ESA_logo.png                                        Recebido: 24.abr.2023   •    Aceito: 23.out.2023   •    Publicado: 27.nov.2023

 

Seção Temática
Sindicalismo de Trabalhadores(as) rurais no Brasil: transformações, permanências e os 60 anos da Contag
   

 

 

                                                                                                                                                                                                                                        
A luta das mulheres trabalhadoras rurais da Contag: a Marcha das Margaridas em diálogo com o(s) feminismo(s)

The struggle of CONTAG’s rural women workers: the March of Daisies in dialog with feminism(s)

 

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Sarah Moreira[1]

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Suzi Huff Theodoro[2]

  

https://doi.org/10.36920/esa31-2_10  



 

Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a luta e a contribuição das mulheres trabalhadoras rurais no Brasil a partir das ações das mulheres na e da Contag, com foco na Marcha das Margaridas e no seu diálogo com o(s) feminismo(s). O foco é conhecer a história da organização das mulheres trabalhadoras rurais no Brasil e entender como esta fortaleceu o sindicalismo da Contag e a luta feminista. Como a Marcha das Margaridas foi um marco da mobilização das mulheres do movimento sindical da Contag, em parceria com diversas organizações de mulheres e feministas do Brasil, sua compreensão é central para entender a Contag em seus 60 anos de história. Para isso, foi feita uma pesquisa qualitativa, com análise documental e de entrevistas semiestruturais, realizadas com lideranças da Contag, da Marcha das Margaridas, das entidades parceiras e com representantes do governo que estiveram em algum momento em diálogo com essas lutas e demandas. Como resultado, percebe-se que a crescente organização das mulheres do campo, das águas e das florestas trouxe mais visibilidade e reconhecimento político para o sindicalismo da Contag, para dentro e para fora do movimento, tendo como expressão a força política da Marcha das Margaridas que se tornou referência nacional e internacional de mobilização das mulheres rurais e a maior ação em massa realizada pela Contag. Também foi possível identificar como as mulheres da Contag se fortaleceram com o(s) feminismo(s) e como o(s) feminismo(s) se fortaleceram com a luta das mulheres do sindicalismo rural.

Palavras-chave: Contag; Marcha das Margaridas; feminismo(s); mulheres rurais.

 

Abstract: This article analyzes the struggle and contribution of rural women workers in Brazil based on the actions of women in CONTAG, with a focus on the March of the Daisies and its dialog with feminism(s). We focus on the history of the organization of rural women workers in Brazil and understanding how this strengthened CONTAG's unionism and the feminist struggle. Because the March of the Daisies was a milestone for the mobilization of women in CONTAG’s union movement, in partnership with various women's and feminist organizations in Brazil, understanding it is central to understanding CONTAG during its 60-year history. To do so, we conducted a qualitative study, analyzing documents and semi-structured interviews with leaders of CONTAG, the March of the Daisies, and partner organizations, as well as government representatives who dialogued with these struggles and demands at various points. This reveals how the growing organization of women in rural, water, and forest settings brought greater visibility and political recognition to CONTAG’s trade unionism, both inside and outside the movement, with the political strength of the March of the Daisies becoming a national and international reference for the mobilization of rural women and CONTAG’s largest mass action.  It was also possible to identify how the women in CONTAG were strengthened by feminism(s) and how these feminisms were strengthened by the struggle of women in rural trade unions.

Keywords: CONTAG; March of the Daisies; feminism(s); rural women.

 

Introdução

Neste artigo analisamos como se deu o processo de organização e luta das mulheres trabalhadoras rurais no sindicalismo rural da Contag, percebendo em que contexto ele ocorreu, que contribuições trouxe para o movimento sindical, em especial a partir da mobilização da Macha das Margaridas, mas também para as lutas sociais, principalmente das mulheres e feministas. Consideramos que conhecer os desafios, estratégias e conquistas das mulheres nos 60 anos da história da Contag é um dos âmbitos fundamentais para perceber um dos motivos que fez com que esta entidade se tornasse a referência que é hoje, digna de ser estudada pelas Ciências Sociais. Ao mesmo tempo é uma forma de romper com o risco da história única, como nos diz Chimamanda Ngozi Adichie (2019), e visibilizar um lado da história, o das mulheres, sujeitos por tanto tempo excluídos e invisibilizados nos espaços públicos de participação política, como mostram inúmeros estudos feministas e de gênero (BEAUVOIR, 1960; PATEMAN, 1993; PERROT, 1988, 2005; PINTO, 2010; BIROLI, 2013, 2018; DAVIS, 2017; HIRATA; KERGOAT, 2007).

Com o intuito de responder aos objetivos propostos para o artigo, fizemos uma pesquisa qualitativa, com levantamento bibliográfico, análise documental, e recuperamos depoimentos de entrevistas semiestruturais (em um total de 16 entrevistas), realizadas para um estudo anterior,[3] com mulheres lideranças da Contag, com foco nas secretárias de Mulheres da Contag e coordenadoras das Marcha das Margaridas, e das entidades parceiras (lideranças da Marcha Mundial das Mulheres, do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu, do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste), assim como em representantes do governo que estiveram em algum momento em diálogo com suas mobilizações e reivindicações, no Ministério do Desenvolvimento Agrário e na Secretaria-Geral da Presidência.

Este artigo debate com dois campos teórico-conceituais principais: o da teoria dos movimentos sociais e o das pesquisas de gênero e epistemologias feministas. Em relação ao primeiro, baseou-se no trabalho de autoras(s) como Charles Tilly (2006, 2010), Maria da Glória Gohn (2013) e Sônia Alvarez (2000) e seus debates sobre a categoria de movimentos sociais, repertório de ação coletiva, identidade, transnacionalização das lutas. Com o apoio de tais referências, consideramos aqui os movimentos sociais, a Contag e a Marcha das Margaridas, a partir de seu conjunto de estratégias construídas por um grupo com uma identidade comum durante um contexto histórico diante de determinadas condições sociopolíticas e culturais. Observamos que, ao longo dos 60 anos da Contag e 23 anos da Marcha das Margaridas, houve mudanças e atualizações sobre as identidades coletivas, que também contribuíram para a atualização dos repertórios de ação coletiva. Por tudo isso, achamos relevante para este artigo buscar compreender, ainda, como a Marcha das Margaridas é vista, qual o caráter da organização da Marcha: é um movimento, uma articulação, uma mobilização, uma rede, um evento? Que identidades então envolvidas no seu histórico de construção? Ao final do artigo, trouxemos algumas considerações a este respeito.

