ESA_logo.png                                       Recebido: 29.mar.2023   •    Aceito: 19.out.2023   •    Publicado: 27.nov.2023

 

Seção Temática
Sindicalismo de Trabalhadores(as) rurais no Brasil: transformações, permanências e os 60 anos da Contag
                                                                                                                                                                                                                                            

A trajetória do Movimento Sindical Rural no Nordeste Paraense do ponto de vista de seus líderes

The trajectory of the Rural Trade Union Movement in northeastern Pará from the perspective of its leaders

 

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Lucas Gabriel da Silva Moraes[1]

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Heribert Schmitz[2]

  

https://doi.org/10.36920/esa31-2_12  



Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar narrativas sobre a trajetória do Movimento Sindical Rural (MSR) em Tomé-Açu, Nordeste Paraense, tendo como principal foco as lideranças. Com isso, analisamos a criação de novos sindicatos – o Sindicato de Agricultores e Agricultoras Familiares (Sintraf) e o Sindicato de Empregados e Empregadas Rurais (Sindter) – ambos desmembrando-se do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) –, e seu impacto no movimento sindical do município. A pesquisa tem uma abordagem qualitativa utilizando entrevistas não diretivas e documentos como fonte de dados. Os resultados demonstram a importância das lideranças no processo de construção da estrutura de representação dessas categorias e revelam os desafios atuais do sindicalismo em Tomé-Açu, especialmente os ligados à expansão da dendeicultura.

Palavras-chave: Movimento Sindical Rural; lideranças; pluralidade sindical; dendeicultura.

 

Abstract: This article presents narratives on the trajectory of the Rural Trade Union Movement (MSR) in Tomé-Açu, located in northeastern Pará state, Brazil, with a primary focus on its leaders. We also analyze the creation of new unions, the Family Farmers Union (SINTRAF) and the Rural Employees Union (SINDTER), both of which originated from the Rural Workers Union (STTR), along with their impact on the municipality's union movement. A qualitative approach was utilized, with non-directive interviews to collect data. The results demonstrate the importance of leadership in the process of structuring the representation of these categories and reveal the current challenges that face trade unionism in Tomé-Açu, especially those linked to the expansion of oil palm cultivation.

Keywords: Rural Trade Union Movement; leaderships; union plurality; oil palm cultivation.

 

 

Introdução

O tema do artigo é a trajetória do Movimento Sindical Rural (MSR)[3] no Nordeste Paraense, tendo como foco as narrativas dos líderes do movimento no município de Tomé-Açu (PA).[4]

A luta dos trabalhadores e trabalhadoras rurais por melhores condições de vida e trabalho resultou na construção da estrutura representativa que conhecemos hoje. Desde os meados da década de 1940, quando as primeiras organizações de lavradores foram sendo criadas, os trabalhadores fizeram das organizações rurais seu alicerce na busca por direitos até então inéditos. As décadas seguintes trouxeram conquistas significativas que demarcaram o MSR como um importante ator coletivo para a categoria, que, por meio da estrutura da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), criada em 1963, consolidou o seu espaço no rural brasileiro.

Após a institucionalização da luta, em 1962, os próximos mais de sessenta anos do MSR foram marcados por processos complexos e contraditórios, que resultaram em crises e reformulações na sua estrutura organizacional e política, principalmente durante a ditadura militar entre 1964 e 1985. Nesse período, outros atores coletivos entraram em cena, trazendo novos desafios e possibilidades para o movimento, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), criadas em 1975 e 1983, respectivamente.

No Nordeste Paraense, a luta por direitos teve início nos meados da década de 1950, com a criação das primeiras organizações de trabalhadores rurais na região. Durante essa década ocorreu uma forte disputa entre o Estado, a Igreja Católica e o Partido Comunista Brasileiro (PCB) pela representação da categoria. Na década seguinte, a Igreja Católica criou o Movimento de Educação de Base (MEB) propondo estratégias diferentes das orientações do PCB, por exemplo, e ganhando espaço no cenário de disputa das organizações. Seu trabalho de mobilização foi reconhecidamente importante durante a década de 1970. Esse período também foi marcado pela atuação da Igreja por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e, posteriormente, da CPT. Esta teve grande importância no processo de construção do sindicalismo de trabalhadores e trabalhadoras rurais no Pará, auxiliando no processo de retomada de direitos no pós-ditadura, quando incentivou a formação de oposições sindicais em municípios como Tomé-Açu, contribuindo para a construção do sindicalismo rural da região.

Ainda na década de 1970, sob a repressão do governo militar, foi criado o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Tomé-Açu (STTR)[5] que se transformou em uma das principais organizações de trabalhadores na luta pela reforma agrária na região. Durante pelo menos 35 anos, o STTR foi a única organização que representava a categoria no município. O sindicato tem uma história característica de luta pela terra, com trajetórias de lideranças que foram fundamentais para a consolidação do MSR no Nordeste Paraense.

Passados os primeiros cinquenta anos de construção de sua estrutura representativa no Nordeste Paraense, novos desafios emergiram para o sindicalismo rural a partir do século XXI. A ação do Estado, por meio de políticas para a produção e o uso do biodiesel, sobre as quais falaremos mais adiante, fez da dendeicultura um empreendimento que causou diferentes transformações sociais, econômicas e ambientais na região, impactando de forma direta nas organizações de trabalhadores rurais. Nesse período, outros dois sindicatos foram criados em Tomé-Açu: o Sindicato de Agricultores e Agricultoras Familiares de Tomé-Açu (Sintraf), em 2006, e o Sindicato de Empregados e Empregadas Rurais de Tomé-Açu (Sindter), mais recentemente, em 2016.

Tendo em vista a trajetória construída pelos trabalhadores e trabalhadoras da região e a complexa situação dos sindicatos na atualidade, este texto buscou contribuir com uma análise dos períodos que envolveram a criação e consolidação do STTR de Tomé-Açu sob a ótica de suas principais lideranças. Pretendemos, mediante suas narrativas individuais de vida e luta sindical, demonstrar o papel desses atores para a construção coletiva da estrutura de representação dos trabalhadores rurais no município estudado. Além disso, analisamos o atual contexto de pluralidade sindical e os desafios impostos pela expansão da dendeicultura, procurando entender como estes fatos novos refletem na organização sindical e no MSR como um todo. A partir desta análise, o texto fez as seguintes reflexões: i) como se deu o processo de organização da representação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais em Tomé-Açu?; ii) qual o papel das lideranças nesse processo?; iii) quais as consequências da formação de novos sindicatos no município para o MSR? Nossas contribuições para os estudos sobre o sindicalismo rural se concentraram no papel das lideranças para a mobilização coletiva e no esforço pelo conhecimento da trajetória do MSR na região Nordeste Paraense, que se comparada com outras regiões do estado (por exemplo, o Sudeste) foi menos pesquisada.

Além desta introdução, o texto está estruturado em outras sete partes. Antes de abordar especificamente a história do STTR, iniciamos com uma explanação sobre o contexto histórico do MSR no Nordeste Paraense. Posteriormente, apresentamos os procedimentos metodológicos. Os três tópicos seguintes descrevem as histórias de líderes selecionados do movimento em Tomé-Açu, sendo um tópico dedicado a cada liderança. Num quinto momento, analisamos a pluralidade sindical que se estabeleceu em período recente no município, apresentando depoimentos dos líderes dos outros dois sindicatos. Por fim, elencamos as nossas considerações finais e as principais contribuições desta pesquisa.

 

Contextualização histórica do MSR no Nordeste Paraense

Na mesorregião Nordeste Paraense, no final do século XIX, formou-se o que Hébette e Moreira (1997, p. 125) descrevem como o “[...] primeiro e mais significativo campesinato da Amazônia”. Influenciado pelas políticas de imigração para a Amazônia e por setores da Igreja Católica, esse campesinato foi a base para a organização do MSR na região.

A União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Pará (Ultap), criada em 1956, foi a primeira organização no estado do Pará. Nos anos seguintes, formaram-se os Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) a partir das associações de lavradores. Estes, serviram de base para a criação da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Pará (Fetagri-PA), em 1968 (GUERRA; ACEVEDO MARIN, 1990; ASSIS, 2007).

Durante toda a década de 1950, o processo de organização do sindicalismo de trabalhadores rurais seguiu conquistando seu espaço, e o esforço coletivo da categoria resultou na criação da Contag, em 20 dezembro de 1963 (TEIXEIRA, 2023). Logo em seguida, com o golpe de 1964, o governo militar tomou o poder “[...] com mão de ferro e uma política bem definida de sindicalização” (GUERRA; ACEVEDO MARIN, 1990, p. 51). No âmbito nacional, o MSR perdeu sua autonomia, havendo, a partir daí, uma descontinuidade no processo de luta pelo reconhecimento de suas demandas. Algumas organizações, como a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), criada pela Igreja Católica, em 1961, estavam obtendo bons resultados com o incentivo ao associativismo e ao cooperativismo, mas tiveram que mudar suas estratégias, mobilizando-se contra a ditadura e em favor da formação de oposições sindicais (SOUZA, 2005; HÉBETTE; MOREIRA, 1997).

Os trabalhadores rurais viram sua estrutura de representação ser tomada pelos militares e seus aliados ao longo das décadas de 1960 e 1970. A Fetagri-PA foi vinculada à Delegacia Regional do Trabalho (DRT) adotando uma abordagem mais legalista, apoiando, a criação de STTRs que seriam dirigidos por presidentes “pelegos” (HÉBETTE, 2002). Isso fez com que se formasse um “[...] sindicalismo ʻprevidenciárioʼ, ʻassistencialistaʼ e preocupado com ações legais [...], distante das questões discutidas nos dez ou quinze anos que antecederam o golpe militar” (GUERRA; ACEVEDO MARIN, 1990, p. 51).

Nesse período, as lideranças foram fundamentais para a retomada da autonomia dos trabalhadores rurais. No Nordeste Paraense, mais especificamente nos municípios de Moju, Acará, Bujaru e Tomé-Açu, um movimento progressista disseminou-se dentro da Igreja Católica. Padre Sérgio Tonetto, principal líder das CEBs, promoveu novas práticas de evangelização e conscientização política nas comunidades rurais, desafiando o conservadorismo do clero na região (HÉBETTE; MOREIRA, 1997; SACRAMENTO, 2007; MACEDO; SOUSA, 2016). Em 1975, a Igreja Católica, entendendo a importância da categoria dos trabalhadores rurais, criou a CPT. A Comissão foi fundada durante a ditadura militar, “[...] como resposta à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, sobretudo na Amazônia, explorados em seu trabalho e [...] expulsos das terras que ocupavam” (CPT, 2010). A organização se estabeleceu também no Pará buscando outras formas de lutar pela representação dos trabalhadores rurais, para além das práticas da Fetagri-PA e da Contag, ambas dominadas pelos militares (MEDEIROS, 1989; ASSIS, 2007).

