ESA_logo.png                                        Recebido: 24.abr.2023   •    Aceito: 25.out.2023   •    Publicado: 27.nov.2023

 

Seção Temática
Sindicalismo de Trabalhadores(as) rurais no Brasil: transformações, permanências e os 60 anos da Contag
                                                                                                                                                                                                                                            

Mulheres jovens trabalhadoras rurais: a emergência de uma nova categoria política e suas repercussões no sindicalismo rural

Young rural women workers: the emergence of a new political category and repercussions on rural trade unionism

 

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Eryka Galindo[1]

 

 

  

 

https://doi.org/10.36920/esa31-2_11  



 

Resumo: O objetivo pretendido com este artigo foi analisar as interações entre as categorias políticas ‘mulheres trabalhadoras rurais’ e ‘juventude trabalhadora rural’, dentro da Confederação Nacional de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), evidenciando as contribuições e tensões geradas na ação sindical, sobretudo, a partir da maior participação das ‘mulheres jovens trabalhadoras rurais’, que surge como categoria política no sindicalismo, assumindo características próprias. A pesquisa se baseou em metodologia qualitativa, tendo por principal referência as narrativas biográficas de três diretoras da Contag, além de documentos institucionais. Dentre as principais conclusões está a de que as mulheres trabalhadoras rurais inauguraram uma forma de ação baseada em três pilares, voltados à constituição de: i) espaços e processos de formação e auto-organização específicos; ii) medidas de ampliação das condições de participação; iii) ações coletivas de caráter público. Assim, institucionalizaram condições para a emergência de outras categorias políticas, desde a interseção de gênero, geração e classe. É desse processo que emergem as mulheres jovens trabalhadoras rurais, que passam a reivindicar essa identidade política e a tecer um campo de articulação que repercute no sindicalismo, pautando novas abordagens sobre temas presentes na agenda sindical e disputando espaço de poder e visibilidade sobre suas questões.

Palavras-chave: mulheres trabalhadoras rurais; juventude trabalhadora rural; Contag; narrativas biográficas; gênero; geração; políticas afirmativas.

 

Abstract: This article analyzes interactions between the political categories of “rural women workers” and “young rural workers” within the National Confederation of Rural Workers and Family Farmers (CONTAG). The contributions and tensions generated in trade union action are highlighted, especially those resulting from increased participation by “young rural women workers,” a new political category which has emerged in trade unionism with its own unique characteristics. The research utilized qualitative methodology based on biographical narratives of three CONTAG directors and CONTAG institutional documents. One of the main conclusions is that rural women workers instituted a new form of action based on three pillars: i) specific spaces and processes for training and self-organization; ii) measures to expand conditions for participation; iii) collective actions of a public nature. In doing so, they institutionalized the conditions required for other political categories to emerge from the intersection of gender, generation, and class. These newly formed categories include young rural women workers, claiming this political identity and weaving together a field of interconnections that has repercussions for trade unionism, guiding new approaches to issues on the trade union agenda and disputing the space of power and visibility over their work.

Keywords: rural women workers; young rural workers; CONTAG; biographical narratives; gender; generation; affirmative policies.

 

 

 

 

 

Introdução

São variadas as formas e temas por meio dos quais se pode contar as seis décadas de história da Confederação Nacional de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag). Uma dessas formas é a partir dos sujeitos políticos que emergem e se afirmam ao longo desse período.

Essa profusão de sujeitos e suas reivindicações marcam a história do sindicalismo rural, desde as lutas de trabalhadores da cana e de grandes plantações, destacadamente a partir das greves dos anos 1970 (MEDEIROS, 1989), dos posseiros pelo direito à terra na década de 1980, ou mesmo, da construção da noção de agricultores e agricultoras familiares nos anos 1990 (SCHNEIDER, 1999, 2003).

O Brasil pós-redemocratização também foi palco do surgimento de movimentos sociais, que traziam consigo identidades pouco visíveis até aquele momento. A emergência desses atores sociais também se expressam em disputas por representação e reconhecimento que afetam a própria forma de ação do movimento sindical coordenado pela Contag,[2] novas categorias políticas marcadas pela intersecção de gênero, de geração e classe, sendo elas as mulheres trabalhadoras rurais e a juventude trabalhadora rural, nos anos 1980 e 1990, respectivamente (PIMENTA, 2012; GALINDO, 2012, 2017; TEIXEIRA, 2023).

‘Mulheres trabalhadoras rurais’ e ‘juventude rural’ se constroem como categorias políticas importantes dentro do sindicalismo rural, marcadas por formas de autoidentificação e pertencimento próprios e construídas em contextos e condições sócio-históricos particulares. O trabalho de pesquisa que deu origem a este artigo evidencia as interações construídas entre elas, possibilitando que muitas lideranças reivindicassem o seu lugar como ‘mulheres jovens trabalhadoras rurais’, emergindo daí outra categoria política, de características particulares.

O objetivo pretendido com este artigo foi analisar as interações entre as categorias políticas mulheres trabalhadoras rurais e juventude trabalhadora rural, dentro da Contag, evidenciando as repercussões, tensões e contribuições geradas na ação sindical, sobretudo, a partir da maior participação das ‘mulheres jovens trabalhadoras rurais’, que surge como categoria política no sindicalismo, assumindo características próprias. O artigo resume os achados da minha pesquisa de mestrado defendida em 2017, no âmbito do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade de Brasília – UnB, denominada: “Pois, sem mulher a luta vai pela metade: a participação das mulheres jovens trabalhadoras rurais e as repercussões no sindicalismo” (GALINDO, 2017).

Vale ainda dizer que minha trajetória como pesquisadora se confunde com minha trajetória de trabalho e engajamento nas organizações sindicais. Por mais de dez anos, entre 2006 e 2019, assessorei a Coordenação Nacional de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Contag.[3] Naquele momento, me deparei com a efervescência da criação de espaços organizativos de juventude nos sindicatos e Federações filiadas. Para além da sua existência, chamava a minha atenção a presença majoritária das mulheres jovens nesses espaços, algo superior a 60%, na maioria dos casos. 

Essa realidade me intrigava, principalmente, quando recorria à literatura sobre juventude rural, que dizia que as juventudes rurais estavam migrando, sobretudo, as jovens mulheres (ABRAMOVAY et al., 1998; CASTRO, 2006; STROPASOLAS, 2006; AGUIAR; STROPASOLAS, 2010). Ou mesmo quando lia os trabalhos sobre culturas juvenis, que interpretavam a juventude a partir de novos símbolos e engajamento no âmbito da cultura, artes, comunicação e tecnologia (ABRAMO, 1994; WELLER, 2005; DIÓGENES, 2020). Esta perspectiva enfatiza as formas de organização orientadas pela cultura, como hip hop e outros coletivos, principalmente nas periferias urbanas, sendo menos frequentes análises sobre a participação de jovens em espaços mais clássicos, como os sindicatos, os partidos, movimentos estudantis, entre outros. (MESQUITA, 2008; CASTRO et al., 2009; BRENNER, 2011). A realidade que eu via me dizia que existiam outras experiências de participação juvenil, nesse caso, em territórios rurais, que estavam sendo pouco consideradas nas pesquisas acadêmicas. Foi estimulada por essas ideias que decidi me lançar à pesquisa.

A pesquisa se baseou em metodologia qualitativa, tendo por principal referência as narrativas biográficas (KOFES, 2015) de três diretoras da Contag, as únicas a ocuparem, até 2017,[4] o cargo de coordenadoras ou secretárias de jovens trabalhadores e trabalhadoras rurais. São elas, por ordem de exercício do cargo: Simone Battestin, Maria Elenice Anastácio e Mazé Morais. Embora mencionados nesta parte do artigo, seus nomes serão ocultados ao longo das citações de suas entrevistas.

Simone Battestin nasceu no Espírito Santo, numa família de agricultores de descendência italiana, sendo a caçula de seis irmãos. Ela foi a primeira dirigente a assumir a Coordenação de Jovens Trabalhadores Rurais da Contag, no período de 2001 a 2005. Antes da Contag, Battestin foi eleita, aos 20 anos de idade, para integrar a Diretoria do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Anchieta e, anos depois, entre 1998 e 2001, assumiu a Diretoria da Federação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Espírito Santo (Fetaes), momento em que participou ativamente do impulsionamento da organização das mulheres no estado.

Maria Elenice Anastácio, nascida em Monte das Gameleiras, no Rio Grande do Norte, cresceu numa família de agricultores sem-terra composta por seis filhos, desempenhando desde a infância atividades agrícolas. Os grupos de jovens na escola e na igreja tornaram-se os primeiros ambientes de participação e socialização, na adolescência. Ela chegou a participar de algumas reuniões do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Monte das Gameleiras, juntamente com alguns colegas, sendo, na sequência, convidada a ser funcionária da entidade, ocupando-se da elaboração das atas e do recebimento dos pagamentos da contribuição sindical. Pouco depois, aos 17 anos de idade, passou a integrar a Diretoria da entidade, sendo eleita, após seis anos, como presidenta do referido sindicato, onde trabalhou no fortalecimento da organização das mulheres trabalhadoras rurais e dando início ao processo organizativo com jovens e a terceira idade. Essa trajetória a conduziu à Coordenação de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Norte (Fetarn). Ela foi eleita coordenadora de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Contag por dois mandatos (2005-2009/2009-2013).