Já o segundo campo foi importante para debater sobre relações desiguais de gênero, feminismos e interseccionalidade, com base nas contribuições trazidas por Joan Scott (1995), Donna Haraway (1995), Bell Hooks (2018), Kimberlè Crenshaw (2002), Danièle Kergoat (2004), Heleieth Saffioti (2010). Nesse sentido, consideramos aqui gênero como uma categoria de análise que remete às relações desiguais entre homens e mulheres impostas pelo patriarcado e aprofundada pela lógica do capitalismo e pelo racismo estrutural, e que, por isso, devem ser refletidas a partir da interseccionalidade (CRENSHAW, 2002) ou da consubstancialidade (KERGOAT, 2003) que, mesmo com focos diferentes, afirmam a necessidade de pensar as opressões de gênero, classe e raça de forma interconectada. 

Partimos ainda da perspectiva do feminismo no singular como um lugar de encontro, um projeto político comum entre as diferentes expressões ou identidades que lutam contra todas as formas de violência e opressões vividas pelas mulheres, como a “reunião de solidariedades a se construir” (ESMERALDO, 2006). Como disse Bell Hooks: “Feminismo é um movimento para acabar com o sexismo, exploração sexista e opressão” (HOOKS, 2018, p. 17). Ao falarmos dos feminismos, no plural, nos referimos às diversas formas como as mulheres, a partir de identidades e demandas próprias, passaram a se definir e diferenciar, inclusive criando novos nomes e caracterizações múltiplas do feminismo, tal como pautam o feminismo negro (DAVIS; HOOKS, 2018; CARNEIRO, 2019; GONZALEZ, 2020), o feminismo camponês (TÁBOAS, 2018; SANTOS, 2021) e o feminismo comunitário (CABNAL, 2010; GUZMÁN, 2014). Ao olhar para a Marcha das Margaridas, procuramos perceber qual a sua relação com o(s) feminismo(s), suas influências e possíveis conexões.

Com relação à análise dos documentos, voltamos aos cartazes, cadernos de textos, pautas de reivindicações entregues para os governos federais e os documentos de respostas às demandas, em especial no que se refere à Marcha das Margaridas, entre os anos 2000 e 2023. As entrevistas citadas neste artigo foram realizadas em 2018 pela autoria principal deste artigo como parte do levantamento de dados para a elaboração da dissertação A contribuição da Marcha das Margaridas para as políticas públicas de agroecologia no Brasil, sob a orientação da professora Suzi Huff, defendida na UnB no ano de 2019. As falas trazem análises das(o)s interlocutoras(es) sobre os desafios, avanços e conquistas, assim como sobre a relação entre a luta sindical rural e a feminista, além da percepção a respeito do diálogo e da pressão por políticas públicas         

Para isso, escolhemos como percurso iniciar com um breve histórico da luta e organização das mulheres trabalhadoras rurais por reconhecimento e representação na Contag, a partir de uma análise dos seus congressos e como foi se dando a participação e o avanço das pautas femininas ao longo dos anos, desde a criação da Contag até o presente ano, 2023. Para entender essa trajetória, consideramos importante saber como os movimentos de mulheres e feministas do campo vinham se mobilizando nesse mesmo período. Em seguida, entendendo a Marcha das Margaridas como resultado do acúmulo de forças da organização e luta das mulheres do movimento sindical da Contag no diálogo com os movimentos de mulheres e feministas, analisamos como se deu essa relação e contribuição recíproca entre as lutas sindicais e as feministas. Trazemos ainda um olhar sobre como o(s) feminismo(s) se expressam e desenvolvem na luta das mulheres rurais e na Marcha das Margaridas. Por fim, concluímos nossa análise fazendo um balanço de como a luta das mulheres do campo, das águas e das florestas, iniciada pelas mulheres da Contag, fortaleceu o movimento sindical rural e o(s) feminismo(s).

 

Histórico da participação e organização coletiva das mulheres na Contag

A Contag foi criada em 20  de dezembro de 1963[4] como a primeira entidade sindical camponesa de caráter nacional, reconhecida legalmente, como resultado de décadas de lutas da(os) denominadas(os) lavradoras(es) e camponesas(es) em todo o Brasil. Desde a sua criação, até os dias de hoje, tem uma composição ampla, com diversas concepções e correntes de pensamento e vinculações partidárias, atualmente representadas pelo campo da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB). A criação da Confederação ocorreu durante uma conjuntura tensa, que precedeu a ditadura militar no Brasil e a dura repressão aos movimentos sociais no país. Com a prisão de várias lideranças, a Contag viveu um processo de intervenção, passando a ser coordenada por uma junta governativa em 1964. No entanto, em 1965 foi realizada a eleição de uma nova Diretoria que legitimou a chapa interventora. Apenas na eleição de 1968 houve mudança da Presidência, mesmo tendo na chapa integrantes da gestão anterior (TEIXEIRA, 2018, 2023).

Ao longo dos últimos 60 anos, a Contag passou por um processo de organização e de desenvolvimento crescentes, contando atualmente com mais de quatro mil Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRs) e 27 Federações (Fetags) filiadas, em todos os estados do Brasil (CONTAG, 2023).

Para retomar o histórico de participação política das mulheres da Contag, pesquisas anteriores nos ajudaram a recuperá-lo, como o estudo de Sara Pimenta (2012), tese de Vilênia Aguiar (2015) e a tese e livro de Marco Antonio Teixeira (2018, 2023).

Essa história foi permeada pela luta das mulheres contra a invisibilidade; pelo seu reconhecimento como trabalhadoras rurais; pelo direito de se sindicalizar e ser dirigentes (com as mesmas prerrogativas de trabalho) e contra o assédio sexual e moral e todas as formas de violência. Sara Pimenta (2012) ilustra essa trajetória de luta das mulheres por meio de um registro que esclarece como, ao longo dos anos, as disputas e conquistas de espaços foram se desenrolando, a partir das informações disponíveis nos anais dos Congressos da Contag. Segundo a autora, durante o 2o e 3o Congressos (1973 e 1979, respectivamente), as mulheres eram citadas como “esposa do trabalhador” e representavam apenas 1% dos “trabalhadores rurais” ou “homens do campo” presentes. Importa destacar que ainda no 3o Congresso foi defendido o direito de aposentadoria das mulheres, o que se tornou uma demanda central da organização feminina na Contag no diálogo com os governos. Naquele momento, a dificuldade de comprovação de sua atividade rural na família já era um desafio, ainda maior para elas, que não eram consideradas trabalhadoras, mas apenas “do lar” (PAULILO, 2016a, 2016b).