Em 1978, constituiu-se um grupo combativo que formou a Corrente Sindical de Lavradores Unidos no Oeste do Pará, em Santarém. Em pouco tempo, a Corrente conquistou a direção do STTR de Santarém, em 1980 (LEROY, 1991). No Sudeste Paraense, apoiados pela CPT, os trabalhadores formaram uma Oposição Sindical no município de Conceição do Araguaia, que pregava a formação de grupos que disputassem eleições com os “pelegos”[6] e tomassem os sindicatos, em 1979 (GUERRA; ACEVEDO MARIN, 1990). Diante desse cenário, a década de 1980 foi marcada pelo processo de retomada das organizações e de conquista de direitos pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais. A CPT ajudou no renascimento das organizações combativas dos trabalhadores rurais em meio à pressão da ditadura militar (HÉBETTE; MOREIRA, 1997). Graças à colaboração de militantes religiosos, muitos posseiros incentivados por um setor da Igreja Católica que seguia a abordagem da Teologia da Libertação reuniram-se nas CEBs e tomaram a direção de STTRs “pelegos”.

Com os grupos da oposição formados, os trabalhadores uniram forças para reestabelecer a essência militante e emancipatória do sindicalismo rural, disseminando a luta para outras regiões. No Nordeste Paraense, alguns líderes se destacaram: Virgílio Serrão Sacramento, líder dos trabalhadores rurais em Moju, e Benedito Alves Bandeira, o Benezinho, principal líder da oposição sindical e presidente do STTR de Tomé-Açu, entre 1983 e 1984 (SACRAMENTO, 2007).

Esta pesquisa concentrou-se justamente em Tomé-Açu, cuja história está vinculada ao seu povoamento pelos indígenas Tembé e Guajajara, imigrantes japoneses, remanescentes quilombolas e camponeses nordestinos que se dedicaram principalmente à agricultura como base de sua reprodução social. Ao longo dos anos, a agricultura de Tomé-Açu foi caracterizada por diferentes produtos, como a pimenta-do-reino, o cacau e o açaí. A partir da agricultura, formaram organizações que se tornaram relevantes para melhorar as condições de vida e trabalho no campo, o caso da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta), criada em 1949 (ARNAUD, 1985; SILVA, 2004; AIHARA, 2008; HOMMA, 2016). Mais tarde, formou-se o STTR, criado em 1971 como sindicato mais antigo do município.

Após a consolidação do MSR em Tomé-Açu, que percorreu as décadas de 1950 e 1990, novos desafios se apresentam para os sindicatos da região Nordeste Paraense no século XXI. Implementada pelo Estado por meio do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) e do Programa de Produção Sustentável de Palma de Óleo (PPSPO)[7], criados, respectivamente, em 2004 e 2010, a dendeicultura tem sido a principal causa das mudanças no meio ambiente e na “organização do trabalho familiar no interior dos estabelecimentos familiares” (MOTA; RIBEIRO; SCHMITZ, 2019, p. 533). O PPSPO declara entre seus objetivos o desenvolvimento rural e o reflorestamento por meio da integração de agricultores familiares na cadeia produtiva do óleo de palma. Muitas famílias de agricultores, por sua vez, viram nos contratos de integração às agroindústrias uma forma de melhorar sua renda, passando a cultivar o produto em suas propriedades.

Durante a expansão da dendeicultura, foram criados outros dois sindicatos, sendo eles o Sintraf, de 2006, e o Sindter, fundado em 2016. Nesse contexto, os cultivos de dendê tornaram-se um importante objeto para a maioria das pesquisas recentes sobre a agricultura familiar no Nordeste Paraense. Para o caso deste trabalho, a dendeicultura – como também o cooperativismo – se insere de forma secundária para demonstrar as diferentes posturas adotadas pelas organizações do MSR de Tomé-Açu em relação aos impactos de sua expansão.

Com base no contexto histórico até aqui descrito e diante dos novos desafios que se apresentam para o sindicalismo rural no século XXI, buscamos fornecer novos dados para a análise da trajetória do MSR no Nordeste Paraense. Para tal, concentramos nossos esforços em ouvir e transmitir as narrativas e as experiências vividas por seus protagonistas, atores sociais que muito têm a contribuir para a construção histórica do movimento. Norteados pela problemática e os objetivos definidos previamente, traçamos o percurso metodológico da pesquisa, que será apresentado a seguir.


Procedimentos metodológicos

Por meio de abordagem qualitativa, objetivamos analisar os acontecimentos e os aspectos mais subjetivos que emergiram da interação com os atores da pesquisa. Essa abordagem abrange condições contextuais, como as sociais e as institucionais, em que se desenrolam as vidas das pessoas (YIN, 2016). Parte da noção da construção social das realidades, está interessada nas perspectivas dos participantes, em seus significados, em suas práticas do dia a dia e em seu conhecimento cotidiano relativo à questão em estudo (FLICK, 2009; YIN, 2016).

O STTR é o principal objeto desta pesquisa pelas seguintes razões: a) tem a maior rede de representações no estado do Pará, abrangendo 143 municípios; b) está na origem dos outros sindicatos em Tomé-Açu que se desmembraram da sua estrutura; c) é o sindicato que tem trajetória mais duradoura marcada por heranças deixadas por antigas lideranças. Tais aspectos dão uma posição de destaque ao STTR, o que pretendemos explorar mais a fundo. Quanto aos outros dois sindicatos, resolvemos analisá-los de forma complementar, buscando descrever suas trajetórias e, principalmente, considerar os diferentes pontos de vista de suas lideranças sobre o que foi identificado no STTR.

A coleta de dados foi realizada nos meses de setembro e outubro de 2021 nas sedes do STTR, do Sintraf e do Sindter e foi complementada por um levantamento documental realizado em julho de 2023. Foram realizadas entrevistas não diretivas (MICHELAT, 1987) com lideranças dos três sindicatos de Tomé-Açu: os atuais presidentes (3 entrevistas); o tesoureiro e o ex-secretário de Finanças do Sintraf (2 entrevistas); e um ex-presidente do STTR (1 entrevista). Ao contrário das entrevistas estruturadas, as entrevistas não diretivas buscam contornar as restrições e diretividades das perguntas fechadas, contribuindo essencialmente para “[...] apreender e prestar contas dos sistemas de valores, de normas, de representações, de símbolos próprios a uma cultura ou a uma subcultura” (MICHELAT, 1987, p. 192). Assim, recorremos às entrevistas não diretivas ou abertas a fim de captar os principais aspectos da história de formação dos sindicatos e da trajetória de suas principais lideranças, procurando analisar a sua importância e os seus papéis no desenvolvimento da organização sindical e do próprio MSR como um todo no município estudado. As entrevistas foram transcritas e analisadas mediante leituras verticais (conservando a lógica de cada narrativa), e horizontais (fazendo relações entre os discursos), como proposto por Michelat (1987).

No levantamento documental, realizamos leituras das atas de assembleias do STTR datadas de 28 de abril de 1974 até 31 de março de 2023, com o objetivo de coletar informações a respeito das principais lideranças do sindicato, de modo que fosse possível construir uma linha do tempo da trajetória analisada. Delimitamos nossas análises, como dito anteriormente, no processo de organização da representação dos trabalhadores rurais, no papel das lideranças nesse processo e nas consequências da formação de novos sindicatos em Tomé-Açu. Cabe ainda ressaltar que algumas lideranças tiveram seus nomes mantidos em sigilo ao longo do trabalho para preservar sua segurança e sua privacidade.

Diante do contexto de constante luta dos trabalhadores e trabalhadoras rurais por seus espaços de representação e de novos desafios para o sindicalismo rural na região Nordeste Paraense, a construção histórica do movimento se mostra necessária para uma melhor compreensão de sua trajetória e do papel das lideranças nesse processo. Nessa premissa, apresentamos nos tópicos seguintes as histórias de três lideranças do STTR, descrevendo parte de suas trajetórias de luta como trabalhadores e líderes sindicais.

 

‘Eu quero o meu povo, eu morro pelo meu povo!’

O STTR de Tomé-Açu tem sua história ligada ao contexto de luta dos trabalhadores rurais pelo direito à terra. O sindicato foi criado, quando o Nordeste Paraense vivenciava um período de intensos conflitos fundiários e a Fetagri e os STTRs estavam nas mãos de dirigentes “pelegos” (GUERRA, 2009; SACRAMENTO, 2016). As disputas pela direção dos STTRs estenderam-se durante toda a década de 1980, de modo que os sindicatos só conseguiram organizar-se com plena autonomia em 1987, período em que os trabalhadores rurais da oposição tomaram a direção da Fetagri-PA (GUERRA; ACEVEDO MARIN, 1990; ROGGE, 1996; SACRAMENTO, 2007).

Na década de 1970, o presidente do STTR era o tenente Waldemar Pereira dos Santos, o Vavá. Adepto dos ideais da ditadura militar, o líder “pelego” do sindicato despertou a insatisfação da grande maioria dos trabalhadores afiliados, que lutaram por outro representante através da eleição de um delegado sindical, mesmo contra a vontade do então mandatário.

Nesse contexto de insatisfação coletiva, ganha força o principal símbolo da história do STTR de Tomé-Açu: o lavrador Benedito Alves Bandeira. Benezinho, como ficou conhecido, chegou ao município em 1974, vindo de Nova-Timboteua (PA), e iniciou, com os seus aliados,[8] um movimento de oposição contra a gestão de Vavá, liderando reivindicações para a construção de estradas, ramais e escolas, a legalização de terras, a melhoria do serviço de saúde, entre outras.

Na época, a capacidade de liderança de Benezinho vinha de sua formação política no município de Bujaru, influenciado pela Igreja Católica. A paróquia de Bujaru fazia parte da Prelazia de Abaetetuba, criada pelo Papa João XXIII em 1961, e confiada aos cuidados da Sociedade de São Francisco Xavier para as Missões Estrangeiras (SX), cujos membros foram chamados de xaverianos.[9] A partir das reformas da Conferência de Medellin (1968), os padres xaverianos começaram a trabalhar no espírito da Teologia da Libertação. Por meio de intervenção de Dom Ângelo Frosi (bispo de Abaetetuba), os xaverianos iniciaram o primeiro curso de coordenadores de comunidades (monitores) em Bujaru, em 1972. Várias lideranças da região surgiram a partir desse intenso trabalho de evangelização e de formação e organização políticas (SACRAMENTO, 2012; MACEDO; SOUSA, 2016).

