocam de frente às estruturas de dominação e exploração que nos formam e que reinstituem maneiras de produção e reprodução marcadas por desigualdades várias. E esse desafio é mais difícil se não há aquelas(es) com quem se marcha junto, com quem se encontra e se constrói a força.

Como aponta o autor, ecoando o que escutou de assessores(as) e dirigentes: você sai atravessado da experiência de contato íntimo com a Contag.

 

 

 

Referências

  TEIXEIRA, Marco Antonio. Contag: 1963-2023. Ações de reprodução social e formas de ações coletivas. Rio de Janeiro: Mórula, 2023.

 

 

 

 

Como citar

BRITO, Ricardo Braga. Contag: 60 anos de um sindicalismo em movimento. Resenha do livro Contag: 1963-2023. Ações de reprodução social e formas de ações coletivas, de Marco Antonio Teixeira. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, e2331215, 27 nov. 2023. DOI: https://doi.org/10.36920/esa31-2_15.

 

 

 

 

 

 

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[1] Pós-doutorando no Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Membro do Núcleo de Pesquisa, Documentação e Referência sobre Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Campo (NMSPP/CPDA/UFRRJ), do Grupo de Pesquisa “Conflitos, movimentos sociais e representação política” e da Comissão Camponesa da Verdade. E-mail: ricardobraga.brito@gmail.com.