O 4o Congresso (1985) contou com pouco mais de 2% de mulheres, como registra Sarah Pimenta (2012). Nessa edição do Congresso foram incluídas, nos debates, a reivindicação de igualdade salarial e a denúncia do não reconhecimento da trabalhadora rural na legislação previdenciária, inclusive com a apresentação de uma moção cobrando o reconhecimento da mulher trabalhadora rural agricultora em regime de economia familiar, questionamento que se tornaria recorrente diante da ideia monolítica de família, o familismo, centrada no homem como “chefe de família” (SILIPRANDI, 2002).

Medeiros (2012) lembra que, nesse contexto (década de 1980) de intenso movimento de luta pela redemocratização do país, houve por dentro do movimento sindical um processo de questionamento a formas tradicionais de fazer política, especialmente dos que foram chamados de “pelegos” (sindicalistas controlados pelos patrões). Este processo culminou no aparecimento do que ficou conhecido como o “novo sindicalismo”, mobilizado pela CUT (criada em 1983), que propunha uma nova prática sindical de organização de base constituída por experiências políticas inovadoras que se definiram como classistas, como é o caso da formação do Partido dos Trabalhadores, no início dos anos 1980. “Não é difícil perceber o quanto segmentos considerados secundários ou inexpressivos ganharam força política no cruzamento de identidades étnicas e classistas” (MEDEIROS, 2012, p. 12). 

Nesse sentido, tanto Medeiros (2012) quanto Jalil (2013) chamam a atenção para como tal conjuntura de abertura política ao debate e o fortalecimento dos espaços de organização e luta sindical foram vistos pelas mulheres como uma oportunidade de trazer à tona suas vivências cotidianas de opressão, de violência, de invisibilidade e de isolamento ao espaço privado, possibilitando que elas passassem a se organizar a partir da identidade de mulheres trabalhadoras rurais dentro dos movimentos sindicais.

Em 1989[5] (4o Congresso), as mulheres conquistam espaço por meio da criação da Comissão Nacional Provisória da Trabalhadora Rural, vinculada à Vice-Presidência da Contag, se tornando a primeira instância de auto-organização das mulheres na estrutura da entidade (PIMENTA, 2012).

No 5o Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais (1991), que contou com 8% de delegadas, a luta foi por maior participação das mulheres nos cargos de Direção e nos diferentes espaços de deliberação, ao mesmo tempo que se reclamava a estruturação de comissões de mulheres e mais formação política, reafirmando a estratégia de reconhecimento e representação. A adoção de um plano de lutas para a garantia de direitos (terra, igualdade salarial, aposentadoria, salário maternidade, creches, saúde e educação) e o enfrentamento a todas as formas de violência e discriminação, inclusive aquelas praticadas no interior do movimento sindical, integraram as deliberações do 5o Congresso (PIMENTA, 2003), caminho através do qual as mulheres trouxeram para o movimento questões antes consideradas de âmbito privado, ou seja, politizando-as.

Essa pressão resultou na deliberação pelo reconhecimento da importância e da necessidade do respeito aos movimentos autônomos de mulheres para a construção de “uma política de alianças, a fim de fortalecer a luta de classe e gênero” (CONTAG, 1991), o que indica que havia diálogos entre as mulheres do movimento sindical rural e as dos movimentos específicos e feministas, a exemplo da participação de mulheres lideranças da Contag no Movimento de Mulheres Trabalhadoras do Nordeste – MMTR-NE, como Margarida Pereira da Silva, conhecida como Hilda, que foi a primeira coordenadora Nacional  da Mulher Trabalhadora Rural da Contag e se tornou liderança do MMTR-NE, movimento do qual “começou a fazer parte ainda quando pertencia às instâncias de direção do movimento sindical” (AGUIAR, 2015, p. 95). Em uma fala de Raimundinha, citada por Aguiar (2015), ela menciona vários movimentos autônomos de mulheres do período, diferenciando a atuação das mulheres da Contag pelo fato de elas terem optado por organizar a luta das mulheres por dentro do movimento sindical:

nós queremos uma organização dentro dessa organização grande, nós vamos criar uma organização de mulheres, nós não vamos por fora. Porque outros movimentos já tinham assim, já tinham o Movimento de Trabalhadoras Rurais do Brasil [ela está se referindo à ANMTR], que até então, agora já não é mais do Brasil, que é o MMC, já tinha as mulheres trabalhadoras rurais do Nordeste [MMTR-NE], e por aí vai, esse movimento todo virou aí em vários, dois, três e, se não me falha a memória, um liderado pelas mulheres do Nordeste [MMTR-NE], mais precisamente por Nazaré Gomes, que era do Ceará , já não tá mais viva; e no RS, liderado pela companheira chamada Justina [MMC] (Raimundinha Damasceno, coordenadora da Comissão Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag de 1998-2005). (AGUIAR, 2015, p. 98)

Mesmo com um aumento quantitativo de participação das mulheres em 1995, elas representaram ainda cerca de 13% das(o)s delegadas(os) do 6o Congresso Nacional dos Trabalhadores, mas conseguiram deliberar sobre o fortalecimento da Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (CNMTR), a qual passaria a ter regulamentação estatutária, recursos próprios e representação no Conselho Deliberativo da Contag, tendo sido escolhida a primeira coordenadora para a CNMTR em uma reunião da coordenação em novembro de 1995 (PIMENTA, 2012). Mesmo com este avanço, o Congresso foi marcado pela exclusão das mulheres das negociações e da composição da chapa para a nova Diretoria, o que demonstrava a resistência à ampliação da participação real delas nas instâncias de decisão (PIMENTA, 2012). Neste Congresso (1995), a Contag se filiou à Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Assim, fica explícito como as mulheres organizadas que já pautavam a importância do enfrentamento ao machismo e da luta feminista em movimentos mistos, como na CUT, influenciaram e contribuíram, por meio de cursos e publicações, para que os debates dentro da Contag avançassem, como mostra o depoimento de Raimundinha na tese de Vilênia Aguiar (2015):