A oposição sindical atingiu seu apogeu em 1983, quando a Presidência do STTR passou para as mãos de Benezinho e seus aliados. Com o apoio da comunidade local e da Igreja, Benezinho tornou-se um líder militante, enfrentando os desafios do MSR em Tomé-Açu, principalmente a desigualdade fundiária na região. Durante sua trajetória na linha de frente do STTR (mesmo antes de ser presidente, como delegado sindical), Benezinho liderou muitas conquistas e, em consequência disso, adquiriu alguns inimigos. Um deles foi o latifundiário Acrino Azevedo Breda. Ele queria expulsar cerca de 70 famílias de agricultores que viviam, há vinte anos, no território que na época correspondia à fazenda Colatina, localizada nas proximidades do município de Acará (SACRAMENTO, 2016).

Diante das ameaças do latifundiário, houve uma forte mobilização por parte do STTR contra a expropriação dos agricultores da fazenda Colatina, o que intensificou a desavença entre Benezinho e Acrino. A disputa estendeu-se por algum tempo.[10] Quando finalmente a Justiça deu ganho de causa aos trabalhadores, o conflito chegou a sua instância máxima: a mando do latifundiário, Benezinho foi assassinado no dia 4 de julho de 1984. No dia seguinte, os pistoleiros que o mataram foram chacinados pelos agricultores em Tomé-Açu. Pouco tempo depois da conquista, a fazenda Colatina foi transformada no Assentamento Benedito Alves Bandeira, em homenagem ao líder sindical.

O que ficou de herança para o sindicato foi o espírito de luta de Benezinho. A força de sua liderança representa, até os dias de hoje, o passado de importantes conquistas do STTR e a inspiração para buscar defender os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais da região, que necessitam de representação em um cenário que os desfavorece cada vez mais. E se a luta continua, é porque outros líderes se apresentaram ao movimento, como veremos adiante.

 

‘O sindicato é uma arma em defesa dos seus direitos’

Após a morte de Benezinho, outra liderança foi importante para a continuação do trabalho iniciado por ele no STTR. Liderança-1, 71 anos, nasceu em Cametá (PA) e, no dia 20 de julho de 1963, aos 13 anos, foi morar em Tomé-Açu, acompanhado do pai e de quatro irmãos. Órfão de mãe, teve de seguir logo cedo os passos do pai, que trabalhava na agricultura. Mesmo sem entender nada daquele estilo de trabalho, resolveu aceitar os desafios que lhe impôs a vida.

Eu não entendia nada de agricultura, mas meu pai trabalhava com roça, com um pessoal, trabalhava com um e com outro. Ele foi tomar conta de uma terra aqui para dentro do rio Tomé-Açu, para onde é Tropicália agora. Eu saí do trabalho, não tinha para onde ir e fui com ele para a roça. Era difícil para caramba, a vida era diferente, a pescaria era diferente, difícil, mas fiquei lá com o meu pai trabalhando e fui vendo. Aí eu pensei, “vou ter que enfrentar a vida como ela é, como ela tá me proporcionando”, já com 17 para 18 anos. Ele ia para o serviço e eu ia com ele. Fui trabalhando, [...] e fui aprendendo a trabalhar naquilo que o pessoal fazia. [...] Com ele aprendi a fazer caçada, botar armadilha, pescar, e fui conseguindo viver, aprendendo a trabalhar na roça, fui me acostumando com aquilo. [...] Depois, já comecei a plantar pimenta e com isso cheguei no status de rapaz adulto. Já colhia pimenta, já vendia, comecei a ficar mais livre e fiquei na roça. Só que as terras lá não eram nossas, a gente não podia ficar definitivamente para o trabalho. (Liderança-1, 2021)

Nos anos 1970, o governo do estado estabeleceu uma colônia chamada Água Branca e distribuiu terras para agricultores. Nessa época, Liderança-1 casou-se e passou a morar em uma comunidade de Tomé-Açu, com sua esposa e filhos. O cametaense foi um dos principais responsáveis pela formação de sua comunidade e pela construção da Igreja Católica no local, o que o fez ser visto como uma liderança pelos demais moradores. Atuou como delegado sindical e ajudou nas mobilizações para a retomada do sindicato na época de Benezinho. Em virtude da sua participação efetiva no movimento, teve sua importância reconhecida pelos trabalhadores e liderou a chapa que saiu vitoriosa em 1993, sendo eleito presidente do STTR. Ao lado de seus aliados, planejava as principais estratégias de luta e dividia as responsabilidades de liderança dentro da organização.

Naquela época, a luta pela terra era o objetivo principal do sindicato, e as lideranças foram fundamentais nesse processo, porque atuavam conscientizando os trabalhadores para que não vendessem suas terras ou não deixassem assinar suas carteiras de trabalho.

Nessa época, nós tivemos que lutar em defesa da posse da terra. Defender muito os trabalhadores, os agricultores, os posseiros, do invasor. O cara chegava querendo comprar terra [...] você sabe que o caboclo se ilude por besteira, né!? Aí, esse era o nosso trabalho. “Não vende sua terra, não vende, não vende, por favor! Você não tem o que comer? Então plante uma macaxeira, coma aí, mas não deixe a sua terra. Primeiro, que, através dessa terra, você vai adquirir uma aposentadoria. Não deixe assinar sua carteira de trabalho [...] não faça isso!” Nós conseguimos fazer muito isso com o pessoal e hoje tem muita gente que está aposentado porque a gente passou a instrução, não deixou sujar a carteira com esse negócio de empreguinho [...] não existe isso para nós. [...] Eu sou trabalhador rural, minha vida é aqui na roça. Eu posso ir lá trabalhar uma semana, duas, um mês, mas a minha profissão é aqui na roça, sou agricultor! Embora que eu plante só mandioca. Isso acontecia porque eu tomei uma consciência dessa vida, que o trabalhador rural futuramente ia ter o valor da agricultura familiar. Isso nós aprendemos e temos no nosso coração. (Liderança-1, 2021)

Para Liderança-1, a mobilização sindical era (e continua sendo) fundamental para fazer com que os trabalhadores tomassem consciência dos seus direitos e do seu lugar na sociedade. Explicar para o trabalhador a importância do sindicato e fazer com que ele tomasse para si a bandeira de luta do movimento e se entendesse como trabalhador rural eram as formas pelas quais ele buscava novos sócios:

A mobilização sindical é uma faculdade. Você vai aprendendo na rua, na prática, e dentro da mobilização você vai influenciando. O sindicato é esse influenciador. Mas eu não tenho que dizer para você o que é que você tem que fazer. Eu tenho que explicar o que ele é e qual a importância. [...] A mobilização você vai vendendo para a sociedade uma coisa que ela não sabe que precisa, mas precisa. Aí a gente vai fazendo esse trabalho. [...] Eu não ia lá dizer que ia associar eles no sindicato, eu ia lá explicar a importância que tem o sindicato, para que ele serve. Então, tudo isso faz parte, ir mobilizando o pessoal para saberem dos seus direitos e para que serve o sindicato. Então, o sindicato é isso [...]. É mobilizar! É convidar o pessoal para vir. É a mesma coisa de pregar o evangelho, quando você começa, o cara não sabe nem o que é a Bíblia. Depois ele começa a ler e a entender. Tudo é uma mobilização, você vai criando mentalidade, se formando e não demora muito você é um líder. (Liderança-1, 2021)

A identidade de um movimento social, depende, dentre outras coisas, da ação individual de seus líderes, pois são eles que traçam as estratégias e determinam os rumos das ações coletivas. O discurso de Liderança-1 contribui com essa compreensão do papel das lideranças para a mobilização coletiva voluntária de trabalhadores.

A tarefa de conscientização política empreendida por ele e outros líderes demonstra que sua atuação no movimento sindical ajuda a despertar sentimentos voluntários, como a solidariedade, e a construir uma identidade coletiva. Conceito trabalhado por Melucci (1996, p. 75): “A identidade coletiva é um processo de aprendizagem que leva à formação e manutenção de um ator empírico unificado que podemos chamar de ʻmovimento socialʼ. Na compreensão de Melucci (1988, p. 334), “[...] solidariedade, isto é a capacidade dos atores de se reconhecerem e serem reconhecidos como parte de uma mesma unidade social”. Numa luta, [...] a solidariedade interna do grupo reforça e garante a identidade. [...] A solidariedade que une os indivíduos entre si permite-lhes afirmar-se como sujeitos da sua ação [...]” (MELUCCI, 1996, p. 75). Por sua vez, a identidade se mostra relevante inclusive para a formação de novos líderes, como demonstra a fala do entrevistado.

Entretanto, com o avanço da idade de Liderança-1, alguns aliados que estavam na linha de frente do STTR e contribuíram significativamente para o sucesso da luta sindical morreram. Por esse motivo, Liderança-1 acabou deixando o sindicato nos meados de 2005. Infelizmente, não tinha mais seus principais aliados para ajudá-lo a manter-se à frente da organização nem saúde para seguir firme na luta:

[...] a gente tinha o acompanhamento de umas lideranças amigas, parceiras, que nós trabalhávamos e botávamos para frente as coisas. Aí os companheiros começaram a morrer e foi desmobilizando. Eu sempre faço a comparação: trabalhar no sindicato é o mesmo que um jogo de futebol. Você pode até ser bom jogador, mas se você não tiver um parceiro para lhe acompanhar, você se machuca, você se bate e acaba perdendo a atenção da plateia, fica desmoralizado com seu trabalho. Então, quando começou a ficar assim, começou a ter oposição, eu saí de lá. Aí foi o tempo que eu me aposentei também e vim para cá, fiquei aqui na roça trabalhando, plantando as coisas. (Liderança-1, 2021)

Apesar da importância dos líderes para os empreendimentos coletivos, a reflexão que fica é que estes, ao fazerem parte de uma organização, acabam se tornando também atores coletivos, pois representam um coletivo, seja ele movimento ou organização. O papel de liderança não se faz sozinho. Para se realizar, depende do esforço de aliados, de companheiros, que pensem e atuem de forma conjunta na direção de um objetivo comum. Com exceção ao movimento realizado na época de Benezinho para a retomada do sindicato das mãos do presidente “pelego”, não conseguimos identificar a presença de outras frentes opositoras dentro do STTR. Mesmo com a fala de Liderança-1 indicando a existência de oposição, os sucessores de Benezinho mostraram-se aliados, conforme demonstra a linha do tempo (Figura 1) no fim desta discussão.

Liderança-1 trabalhou no STTR durante quinze anos. Ele conta que até hoje é visto como uma liderança em sua comunidade. Por onde passa, recebe o reconhecimento pelo que foi conquistado enquanto esteve à frente do sindicato. Hoje ele vive com a família em sua “pequena colônia”. Ainda trabalha na roça, planta mandioca, açaí, pimenta-do-reino e diz ter orgulho de sua trajetória como liderança, de ter sido sempre trabalhador rural. Em 2003, o lugar de Liderança-1 no STTR foi ocupado por uma mulher que assumiu, a partir daquele momento, o papel de principal líder do STTR e do próprio movimento em Tomé-Açu, como veremos no próximo tópico.