Maria José Morais Costa foi a terceira mulher jovem a assumir a Coordenação de Jovens da Contag no mandato 2013-2017. Ela é piauiense, nascida no município de Batalha e no seio de uma família assentada, sendo a caçula de nove filhos. Na adolescência, Mazé Morais (como prefere ser chamada) participava do grupo de jovens da Igreja Católica, além de duas Associações de Moradores de sua comunidade, assumindo numa delas o cargo de presidenta. Seu destacado engajamento fez com que o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Batalha convidasse Mazé a ser suplente da Coordenação de Jovens, cargo que já havia sido criado há alguns anos. Logo depois, assumiu a titularidade do referido cargo, quando a antiga titular teve que assumir outra função sindical. Anos depois ela desempenhou o equivalente ao mesmo cargo na Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado do Piauí (Fetag-PI), decisão que foi compartilhada com o marido, uma vez que precisariam sair do seu município e mudar-se para Teresina.

Recorri às narrativas biográficas (KOFES, 2015) por entendê-las como ferramenta útil para evidenciar as experiências vividas pelas mulheres jovens trabalhadoras rurais e remontar a construção dessa identidade comum, ainda pouco visibilizada em pesquisas acadêmicas.

A noção de experiência, conceito importante para as teorias feministas, é central neste trabalho, uma vez que pela experiência “todos se tornam passíveis de serem historicizados, e não apenas as ações de determinados sujeitos sociais, sexuais e étnicos das elites econômicas e políticas” (RAGO, 1998. p. 17). Vê-se a experiência como processo de produção de sentidos, no qual os sujeitos constroem a si mesmos (SCOTT, 1998), e por meio do qual vivem histórias coletivas. Assim, a experiência dos sujeitos está intrinsecamente relacionada à narrativa, uma vez que a experiência narrada “conectaria eventos e afecções, incorporando e germinando significações e valores” (KOFES, 2015, p. 34-35).

Além das narrativas biográficas das três diretoras mencionadas, depoimentos de outras dirigentes foram utilizados, presentes em trabalhos já publicados, bem como vindos de esforços de pesquisa anteriores empreendidos por mim (2012). Recorri ainda aos documentos institucionais da Contag, como os Anais de Congresso, para recuperar marcos históricos e a própria narrativa institucional sobre temas tratados nesta pesquisa.

O artigo está organizado em três partes, além desta introdução e das considerações finais,  sendo elas: 1) uma seção, subdividida em duas, dedicada tanto à descrição dos processos organizativos das mulheres trabalhadoras rurais quanto da juventude trabalhadora rural no movimento sindical coordenado pela Contag; 2) a emergência da categoria mulheres jovens trabalhadoras rurais; 3) as contribuições e tensões trazidas pelas mulheres jovens para o movimento sindical coordenado pela Contag.

 

Mulheres e Jovens: duas categorias políticas dentro do sindicalismo rural

A Contag se organizou ao longo dos seus 60 anos em torno da categoria trabalhadores rurais, aglutinando, dentro dela, uma diversidade de identidades de sujeitos formadas não só pela dimensão clássica do trabalho, mas também, e principalmente, por suas intersecções de gênero e geração.

Embora a participação das mulheres se faça ver desde a origem da Contag, elas passam a organizar-se como categoria política, como mulheres trabalhadoras rurais dentro do sindicalismo rural, nos anos 1980, quando reivindicam o direito de ser sócias dos sindicatos independentemente da filiação de seus maridos, filhos e demais parentes homens, como era comum até aquela década. Nesse momento, também reivindicam uma existência pública, ao demandarem o direito à aposentadoria rural em condições diferenciadas (PIMENTA, 2012; AGUIAR, 2015; TEIXEIRA, 2023). Era o momento histórico de redemocratização do Brasil, marcado pela emergência de movimentos sociais nacionais[5] que influenciaram as condições de representação e ação da Contag. Mais tarde, na primeira década do século XXI, as mulheres trabalhadoras rurais passaram a reconhecer-se e demandar reconhecimento como mulheres do campo, da floresta e das águas, como parte do processo de ação coletiva e construção de alianças consolidado a partir da Marcha das Margaridas (AGUIAR, 2015; MOREIRA, 2019; TEIXEIRA, 2023).

Com relação à juventude, há também a noção de que desde o nascimento da Contag havia a presença de jovens lideranças ocupando papéis importantes. No entanto, a figura da(o) jovem trabalhadora e trabalhador rural, nos termos discutidos por esta pesquisa (como categoria política), emerge no final da década de 1990 e início dos anos 2000. Tal emergência se organiza também em torno da demanda pelo reconhecimento da juventude como parte da categoria trabalhadora rural, inclusive, como parte necessária à reprodução social desta categoria no presente e futuro. Com isso, problematizam a migração juvenil do campo para a cidade e, consequentemente, os dilemas sucessórios na agricultura familiar, como resultado da insuficiência de políticas e direitos sociais oferecidas às populações do campo, reivindicando oportunidades para que os(as) jovens possam construir seus projetos de vida no meio rural, com renda, terra, educação, lazer, entre outros direitos (CONTAG, 2013).

Essas duas importantes categorias políticas passam a ser vistas dentro da Contag – e fora dela – ganhando mais que reconhecimento, mas representação institucional, com a constituição de espaços organizativos específicos, como veremos nos tópicos seguintes. Mesmo se conformando numa esfera institucional comum (a Contag e suas afiliadas) e em contextos sócio-históricos aproximados, pouco se fala das interações que se construíram a partir da organização das mulheres e das(os) jovens trabalhadoras e trabalhadores rurais no sindicalismo rural. E nisso consiste nosso argumento: há conexões, pouco exploradas, que entrelaçam a constituição e a organização dessas categorias políticas, gerando repercussões sobre o sindicalismo rural, sendo a própria participação expressiva das mulheres jovens um desses efeitos.

 

Organização das mulheres trabalhadoras rurais na Contag

A análise do processo de organização das mulheres trabalhadoras rurais no âmbito do sindicalismo rural, mostra que algumas autoras como Pimenta (2012) e Aguiar (2015) articulam a influência de três importantes agentes: setores da Igreja Católica, o novo sindicalismo e os movimentos feministas. Por meio da Igreja e das ideias do novo sindicalismo,[6] as mulheres foram entrando nos sindicatos, não só como sócias, mas compondo chapas e disputando cargos nas direções dos sindicatos. Com isso, pautaram não apenas a abertura das entidades sindicais à participação das mulheres nos espaços decisórios, mas a própria crítica ao sindicalismo. Já o movimento feminista consegue alcançar as mulheres do sindicalismo rural pela mediação dos setores da esquerda brasileira, principalmente, a partir das Centrais Sindicais (por intermédio da Central Única dos Trabalhadores – CUT) e dos partidos políticos (principalmente, o Partido dos Trabalhadores – PT) (AGUIAR, 2015). Assim, estabelece-se um trânsito de ideias e diálogos entre as lideranças dos movimentos feministas e as dirigentes sindicais rurais, que enraízam alianças em torno de pautas e estratégias de ação comuns, também a partir da organização dos Movimentos Autônomos de Mulheres Trabalhadoras Rurais,[7] dos quais muitas dessas lideranças faziam parte (JALIL; BORDALO, 2010).

Em termos numéricos, a presença de mulheres permanecia restrita aos espaços decisórios da Contag. Se considerarmos os Congressos Nacionais da Contag, que são a instância deliberativa máxima da entidade, pode-se dizer que do 2o ao 4o Congressos da Contag (realizados, respectivamente, em 1973, 1979, 1985) o percentual aproximado de participação de mulheres chegou a pouco mais de 2% (PIMENTA, 2013). Entretanto, mesmo com baixa representação numérica no 4o Congresso (ocorrido em 1985), as mulheres fizeram uma arrojada mobilização para a aprovação da “Moção de apoio à luta da mulher trabalhadora rural”. Essa moção foi um importante marco que visava tirar das sombras as contradições sindicais, ainda persistentes, do não reconhecimento das mulheres tanto no trabalho agrícola quanto no seu direito à participação e filiação sindical (CAPPELLIN, 1994; ABRAMOVAY; SILVA, 2000; PIMENTA, 2012), pavimentando o caminho para a realização, em 1988, do 1o Seminário Nacional de Trabalhadoras Rurais, para a criação da Comissão Nacional Provisória da Trabalhadora Rural, em 1989, e, no final dos 1980, para a presença das primeiras mulheres a ocuparem a suplência da Diretoria da Contag.

Somam-se a esses passos, a constituição da Coordenação de Mulheres Trabalhadoras Rurais,[8] com a condução, em 1995, da primeira mulher a compor a Diretoria efetiva da Confederação, como coordenadora da Comissão Nacional das Trabalhadoras Rurais (CNMTR), a pernambucana Margarida Pereira. E em 1998, com a incorporação deste cargo no Estatuto da entidade e com a eleição da cearense Raimunda Damasceno. Nesse mesmo ano, é aprovada e implementada a política de cotas, que prevê a garantia de, no mínimo, 30% de mulheres nas instâncias deliberativas da Contag, incluindo sua Diretoria efetiva. Assim, no 6o Congresso da Contag, em 1995, foram eleitas, além da coordenadora de Mulheres, outras duas dirigentes.