quando as mulheres chegam à Contag, uma das primeiras coisas avaliadas internamente entre nós, muito internamente entre nós, sem deixar escapar pra fora, é que não eram suficientes três mulheres na direção da Contag […]. Nós estávamos ali em três, mas nós não éramos três, nós éramos as porta-vozes de uma outra quantidade de mulheres que pensava, e que queria pautar as questões das mulheres de um forma... […] Todas as três, duas vindas, nascedoras do departamento rural da CUT, Graça do Maranhão e eu; e Fátima, também do Piauí, vindo, assim, não sendo do departamento, mas sendo uma mulher que vinha acumulando também as discussões dentro da Região Nordeste. […] Era bastante forte nos departamentos [se refere aos Departamento de Trabalhadores Rurais da CUT] a busca pela filiação da Contag à CUT, na época, com bastante força, era um tema que tinha bastante fortaleza na época. Então essas mulheres pautavam aqui dentro da Contag a questão das mulheres, eram mulheres cutistas que convocavam as outras mulheres não cutistas e acabavam criando uma força bastante grande dentro da Contag, como foi a política afirmativa de cotas. As cotas uniram as mulheres cutistas e não cutistas, de todos os campos, eu posso até dizer que foi um dos principais temas que convocaram todas as mulheres, que uniu todas as mulheres, que os homens não conseguiram dividir as mulheres, acho que foi muito bacana […] (Raimundinha Damasceno, coordenadora da Comissão Nacional das Mulheres Trabalhadoras Rurais da Contag de 1998-2005). (AGUIAR, 1995, p. 98)

O 7o Congresso Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (1998) finalmente reconhece em seu nome as mulheres ao incluir o termo “trabalhadoras”, o que foi uma das expressões da ampliação do processo de organização fortalecido pela Comissão Nacional de Mulheres. A quantidade de participantes mulheres no Congresso alcançou, então, 42%, e mostrou a importância dos espaços de auto-organização no caminho para uma inclusão efetiva na Contag. Com a força feminina presente no Congresso, elas conseguiram aprovar a cota de no mínimo 30% de mulheres na Direção da Contag, fazendo com que a nova Diretoria Executiva passasse a contar com três representantes. Foi aprovado ainda, nesse Congresso, o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável (PADRS)[6] (PIMENTA, 2012).

Vale lembrar que esta aprovação ocorreu no bojo dos debates sobre as cotas de participação de mulheres nos partidos e movimentos sociais, sendo marcante a aprovação do mínimo de 30% de mulheres nos cargos de Direção na Central Única dos Trabalhadores (CUT) em 1993, medida já adotada desde 1991 pelo Partido dos Trabalhadores (DELGADO, 1996).

No ano de 1999, no 2o Congresso Nacional Extraordinário dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, deliberou-se pela ampliação da política de cotas para todas as instâncias da Contag (federações, sindicatos, conselhos), além da participação de 50% de mulheres em todos os espaços de formação. Vale destacar que foram elas que vinham afirmando a importância dos espaços de formação política, como o que veio a se tornar a Enfoc (Escola de Formação da Contag), criada em 2006.[7] Nesse contexto de ampliação e fortalecimento da organização coletiva das mulheres da Contag, a Marcha das Margaridas foi construída em 2000, como ação das trabalhadoras rurais na campanha da Marcha Mundial das Mulheres.

Seguindo o percurso sobre os congressos da Contag, a partir das informações disponíveis da Revista Contag 40 anos[8] e nos anais dos congressos, podemos observar que no 8o Congresso da Contag, em 2001, a juventude, que também vinha se organizando, criou a Comissão Nacional de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais com a eleição de uma jovem mulher (Simone Battestin/ES) para a Direção da Contag. Também foi um contexto de reafirmação da necessidade de seguir a implementação do Programa Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável (PADRS) (CONTAG, 2003).

Em 2005, aconteceu o 9o Congresso da Contag, que teve o debate da solidariedade em sua centralidade, o que culminou na última atualização do PADRS, que passou a ser chamado Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PADRSS). Nesse congresso ainda foi criado o cargo de Coordenação da Comissão Nacional da Terceira Idade[9] na Diretoria da Contag (TEIXEIRA, 2018), uma pauta inovadora para o movimento sindical. Diante disso, houve uma profunda reflexão sobre o neoliberalismo e as desigualdades de gênero, geração, raça e etnia geradas por este sistema, fazendo com que se reafirmasse a urgência de que o movimento sindical precisaria fortalecer esses enfrentamentos com a construção de alternativas específicas às mulheres, jovens, negras(os) em toda a sua diversidade de identidades. Desse modo, se afirmou e fortaleceu o processo de criação de secretarias de mulheres e juventude também nas federações e sindicatos, seguindo o caminho da estrutura nacional. A importância de formações políticas, sindicais e profissionais próprias para esses sujeitos também foi reafirmada (CONTAG, 2003).

O 10o Congresso da Contag (2009) foi marcado pela desfiliação da Contag da CUT em um discurso pautado pela ideia da unidade, reafirmando a parceria com a CUT e a CTB, que dividem os cargos da Diretoria da Contag. Para a luta das mulheres, esse Congresso foi relevante pela aprovação da transformação da Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais em Secretaria de Mulheres Trabalhadoras Rurais (AGUIAR, 2015). Aguiar destaca uma ironia histórica: no ano em que se reconhece a Secretaria de Mulheres há a desfiliação da Contag da CUT, que ao logo da história foi a organização que mais intensamente trouxe a pauta das mulheres para a Contag, ou seja, foram as mulheres cutistas que assumiram a Coordenação ou a Secretaria de Mulheres (AGUIAR, 2015).

Nesse ano também houve a aprovação das bases da Política Nacional de Formação Sindical, orientadora das ações da Escola Nacional de Formação (Enfoc). O momento também foi de luta das mulheres para que fosse assegurado o cumprimento, em todas as instâncias das entidades do MSTTR (CONTAG, Fetags e STTRs), das cotas de no mínimo 30% de mulheres e de, no mínimo, 20% de jovens, com garantia de condições igualitárias de participação e trabalho entre homens e mulheres, assim como igual valor de gratificação. Para isso, falou-se em proibir a participação das entidades que não seguissem estas orientações nas diferentes instâncias e espaços de deliberação da Contag e das Fetags. Por fim, a paridade já aparece como meta na luta das mulheres (CONTAG, 2009).