 

‘Se hoje nós estamos aqui, é porque a gente se organizou’

Natural do município de Bujaru, filha de pai nordestino e de mãe paraense, Liderança-2 tem 61 anos e tem sido a principal líder do STTR desde os anos 2000. Seu pai era muito rígido; por não aguentar a pressão, ela resolveu sair de casa cedo. Apaixonada, casou-se aos 17 anos com um rapaz que vivia em Tomé-Açu. Com ele viveu durante vinte anos, teve seis filhos e depois se separou. Hoje, tornou-se uma das principais militantes do movimento sindical no município.

Sócia do sindicato desde 1981, Liderança-2 participou da construção do STTR, especialmente após a morte de Benezinho. Sua participação teve início na Igreja Católica. Seu trabalho nas CEBs mostrou-lhe a dificuldade de viver e de trabalhar na terra em um período que os latifundiários exerciam uma forte pressão nos trabalhadores pela venda de suas terras. Em 1987, Liderança-2 mobilizou, na Igreja Católica, a organização de mutirões comunitários para estabelecer roçados, o que, segundo ela, fez com que as pessoas melhorassem de vida e permanecessem em suas terras:

Eu resolvi entrar para o sindicato, porque nos anos de 1990 ou a gente era forte ou então se ferrava, na verdade. E aí foi o momento em que [os trabalhadores] começaram a vender as terras, vender as terras [...] e eu tive que me fazer de forte para me manter lá na colônia. Me juntei com o pessoal da Igreja Católica, naquela época era a irmã Celeste, e a comunidade era muito pobre. Chegou um fazendeiro que estava comprando todas as terras. Aí nós tivemos que se organizar, reunir, para discutir como é que nós íamos sobreviver na comunidade. E aí veio a preocupação, que ou a gente se organizava, se unia, ou então a gente não ia conseguir enfrentar, naquele momento, o êxodo rural, porque a dificuldade estava grande, aí, o cara chegava oferecendo um dinheirinho e o pessoal ia vendendo. Aí, nos reunimos na Igreja Católica, se organizamos através do sindicato e conversamos com a irmã Celeste e ela disse que íamos começar a trabalhar os mutirões, porque ninguém tinha roça nem nada, na época. Então nós começamos a trabalhar os mutirões comunitários e foi aí que nós conseguimos se erguer, isso foi no ano de 1987, mais ou menos. (Liderança-2, 2021)

O primeiro passo foi a organização da comunidade em torno do sindicato e da ação coletiva dos mutirões. Com os trabalhadores organizados e com a posse da terra, as estradas passaram a ser o foco das mobilizações do sindicato. Liderança-2, que ainda não tinha cargo no sindicato, liderava o movimento em sua comunidade, sempre contando com o apoio da Igreja. Graças à essa parceria, o sindicato conseguiu reivindicar ramais, pontes e energia elétrica para algumas comunidades. Conseguiram carro, ocuparam a Prefeitura, sempre com a força de muitos trabalhadores mobilizados:

Quando chegou nos anos 1990, já tinha uma organização. Nós tivemos mutirão de até 27 pessoas para plantar roça. Era muito bonito, era muito organizado. Nosso mutirão era bem diferente, cada um levava comida, colocava lá e na hora do almoço partilhava todo mundo junto. Era muito lindo! [...] Depois de um ano todo mundo estava com roça. Tinha o arroz, o milho, a farinha [...] começou a melhorar. Aí a gente partiu para o segundo ponto, que era lutar pela estrada e pela energia. Nós começamos a produção, mas não tínhamos estrada. Aí nós reunimos, arrumamos um carro e fomos até a Prefeitura, cinquenta e poucas pessoas. O padre foi com a gente naquele tempo, até a Prefeitura. Chegamos lá e ocupamos a prefeitura. Não foi com carinho não! Seguramos a porta, pedimos ao vigia para entrar, procuramos pelo prefeito e ele disse que não estava. Nós seguramos a porta e colocamos o pessoal para dentro. Sentamos lá dentro e disse que só saía depois que visse o prefeito. [...] Depois de 15 minutos o prefeito apareceu. Nós falamos para ele que nós tínhamos ido lá porque nós não tínhamos nem ponte, nem estrada, nem nada. Nós produzíamos a farinha e quando vinha de lá para cá, tinha uma pinguela [ponte]. Várias vezes a farinha caía na água. A gente terminava de torrar a farinha com a maior dificuldade, dois, três quilômetros de casa, e caía dentro d'água. Quando foi numa quarta-feira, os carros da Prefeitura, trator, caçamba, entraram e fizeram a estrada para nós. Esse foi o primeiro trabalho meu, foi a estrada do nosso ramal. (Liderança-2, 2021)

Mesmo ainda não ocupando cargos na Diretoria do sindicato naquela época, a história de Liderança-2 demonstra o quanto os líderes locais também são importantes para a mobilização em torno do MSR. De modo geral, são pessoas que têm consciência política, que entendem a relevância do sindicato e da união e que mobilizam as bases para participar e se organizar. Contudo, Liderança-2 não se via como uma líder e não gostava de assumir cargos importantes, na Igreja ou no sindicato. Recebia convites para ser catequista, coordenadora, mas não aceitava, não se enxergava ocupando tais lugares. Essa realidade começou a mudar, quando, em determinado momento, tudo começou a desmoronar em sua vida. Seu marido e sua filha adoeceram. Ambos foram desenganados pelos médicos, o marido com problemas renais e a filha com um tumor maligno no pescoço. Sem saída, Liderança-2 fez preces a São Francisco e, num momento de fé, fez uma promessa:

Acabou tudo! A gente só não passou fome porque eu era muito virada. Mas o resto, de tudo a gente sofreu. Ele foi embora para Belém, passou mais de 2 anos sofrendo desenganado para lá e eu aqui. Aí eu fiz um voto. Uma noite eu acordei com tanta fé que eu fiz um voto com São Francisco: que seu meu marido e minha filha fossem curados, eu dedicaria o resto da minha vida em prol dos mais fracos, dos mais necessitados. (2021)

Dias depois de ter feito a promessa, Liderança-2 conta ter encontrado uma senhora que lhe ensinou um remédio caseiro para a doença de sua filha. Chegando em casa, ela passou o remédio no pescoço da criança, e o tumor sarou em pouco tempo. O marido, que ainda estava em Belém, havia sido desenganado e voltava para morrer em casa, perto de sua família:

Quando ele chegou na porta do hospital, uma mulher estava lá e ensinou um remédio para ele. Ele chegou em casa e eu fiz o remédio para ele. Com três dias, ele botou as três pedras do rim e foi curado também. Tudo isso aconteceu por milagre de Deus. Então daí foi a decisão de eu ir para o trabalho da comunidade. Eu dedicaria a minha vida em prol dos mais necessitados. (Liderança-2, 2021)

Após a ação da providência divina, Liderança-2 passou a ter a luta social como prioridade e não só pagaria a promessa, mas também faria do MSR a sua vida. Logo em seguida, tornou-se catequista e, já com os grupos organizados em mutirões, foi eleita presidente da associação de sua comunidade e delegada sindical, entre 1997 e 1999. Essa situação demonstra que, ao contrário do que analisa Olson (1965) em A lógica da ação coletiva, nem sempre a decisão de participar de uma ação coletiva depende de uma análise estritamente racional, ela pode ser motivada por valores, sentimentos e crenças, como acreditam Melucci (1989), Sabourin (2012) e Castells (2002). No caso de Liderança-2, a fé foi o principal fator para que decidisse se tornar uma sindicalista.

A partir desse momento, Liderança-2 teve uma participação mais ativa no sindicato. Sua liderança já era vista com bons olhos pela direção de Liderança-1 e por muitos agricultores. Todos tinham certeza de sua força, mas ela ainda hesitava e não se sentia preparada para assumir grandes responsabilidades. Acreditava que o trabalho que fazia como presidente da associação e delegada sindical já a ocupava demais.

Chegado o período de eleição para presidente do STTR, mais de 200 pessoas estavam presentes na assembleia-geral que escolheria o substituto de Liderança-1. Ainda em 1999, como delegada sindical com grande influência nas tomadas de decisão do sindicato, Liderança-2 apontou um trabalhador chamado Liderança-3 como seu favorito para a Presidência, mas foi prontamente contrariada pela maioria ali presente:

[...] eles viram que eu estava muito forte, só que eu nunca quis ser presidente. Na verdade, eu vim na reunião que era para a escolha do candidato e eu apontei o Liderança-3. Nós reunimos e discutimos que era ele o nome para vir. Quando foi na hora, ele não apareceu. Aí eu disse que o meu candidato era o [Liderança-3]. Só que o povo levantou a mão de uma vez: “Negativo! A nossa candidata é a senhora”, mais de 200 pessoas. Eu digo: “Gente, eu não estou preparada, não estou preparada”. Aí eles disseram: “Não, não tem esse negócio. A senhora está preparada sim! Pelo tamanho da sua liderança, do seu trabalho, está preparada, sim”. Quando o povo disse que a presidente tinha que ser eu, foi a maior surpresa que eu tive na vida. Eu nunca entendi aquilo, parece que levantou a mão todo mundo de uma vez. Foi o momento mais lindo da minha vida, porque eu não sabia que eles tinham aquela surpresa para mim. (Liderança-2, 2021)

Aqui, como no caso de Liderança-1, vemos novamente a importância dos aliados no apoio às lideranças e nos processos decisórios que envolvem a organização sindical. Na época, a luta pela construção da rodovia PA-140[11] era o ponto alto das mobilizações do STTR. Liderança-2 era a principal líder do STTR nessa empreitada, estava na linha de frente de todo o processo. Ganhou credibilidade e confiança. Por isso, os trabalhadores presentes na assembleia acreditavam nela e tinham certeza de que ela era a pessoa certa para conduzi-los. Então, quando tiveram a oportunidade de inseri-la na Diretoria do sindicato, o fizeram. Liderança-2 foi eleita secretária de finanças no penúltimo mandato de Liderança-1, entre 1993 e 1997, e reeleita no mandato de João Bandeira, entre 1997 e 2001. Em 2006, foi eleita presidente do STTR pela primeira vez e, de lá para cá, tem sempre ressaltado a importância da organização para a luta sindical:

Se hoje nós estamos aqui é porque a gente se organizou, porque senão a gente não conseguia ficar aqui. Então nós melhoramos todo mundo de vida. Tinha gente que não tinha terra e se situou. [...] nós conseguimos nos organizar de um tanto, que a gente conseguiu estrada, caminhão da feira, energia, um monte de coisa [...] avançamos mesmo. Conseguimos nos estabilizar e segurar o pessoal. (Liderança-2, 2021)

Com o sindicato organizado e com a confiança dos trabalhadores, Liderança-2 resolveu pleitear um cargo na política. Em três oportunidades, candidatou-se a vereadora, sendo a última em 2019, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), mas acabou não sendo eleita em nenhuma delas. Durante entrevista, ela explicou que, na época de eleição, é feito um debate dentro do sindicato para decidir qual a melhor pessoa para representá-los. Como está à frente do STTR, é ela quem costuma ser indicada para representar o movimento e lutar pelas demandas coletivas. Nas eleições de 2019, ela recebeu 396 votos e diz ter uma “base fiel”, que é mobilizada por meio das delegacias sindicais.