Nos anos 2000, nascia a Marcha das Margaridas, como parte do processo histórico de organização e luta das mulheres trabalhadoras rurais e seus diálogos com os feminismos emergentes no Brasil. Nasceu da intenção das trabalhadoras rurais organizadas na Contag de realizar uma grande ação nacional que mostrasse ao sindicalismo, ao governo e à sociedade em geral a capacidade de organização e ação pública das mulheres. No plano internacional, foi constituída em estreita relação com a Marcha Mundial das Mulheres, uma vez que a Marcha das Margaridas, em 2000, fez parte do calendário de mobilizações da Marcha Mundial de Mulheres (AGUIAR, 2015; TEIXEIRA, 2023). Baseada em processos de formação e auto-organização, além de apresentação e negociação de propostas com os poderes públicos para a efetivação de políticas públicas, de perspectiva feminista, a Marcha das Margaridas se converteu na maior ação de mulheres do campo, da floresta e das águas da América Latina, sendo marcada por ampla construção de alianças, sob a coordenação da Comissão Nacional de Mulheres da Contag (AGUIAR, 2015; TEIXEIRA; MOTTA, 2020; MOTTA; TEIXEIRA, 2021).

Os processos formativos sempre integraram as práticas organizativas das mulheres trabalhadoras rurais, sendo viabilizadas com esforços internos ou com parcerias com ONGs, movimentos feministas, cooperação internacional e até mesmo com os governos. Uma das suas demandas foi a garantia de participação de, no mínimo, 50% de mulheres nos processos formativos sindicais (aprovada desde 1999, no 2o Congresso Extraordinário da Contag) e a criação, na esfera sindical, de uma escola de formação específica para as mulheres. Em 2005, é aprovado no 9o Congresso a constituição da Escola Nacional de Formação da Contag (Enfoc-Contag), vinda de um processo de discussão protagonizado pelas trabalhadoras rurais.[9] Desde a criação deste espaço, os processos formativos vêm assegurando a participação paritária das mulheres. A partir de 2011 se constituiu o Curso de Formação específico de mulheres, como parte do processo de organização da Marcha das Margaridas.

A política de ações afirmativas, incialmente desenvolvida a partir da cota de, no mínimo, 30% de mulheres nos espaços de deliberação sindical, foi sendo reelaborada, convergindo para o entendimento de que para promover igualdade de participação das mulheres seria necessário a efetivação da paridade de gênero. Assim, propõem uma noção de paridade que não se pauta apenas pela divisão numérica igualitária de cargos, mas também por condições políticas equitativas, dentre os quais está a eleição de mulheres em cargos de prestígio e poder político (como Presidência), a garantia de recursos financeiros e humanos necessários à participação (GALINDO, 2017). A paridade foi aprovada em 2013 e desde então vem sendo implementada nas instâncias da Contag, em muitas de suas Federações e em alguns dos sindicatos filiados.

Assim, é possível dizer que as mulheres criaram uma ‘forma de ação’ original, nunca antes experimentada na Contag, baseada na constituição de: i) espaços e processos de formação e auto-organização específicos; ii) medidas de ampliação das condições de participação; e iii) ações coletivas de caráter público, com forte incidência nas políticas e programas governamentais. Essa forma organizativa inaugurada pelas mulheres consolidou-se nas dinâmicas sindicais, funcionando, desde então, como inspiradora e legitimadora dos caminhos de organização de outras categorias políticas,[10] como a juventude trabalhadora rural, como detalharemos a seguir. 

Organização da juventude trabalhadora rural na Contag

A pesquisa nos Anais dos Congressos da Contag mostra que a primeira vez em que se menciona o termo jovem, data do ano de 1985, no 4o Congresso da entidade. Antes disso, é possível identificar referências aos “filhos dos trabalhadores rurais”, como se vê na seguinte passagem relativa ao 2o Congresso da Contag, realizado em 1973: “Que a Contag solicite do Ministério da Agricultura a criação de colégios agrícolas regionais, dando prioridade de matrícula aos filhos de Trabalhadores Rurais sindicalizados” (CONTAG, 1973, p. 111).

Na segunda metade da década de 1990, pode-se ver maior inserção de lideranças jovens e seus temas dentro do sindicalismo rural, impulsionados, principalmente, pelas pastorais juvenis da Igreja Católica, pela construção do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável (PADRS) e pelos processos de organização das mulheres.

A formação política desenvolvida para jovens, por meio das Pastorais de Juventude e outros setores da Igreja Católica, foi um importante canal de entrada no movimento sindical (GALINDO, 2012). Nos níveis locais, os sindicatos apoiavam a realização de cursos, encontros e outras atividades promovidos pelas pastorais juvenis e, mais que isso, muitas vezes eram instados a desenvolverem ações com a juventude. O relato abaixo, dado por um dirigente jovem da Contag, da Região Norte do país, narra os primeiros contatos com o sindicato:

[...] Foi uma época que a diocese, que a pastoral da juventude trabalhava muito nisso, nessa coisa da fé e da política. De como a gente intervir, de estar nos espaços, de estar participando, de mudar a realidade, de uma importância de ser jovem, né?! E qual é o papel da juventude. (Dirigente jovem da Região Norte apud GALINDO, 2012, p. 42)

Outro componente, como já mencionado, foi a elaboração do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável (PADRS), a partir de 1995. Esse processo teve sua origem no Projeto CUT/Contag[11] e se desdobrou em oficinas, reuniões, encontros e outros tipos de diálogos entre a Contag e sua base de representação, para captar as opiniões, demandas e desejos das(os) trabalhadoras(es) rurais e dirigentes, na esfera local. Não ocasionalmente, nesse período, cresceu a presença de lideranças jovens e de temas até então pouco evidentes na agenda sindical, como o direito ao lazer, esporte e ênfase nas discussões sobre uma educação contextualizada.

Os espaços de formação e organização das mulheres também foram uma importante porta de entrada das lideranças jovens nos espaços sindicais, naquele momento inicial. As narrativas biográficas mencionaram isso: “Então, eu não cheguei na Contag como representante da juventude, por uma trajetória de discussão da juventude. Eu cheguei por minha trajetória de discussão como mulher, não como jovem” (Secretária de Jovens da Contag, entrevista concedida em 2016). Entretanto, mais que um portão de acesso, vários depoimentos de lideranças da Contag evidenciaram que as mulheres trabalhadoras rurais contribuíram muito com a criação de espaços organizativos específicos da juventude rural, defendendo essas ideias em Congressos, propondo e realizando atividades combinadas, de mulheres e juventude, para otimizar a utilização dos recursos financeiros. Olhando para as deliberações contidas nos Anais do 5o Congresso da Contag (1991), todas as propostas aprovadas relativas à juventude trabalhadora rural estavam incluídas na seção dedicada à agenda propositiva das mulheres.

No contexto nacional, no ano de 1990 foi sancionado o Estatuto da Criança e do Adolescente, marco legal provedor de direitos, assistência e proteção ao grupo social com idade até os 18 anos – e, em alguns casos, até os 21 anos de idade. Esse período também foi palco de algumas pesquisas patrocinadas pela Unesco, no âmbito das regiões metropolitanas, em capitais como Brasília, Curitiba, Fortaleza e Rio de Janeiro, estabelecendo os marcos iniciais do debate sobre políticas públicas de juventude no Brasil (WEISHEIMER, 2009).

Em consonância com o cenário nacional de maior abertura às questões juvenis, durante os anos de 1998 e 1999, a Contag realizou os Seminários Regionais da Juventude Rural, que culminaram com a realização do I Encontro Nacional de Jovens Rurais, em 1999.

Os Anais do 2o Congresso Nacional Extraordinário, realizado em 1999, registram duas importantes resoluções sobre a juventude: a) a definição da faixa etária de 16 a 32 anos,[12] para caracterizar a juventude trabalhadora rural, pelo movimento sindical da Contag; b) a indicação da criação, no Congresso seguinte, da Comissão Nacional de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Contag (CNJTTR/Contag) e da sua Coordenação – este um novo cargo no que concerne à Diretoria Executiva da entidade. Assim, em 2001, durante o 8o Congresso da Contag, foi eleita a primeira coordenadora de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Contag, a jovem Simone Battestin, do estado do Espírito Santo.

Os primeiros anos de trabalho da Coordenação de Jovens da Contag foram marcados por uma série de encontros regionais e nacionais de juventude, que integravam o “Projeto Juventude Rural – protagonista do desenvolvimento local sustentável”, financiado com recursos da entidade de cooperação internacional alemã, Gtz.[13] Foram realizados dez Seminários Regionais e um Salão Nacional da Juventude Rural, que resultaram na elaboração de uma “Moção contra a liberação das sementes transgênicas” e da “Carta Proposta da Juventude Rural”. Nesse período, 2004, a criação do Programa Jovem Saber surgiu da necessidade de apoiar a formação de lideranças jovens para participação e exercício de cargos de direção nas entidades vinculadas à Contag. A metodologia se baseia na formação a distância, orientada por estudos em grupo desenvolvidos por meio de cartilha produzida pela Contag (CONTAG, 2016).

No 9o Congresso da Contag, em 2005, foi aprovada a cota de participação de, no mínimo, 20% de jovens nas instâncias do Movimento Sindical (Contag, 2005), pautada pelo debate sobre ampliação do estímulo e das condições de participação juvenil, para garantir vida longa ao movimento sindical coordenado pela Contag. Neste mesmo ano (2005), foram constituídos, no âmbito do governo federal, o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem). Esse período inaugurou um ciclo de 11 anos de construção de Políticas Públicas de Juventude, desenvolvidas nos governos Lula e Dilma. Para Dulci e Macedo (2019, p. 125-126), esse ciclo é caracterizado por duas fases: “A primeira delas, de 2005 a 2010, foi marcada por políticas de inclusão social e [...] a segunda fase (2011 a 2016) foi marcada pela ampliação da pauta e do leque de ações da Secretaria Nacional de Juventude.”