Já o 11o Congresso da Contag, realizado em 2013, comemorou os 50 anos da Contag e os 15 anos da aprovação da política de cotas para as mulheres na entidade. Em um congresso que contou com 43,9% de participação de mulheres, também resultado de um intenso processo de mobilização delas desde o 10o Congresso, elas conquistaram a aprovação da paridade, por unanimidade, em todas as instâncias do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR). Assim, foi acordado que a composição da nova Direção da Contag, que seria eleita no 12o Congresso Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais para a gestão 2017-2021, já contaria com 50% dos cargos para homens e 50% para mulheres em todas as instâncias da Contag (no Congresso Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, no Conselho Deliberativo e na Plenária Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais). Um dos encaminhamentos foi o de seguir aprofundando internamente o debate sobre a adoção da paridade de gênero em todas as suas entidades e instâncias deliberativas até o 12o CNTTR (CONTAG, 2013). É interessante perceber como a cada Congresso o debate sobre a importância de fortalecer os sujeitos da agricultura familiar historicamente invisibilizados e excluídos, como as mulheres, as(os) jovens e a Terceira Idade, se intensificou, avançando em uma perspectiva de diálogo entre as Secretarias específicas, e respeitando suas diversidades e particularidades.

Em 2017, o contexto do 12o Congresso da Contag foi marcado pelo fato de ter acontecido durante o governo Temer, após o golpe político, jurídico e midiático imposto à Dilma Roussef, primeira mulher presidenta do Brasil, em 2016, exigindo uma série de retrocesso nos direitos e políticas públicas para o campo, com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Ministério das Mulheres, entre outros. As mulheres também denunciaram o avanço do conservadorismo e fundamentalismo na sociedade, em um movimento de recuo nas conquistas sociais que elas vinham acumulando entre os anos de 2003 e 2015. O Congresso efetivou a paridade de gênero na participação das(os) delegadas(os) e na composição da nova Diretoria para a Gestão 2017-2021. Na abertura do Congresso, a então secretária de Mulheres, Alessandra Lunas, falou sobre os desafios da Contag para os próximos períodos:

Um deles (dos desafios) é o da maior confederação desse país de continuar avançando. E só nós, mulheres, sabemos o que significa o primeiro congresso da Contag paritário. Não é uma conquista de ontem. É uma conquista que nasceu do sonho de cada companheira. Essa entidade tem compromisso com a luta igualitária. Esse é um exemplo que a Contag está dando para as suas federações e sindicatos, que ainda nem cumprem o mínimo de 30% de mulheres em suas direções.[10]

Nesse mesmo sentido, Carmen Foro (secretária de Mulheres da Contag entre os anos de 2005-2013), afirmou: “A paridade representa mais do que metade de homens e mulheres na direção da Contag, a paridade representa o exercício da igualdade de direitos e oportunidades de vivenciar e fazer ação sindical. A paridade na Contag é mais uma conquista, mas não encerra a luta das mulheres rurais por igualdade.”[11]

Por fim, chegamos ao 13o Congresso da Contag, que aconteceu em 2021, durante a pandemia da Covid 19 e o isolamento social pandêmico, e o governo Bolsonaro. O Congresso foi realizado de forma virtual, contando com a  participação de cerca de três mil pessoas on-line, um formado inédito que, mesmo limitando o contato e a presença física, possibilitou uma ampla participação de agricultoras(res) familiares de todo o Brasil. Em sua fala de abertura, a secretária de Mulheres Mazé Morais comentou: “O 13o CNTTR ocorre num momento desafiador, mas o fato de conseguirmos nos mobilizar para construir esse Congresso mostra a nossa resiliência perante a pandemia e os impactos sociais e econômicos pelos quais o país passa, com o aumento do desemprego, da insegurança alimentar e da violência, sobretudo contra as mulheres” (Mazé Morais).[12] Esta fala trouxe a denúncia do aumento da violência contra as mulheres ao longo da pandemia, além da necessidade de fortalecer a luta pela retomada dos direitos e políticas públicas destruídas pelos governos Temer e Bolsonaro, o que também orienta as ações que a entidade deve implementar no próximo mandato.

Desde então, segue intenso o debate sobre a necessidade de garantir a efetiva implementação da paridade, demandando inclusive punições para quem não cumprir a deliberação congressual. Vale destacar que surgiu uma demanda por aprofundar os debates no MSTTR sobre “diversidade sexual e gênero”, considerando e incluindo as vozes e experiências das mulheres trans e dos sujeitos LGBTQIA+, no enfrentamento à lesbofobia, transfobia e todas as formas de preconceito de gênero. Nesse sentido, foi proposta a criação de um Coletivo Nacional LGBTQIA+, a ser organizado em conjunto com as Secretarias de Mulheres e Juventude (CONTAG, 2021). Por fim, neste congresso foi apresentada pela primeira vez na história da Contag uma mulher para assumir a Secretaria de Política Agrícola.

Este histórico, ainda que abreviado, mostra que ao longo dos 60 anos da Contag houve muitos desafios permeados por tensões, resistências e conflitos, mas, também, conquistas importantes a partir da luta e organização das mulheres, tal como a instituição da paridade nos cargos de Direção da Contag (2017). Estes feitos se tornaram ainda mais importantes tendo em vista que, em parte desse período, o Brasil vivia sob um regime de exceção, no qual a luta por direitos de qualquer natureza era considerada subversiva. As conquistas inspiraram e resultaram em novos e inquestionáveis avanços, entre eles, a Marcha das Margaridas.

Antes de compreender a contribuição da Marcha das Margaridas, vale destacar que as duas últimas décadas do século XX foi um período efervescente de processos organizativos de mulheres rurais no Brasil, que gerou em todo o país a criação de movimentos específicos que deram força para os movimentos de mulheres e feministas que vinham se constituindo e que surgiram depois. No Nordeste, em 1982, foram criados o Movimento de Mulheres do Brejo Paraibano e o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Sertão Central (MMTRSC), em Pernambuco. Em 1986, a partir da necessidade de mulheres sindicalistas rurais, foi instituído o Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE), com intensa relação com a Contag. Inclusive, Margarida Pereira da Silva, a primeira coordenadora da CNMTR da Contag, é uma das fundadoras do MMTR-NE (AGUIAR, 2015; SILVA, 2008, 2021).