Atualmente, Liderança-2 é uma das principais personagens do MSR em Tomé-Açu. Representa a força da mulher na agricultura e na luta social. Por sua participação no movimento e pelo conhecimento que ele lhe proporcionou, ela resolveu voltar a estudar e está concluindo o ensino superior no curso de Engenharia Agrícola. Explica Liderança-2:

[...] eu represento a importância da mulher no movimento social. Foi a partir disso que eu pensei em voltar a estudar. [...] Isso para mim é muito importante, porque a maioria das mulheres botam na cabeça que estão velhas, que não são capazes, e eu estou aqui”. (2021)

A luta das mulheres por igualdade de condições no MSR começou com a construção dos primeiros sindicatos na década de 1950. Existem registros da Contag que dão conta de grandes manifestações estaduais de trabalhadoras rurais durante a década de 1980, uma década antes da conquista do seu direito à sindicalização (CONTAG, 2004). Excluídas durante décadas das esferas de liderança do sindicalismo, as trabalhadoras rurais enfrentaram desafios significativos para conquistar o direito de ocupar espaços decisórios (CARVALHO, 2018). Elas então passaram a questionar as normas tradicionais e a participar ativamente na luta por questões essenciais, como o acesso à terra, geração de renda, superação da violência doméstica, igualdade de gênero e valorização de seu trabalho nas propriedades familiares (MEDEIROS; PAULILO, 2013; CARVALHO, 2018). No século XXI, o papel das mulheres no MSR tem transformado os discursos e práticas sindicais no âmbito da Contag e CUT, que já atribuem maior relevância ao trabalho feminino na luta sindical. Atualmente, a Fetagri-PA tem quatro mulheres (de sete diretores) na Diretoria Executiva, o que demonstra a ocupação dos espaços decisórios por mulheres em todas as instâncias do sindicalismo rural.[12]

Seguindo este debate, a ascensão de Liderança-2 à Presidência do STTR, pela primeira vez em 2006, marcou a emergência de uma mulher depois de décadas do controle dessa organização por homens. A linha do tempo exposta na Figura 1 mostra a predominância dos homens desempenhando papéis de chefia e ocupando cargos na Diretoria da organização. O caso de Liderança-2 é uma exceção que acabou interferindo fortemente na história do sindicato. Desde a década de 1980, mesmo antes de assumir algum cargo no sindicato, ela participou ativamente das mobilizações de base, enfrentando todas as dificuldades de ser uma liderança feminina em um ambiente dominado pelo machismo. Nos dias de hoje, é ela quem lidera as estratégias e organiza a maior parte das mobilizações feitas pelo STTR.

Atualmente, o STTR conta com o apoio da CUT, da Fetagri e da Contag e é um sindicato que se considera eclético (aquele que atende agricultores familiares e assalariados rurais). Entretanto, em virtude da criação recente de outros sindicatos no município, perdeu muitos sócios (entre agricultores e assalariados). De acordo com a atual gestão, o sindicato ainda tem uma causa com os assalariados na Justiça e por isso continua a se considerar eclético. Com cerca de 1200 sócios ativos (que estão em dia com as contribuições sindicais), sua estrutura organizacional é formada por secretarias internas destinadas a diferentes funções e serviços, como: Secretaria de Políticas Sociais e Terceira Idade, Secretaria de Finanças, Secretaria de Reforma Agrária, Secretaria de Agricultura Familiar, Secretaria de Jovens e Mulheres e Secretaria-Geral.

A trajetória do STTR demonstra que as lideranças foram sempre fundamentais para que as ações coletivas acontecessem. Desde a época de Benezinho, as conquistas têm sido significativas para o fortalecimento do movimento dos trabalhadores e trabalhadoras rurais de Tomé-Açu. A partir das atas de assembleias do STTR, elaboramos uma linha do tempo (Figura 1), que mostra a trajetória das lideranças do STTR, com o foco voltado para os presidentes do sindicato, e evidencia que, desde a gestão de Benezinho, essa organização foi comandada por seus aliados, não dando mostras da ascensão de oposições internas.

Figura 1 – Linha do tempo com as lideranças do STTR no período 1971-2023

Fonte: Elaborada pelos autores com dados da pesquisa, 2023.

 

 

Em um período mais recente, outras dinâmicas têm influído na organização dos trabalhadores, entre as quais a expansão da dendeicultura no Nordeste Paraense. Quando Liderança-1 retirou-se e Liderança-2 preparava-se para assumir seu primeiro mandato como presidente do STTR, teve início um importante período na história do MSR em Tomé-Açu: a chegada da dendeicultura. Com a criação do PNPB, em 2004, e do PPSPO, em 2010, o dendê tornou-se parte da realidade dos agricultores familiares que foram incluídos na cadeia produtiva de biodiesel no Nordeste Paraense. O município de Tomé-Açu é hoje um dos principais polos da dendeicultura, recebendo empresas desse segmento que atuam na compra e no arrendamento de terras e no assalariamento de agricultores integrados (FLEXOR et al., 2011; BRANDÃO; SCHONEVELD; PACHECO, 2018). Esses fatores impuseram uma série de desafios ao MSR e exigiram um posicionamento imediato de suas lideranças. Liderança-2, como representante do STTR, posicionou-se contra os projetos de dendê desde o início por acreditar que a dendeicultura traria o sistema de monocultivo para os estabelecimentos familiares:

[...] eles diziam que a saída era dendê e nós dizíamos que não era. O dendê está todo mundo ferrado até hoje! Devendo o banco, muitos sem condição, falando bonito, que está bom, mas é tudo mentira [...]. Nunca para de pagar! [...] para nós, que enxergamos um pouquinho, nós achamos que agronegócio nenhum é futuro para a agricultura familiar. (Liderança-2, 2021)

As opiniões sobre o conteúdo da crítica da liderança divergem. Brandão, Schoneveld e Pacheco (2018, p. 1) constatam que, oito anos depois do lançamento do PPSPO, “[...] o desempenho dos agricultores familiares varia amplamente, havendo desde unidades altamente produtivas até projetos praticamente abandonados” e que a maioria dos agricultores familiares integrados à agroindústria (54,8%) que produziram por contrato “[...] não conseguiu atender às expectativas de desempenho das empresas de óleo de palma”. Segundo os autores, as empresas manifestam sua preocupação com a capacidade que esses agricultores têm [...] de cumprir suas obrigações de crédito[13] (BRANDÃO; SCHONEVELD; PACHECO, 2018, p. 5).

Pesquisas no âmbito do Projeto AFInS[14] mostraram que os(as) agricultores(as) “[...] satisfeitos(as) tanto com o sentimento de ser produtor(a) de dendê quanto com a renda são predominantes (52,6%)” entre os(as) entrevistados(as) (MOTA et al., 2022, p. 21). Outros 69% voltariam a plantar dendê, e 73% aconselhariam esse cultivo a parentes, amigos ou conhecidos. Porém, um grupo significativo (24,8%) estava insatisfeito “[...] tanto com o sentimento quanto com a renda [...]” (MOTA et al., 2022, p. 21). Em alguns municípios, foram alcançadas porcentagens maiores de insatisfação (66%), como descobriram Tavares e Mota (2020, p. 541), em Irituia (PA). O Projeto AFInS indica nas suas recomendações: “É necessário dispor de espaços acessíveis e acolhedores para dialogar sobre as insatisfações com a produção de dendê e com o contrato de integração” (MOTA et al., 2022, p. 22).[15]

Liderança-3, agricultor que liderou o movimento de criação do Sintraf, afirmou que este sindicato foi contra a implementação da dendeicultura e que não aceitou as parcerias propostas pelas empresas no início, acompanhando a postura adotada pelo STTR de ir contra os projetos. No entanto, seu posicionamento mudou à medida que uma quantidade significativa de sócios manifestava interesse em plantar dendê (muitos agricultores inclusive deixaram o STTR e buscaram o Sintraf, que se mostrou mais flexível quanto a essa questão). Segundo Liderança-3, o Sintraf passou então a atuar em parceria com a empresa Biopalma. Na época, ele avaliou que a dendeicultura tinha pontos positivos (aumento da renda, garantia de mercado, geração de empregos, cursos de capacitação) e negativos (aumento da violência, conflitos com indígenas, uso de agrotóxicos e danos ambientais). Seu depoimento a seguir, demonstra – assim como alertaram algumas lideranças logo na chegada dos projetos de dendê no município – que muitos agricultores teriam dificuldade em manter a diversificação produtiva e passariam a cultivar apenas o dendê, fortalecendo a monocultura:

[...] nós, como sindicato, acompanhamos os agricultores, discutimos bastante. Teve algumas assembleias de discussões e a gente aderiu ao projeto. Uma das coisas que a gente conversou muito, bateu muito, é a monocultura. Aderimos com uma condição: que o agricultor teria que continuar diversificando a produção, para que não ficasse na monocultura, para não correr o risco de se atrapalhar mais para frente. [...] muitos agricultores estão fazendo isso, têm o dendê como mais uma cultura que se inseriu lá no espaço, lá no lote dele. Mas alguns deles não, eles tão trabalhando somente com o dendê. Isso é preocupante porque caso venha ocorrer o contrário, não sei como vão fazer porque tem uma dívida no banco. [...] então isso é uma preocupação, um desafio, nós estamos trabalhando, nós continuamos falando isso nas reuniões: não plante só o dendê, continue plantando a pimenta, o cacau, o açaí e criando galinha, porco, peixe. (Liderança-3, 2015)

Na opinião de Liderança-2, a expansão da dendeicultura ocasionou também um forte êxodo rural, um tema que marca sua trajetória e que foi um dos motivos para seu engajamento no STTR, como mencionado anteriormente:

Depois que veio o dendê, o êxodo rural foi muito grande. As nossas comunidades diminuíram muito. Eu acho que foi uma queda muito grande. As nossas delegacias sindicais diminuíram muito. Na verdade, o sindicato, em vista do ano 2000 até 2010, que foi o forte do dendê, nós tínhamos 36 delegacias. Nós chegamos a 43 delegacias. Hoje, nós temos 21 delegacias e nem 15 funcionando. E não é porque não queira, é porque as comunidades praticamente estão todas fracas. Muita gente veio embora, muitas lideranças se mudaram. (Liderança-2, 2021)

Ainda é difícil quantificar esse êxodo. Uma liderança do município vizinho de Concórdia do Pará afirmou que 200 famílias, no mínimo, venderam as suas terras. Outra liderança do mesmo município disse que, dentro de dois anos, “40% do povo da área rural” teria mudado para a cidade.[16] Segundo Silva, Magalhães e Farias (2016, p. 190), a aquisição de terras pelas empresas dendeicultoras, “[...] equivalentes a 16% do território dos municípios que compõem a microrregião de Tomé-Açu”, tem ocorrido “[...] em absoluto desacordo com a legislação que rege o mercado formal de terras”. Porém, em âmbito local, existem dificuldades para conseguir números, como mostra Moreira (2022, p. 23), que buscou identificar agricultores que venderam a sua terra: “[...] notei que alguns interlocutores não ficaram confortáveis em falar sobre a venda do estabelecimento [...]”. Guimarães (2021), na sua pesquisa sobre agricultores integrados que abandonaram o plantio de dendê, também identificou poucos casos de venda de terras e constatou que a grande maioria continua na agricultura.[17] Quantificar essas importantes mudanças resultantes da introdução de uma commodity nessa região permanece um desafio para futuras pesquisas.

Outro fator que afetou diretamente o MSR foi a demanda maior de assalariados rurais por parte das agroindústrias de dendê: o STTR, um sindicato eclético, teve dificuldade de atender esses assalariados. A demanda dos assalariados representa uma parcela dos motivos que levaram à fundação de outros sindicatos em Tomé-Açu. No contexto geral, dois cenários se apresentam: o primeiro, começa com a insatisfação de um grupo específico de sócios do STTR que se mobilizaram para criar um sindicato concorrente, resultando na elaboração do Sintraf, em 2006; já o segundo, partiu da demanda dos assalariados por uma representação específica, movimento este que resultou na criação do Sindter, em 2016.

A pluralidade sindical imprime novas nuances à história do MSR em Tomé-Açu. Ela traz consigo um caráter de competição e provoca a emergência de novos atores coletivos, com estratégias e demandas específicas. Esse contexto de pluralidade sindical, que se estabelece com a criação do Sintraf e do Sindter, será apresentado no tópico a seguir.

 

 

Pluralidade sindical em Tomé-Açu: os casos do Sintraf e do Sindter

De acordo com Schmitz e Mota (2010, p. 28-29), “na América Latina, o Brasil e o Paraguai são os únicos países nos quais os trabalhadores da agricultura e os agricultores são organizados conjuntamente”. Os autores têm uma visão crítica dessa forma de organização e explicam:

O nome “sindicato de trabalhadores rurais” não explicita a diversidade real das categorias sociais que o mesmo comporta como membros associados. Em muitas regiões brasileiras, os agricultores familiares constituem a maior parte dos sócios. Os verdadeiros trabalhadores da agricultura (por exemplo, assalariados, diaristas, empreiteiros, boias-frias) são contratados tanto pela agricultura empresarial quanto pela agricultura familiar. Os conflitos sociais entre estas diferentes categorias são escamoteados pelo fato de todas elas serem representadas por um sindicato comum. (2010, p. 29)

No fim da década de 1980 e no início dos anos 1990, a categoria dos trabalhadores rurais passou por transformações consideráveis em suas formas de representação política e de organização sindical (MEDEIROS, 2014). A diversidade de sujeitos que surgiram durante esse período não foi mais adequadamente representada pelo MSR e estava à procura de novas formas de se organizar, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), que instituíram novas estruturas de mobilização para reivindicar direitos (MEDEIROS, 2014; PICOLOTTO, 2018). Mais tarde, nos primeiros anos do século XXI, a Contag perdeu espaço para um setor da CUT e viu sua estrutura de unicidade sindical ameaçada por uma série de alterações no movimento sindical, como a criação da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), em 2001, organização que passaria a disputar a representação dos agricultores familiares em âmbito estadual no Brasil (PICOLOTTO, 2018).

Enquanto o sistema sindical da Contag procurava manter unificada a representação formal de todas as situações de trabalho no meio rural (inclusive os agricultores familiares), a Fetraf ergueu a bandeira da representação específica dos agricultores familiares, para isso procurou transformar os seus sindicatos ou construir novos na forma de Sindicatos de Trabalhadores na Agricultura Familiar (Sintraf), diferenciando-os dos STR da Contag. (PICOLOTTO, 2018, p. 216)

Fundados como sindicatos ecléticos, os STTRs sentiram o enfraquecimento da confederação no sentido de manter a unicidade da categoria trabalhador rural a partir da década de 1980 (PICOLOTTO, 2018). Isso teve um impacto direto em suas estruturas, dando brecha para a constituição de outros sindicatos que começaram a disputar o direito de representar dois setores específicos que se apartaram da categoria: os agricultores familiares e os assalariados rurais, ambos já representados pelos STTRs. No município de Tomé-Açu, o STTR representou a unicidade sindical que fazia parte do projeto de sindicalismo da Contag até 2006, quando se formou um novo sindicato de agricultores familiares.

Em 2002, um setor do STTR de Tomé-Açu, descontente com suas formas de atuação, iniciou o movimento de construção de um novo sindicato. Agricultores de um assentamento em fase inicial estavam em busca da regularização de suas terras; por outro lado, o sindicato tinha de atender muitas demandas e estava em campanha política dando apoio para um candidato a deputado federal do Partido dos Trabalhadores (PT), acabando por não priorizar os agricultores naquele momento.

[...] a gente morava em assentamento, onde precisávamos conversar com o Incra e precisávamos que o sindicato nos representasse lá. Eles botaram dificuldade, na época. Eu lembro que eu fui lá e botaram dificuldade, porque não tinham como acompanhar, porque estavam em plena campanha política para eleger o Beto Faro [presidente da Fetagri na época], e aí não acompanharam a gente até o Incra. (Liderança-3, 2021)

Conduzidos por Liderança-3, ex-delegado sindical do STTR, o grupo participou de um fórum da região Guajarina a convite da CPT, na pessoa do Padre Sérgio Tonetto, que discutiria a situação da terra. Depois, resolveram deixar o STTR e ingressar no MPA regional, onde permaneceram até 2005, quando a regional foi extinta. Com a participação no movimento, Liderança-3 formou um grupo ainda maior de trabalhadores que tinham o objetivo comum de regularização da terra. Ele conta que esses trabalhadores já estavam acostumados a se reunir para debater seus problemas, mas não tinham uma entidade que os representasse, já que acreditavam que o STTR estava na contramão de seus interesses. Resolveram, então, filiar-se à Fetraf-PA e, com o apoio dessa Federação, criaram o Sintraf, em 2006. O STTR já não conseguia mobilizar toda a base, e esse grupo de opositores aproveitou o momento de fragilidade para formar uma nova organização, mobilizando a base não alcançada (e/ou divergente) pelo sindicato eclético.

Diferentemente do STTR, o Sintraf é um sindicato regional que atende agricultores familiares dos municípios de Tomé-Açu, Concórdia, Acará, São Domingos do Capim, Aurora do Pará, Ipixuna, Tailândia e Moju. Atualmente, o sindicato possui aproximadamente 2000 sócios, a maioria deles do município de Tomé-Açu.

No sindicato, a gente representa o povo na questão da reforma agrária, questão financeira, financiamentos no banco, comercialização, capacitação dos agricultores [...]. Nisso, a gente tem uns parceiros, que é a Secretaria de Agricultura, parceria com o Iterpa [Instituto de Terras do Pará], [...] financiamentos do Basa [Banco da Amazônia] a gente tem acessado bastante para os nossos agricultores [...] a gente tem parceria com o Sebrae [Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas], com o Senar [Serviço Nacional de Aprendizagem Rural] [...] e a gente faz esse trabalho. Essa razão nos motivou a criar o sindicato, porque sem uma entidade, sem o CNPJ, a gente tinha dificuldade dessa parceria com esses órgãos. (Liderança-3, 2021)

O Sintraf é, caracteristicamente, um sindicato que atua nos moldes da agricultura familiar instituída pelo Estado a partir da década de 1990. Uma agricultura modernizada, inserida na perspectiva dos mercados, um sujeito que tem como demandas principais o crédito rural e a assistência técnica (MEDEIROS, 2014). Enquanto o STTR está vinculado a um passado de lutas por meio da mobilização dos trabalhadores para a conquista de direitos, com um caráter político mais apurado, o Sintraf prioriza elementos assistenciais. As reivindicações, os protestos, a luta sindical sempre foram assumidos pelo STTR, e isso foi percebido nas seguintes falas:

O Sintraf [...] se volta mais para a questão de buscar assistir os agricultores para que tenham um melhor desenvolvimento. Não se volta diretamente para a questão de manifestação, a não ser que seja algo que realmente precisa ser feito, coisa extrema. Mas a maior finalidade é a organização dos agricultores, esse é o principal objetivo do Sintraf, organizar os agricultores para ter um melhor desenvolvimento (Ex-secretário de finanças e sócio do SINTRAF, 2021).

Eles trabalham mais é a questão de financiamento, [...] trabalham bastante com empresas [...] parece que tem até uma empresa com técnico agrícola lá dentro do sindicato para acompanhar os trabalhadores. O STTR não tem isso. (Liderança-1, 2021)

Liderança-3 reafirmou a importância das capacitações como um dos principais serviços oferecidos pelo sindicato. Ele acredita que a agricultura precisa estar apoiada em três fatores essenciais: a organização, a produção e a comercialização. Esse último fator motivou sócios do sindicato a criarem uma cooperativa para comercializar seus produtos agrícolas. A Cooperativa dos Agricultores Familiares de Miritipitanga, Tomé-Açu e Região (Coopafamita) foi criada em 2019 no ramal Miritipitanga, km 20, entre Tomé-Açu e Concórdia do Pará.