No bojo da criação da institucionalidade federal em torno das questões da juventude brasileira, a Contag ampliou sua ação propositiva, desde a perspectiva da juventude trabalhadora rural. Assim, iniciou-se a trajetória de realização dos Festivais Nacionais da Juventude Rural. Ocorridos nos anos 2007, 2011, 2015 e 2023, os Festivais se caracterizam como uma grande ação que reúnia, aproximadamente, de dois mil a cinco mil jovens em Brasília, numa programação que incluía atividades formativas, culturais e esportivas e atos de rua, além da apresentação e negociação de pauta com o Poder Público, mostrando objetivos gerais muito semelhantes com os propostos pela Marcha das Margaridas e com os Gritos da Terra Brasil (GTBs).[14]

A adoção pela juventude trabalhadora rural de formas de ação semelhantes às construídas pelas mulheres informa-nos não propriamente sobre uma repetição de estratégias, mas, essencialmente, sobre uma ‘forma de ação’ gerada e impulsionada pelas mulheres, experimentada no movimento sindical coordenado pela Contag, mas que segue ganhando outros contornos. Esta ‘forma-ação’ se consolida na Contag e segue sendo reinventada internamente, na medida em que ganha outros sentidos atribuídos pelos sujeitos do sindicalismo. Desse modo, por mais que guardem similitudes na maneira de fazer, os significados são outros, uma vez que os sujeitos da ação e suas histórias também são outras. Assim, queremos dizer que mesmo reconhecendo aspectos equivalentes na realização da Marcha das Margaridas e no Festival Nacional da Juventude Rural, para citar um exemplo, suas dinâmicas, conteúdos e formas de fazer são próprios, haja vista a importância dada à cultura e ao esporte no Festival que não se vê na mesma medida na Marcha; do mesmo modo, o papel fundamental conferido pela Marcha das Margaridas à construção de alianças com outros movimentos, é pouco visível no Festival.

Abaixo (Figura 1), compartilhamos uma síntese dos principais marcos na trajetória de organização das mulheres e jovens no movimento sindical coordenado pela Contag, que se baseia em marcos cronológicos e nos três pilares (i. espaços e processos de formação e auto-organização específicos; ii. medidas de ampliação das condições de participação; iii. ações coletivas de caráter público) que caracterizam a ‘forma-ação’ presente na organização das categorias políticas que emergiram no sindicalismo:

 

 

 

Figura 1 – Marcos da Organização de Mulheres e Juventude no sindicalismo rural da Contag (1980-2017), 2023

 

Fonte: Elaboração da autora.

A emergência da categoria política mulheres jovens trabalhadoras rurais

E as mulheres jovens trabalhadoras rurais, como emergem desse processo? A existência da ‘forma de ação’ anteriormente descrita ampliou a presença das mulheres jovens no sindicalismo rural da Contag e, consequentemente, a construção dessa categoria. Entretanto, outras expressões e formas de afirmação e organização de mulheres jovens se faziam ver no contexto nacional.

A relação entre as lutas dos movimentos de mulheres e feministas e as lideranças e organizações juvenis foi explorada em pesquisas, sobretudo, a partir dos anos 2000 (DI GIOVANI, 2003; ADEVE, 2009; ADRIÃO; MÉLLO, 2009; GONÇALVES, FREITAS; OLIVEIRA, 2013). Di Giovani (2003) e Adeve (2009) defendem que a noção de mulheres jovens tem sua gênese nas articulações entre as feministas jovens brasileiras e suas conexões com movimentos afins na América Latina e Caribe, a partir de espaços como o Fórum Social Mundial e da organização do III Acampamento Intercontinental da Juventude, em 2003.

Em 2001, já existia uma articulação denominada Fórum do Cone Sul de Mulheres Jovens Políticas, apelidada de Forito, que se reunia para debater a participação destas mulheres desde uma perspectiva de gênero (PAPA; SOUZA, 2009). Destaca-se ainda o 1o Encontro Nacional de Jovens Feministas, ocorrido em março de 2008 no Ceará, e a Marcha das Vadias, que realizou em 2011 sua primeira edição no Brasil, como iniciativas que reivindicam a categoria mulheres jovens nas lutas feministas brasileiras (ZANETTI, 2010; GONÇALVES; FREITAS; OLIVEIRA, 2013). As autoras agregam ainda que:

[...] uma das questões que aparecem nos movimentos sociais, após a década de 1980, e particularmente no feminista, é a da diversidade que a categoria “mulher” pode não manifestar, qual seja, a de que diferentes mulheres disputam legitimidade nos espaços dos movimentos feministas, ao mesmo tempo em que questionam o “sujeito mulher” no singular. Sendo assim, as jovens feministas buscam ser reconhecidas como um segmento dentro do movimento. (ADRIÃO; MÉLLO, 2009)

No contexto rural, o estudo de Gaspareto e Menezes (2013) analisa a crescente participação, nas duas últimas décadas, das jovens no âmbito do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), pautando, principalmente, questões relacionadas ao acesso à terra, educação, renda e autonomia em relação aos pais. Diante desse cenário, é possível dizer que em alguma medida a esfera sindical também era influenciada pelo que acontecia no Brasil. 

De volta à esfera sindical, pode-se afirmar que a combinação das políticas de cotas e a criação de Comissões Nacionais tanto de mulheres quanto de jovens – incluindo as Comissões Estaduais e Municipais – funcionaram como porta de acesso ao sindicalismo rural para as mulheres jovens trabalhadoras rurais. Tudo isso, conjugado aos processos formativos, de organização e os demais espaços mencionados, permitiu que as mulheres jovens se reconhecessem como tal.

Mas como essa categoria política – mulheres jovens – se expressa dentro do sindicalismo?

Um primeiro ponto a ser destacado se refere ao fato de que elas reivindicam o direito de ser reconhecidas como ‘mulheres jovens’, mas sem necessariamente demandar a criação de institucionalidades específicas. Em outras palavras, não se baseiam na construção de instâncias próprias, como Comissões ou Secretarias de mulheres jovens, como meio de reivindicar sua identidade. Sua emergência se expressa como um campo de identidade e articulação, construída pelos vínculos, alianças e ação conjunta com outras mulheres, especialmente, as jovens, que vivenciam experiências comuns.

Outro destaque que se apresenta importante: a experiência vivida na família, na comunidade e no sindicato como mulher jovem é indispensável para entender-se como parte dessa categoria política. As narrativas biográficas destacam que ao chegarem nos espaços de formação e organização das mulheres e/ou da juventude trabalhadora rural, elas se viam entre pares, reconheciam as experiências comuns, compartilhadas com as(os) outras(os) participantes.

Eu escrevia no papel, mas, na hora de ler, eu gaguejava. Não saía a voz, eu corri, fui chorar no banheiro e tal, mas ela [a Coordenadora de Mulheres da FETAG] foi me estimulando, me apoiando. (Secretária de Jovens da Contag, 2016)

O último ano que eu estive aqui nós moramos juntas, ela veio para a Contag nesse período e a gente morava juntas, e ainda [...] que houvesse um pacto que dentro de casa, a gente não falaria das coisas, mas só o fato da gente estar ali juntas se apoiando, isso foi fundamental para eu estar aqui. (Secretária de Jovens da Contag, 2016)

Ao mesmo tempo que essas trocas criavam um sentido de coletividade e identidade, geravam um sentimento de libertação, como mostra um dos depoimentos: “Eu me senti libertada, vamos dizer assim, ao ver muito dessas falas das mulheres aí, a partir do sindicato.” (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016).

Dentre os relatos mais recorrentes estão o trabalho desempenhado, desde a infância, na agricultura e no cuidado com a casa e a família. Mais que isso, suas falas mostraram como a inserção no movimento sindical foi importante para que elas entendessem que isso tudo que faziam era trabalho, não ajuda, como costumavam pensar.

A minha vida desde esse tempo é de trabalho. Plantar, colher, limpar o roçado, levar comida para os trabalhadores, buscar lenha, lavar roupa, cuidar das crianças, então, quem cuidava das crianças era eu, quando adoecia quem levava para o hospital era eu. (Secretária de Jovens da Contag, 2016)

A partir de um vídeo que eu vi na Enfoc, que tem uma criança raspando a mandioca... quando eu vi aquela criança, daquele tamanho, raspando a macaxeira do jeito que eu raspava, aí eu fui perguntar a mãe, né?! (...) Então, minha mãe me ajudou a lembrar que eu comecei a trabalhar na agricultura a partir dos 5 anos de idade. A minha rotina era de trabalho. “Ela [a mãe da entrevistada] chama de ajudar, né?! Eu hoje reconheço que aquilo era trabalho. (Secretária de Jovens da Contag, 2016)

Além disso, relataram as restrições que sofriam, vindas dos seus pais, para acessarem o espaço público – inclusive a escola –, sobretudo, por serem mulheres jovens numa sociedade patriarcal, mas também agravadas tanto pela condição econômica e de classe, por serem de família de trabalhadoras(es) rurais, quanto pela pouca oferta de equipamentos públicos no meio rural, como mostra o trecho seguinte: “Então, minha vida foi sempre de trabalhar, estudar meu pai não queria” (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016). Em muitos casos, a igreja da comunidade e o sindicato eram os espaços públicos disponíveis e autorizados pelo pai para participar e partilhar suas experiências.