Na região Sul do Brasil, surgiram vários movimentos regionais como o Movimento de Mulheres Agricultoras (MMA), em 1983, e os grupos “Margaridas” e as “Mulheres da Roça” (1986) que, posteriormente, em 1989, deram origem ao Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Sul (MMTR-RS). Em 1988, a Articulação das Mulheres Trabalhadoras Rurais da Região Sul se constituiu e reuniu mulheres de toda a região.

De caráter nacional, foi formada, em 1995, a Articulação Nacional dos Movimentos de Mulheres Trabalhadoras Rurais (ANMTR), que conseguiu reunir todos os movimentos organizados por mulheres naquele período, tanto os articulados com os sindicatos do sistema Contag quanto às organizações vinculadas ao MST e à Via Campesina. Em 2004, ela se filiou à Via e passou a se denominar MMC. Porém, essa filiação não foi consensual, e em Pernambuco foi mantido o MMTR-PE (PAULILO; BONI, 2016).

Todo essa efervescência entre os anos 1980 e 2000, ao longo da segunda e da terceira ondas do feminismo no Brasil, mostra como os processos de mobilização e organização das mulheres do campo se davam tanto por dentro dos movimentos sindicais, na Contag, por exemplo, quanto em espaços específicos, muitas vezes por grupos de mulheres que avaliaram que não seria possível fazer uma transformação da sociedade patriarcal e do machismo por dentro das instâncias formais dos sindicatos, federações e confederações. Mesmo com diferentes estratégias, o que se pode perceber é que esses processos estavam em profundo diálogo, pois mesmo que permeado por divergências conseguiam construir convergências estratégicas entre as mulheres nos/dos movimentos mistos e o movimento feminista, ou de mulheres,[13] assim como entre as integrantes dos partidos políticos, que tinham como objetivo central a superação da desigualdade estrutural entre homens e mulheres na sociedade capitalista e patriarcal. Juntas, as mulheres denunciavam tanto as desigualdades de classe quanto de gênero,[14] trazendo temas específicos às suas vidas, como saúde, sexualidade, violência sexista, direito à creche, e críticas à ação do Estado (FARAH, 2004).

Entender toda essa trajetória de organização das mulheres rurais dentro e fora da Contag possibilita identificar algumas das contribuições que essa luta trouxe para o sindicalismo rural no Brasil. Vimos que as mulheres pautaram e cobraram o seu reconhecimento e a sua representação como sujeitos coletivos, como sujeitos políticos (FARAH, 2004) no movimento sindical desde a década de 1980. Desde o início, elas questionaram as formas tradicionais de se fazer política (PIMENTA, 2013), problematizando os limites entre o público/político e o privado, mostrando como as questões do cotidiano, vivenciadas nas famílias, nas comunidades, nas relações pessoais deviam ser pauta do movimento. Nesse sentido, elas ampliaram demandas, incorporando questões como a violência contra as mulheres, o assédio, mas também o trabalho produtivo e reprodutivo, as formas de produzir e se relacionar, a sustentabilidade da vida e a agroecologia.

As mulheres mobilizadas favoreceram ainda os processos formativos internos, com a luta pela criação da Enfoc (Escola Nacional de Formação da Contag), que a princípio foi uma demanda delas por um espaço específico de formação (vale destacar que mesmo a escola tendo se tornando um espaço misto, hoje ela conta com formações direcionadas às mulheres). Como disse Hilda Maria Alves, educadora popular, na comemoração de 10 anos da Enfoc, em 2016: “Eu tive o privilégio de fazer parte da construção da Enfoc e da sua 1a turma. Temos que trazer na comemoração dos 10 anos da Enfoc a participação e construção da Escola pela mão das mulheres.”[15]

A organização e luta das mulheres também foi inspiração para o movimento de juventudes (GALINDO, 2017) e da Terceira Idade no sindicalismo, na medida em que estes seguiram os caminhos abertos por elas na luta por reconhecimento e representação, por exemplo, a partir da busca por cotas de participação e criação de instâncias específicas dentro da estrutura da Contag, das federações e sindicatos. Também é interessante perceber o pioneirismo da Contag em reconhecer a importância da organização dos sujeitos da Terceira Idade. Por fim, vale destacar que este diálogo com os movimentos autônomos de mulheres e/ou feministas favoreceram a auto-organização delas como estratégia e trouxeram esse aprendizado para todo o sistema da Contag mediante a criação de comissões, coordenações ou secretarias de mulheres em todos os níveis, federal, estaduais e locais.

 

A Marcha das Margaridas – contribuições para o movimento sindical

 A Marcha das Margaridas é uma mobilização estratégica das mulheres do campo, da floresta e das águas que se tornou parte da agenda do Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR). É organizada e realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), em parceira com diversas organizações e movimentos feministas e de mulheres do Brasil (CONTAG, 2015). Com 23 anos de organização, a Marcha se tornou uma referência nacional e internacional de mobilização das mulheres do campo, das águas e das florestas por se expressar por meio da maior ação em massa realizada pela Contag.

Em 2000, as mulheres trabalhadoras rurais realizaram a primeira Marcha das Margaridas. Sua primeira edição ocorreu naquele ano sob o lema: “2000 Razões para Marchar Contra a Fome, a Pobreza e a Violência Sexista”. Após esta ação, que trouxe para Brasília 20 mil mulheres de todo o país, definiu-se que ela passaria a ser realizada de quatro em quatro anos (à exceção do intervalo entre a primeira e a segunda edição, que foi de três anos) e que teria um caráter formativo, de denúncia e de pressão social, assim como de proposição, diálogo e negociação com o Estado por políticas públicas. Ao longo das sete edições (2000, 2003, 2007, 2011, 2015, 2019 e 2023), a capacidade de organização e mobilização foi sendo ampliada, chegando a alcançar o quantitativo de 100 mil mulheres reunidas em Brasília, em 2019.

A Marcha tem como principais objetivos, segundo o Caderno de Textos para Estudos e Debates de 2015:

Fortalecer e ampliar a organização, mobilização e formação sindical e feminista das mulheres trabalhadoras rurais; b) Reafirmar o protagonismo e dar visibilidade à contribuição econômica, política e social das mulheres do campo, da floresta e das águas na construção de um novo processo de desenvolvimento rural voltado para a sustentabilidade da vida humana e do meio ambiente; c) Apresentar, através de proposições, nossa crítica ao modelo de desenvolvimento hegemônico a partir de uma perspectiva feminista; d) Protestar contra as causas estruturantes da insegurança alimentar e nutricional que precisam ser enfrentados para a garantia do direito humano à alimentação adequada e da soberania alimentar; e) Denunciar e lutar contra todas as formas de violência, exploração e discriminação contra as mulheres, no sentido da construção da igualdade; f) Atualizar e qualificar a pauta de negociações, propondo e negociando políticas públicas para as mulheres do campo, da floresta e das águas, considerando as suas especificidades. (CONTAG, 2015, p. 8)

Sua principal luta tem sido por melhoria na qualidade de vida, especialmente para as mulheres, trazendo questões referentes tanto à produção quanto à reprodução da vida no meio rural.