Depois que criamos o sindicato, aí nós dissemos: “agora já temos o sindicato, que está acessando recursos para a gente, intermediando os bancos, financiando [...], mas não basta só isso, nós precisamos organizar para comercializar”. [...] Então foi esse o objetivo que a gente pensou, não adianta produzir e não ter como vender. É organizado que a gente vende e compra. Aí, motivou criar essa cooperativa. (Liderança-3, 2021)

Os processos de globalização e o avanço das tecnologias resultaram em uma competição cada vez mais acirrada no mercado, o que ocasionou a exclusão de uma parte da população do sistema de produção (COSTA; AMORIM JUNIOR; SILVA, 2015). Com o surgimento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) como principal política pública para o setor rural e a instituição da agricultura familiar como categoria prioritária, as associações e cooperativas, para além dos sindicatos, mostram-se ferramentas importantes de organização social, política e econômica. O seu papel na agricultura tem sido reconhecido, por oferecerem estabilidade, segurança e inserção nos mercados locais a agricultores familiares (ANDRADE; ALVES, 2013; RIBEIRO; NASCIMENTO; SILVA, 2013; SCHMITZ; FARIAS, 2021).

As questões da modernização e da tecnologia agrícolas, da assistência técnica, da produção e do mercado são tratadas como prioridade no Sintraf. Para a construção da cooperativa, foi estabelecida uma parceria com a Camta, a maior cooperativa de Tomé-Açu. Por meio da Coopafamita, 34 agricultores vendem polpas de frutas, macaxeira embalada a vácuo, hortaliças e pretendem comercializar frangos no futuro. Vale ressaltar que todos os cooperados são sócios do sindicato.

A importância atribuída às cooperativas no atual momento é grande, e o STTR também busca formar uma cooperativa agrícola. Apesar de adotar a reforma agrária como principal bandeira de luta, a produção e a comercialização aparecem logo em seguida:

O maior desafio do sindicato é a bandeira de luta da reforma agrária. É uma luta incansável. Eu acho que a reforma agrária ela precisa continuar. Nós estamos vendo muito êxodo rural e se não tiver homem no campo não tem agricultura, não tem sindicato. Para que sindicato se não tem mais agricultor? Eu acho que a luta pela terra é a primeira. A segunda é a luta pela produção, e, hoje, a comercialização. É tanto que nós vamos lutar agora para criar uma cooperativa. Nós temos uma produção muito alta, mas nós estamos com dificuldade na comercialização. (Liderança-2, 2021)

Embora ambos os sindicatos representem agricultores familiares, STTR e Sintraf têm estratégias de atuação distintas, fazendo com que exista uma competição entre eles. Enquanto o primeiro tem a reforma agrária como bandeira de luta e atua muito mais nas representações política e social, o segundo tem a produção e a comercialização como objetivos principais. Mesmo que aos poucos o STTR tente acompanhar a “modernização” das pautas do Sintraf, é nítido que existe uma pluralidade de estratégias sindicais. Dito isso, é possível analisar essa situação não só pela via da concorrência, mas da diversidade. Especialmente os dirigentes podem enxergar a nova situação pela ótica da concorrência; já os trabalhadores podem ver com bons olhos a existência de mais de um sindicato. Na perspectiva de Liderança-2, a criação do Sintraf ocasionou certo prejuízo ao STTR: “Na verdade, o Sintraf trouxe isso para nós, porque nós disputamos o mesmo público. O nosso sindicato sempre foi mais forte, porque nós já tínhamos uma demanda muito boa. Então teve queda, pouca, mas teve” (Liderança-2, 2021).

Por outro lado, segundo as lideranças entrevistadas, muitos agricultores trocaram o STTR pelo Sintraf, por entenderem que o sindicato mais recente atende melhor às suas necessidades. Ou seja, a existência de mais de um sindicato oferece opções diferentes conforme as demandas de cada um. Diante dessa nova realidade, é provável que a pluralidade sindical seja vista como um problema pelas principais lideranças, afetando o movimento sindical como um todo, enquanto para os sócios, representaria uma diversidade necessária.

Desde 2014, mudanças significativas têm ocorrido na estrutura normativa dos sindicatos rurais na esfera nacional. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) decidiu que podem existir duas categorias sindicais específicas para a categoria eclética de trabalhador rural: os assalariados e os agricultores familiares (PICOLOTTO, 2018). Nessa perspectiva, outra organização sindical faria parte do cenário do MSR no município de Tomé-Açu: trata-se do Sindter, sindicato exclusivo para os assalariados rurais (sobretudo para aqueles que trabalham nas agroindústrias do dendê), fundado em 16 de dezembro de 2015.

Assim como ocorreu com o Sintraf, a criação do Sindter aconteceu também por conta de uma discordância quanto à política de gestão do STTR. As transformações nas relações de trabalho nos estabelecimentos rurais familiares provocadas pela expansão da dendeicultura exigiram que o STTR adotasse uma postura contrária aos mecanismos impostos pelas agroindústrias de dendê. Porém, como os projetos avançaram, o sindicato teve de atender os assalariados e os agricultores familiares que resolveram integrar-se às agroindústrias.

Ainda em 2015, um grupo político oposto ao STTR de Tomé-Açu e ligado à Fetagri-PA, segundo Liderança-2, teria feito acordos com empresários e cooptado um integrante do STTR para que aparecesse como liderança na criação de um novo sindicato no município, o Sindter. Liderança-4 era assalariado de uma agroindústria do dendê e secretário de Políticas Salariais do STTR. Ele conta ter observado muitos erros durante seu trabalho na Secretaria e começado a cobrar da direção melhorias nos acordos com os assalariados. Quando a Direção do sindicato tomou ciência dos fatos, Liderança-4 foi afastado de seu cargo.

Em outubro do mesmo ano, acontecia o 1o Congresso Extraordinário dos Assalariados e Assalariadas Rurais, em Brasília, que marcou a criação da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais (Contar). De acordo com Picolotto (2018), a Contar nasceu da necessidade de estruturar uma representação autônoma para assalariados rurais, e isso fez com que os STTRs fossem orientados a escolher apenas uma das categorias – agricultores familiares ou assalariados rurais. “Entre 2014 e o primeiro semestre de 2016, cerca de 560 STRs fizeram a dissociação sindical e optaram por representar os agricultores familiares ou os assalariados rurais, e foram formados 90 novos sindicatos para representar a categoria dissociada” (PICOLOTTO, 2018, p. 227). Liderança-4, líder da criação do Sindter, relatou um pouco do que aconteceu durante esse processo:

Aí foi quando aconteceu a fundação da Contar lá em Brasília, foi tirada uma comissão para ir lá e eu fui no meio. Lá, foi acertado, em agosto de 2015, que teria que criar sindicatos dos assalariados em todos os municípios do Brasil. Quando a gente voltou de lá, já voltou articulado, entendeu? Aí voltamos, fomos conversar e houve muitos conflitos da parte do STTR. A gente conseguiu contornar, conseguiu ir para uma eleição, onde tinha 417 pessoas e a gente conseguiu sair dali com mais ou menos 402 votos. (2021)

A dissociação mencionada por Liderança-4 não foi feita de forma espontânea e em comum acordo pelo STTR de Tomé-Açu. Conforme nos revelaram as conversas com os dirigentes das duas organizações, a criação do Sindter foi um processo conflituoso e não foi imediatamente aceita. A inserção do Sindter como organização sindical no MSR representa uma história de ruptura, de não aceitação, por parte do STTR, da (co)existência com o outro.

Essas pessoas votaram na nossa chapa por conta de ver como era a dificuldade com o outro sindicato, porque era um sindicato eclético que representava duas categorias e era muito ruim de trabalhar. [...] ganhamos na eleição e dali começamos a ser perseguidos na justiça [pelo STTR], até quando chegou o tempo que tomamos a decisão de partir para a briga também. Aí, eu acho que acabou pela parte deles e a gente também abandonou, porque briga não era o nosso objetivo. Nosso objetivo era organizar a categoria. (Liderança-4, 2021)

Como resultado da criação do Sindter, o STTR perdeu a sua “Secretaria de Política Salarial” e os acordos anteriormente feitos com as empresas de dendê, que foram transferidos e renegociados pelo Sindter, o que, na visão da atual presidente do STTR, atrapalhou a organização dos assalariados. Contudo, na perspectiva da Liderança-4, a ideia de separação da Secretaria de Política Salarial já estava em discussão na Contag há certo tempo. A discussão teria iniciado com as reivindicações dos assalariados por um tratamento diferenciado das outras categorias de trabalhadores rurais: o serviço prestado pelo STTR era demorado, o que não era bom, pois os empregados do dendê recebem por produtividade; logo, não aproveitar bem o tempo é perder dinheiro. Hoje o Sindter representa os empregados das agroindústrias do dendê em Tomé-Açu tendo, atualmente, 1300 sócios. Quando perguntado sobre o papel do Sindter, Liderança-4 relatou ter um bom relacionamento com as empresas e que o sindicato é importante para esse diálogo na busca por melhores condições de trabalho para a categoria dos assalariados rurais.

Atualmente, existe uma maior aceitação, por parte do STTR, dos novos sindicatos. Porém, a relação entre as principais lideranças não é boa, dado o passado recente de conflitos. Em Tomé-Açu, Sintraf e Sindter dialogam melhor entre si. Entre STTR e Sindter, a relação é mais difícil por conta da forma como se deu a criação do sindicato dos assalariados e em razão do posicionamento contrário do sindicato tradicional à dendeicultura. Quanto à relação entre STTR e Sintraf, não há conflitos evidentes entre as lideranças, mas não existe parceria: cada organização atua de maneira isolada conforme suas estratégias e seus interesses, sem uma aparente convergência de pautas, embora ambas representem uma mesma categoria. Os depoimentos a seguir mostram o relacionamento entre os sindicatos:

Como eu te falei, aquele outro sindicato [STTR] continua a pessoa que disputou eleição com a gente. A gente não tem entrosamento com eles, mas nós temos uma proximidade muito boa com o Sintraf, a gente conversa muito bem, assim como o sindicato patronal. (Liderança-4, 2021)

[...] não tem uma união. Os sindicatos hoje não têm união, a gente não tem organização. É isso que eu sempre prego para eles, que nós precisamos nos fortalecer. Como eu sou da CUT, eu tenho que passar acima de sindicato e buscar esse companheirismo. O próprio sindicato de assalariados, depois que foi fundado, tinha uma pessoa que não entendia o que era sindicato [Liderança-4] e ficou muito difícil para a gente trabalhar com eles. (Liderança-2, 2021)

Então tinha [concorrência], no começo. Depois, a gente percebeu que mudou a conjuntura a partir do momento em que as coisas ficaram difíceis para todos os sindicatos. [...] não vamos mais brigar entre nós, porque nós temos mesmo é que nos organizar para conquistar espaço. Aí esfriou, não tem mais muita perturbação, acabou. (Liderança-3, 2021)

Analisando sua trajetória de criação, é perceptível que o relacionamento entre os sindicatos já foi muito pior. Apesar de não atuarem necessariamente de maneira conjunta, suas lideranças não dão mais tanta importância ao conflito entre eles e tentam conviver. Com isso, duas conclusões principais podem ser extraídas da pluralidade sindical em Tomé-Açu: por um lado, ela representou um leque maior de opções para as categorias rurais representadas; por outro lado, houve uma fragmentação no MSR. Isso porque o STTR, como sindicato mais antigo e principal responsável pela maior parte das mobilizações, foi diretamente atingido por seus concorrentes, sofrendo uma perda significativa de sócios, e pelo cenário político que se sucedeu, não tendo conseguido manter a frequência e o impacto de suas ações coletivas. Além disso, existe uma oposição clara de estratégias entre os três sindicatos, especialmente entre os que representam agricultores. A relação entre as organizações está pautada pela competição e não pela luta por objetivos comuns, o que prejudica o movimento como um todo e impõe novos desafios à ação coletiva no município.