Os relatos confirmam, como já mencionado, que para a primeira geração (final dos anos 1990 ao início dos 2000) de mulheres jovens, que entraram no movimento sindical coordenado pela Contag, o grande impulso foi o processo de organização das mulheres trabalhadoras rurais, principalmente, a partir das Comissões de Mulheres, os processos formativos entre outros. Na medida em que os espaços da juventude trabalhadora rural foram se consolidando, as mulheres jovens passaram a inserir-se no sindicalismo a partir dos grupos de jovens nos sindicatos, Comissões Municipais e Estaduais de Juventude Rural.

Destacadamente, a aplicação concomitante das cotas de mulheres (posteriormente, a paridade) e de jovens gerou uma dinâmica própria de inserção das mulheres jovens nos espaços deliberativos do movimento sindical coordenado pela Contag. Essa dinâmica, não significa, necessariamente, uma ampliação da participação massiva de mulheres jovens, muito menos facilidades ou vantagem nas condições de ingresso, afinal, a própria necessidade de implementação de políticas afirmativas informa a existência de desigualdades que precisam ser corrigidas. Como detalharemos no próximo tópico, essa dinâmica é caracterizada por um jeito próprio de implementação das políticas afirmativas, marcada, principalmente, por dois aspectos: 1) até hoje, não se extrapolou o percentual mínimo definido pelas políticas afirmativas; 2) sempre que possível, busca-se que uma mesma pessoa atenda os critérios de cumprimento das duas políticas afirmativas. Com essas medidas – pouco explícitas nos discursos, mas recorrentes na prática –, sobram mais vagas para manter nos espaços deliberativos as lideranças do sexo masculino, de mais idade e/ou tempo de atuação sindical.

 

Sobre a coexistência das cotas de mulheres e jovens: possibilidades e restrições

A cota de mulheres, de 1995, é uma porta de ingresso importante para o conjunto das trabalhadoras rurais no espaço sindical. Ela se consolida na Contag, num momento de debates em torno do PADRS e também de progressiva mobilização em torno das questões organizativas da juventude. Em certa medida, a combinação desses fatores se converteu em elemento importante para a entrada das mulheres jovens no sindicalismo, em especial, na Contag:

Porque eu entrei na Contag [para assumir o cargo de diretora executiva na Secretaria de Jovens] pela cota de mulheres. Não existia, na época, cota de jovens. Então, eu vim para o espaço de juventude, mas para cumprir a cota de mulheres. Bem que ali [para a Secretaria era de Jovens] poderia ser um homem, porque afinal a vaga era para jovens, mas eu vim por ser jovem e por ser mulher. (Secretária de Jovens da Contag, 2016, grifo da autora)

Num segundo momento, dez anos depois, também integra esse fluxo de ingresso ao sindicalismo a cota de participação de, no mínimo, 20% de jovens trabalhadores e trabalhadoras rurais nas instâncias sindicais. Mas é, principalmente, com a implantação da paridade de gênero na Diretoria da Contag,[15] em combinação com a cota de jovens, que se amplia a presença das mulheres jovens na entidade. Exemplifica esse argumento, a composição das diretorias da Contag, considerados os períodos antes e depois da política afirmativa de paridade de gênero (Tabela 1). Tomemos como parâmetro a Direção eleita para o mandato 2013-2017 (que precisava cumprir, ao mesmo tempo, as cotas de, no mínimo, 30% de mulheres e 20% de jovens), em sua composição que totalizava 13 cargos, nove deles eram ocupados por homens, dois deles jovens; e por quatro mulheres, sendo duas jovens. Já no mandato seguinte (2017-2021) a composição da Diretoria, composta por 12 cargos, contava com seis homens, nenhum deles jovens; e seis mulheres, três delas jovens, sendo que estas últimas proporções se repetiram na composição da última Diretoria eleita (2021-2025), havendo apenas uma mudança, o aumentando do número de mulheres jovens, que saiu de três para quatro.

 

Tabela 1 Composição da Diretoria da Contag, por sexo e faixa etária de juventude, nos últimos três mandatos, 2023

 

Período

Políticas afirmativas
a serem cumpridas

Composição

Total de cargos – Contag

Mandato
Contag 2013-2017

Cota de, no mínimo, 30% mulheres

Cota de, no mínimo, 20% Jovens

9 homens, sendo 2 jovens

4 mulheres, sendo 2 jovens

13 cargos

Mandato
Contag 2017-2021

Paridade de gênero

Cota de, no mínimo, 20% jovens

6 homens, nenhum jovem

6 mulheres, sendo 3 jovens

12 cargos

Mandato
Contag 2021-2025

Paridade de gênero

Cota de, no mínimo, 20% jovens

6 homens, nenhum jovem

6 mulheres, sendo 4 jovens

12 cargos

Fonte: Elaborada pela autora.

 

Mesmo avaliando positivamente a adoção das políticas afirmativas, as entrevistadas produziram uma visão bastante crítica sobre a forma de como a Contag coloca-as em prática. Um dos grandes questionamentos diz respeito à dimensão numérica, ponto muito debatido e qualificado pelas discussões sobre paridade de participação feita pelas mulheres do movimento sindical da Contag. Se as cotas são vistas como porta de entrada, na prática, são exercidas na ponta do lápis. Em outras palavras, a definição do percentual mínimo de participação converteu-se, efetivamente, na estipulação do número máximo. São exercidas como teto, tanto para a participação das mulheres trabalhadoras rurais quanto dos(as) jovens.

Tais questões são referências comuns na literatura sobre o desenvolvimento das políticas afirmativas, principalmente no campo de estudos de raça e gênero (JACCOUD; BEGHIN, 2002; CUT, 2008; PIMENTA, 2012). Tais ideias alertam sobre a insuficiência do recurso numérico para a superação das complexas e históricas formas de discriminação lançadas sobre a população negra e as mulheres, como explicita a seguinte citação: “O uso do critério numérico pode não ser suficiente para que uma ação afirmativa realize seu objetivo, qual seja, o de alterar a forma histórica de inserção de um grupo racial discriminado, ampliando as oportunidades de ascensão social continuamente bloqueadas.” (JACCOUD; BEGHIN, 2002, p. 48).

Essas ideias ajudam a entender uma importante crítica feita pelas mulheres trabalhadoras rurais com relação à ocupação dos cargos da Diretoria da Contag. Elas reconhecem o impulso dado pelas políticas afirmativas para o aumento da participação das mulheres, em quantidade e qualidade organizativa, mas, por outro lado, também entendem que mesmo com as cotas, a paridade, a constituição de espaços organizativos específicos e toda a pressão interna exercida pelas mulheres, ainda existem dinâmicas e forças internas que põem limites à participação feminina, especialmente, quando se referem aos cargos de mais prestígio e poder político. Em outras palavras, mesmo com o aumento do número de mulheres (jovens ou não) na Diretoria da Confederação, nunca nenhuma delas chegou aos cargos de presidenta ou tesoureira da entidade, o que demonstra que o recurso numérico é parte das conquistas, mas que por si só não assegura igualdade.

É fundamental combinar ocupação de cargos e espaços de deliberação pelas mulheres, com o compartilhamento do poder político e decisório. Em muitos casos, a mobilização de mulheres jovens é vista menos como uma oportunidade de trazer novas vozes para participar e decidir e mais como uma estratégia para facilitar a composição das chapas da Diretoria, como menciona o relato a seguir:

Um presidente de um sindicato, que é um dos sindicatos maiores da região, indicou meu nome, e tem os argumentos dele. Disse que era importante a gente tá indicando uma pessoa jovem e mulher porque estrategicamente era mais fácil de fazer uma composição de chapa. (Secretária de Jovens da Contag, entrevista concedida em 2012, grifo da autora)

Mesmo com toda a vigilância e luta constante das trabalhadoras rurais para o cumprimento das deliberações sindicais, dinâmicas internas têm gerado características próprias ao exercício das ações afirmativas no movimento sindical coordenado pela Contag. Há uma tendência de escolher uma mesma pessoa, ou seja, uma mulher jovem, para a observância das duas políticas (a paridade na participação de mulheres e a cota de jovens). Com este recurso, sobram mais cargos a serem negociados e disponíveis para acomodar os dirigentes homens, de longa trajetória dentro da política sindical. Por meio dessas estratégias, fica ameaçada a verdadeira finalidade das ações afirmativas, que é a de democratizar a participação, de forma ampla e irrestrita. Entretanto, no discurso sindical o exercício da cota de jovens e da paridade de gênero transparece uma imagem sindical mais democrática, por expressar uma preocupação com a participação de mulheres e jovens, mas, por outro, em alguma medida, reforça a permanência dos mesmos dirigentes por longos períodos nestas estruturas.

Outro destaque, tomando como referência o depoimento anterior, dado por uma das secretárias de Jovens da Contag, diz respeito à forma como os dirigentes homens também influenciam o processo de mobilização e indicação dos nomes que ‘estrategicamente’ devem compor as chapas. Tal informação, endossa o argumento de que ainda permanece o desafio de democratizar o poder decisório com mulheres e juventude nas esferas sindicais.

Embora essas práticas não partam de regras ou acordos explícitos, elas existem e geram efeitos concretos sobre as condições de participação das mulheres, sejam elas jovens ou não. Na leitura de uma das entrevistadas, como registra o trecho seguinte, essas ações são características de uma prática sindical masculina.