A Marcha recebeu esse nome em homenagem a Margarida Maria Alves, que foi uma sindicalista de Alagoa Grande, na Paraíba, assassinada por latifundiários no dia 12 de agosto de 1983. A data se tornou referência para a realização das mobilizações e para as Jornadas das Margaridas, que se converteram em atividades anuais de monitoramento e negociação das demandas entregues aos governos.

Ao longo desses 23 anos, as problemáticas levantadas pela Marcha das Margaridas foi acompanhando as mudanças políticas, econômicas, sociais, culturais e ambientais do país e do mundo, bem como aprofundando o diálogo com a academia e os debates dos movimentos sociais. Dessa forma, seus lemas e eixos de debate foram incorporando novos temas e, a partir de sua quarta edição, em 2011, a centralidade das demandas tornou-se a busca por um desenvolvimento rural sustentável, em consonância com as propostas de políticas públicas implementadas no Brasil a partir de 2003, quando o projeto de um governo democrático popular, personalizado na figura do presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva, ascendeu ao poder. Os diálogos da Contag com o governo federal foram sendo estabelecidos com base no Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável (PADRS), construído pelo movimento sindical rural, expresso nas propostas de pauta dos Gritos das Terra e da Marcha das Margaridas.

Observando os lemas das sete edições da Marcha das Margaridas, podemos perceber que, desde o primeiro ano, o questionamento ao modelo de desenvolvimento capitalista, neoliberal, sempre esteve no centro dos debates. Essa proposta se expressava no meio rural pela implementação da revolução verde e sua modernização conservadora, que fortaleceu o setor do agronegócio e o latifúndio no Brasil. Em 2000, as mulheres trabalhadoras rurais, organizadas no movimento sindical rural, apresentaram essa bandeira de luta em diálogo com o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PADRSS), do Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR), que vinha sendo construído. Mas foi na quarta edição (2011) que o tema do desenvolvimento rural sustentável foi estabelecido como central no lema da Marcha, dando mais destaque a esse tema como perspectiva política e caminho estratégico. Ao longo das edições da Marcha, o debate sobre qual modelo de desenvolvimento as mulheres trabalhadoras rurais desejavam foi sendo adensado e complexificado.

Para entender o contexto desses debates, é importante examinarmos os movimentos e as organizações que contribuíram com as reflexões em cada período. No decorrer da história da Marcha das Margaridas, conforme sugerido nos documentos e entrevistas realizadas no contexto da elaboração da dissertação de Sarah Moreira (2019), a Marcha é apresentada como uma ação da Contag que envolve outros movimentos e organizações tratadas como colaboradoras ou parceiras, que passam a compor sua coordenação ampliada. Essas entidades participaram de diferentes formas (em distintos níveis) e foram envolvidas nos diversos processos, tal como na definição dos eixos estruturantes (Quadro 1), passando pela construção do documento de reivindicações e pelo monitoramento das negociações com as várias instituições do governo federal.

A presença das parceiras contribuiu para a aproximação e o aprofundamento dos debates feministas e ambientais/ecológicos/agroecológicos dentro da Contag. À medida que as organizações e movimentos que compunham a coordenação ampliada da Marcha das Margaridas vinham colocando novas solicitações ou outros ângulos de percepção, a Contag, a partir da Secretaria de Mulheres, foi incorporando ou fazendo releituras dos temas e questões. A questão do feminismo e da agroecologia são interessantes exemplos desse movimento.

 

Quadro 1 – Resumo dos eixos temáticos e aspectos marcantes em cada das edições das Marchas das Margaridas

 

Ano

Pauta – Eixos temáticos

·     Aspectos marcantes

2000

Lema: 2000 razões para marchar contra a fome, a pobreza e a violência sexista – Fortalecendo o Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável

20 mil mulheres em Brasília

1 Valorização da participação da mulher na reforma agrária e na agricultura familiar

2 Garantia e ampliação dos direitos trabalhistas e sociais

3 Combate à violência e impunidade no campo e a todas as formas de discriminação social e de gênero

·     Governo neoliberal de FHC

·     Primeira Marcha foi resultado de muita tensão interna dentro do MSTTR – mulheres foram muito questionadas, desacreditadas, consideradas “loucas”, sem discernimento político para propor uma ação daquele tamanho, naquele momento

·     Crítica dura ao sistema capitalista, neoliberal e ao modelo de desenvolvimento rural e seus impactos na vida das mulheres

·     Identidade: mulheres trabalhadoras rurais

2003

Lema: 2003 razões para marchar contra a fome, a pobreza e a violência sexista

40 mil mulheres em Brasília

 

1 A reforma agrária como instrumento para o desenvolvimento rural sustentável

2 Organização da produção das mulheres trabalhadoras rurais

3 Meio ambiente – promover a sustentabilidade com agroecologia e um novo padrão energético

4 Por uma política de valorização do salário mínimo

5 Saúde pública com assistência integral à mulher

6 Contra a violência sexista e todas as formas de discriminação e violência no campo

7 Ações afirmativas de valorização das mulheres rurai

8 Garantia e ampliação dos direitos previdenciários

9 Por uma educação do campo

·    Início do primeiro mandato do presidente Lula

 

·    Política de valorização do salário mínimo aumenta sua força nas propostas

·    Identidade: mulheres trabalhadoras rurais

2007

Lema: 2007 razões para marchar contra a fome, a pobreza e a violência sexista

70 mil mulheres em Brasília

1Terra, água e agroecologia

2 Segurança Alimentar e Nutricional e a construção da soberania alimentar

3 Trabalho, renda e economia solidária

4 Garantia de emprego e melhores condições de vida e trabalho das assalariadas

5 Política de valorização do salário mínimo

6 Previdência Social pública, universal e solidária

7 Em defesa da saúde pública e do SUS

8 Educação do campo não sexista

9 Combate à violência contra as mulheres

·    Segundo mandato do governo Lula

·    Marcha das Margaridas introduz a identidade das “mulheres do campo e da floresta”, com mais visibilidade das mulheres extrativistas, das florestas

·    Além da pauta ampla, foi entregue uma síntese ao governo federal, com 13 pontos

·    Foi entregue também uma pauta para o Poder Legislativo

2011

Lema: 2011 razões para marchar por desenvolvimento sustentável com justiça, autonomia, igualdade e liberdade

 70 mil mulheres em Brasília

Eixo I: Biodiversidade e Democratização dos Recursos Naturais

Eixo II: Terra, Água e Agroecologia

Eixo III: Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

Eixo IV: Autonomia Econômica, Trabalho e Renda

Eixo V: Educação não Sexista, Sexualidade e Violência

Eixo VI: Saúde e Direitos Reprodutivos.