 

Considerações finais

O MSR foi formado a partir da necessidade de representação, de reivindicação e de organização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. O estudo demonstrou que em um contexto de luta, as lideranças tiveram um papel fundamental na conscientização política e na mobilização dos trabalhadores. Benezinho, Liderança-1 e Liderança-2 foram as três principais personagens à frente das mobilizações que consolidaram o STTR no município de Tomé-Açu como entidade de representação da categoria, diante das desigualdades sociais que avançavam na região. Por meio das narrativas, contribuímos para a compreensão da trajetória do sindicalismo no Nordeste Paraense, descrevendo aspectos passados de sua história e analisando desafios atuais que se apresentam.

Benezinho, quando em vida, foi um dos precursores do movimento em Tomé-Açu. Apesar do curto período como presidente do STTR, liderou diversas mobilizações e dispôs-se a enfrentar as desigualdades sociais e fundiárias, tornando-se um defensor do trabalhador rural e da reforma agrária. Comandou o MSR em um período de forte repressão e violência no campo e teve de unir forças contra o Estado, os latifundiários e até mesmo dirigentes corruptos. Após sua morte, Benezinho converteu-se em um símbolo, um herói e uma fonte de inspiração para aqueles que ficaram e tentam dar continuidade à luta.

Liderança-1, por sua vez, comandou o sindicato em um período importante, quando a formação sindical e o estímulo ao engajamento voluntário no movimento foram imprescindíveis para a conquista da terra e para a consolidação da representação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Nesse período, o sindicato deixou de lado o assistencialismo puro,[18] desvencilhou-se das amarras do Estado e conquistou a autonomia para lutar e defender os direitos dos trabalhadores rurais.

Militante e dirigente há mais de 30 anos, Liderança-2 tem uma grande importância no STTR, especialmente por conta de suas contribuições a partir dos anos 2000. Com uma história de superação de problemas familiares e de convivência diária com os desafios de ser uma líder, ela representa a força da mulher e da trabalhadora rural no MSR. Esteve à frente do sindicato em um período de grande aporte do Estado em relação às políticas públicas para a agricultura familiar e do avanço da dendeicultura em Tomé-Açu. E está à frente do sindicato no período atual, marcado por crises políticas, econômicas, sociais e sindicais. Este momento que se assemelha muito ao vivenciado por Benezinho, por causa da forte pressão – por parte do governo Bolsonaro (2019-2022) e segmentos da agricultura patronal e da agroindústria – no sentido de calar os movimentos sociais e suas lideranças e de negligenciar os direitos anteriormente conquistados. A principal diferença entre a década de 1970 e os dias de hoje advém da dificuldade de realizar ações coletivas, de fazer formação sindical e, consequentemente, de formar novas lideranças (debate que será abordado em outra oportunidade). Diante dos perigos da luta social, especialmente os ligados à violência, o militante precisa, antes de tudo, de coragem. Há anos, Liderança-2 tem dedicado sua vida ao sindicalismo e à bandeira de luta que ela considera primordial para os trabalhadores rurais, que é a reforma agrária. Tal qual Benezinho, faz novos inimigos a cada grande conquista, mas, segundo ela, sente-se mais segura estando no sindicato, ao lado dos companheiros de luta, do que fora dele.

Com relação à pluralidade sindical, que já é uma realidade em Tomé-Açu, a criação de novos sindicatos trouxe consigo a concorrência que o STTR não conhecia anteriormente. A dificuldade maior era a organização dos trabalhadores em torno do sindicato. Hoje STTR e Sintraf disputam a afiliação dos agricultores familiares, enquanto o Sindter praticamente ganhou a disputa pelos assalariados por meio de acordos com as agroindústrias do dendê e por conta do espaço conquistado pela categoria no cenário nacional. Essa relação de competição entre as entidades sindicais também contribui para o enfraquecimento do MSR em Tomé-Açu, pois não existe diálogo entre as lideranças nem estratégias comuns no que diz respeito à representação dos trabalhadores rurais. Cada sindicato atua de uma forma: o STTR imbricado na luta pela reforma agrária; o Sintraf preocupando-se com crédito rural, benefícios sociais em geral e o que há de mais técnico para a agricultura familiar; o Sindter atuando com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos assalariados rurais.

O que a unicidade sindical da Contag mostrou ao longo dos anos é que categorias diferentes emergiram, cada uma delas com demandas específicas que, inevitavelmente, suscitaram na prática a necessidade de formação de outras organizações. Ressaltamos, portanto, que a pluralidade sindical oferece mais opções de escolha e de representação aos trabalhadores. Por outro lado, acreditamos que existe uma fragmentação do MSR em Tomé-Açu, dada a relação problemática entre as suas principais lideranças. A falta de diálogo e de objetivos convergentes está prejudicando diretamente as ações coletivas e a força política do movimento, desafios que discutiremos mais a fundo em outra oportunidade.

 

 

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Como citar

MORAES, Lucas Gabriel da Silva; SCHMITZ, Heribert. A trajetória do Movimento Sindical Rural no Nordeste Paraense do ponto de vista de seus líderes. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, e2331212, 27 nov. 2023. DOI: https://doi.org/10.36920/esa31-2_12.  

 

 

 

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[1] Professor Substituto dos cursos de Geografia da Universidade Federal do Acre (Ufac). Mestrado em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Membro dos Grupos de Pesquisa: Centro de Estudos de Geografia do Trabalho (CEGeT) e Grupo de Estudo em Produção do Espaço na Amazônia (Gepea). E-mail: lucasmgeo@gmail.com.   

[2] Professor Associado IV da Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará (PPGSA/UFPA). Doutorado em Sociologia Rural pela Universidade Humboldt de Berlim (Alemanha). Pós-doutorado pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos da Freie Universität Berlin. E-mail: heri@zedat.fu-berlin.de.   

[3] Neste artigo é utilizada a expressão Movimento Sindical Rural (MSR) e não Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR) para se referir aos STTRs, Sintraf e Sindter.

[4] Pesquisa financiada com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no âmbito do Projeto “Movimento Sindical Rural na Amazônia Oriental: como os sindicatos lidam com os novos desafios?”, coordenado pelo Prof. Dr. Heribert Schmitz, Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém. Os preparativos para esse projeto começaram com uma série de entrevistas com sindicalistas em Tomé-Açu e Concórdia do Pará em 2015.

[5] Adotamos neste artigo apenas a forma STTR, que inclui as mulheres (trabalhadores e trabalhadoras), mesmo que antes de 1998 falava-se apenas de STR (considerando só trabalhadores). De forma análoga, usamos os nomes mais atuais adotados pelas organizações sindicais que já buscam incluir de forma mais representativa as trabalhadoras, as agricultoras e as empregadas/assalariadas rurais.

[6] Os sindicatos que se caracterizam pelas práticas clientelistas e por um trabalho assistencialista são assim chamados pelos seus adversários. A Fetagri foi dominada por grupos “pelegos” durante 20 anos, com um juiz do trabalho à frente, até o ano de 1986.

[7] Na literatura e em documentos oficiais encontra-se também: Programa de Produção Sustentável de Óleo de Palma (Ppsop). Usamos a denominação indicada no anteprojeto de lei, de 3 de maio de 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=768113. Acesso em: 29 mar. 2023.

[8] Para esta pesquisa, entendemos que os aliados também eram líderes, que quase sempre tinham cargos na Direção do sindicato e que apoiaram as lideranças analisadas no texto (ver Figura 1 – Linha do tempo).

[9] A Prelazia foi transformada em Diocese pelo Papa João Paulo II, em 1981. Dezenove paróquias em oito municípios, entre eles Tomé-Açu e Bujaru, faziam parte da Diocese. Os dois primeiros bispos foram xaverianos, Dom Giovanni Gazza (1962-1966; foi eleito Superior-Geral dos Xaverianos naquele ano) e Dom Ângelo Frosi (1970-1995). A CPT dessa região (CPT Guajarina) também foi coordenada durante mais de vinte anos por um xaveriano, Padre Sérgio Tonetto. Disponível em: http://cnbbn2.com.br/diocese-de-abaetetuba. Acesso em: 27 out. 2023. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Diocese_de_Abaetetuba. Acesso em: 27 out. 2023. Disponível em: https://www.xaverianos.org.br/noticias-e-artigos/ano-celebrativo/2565-os-xaverianos-na-formacao-do-clero-diocesano-de-abaetetuba. Acesso em: 27 out. 2023. 

[10] Há também informações sobre a formação por fazendeiros de um grupo chamado “Terceira Lei”, que atuou com o objetivo de intimidar e de assassinar lideranças dos trabalhadores rurais (POVO, 1984).

[11] A rodovia PA-140 liga Tomé-Açu à rodovia Belém-Brasília.

[12] Fetagri-PA elege e empossa sua nova Diretoria (gestão 2021-2025). Disponível em:            
http://www.contag.org.br/indexdet2.php?modulo=portal&acao=interna2&codpag=101&id=14306&mt=1&nw=1&ano=&mes=. Acesso em: 26 out. 2023.

[13] Em relação ao pagamento da dívida, a maioria dos agricultores integrados encontrava-se em 2018 ainda dentro do período de carência.

[14] Projeto “Integração da agricultura familiar na produção do dendê no Pará: possibilidade de inclusão social?” realizado com recursos da Embrapa no período de 2014 a 2019.

[15] Esses espaços podem ser ocupados pelas organizações sociais, entre as quais os sindicatos e as associações, como mostra o exemplo da Central das Organizações Sociais entre os rios Guamá e Capim (Consergc) (OLIVEIRA, 2020).

[16] Entrevistas realizadas pelo Projeto AFInS, que contou com a participação de um dos autores.

[17] Ambas essas pesquisas sofreram com as limitações impostas pela pandemia.

[18] Segundo Alayón (1995, p. 53), “é a orientação ideológico-política da prática assistencial que determina se ela é assistencialista ou não”. Ver também o debate em Santos e Schmitz (2022).