Porque, infelizmente, assim, você luta, você conquista o meio, uma ação, meio para superar uma situação que está dada, mas outras posturas surgem para burlar aquela ação e essa é a forma mais comum para a gente ver o desrespeito, ao ver como eles agem [os homens]. (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016, grifo da autora)

Além de criticar a forma como “eles agem”, denunciam suas práticas e discursos voltados a desqualificar a atuação das dirigentes que chegam ao cargo e da própria ineficácia das políticas afirmativas:

 [...] E muitas vezes isso era usado como discurso: “Está vendo, não adianta colocar cota, porque vai acontecer isso, isso e isso”. Não, esse discurso não procede, porque a gente tem que partir do princípio que uma vez chegando aquele jovem ali dentro, seja homem, seja mulher, a gente tem, no mínimo, que ter expectativa de que, com o andar da carruagem, seja mais um a somar. (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016, grifo da autora)

Mesmo questionando o modo como vêm sendo implementadas as políticas afirmativas, as críticas feitas pelas entrevistadas não são sobre as medidas em si, mas como as práticas sindicais vêm neutralizando ou reduzindo sua potência.

Então é melhor correr o risco, do que não ter nem esse risco, entendeu? Isso é o papel das cotas aí dentro do movimento sindical, foi pelas cotas que as mulheres conseguiram chegar em maior número e também pelas cotas que a juventude também tem conseguido chegar em maior número, estar dentro do movimento, porque senão vai ficar sempre discutindo por fora, fica só nos espaços, não participa das decisões do dia a dia. (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016)

Por isso, mais do que analisar as portas de acesso ao espaço sindical, coloca-se como desafio reunir condições para propor caminhos que convirjam com a superação das restrições de participação ainda presentes nas práticas sindicais. Se por um lado é possível afirmar que as políticas afirmativas permitiram ampliar a participação das mulheres e da juventude (ainda que de forma condicionada ao percentual predefinido), ainda há a necessidade de democratizar o poder decisório, de forma a melhor representar a diversidade de sujeitos que integram a categoria trabalhador e trabalhadora rural.

Mulheres jovens trabalhadoras rurais: contribuições e tensões no sindicalismo

Dando mais um passo nas discussões propostas por este artigo, cabe pensarmos sobre quais as repercussões que essa categoria política emergente produz dentro do sindicalismo, destacando tanto as contribuições geradas quanto o campo de tensões e contradições existentes.

Uma primeira contribuição gerada a partir da participação das mulheres jovens no sindicalismo reside no jeito de abordar determinados temas dentro do sindicalismo, tornando-o mais permeável a visões variadas, nesse caso vindas dessas jovens.

As entrevistadas enxergaram, com base em suas experiências, os espaços de organização e formação juvenil como uma oportunidade de debater a construção de relações de gênero mais igualitárias também com os jovens homens, extrapolando com isso a clássica divisão dos temas específicos de mulheres. O fato de a Comissão Nacional de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Contag ser um espaço misto, permitia introduzir as discussões sobre mudança de práticas machistas e sexistas, influenciando positivamente essa geração de homens sindicalistas:

E em uma comissão de jovens que era mista [composta por mulheres e homens], essa discussão, ela extrapolava. Então, a discussão de gênero extrapolava o âmbito das mulheres, ela passava também para os espaços dos rapazes. (...) Então eu acho que os jovens da comissão [de Jovens da Contag] tiveram muito mais oportunidade de discutir gênero do que os diretores de uma forma geral. Por isso tinham, eu acho, a obrigação também de ter uma postura diferenciada, entendeu? (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016)

Para além do espaço da Comissão Nacional de Jovens, outros espaços juvenis, especialmente, espaços formativos, como o Programa Jovem Saber, pautavam as discussões sobre os efeitos das desigualdades de gênero sobre a vida das mulheres e as questões relativas à sexualidade, à violência doméstica e à autonomia das mulheres sobre o seu corpo, ampliando um debate, normalmente, circunscrito ao espaço de organização das mulheres, para um número maior de homens e mulheres jovens.

As mulheres trabalhadoras rurais sempre aportaram discussões e temas que não estavam no centro dos debates sindicais, a exemplo da agroecologia (MOREIRA, 2019) e da soberania alimentar (MOTTA; TEIXEIRA, 2022). Nesse sentido, as mulheres jovens também incrementam essas contribuições. Elas refletem e pautam temas que não são tão convencionais no sindicalismo rural, sendo a sucessão rural, desde uma perspectiva das relações de poder fundadas no gênero, uma delas. Com isso, agregam novas questões para a agenda política sindical e mesmo para o entendimento dos fenômenos sociais estabelecidos nos territórios rurais. Isso se verifica nas pautas de reivindicações ao governo federal, produzidas pelas Marchas das Margaridas e pelos Festivais da Juventude Rural. A pauta de reivindicações da 5a Marcha das Margaridas (2015) apresenta 19 pontos que tratam especificamente das mulheres jovens, sendo sete deles voltados às questões da participação autônoma na produção, permanência no campo e sucessão rural (CONTAG, 2015a). Tendência semelhante se reconhece na Pauta do 3o Festival da Juventude Rural, em que constam propostas sobre o eixo “Estímulo à organização produtiva, renda e sucessão rural”. Uma delas trata diretamente de “Desenvolver no âmbito do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais – metas específicas para o atendimento das demandas das jovens” (CONTAG, 2015b, p. 5). Embora a análise dos documentos produzidos por essas duas ações políticas, coordenadas pela Contag, possa apontar bons elementos para entender as contribuições da categoria política mulher jovem dentro do sindicalismo rural, ela extrapola o escopo deste trabalho, podendo ser explorada em outras pesquisas.

Além desses, outros temas se apresentaram ao longo das entrevistas. A oferta de educação formal e não formal e a saúde foram alguns deles. Mais que aprofundar a abordagem feita sobre os temas, as entrevistas apontam para certas tensões geracionais no tratamento desses temas.

Enquanto as mulheres [não jovens] estavam querendo discutir saúde, a gente estava querendo discutir educação, a gente estava querendo discutir alfabetização, a gente estava querendo discutir curso superior, a gente [as mulheres jovens] estava querendo discutir curso técnico e essa não é a pauta das mulheres [não jovens]. Elas queriam formação sindical. A gente queria formação sindical, mas a nossa pauta era a educação formal. (Secretária de Jovens da Contag (Entrevista concedida em 2016, grifo da autora)

As mulheres [não jovens] tratavam da saúde como tema de câncer, prevenção, essas coisas assim. A juventude quando tratava de saúde era para evitar filhos. Como se prevenir das infecções sexualmente transmissíveis. (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016, grifo da autora)

Ao passo que contribuem com o sindicalismo trazendo novos temas ou outras formas de abordá-los, essa contribuição produzida pelas mulheres jovens também expõe tensões nos processos de diálogo, especialmente, com mulheres de outras gerações.

Um tema presente nas narrativas biográficas é a abordagem das discussões sobre violência doméstica. Embora todas as entrevistadas tenham mencionado algum tipo de violência vivido por elas em algum momento da vida, seja em casa ou no sindicato, seja física, psicológica ou moral, há o entendimento de que esse tema não figurava entre os temas mais centrais.

Então, algumas coisas se aproximavam e outras a gente não se aproximava [mulheres jovens e não jovens]. Quando tratava da violência, a violência doméstica, esse não era um tema tratado pela juventude. Embora a juventude seja vítima de violência doméstica. Era um tema muito tratado pelas mulheres [não jovens]. [...] A gente não tratava nem da violência doméstica, nem dessa violência dentro do movimento sindical. O que a gente tratava na Comissão de Jovens [da Contag] era sobre essa barreira que os que estavam lá há mais tempo tinham com a entrada da juventude, de não oferecer as condições de trabalho ou de a pessoa entrar e quem estava lá querer tirar... (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016, grifo da autora)

Uma hipótese possível, é a existência de um efeito desfavorável do espaço misto da juventude. O fato de ser um espaço misto também confere limites ao debate das questões específicas das mulheres, na medida em que alguns temas são deixados para trás, por serem entendidos socialmente como algo que não afeta diretamente a vida da juventude em geral, e dos jovens homens, em específico.[16]

Em geral, os relatos anteriores indicam certas diferenças geracionais, sobre o que pensam as mulheres jovens e não jovens. E em algumas passagens são observadas tensões, ressentimentos pelo fato de algumas dirigentes mulheres não reconhecerem as mulheres jovens, sobretudo, as que ocupavam os espaços de organização da juventude, na sua identidade como mulher jovem ou mesmo como aliadas das lutas mais amplas das mulheres.

[...] eu nunca aceitei ter passado pela gestão da Contag e não ser reconhecida como mulher pela Secretária de Mulheres... isso doía em mim, isso dói. (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016)

A dupla posição, como mulher e jovem, e, principalmente, a participação dessas mulheres jovens nos espaços de organização da juventude são usadas como formas de relativizar ou mesmo desconsiderar sua posição como mulher.

Nós, por exemplo, pelas mulheres mais de idade, é como se a gente não fosse mulher, a gente é jovem, mas não é mulher. [...] Eu lembro quando eu cheguei aqui na Contag, na negociação da Marcha das Margaridas, teve uma mulher (eu também não vou me esquecer disso nunca), que, quando nós chegamos na audiência, passou a lista (geralmente passa a lista de presença), e eu fui e disse: ‘Não, meu nome não está aqui”. Ela disse assim: “Mas você? O seu nome?” E eu falei: “Mas por quê? Sou mulher e sou jovem.” É tipo assim: “Não está o seu nome, para que o seu nome aqui?” (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016)

Como afirmam estudos sobre a participação das mulheres jovens nos movimentos feministas (ADRIÃO; MÉLLO, 2009; ZANETTI, 2010), as tensões geracionais sobre a participação das jovens se fundamentam na visão de que estas ainda são inexperientes, por terem pouca vivência na luta feminista. Isso reflete sobre a existência de hierarquias internas e apontam as tensões entre feministas “históricas” – mais respeitadas e detentoras das decisões internas, dado seu maior tempo de atuação nos movimentos – e as “novas” feministas, vistas como inexperientes, não só por ingressarem num período mais recente nos movimentos, mas também por serem mais jovens em idade (GROSSI, 1998; ADRIÃO; MÉLLO, 2009; GONÇALVES; FREITAS; OLIVEIRA, 2013).

O relato das entrevistadas confirma os argumentos anteriores, de que são identificadas como pouco experientes na luta sindical, especificamente, por não terem construído uma trajetória sindical nos espaços de luta das mulheres trabalhadoras rurais. Mas elas agregam outro motivo: a disputa por espaço político, na medida em que são identificadas como possíveis concorrentes nas disputas por cargo e liderança na esfera sindical.

Era o medo de que uma mulher que não tivesse uma trajetória em idade e em tempo igual ao delas não tinha legitimidade de ocupar esse lugar... (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016)

Então, eu acho que é nessa linha. É o medo de a gente [mulheres jovens] ocupar os espaços que elas estão. (Secretária de Jovens da Contag. Entrevista concedida em 2016)

Foram enfatizados até aqui alguns pontos de tensões baseados, especialmente, nas diferenças geracionais (entre mulheres jovens e não jovens). Há também as dimensões de gênero, que são evidenciadas pelas discordâncias entre as mulheres (jovens ou não) em direção aos homens não jovens. Nesse ponto, cabe uma reflexão sobre o fato de que os depoimentos das entrevistadas romantizam, em certa medida, o papel dos jovens homens da Comissão Nacional de Jovens. Em geral, são vistos como aliados e detentores de uma postura diferentes dos demais dirigentes homens, como se apenas estes estivessem buscando se manter no poder.

[...] os jovens [homens] que estavam na comissão esses tinham um papel um pouquinho diferente, mas os que não estavam, esses aí estavam no bloco [hegemônico], entendeu? Mas os que estavam na Comissão [de Jovens da Contag] eles ficavam acho que meio divididos. Aí, dependendo do rumo das coisas, se as coisas se resolvessem, ótimo. Se as coisas não se resolvessem, a tendência era ir também lá [fechavam acordo com o bloco hegemônico]. (Secretária de Jovens da Contag. (Entrevista concedida em 2016)

Pelo depoimento, fora da Comissão Nacional de Jovens, todos os homens, incluindo jovens, são vistos como aliados dos grupos masculinos hegemônicos, com o interesse restrito à ocupação dos cargos políticos, sem compromisso, inclusive com as pautas da juventude.

Cabe ainda compreender que as tensões são entendidas, neste artigo, como importante meio para discussão e renovação de práticas sindicais. As tensões são parte das dinâmicas do sindicalismo e repercutem no seu cotidiano, podendo recriar as dinâmicas internas, como defende Carmen Foro, que foi dirigente da Contag e da Cut:

[...] Porque o fato de nós criarmos secretarias de mulheres, ela por si só gera um conflito, um conflito que leva a um tensionamento e um tensionamento que eu tenho apostado que ele é absolutamente positivo. Tensiona o poder, tensiona a visão, coloca o olhar, chama para a discussão do porquê as mulheres estão invisibilizadas. Mobiliza as mulheres para saírem da invisibilidade, tensiona... Há um ambiente de tensionamento. Por que as pessoas olham o tensionamento como algo negativo sempre? Eu olho o tensionamento como algo positivo. E as mulheres conseguiram fazer um tensionamento no interior dessa organização, que esse tensionamento produz elaboração, formulação, proposição, enfrentamento. Por que não? Promove avanços. Imagine um lugar onde não tenha tensionamento político! Dificilmente se promove avanços, não é mesmo? (Carmen Foro apud PIMENTA, 2012)

Há que se destacar que nessas discussões, embora os binarismos, homens e mulheres, jovens e não jovens, apareçam em relevo, as práticas e as relações sindicais se apresentam de forma muito mais dinâmicas. Considerar apenas os aspectos geracionais e de gênero como algo que divide as e os dirigentes, nesse caso as mulheres, é olhar somente para parte do fenômeno. A Contag é constituída de grupos políticos, posições de poder e correlações de força que organizam a ação dos sujeitos. Esses grupos e forças se organizam de variadas formas, como a partir das filiações partidárias, das regionais sindicais, do engajamento em, pelo menos, duas centrais sindicais (a Central Única dos Trabalhadores – Cut e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – Ctb), além das afinidades e interesses pessoais. Mulheres e juventude, ou mesmo outras categorias políticas existentes, também estão inseridas nesses grupos e forças políticas, sendo este vínculo produtor de alianças e mesmo de tensões, para além das geracionais. Assim, as alianças em torno de uma identidade política comum, como as mulheres jovens trabalhadoras rurais, organizam um campo de incidência e repercutem sobre a ação sindical, agregando mais camadas às complexas relações construídas no sindicalismo rural da Contag, sendo objetivo desta pesquisa agregar contribuições nesse campo.

Considerações finais

Se a noção de classe trabalhadora rural que deu origem à Contag já abarcava, desde sua criação, uma variedade de sujeitos e identidades, ao longo dos seus 60 anos, foi possível ver a emergência de novas categorias políticas, tendo nas intersecções de classe, gênero e geração importantes referências. Nesse sentido, emergem no sindicalismo rural coordenado pela Contag as categorias mulheres trabalhadoras rurais e juventude trabalhadora rural.

As mulheres se organizaram primeiro no sindicalismo, na década de 1980, sendo influenciadas por um contexto nacional de redemocratização do país, lutas feministas e críticas ao sindicalismo. A partir daí, inauguram, dentro do movimento sindical coordenado pela Contag, uma ‘forma-ação’ baseada na constituição de: espaços e processos de formação e auto-organização específicos; medidas de ampliação das condições de participação; ações coletivas de caráter público.

A referida ‘forma-ação’ passou a ser uma referência para a organização de categorias políticas emergentes no sindicalismo rural, como a juventude trabalhadora rural, que desponta no sindicalismo no final dos anos 1990. Entretanto, os sujeitos jovens reinventam, agregam outros sentidos e conformam processos organizativos que guardam singularidades, ainda que preservem alguma semelhança com a ‘forma-ação’ empreendida pelas mulheres.

A (co)existência de processos organizativos próprios das mulheres e da juventude permitiu a emergência de uma nova categoria política ‘mulheres jovens trabalhadoras rurais’. Essa ‘forma-ação’ que se concretiza nos processos organizativos são mais que uma porta de entrada, favoreceram a construção de pertencimento em torno dessa identidade comum como mulheres jovens.

As mulheres jovens se constituem como categoria política dentro de uma perspectiva articulatória e de construção de alianças. Esse campo de articulação se evidencia por dentro da institucionalidade sindical já existente, que se expressa na apresentação de demandas comuns, seja nos espaços de formação e organização, seja nos processos que dão origem às pautas de reivindicação direcionadas tanto para os governos, propondo políticas públicas, quanto às entidades sindicais, para promover democracia interna. Ou ainda, na solidariedade construída entre as mulheres de diferentes gerações.

O desenvolvimento de políticas afirmativas, como a cota de participação de, no mínimo, 20% de jovens dos espaços decisórios da Contag e entidades filiadas, combinada à implantação da paridade, cumprem um importante papel para garantir a participação das mulheres, especialmente, as jovens. Entretanto, as desigualdades estruturais de gênero, contradições e dinâmicas internas, adotadas pelo movimento sindical coordenado pela Contag, produzem mecanismos que mantêm os dirigentes, em geral, homens, centralizando o poder de decisão em suas mãos. Assim, o êxito da ampliação da participação das mulheres e juventude, gerado pelas políticas afirmativas, convive com os limites de uma participação limitada, numericamente, aos percentuais mínimos predefinidos (de 50% no caso da paridade e de 20% no caso da cota de jovens) e com as restrições históricas da ocupação, pelas mulheres, dos cargos de mais prestígio no sindicalismo, como a Presidência e Tesouraria. Além disso, há um contraste entre a Contag e suas filiadas quando o tema é política afirmativa. Muitos sindicatos sequer implementam a cota de mulheres e jovens, em suas direções e demais instâncias deliberativas, sendo menos ainda os que cumprem com os critérios de paridade de gênero. Caso que também pode ser registrado, só que em menor proporção, entre algumas Federações filiadas à Contag. Isso aponta para uma agenda de pesquisa que possa investigar os contextos locais e estaduais de participação sindical, considerando as formas de aplicação das políticas afirmativas como uma importante dimensão.

Dentre as contribuições trazidas pelas mulheres jovens se evidenciam os novos temas ou mesmo os novos olhares sobre velhos temas, que são algumas das contribuições das mulheres jovens para o sindicalismo rural, dentre os quais se destaca um olhar sobre as desigualdades de gênero como um dos fatores de saída do campo, do trabalho na agricultura familiar e na sucessão rural. Além de outras reflexões sobre discussões como educação e saúde.

A construção de alianças e vínculos convive com tensões e disputas internas. Em síntese, tais tensões se expressam nas diferenças geracionais quanto à forma de abordar os temas presentes na agenda sindical; ou ainda nas desigualdades de gênero que limitam a participação autônoma das mulheres nos espaços de poder e decisão. Se essas tensões são marcadas pelas dimensões geracionais e de gênero, pode-se dizer que existem outras dimensões geradoras de divergências, que se estruturam a partir dos variados grupos políticos existentes no sindicalismo, que vão desde as disputas partidárias, de centrais sindicais ou mesmo entre as regiões do país. Assim, as alianças e distanciamentos construídos pelas mulheres jovens baseiam-se nessa variada e complexa teia de pertencimentos e conexões, que marcam as dinâmicas sindicais.

Por fim, destacamos que o conjunto de análises desenvolvidas ao longo deste artigo buscou agregar contribuições ao campo de estudos sobre mulheres trabalhadoras rurais e sua participação nos movimentos sociais. Visibilizar sujeitos políticos pouco evidenciados nas lutas das mulheres e no sindicalismo, parece-nos ainda uma escolha pouco comum, quando consideramos a literatura disponível. Adicionalmente, procuramos contar essa história desde as experiências das mulheres jovens que ocuparam o papel de coordenação da organização da juventude trabalhadora rural da Contag. Essa escolha se apoia, sobretudo, nas teorias feministas, que entendem o conceito de experiência como uma ferramenta necessária de enunciação dos sujeitos, que nos permite compreender processos coletivos. Com isso, desejamos estimular a construção de outros caminhos metodológicos possíveis, que multipliquem as formas de ver, interpretar e contar sobre a diversidade de sujeitos e categorias políticas em contextos rurais.

 

 

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 Como citar

GALINDO, Eryka. Mulheres jovens trabalhadoras rurais: a emergência de uma nova categoria política e suas repercussões no sindicalismo rural. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, e2331211, 27 nov. 2023. DOI: https://doi.org/10.36920/esa31-2_11.  

 

 

 

 

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[1] Pesquisadora Doutora do Grupo de Pesquisa Júnior “Food for Justice: Power, Politics, and Food Inequalities in a Bioeconomy” do Lateinamerika-Institut da Freie Universität Berlin (LAI/FU Berlin). E-mail: erykagalindo@gmail.com.   

[2] Este termo busca abarcar o conjunto de entidades que integram o sistema Contag, sendo elas, as Delegacias Sindicais, Sindicatos e Federações filiadas. Embora as referidas entidades costumem se autonomear “Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (Msttr)”, este trabalho adota termo alternativo – Movimento Sindical Coordenado pela Contag – dada a existência de outros sistemas sindicais de representação da agricultura familiar, a exemplo da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf – Brasil), que se originiu no final dos anos 1990 e recebeu, em 2023, do Ministério do Trabalho e Emprego, seu registro formal como entidade sindical.

[3] O cargo de coordenadora Nacional de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais foi criado em 2001 e integra o estatuto da Contag. A(O) dirigente é eleita(o) em Congresso e tem assento na Diretoria Executiva da Contag, tendo por missão específica coordenar as ações de organização da juventude rural no âmbito nacional. Em 2009, uma mudança no Estatuto da entidade alterou o termo dado ao cargo, passando a ser Secretaria Nacional de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais.

[4] Depois desse período, mas uma mulher jovem, Mônica Buffon foi eleita como Secretária de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, exercendo o mandato no período de 2017 – 2021 e se reelegendo para a gestão 2021 – 2025.

[5] A década de 1980 foi palco da criação de importantes movimentos rurais, como o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o Conselho Nacional de Seringueiros (CNS), os Movimentos Autônomos de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Camponesas – gérmen da criação do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR Nordeste) e do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), dentre outros. Coletivos de jovens organizados, especialmente, a partir da Igreja católica, começam a surgir nesse período, a exemplo da Pastoral da Juventude Rural, criada em 1983, no Rio Grande do Sul.

 

[6] Consistiu num movimento de oposições sindicais surgido no final dos anos 1970, que criticava a estrutura sindical corporativista, implantada a partir da década de 1930, questionando a atuação dos sindicatos e sua tutela ao Ministério do Trabalho. No meio rural direcionaram suas críticas às estruturas oficiais coordenadas pela Contag (AGUIAR, 2015; FAVARETO, 2006).

[7] O estudo de Jalil e Bordalo (2010) traça a cronologia de criação desses movimentos, que se constituíram no Brasil nos anos 1980. São eles: o Movimento de Mulheres Agricultoras de Santa Catarina (MMA-SC), em 1984; o Movimento de Mulheres Assentadas de São Paulo (MMASP), em 1985; o Movimento Popular de Mulheres do Paraná (MPMP), em 1983; o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Sul (MMTRRS), em 1985; a Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Espírito Santo (Amutres), em 1986; o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE), em 1986; o Centro de Associações de Mulheres Trabalhadoras do Acre (Camutra), em 1987; o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Sergipe (MMTR-SE) e a Articulação das Instâncias das Mulheres Trabalhadoras Rurais-Sul, em 1988.

[8] Momento em que a Contag passava por uma reestruturação interna, que incluía, dentre outras coisas, a criação de secretarias temáticas como as de Política Agrícola, Agrária e Salarial, para além dos cargos de presidente, vice-presidente, tesoureiro e secretário-geral. Isso ocorreu por recomendação da 1a Plenária Nacional Ampliada em 1991. No Congresso seguinte, em 1995, são criadas outras secretarias, a de Políticas Sociais e a de Formação e Organização Sindical, além do cargo de coordenadora da CNTMR (TEIXEIRA, 2023), sendo estes três dirigidos por mulheres. 

[9] A Enfoc-Contag foi oficialmente criada em 2006, e resultou das proposições defendidas pelas mulheres lideranças sindicais de constituição de uma escola de formação das mulheres, voltada ao desenvolvimento de itinerários formativos específicos para este grupo social. A partir daí, se sucederam negociações internas, direcionadas à criação de uma escola que envolvesse todos os sujeitos do sindicalismo rural. De acordo com informações disponíveis em seu site (http://www.enfoc.org.br), a Enfoc-Contag tem como objetivo: desenvolver processos formativos, voltados à formação política e sindical, à qualificação profissional, ao desenvolvimento local e à educação do campo, orientada por referencial pedagógico, crítico e dialógico dirigido à formação humana.

[10] Utilizamos o termo categorias políticas no plural, considerando as semelhanças existentes na forma de organização não só da juventude trabalhadora rural, como também da terceira idade dentro da Contag. Um exemplo disso é a criação, no final dos anos 2000, da Comissão Nacional da Terceira Idade e Pessoa Idosa e sua Coordenação.

[11] O Projeto CUT/Contag de Pesquisa e Formação Sindical se consolidou a partir da filiação da Contag à Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1995. Com o apoio de entidades da cooperação internacional, as duas organizações desenvolveram, no período de 1996 a 1999, um processo de produção de diagnósticos locais, elaboração de diretrizes de ação e formação sindical com as trabalhadoras e trabalhadores rurais. Os resultados do trabalho subsidiaram a construção do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável (PADRS) e a reorientação da organização sindical, com vistas a tornar o sindicalismo rural mais representativo diante das demandas da categoria. Anos depois, adicionou-se mais um S ao referido Projeto, que passou a chamar-se Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PADRSS).

[12] Embora não haja registros escritos sobre os argumentos que embasaram a escolha deste intervalo etário, a minha convivência com lideranças do MSTTR colocou-me em contato com algumas das justificativas que permeiam o discurso sindical. Segundo depoimentos de representantes institucionais, este parâmetro foi assumido para delimitar melhor o segmento juvenil e, com isso, propor programas e ações mais coerentes com as necessidades da juventude. Ainda segundo os comentários das lideranças, para chegar a esta faixa etária, foram analisados os dados estatísticos sobre a juventude residente em territórios rurais. Por meio dessas análises, explicitou-se uma dura condição marcada pela inserção tardia na escola, aliada às dificuldades de acesso e permanência, e ainda os limites colocados para o acesso a terra e renda pela juventude. Tais componentes demonstraram uma condição juvenil diferenciada entre campo e cidade, parâmetro que justificou a escolha de um intervalo de idade mais extenso (16 aos 32 anos) como forma de abarcar as mais diferentes vivências juvenis no campo.

[13] A referida entidade alterou sua denominação, adotando por nome e sigla em língua alemã Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit – Giz (que numa tradução livre para o português significa Sociedade Alemã de Cooperação Internacional).

[14] O Grito da Terra Brasil é uma importante ação coletiva da Contag. Iniciada em 1994, ela tem como característica desencadear processo de negociação, prioritariamente, com o Executivo federal, a partir da pauta de reivindicações da categoria (TEIXEIRA, 2023).

[15] A paridade foi aprovada no 10o Congresso, realizado em 2013, mas sua implementação só aconteceu no congresso seguinte, em 2017.

[16]  Mesmo sendo a violência contra as mulheres cometida, principalmente, por pessoas do sexo masculino e do círculo de relações mais próximo e sendo as jovens as principais vítimas, em termos numéricos (LEÔNCIO et al., 2008; BRASIL, 2019).