Eixo VII: Democracia, Poder e Participação Política.

 

·    Eleição da primeira presidenta da história do Brasil

·    É considerado por várias das lideranças entrevistadas como marcante, em virtude da quantidade de respostas à pauta

·    Demandas trazem questões do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário e da agenda feminista

·    Pauta continha 158 itens

·    Cobrança de criação de um programa que promovesse a massificação da transição agroecológica nas unidades familiares de produção.

·    Pedido de ampliação, qualificação e instituição como política pública do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais.

·    Solicitação de criação de um Programa Interministerial para a Promoção da Alimentação Saudável, de base agroecológica.

·    Identidade: mulheres do campo, da floresta e das águas.

2015

Lema: Margaridas seguem em marcha por desenvolvimento sustentável com democracia, justiça, autonomia, igualdade e liberdade

100 mil mulheres em Brasília

Eixo 1: As Margaridas na Luta por Terra, Água e Agroecologia: Pilares de Sustentação da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

Eixo 2: Margaridas em Defesa da Sociobiodiversidade e dos Bens Comuns.

Eixo 3: Margaridas em Defesa da Autonomia Econômica, do Trabalho e da Renda para as Mulheres do Campo, da Floresta e das Águas

Eixo 4: Margaridas em Defesa da Educação Não Sexista, da Educação Sexual e da Sexualidade Vivida com Liberdade

Eixo 5: As Margaridas no Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres

Eixo 6: Margaridas em Defesa do Direito à Saúde e aos Direitos Reprodutivos

Eixo 7: Margaridas em Defesa da Democracia, do Poder e da Participação das Mulheres.

·    Crise política e econômica no Brasil, com ameaça de golpe à presidenta Dilma.

·    Forte luta em defesa da democracia.

·    Foi considerada a Marcha da Resistência (ao golpe, à crise, às tensões, às dificuldades econômicas). 

·    Caderno apresentou proposições específicas das Margaridas de cada região no país e pelos biomas (Margaridas da Amazônia; Margaridas do Cerrado e do Pantanal; a voz das Margaridas do Nordeste, do Sudeste e do Sul).

·    Documento contou ainda com requerimentos específicos das mulheres jovens, da Terceira Idade, das assalariadas rurais, assim como das Margaridas das Águas, Quilombolas e Indígenas.

·    Foi entregue uma pauta de reivindicações para o Legislativo.

·    Identidade: Margaridas e mulheres do campo, das águas e das florestas.

2019

Lema: Margaridas na luta por um Brasil com soberania popular, democracia, justiça, igualdade e livre de violência

100 mil mulheres em Brasília

Eixo 1: Por Democracia com Igualdade e Fortalecimento da Participação Política das Mulheres

Eixo 2: Pela Autodeterminação dos Povos, com Soberania Alimentar e Energética

Eixo 3: Pela Proteção e Conservação da Sociobiodiversidade e Acesso aos bens comuns

Eixo 4: Por Autonomia Econômica, Trabalho e Renda

Eixo 5: Por Terra, Água e Agroecologia

Eixo 6: Por uma Vida Livre de Todas as Formas de Violência, sem Racismo e sem Sexismo

Eixo 7: Pela Autonomia e Liberdade das Mulheres sobre o seu Corpo e sua Sexualidade

Eixo 8: Por Saúde Pública e em Defesa do SUS

Eixo 9: Por Previdência e Assistência Social Pública, Universal e Solidária

Eixo 10: Por uma Educação Não Sexista e Antirracista e pelo Direito à Educação do Campo

·    Aconteceu no contexto do governo de extrema direta de Bolsonaro

·    Foi marcado pelo medo da reação à Marcha, com muita organização em torno da segurança

·    Foi a primeira que não apresentou pauta ao governo federal para negociação, pela avaliação de que não era possível diálogo

·    O documento produzido foi uma plataforma política para dialogar com a sociedade

·    Por esse contexto a centralidade estava na luta em defesa da democracia e da soberania popular

2023

Lema: Pela reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver

100 mil mulheres em Brasília

Eixo 1: Democracia Participativa e Soberania Popular

Eixo 2: Poder e Participação Política das Mulheres

Eixo 3: Vida Livre de todas as Formas de Violência, sem Racismo e sem Sexismo
Autodeterminação dos Povos, com Soberania Alimentar, Hídrica e Energética.

Eixo 4: Autonomia e Liberdade das Mulheres sobre o seu Corpo e a sua Sexualidade

Eixo 5: Proteção da Natureza com Justiça Ambiental e Climática

Eixo 6: Autodeterminação dos Povos, com Soberania Alimentar, Hídrica e Energética

Eixo 7: Democratização do acesso à terra e garantia dos direitos territoriais e dos maretórios

Eixo 8: Direito de Acesso e Uso da Biodiversidade, Defesa dos Bens Comuns

Eixo 9: Vida Saudável com Agroecologia e Segurança Alimentar e Nutricional

Eixo 10: Autonomia Econômica, Inclusão Produtiva, Trabalho e Renda

Eixo 11: Saúde, Previdência e Assistência Social Pública, Universal e Solidária

Eixo 12: Educação Pública Não Sexista e Antirracista e Direito à Educação do e no Campo

Eixo 13: Universalização do Acesso à Internet e Inclusão Digital

·    O lema dessa Marcha foi decidido apenas depois do resultado das eleições de 2022 – o processo anterior de organização trabalhava com dois contextos possíveis (1 – a vitória de Lula; 2 – a reeleição de Bolsonaro)

·    O contexto dessa Marcha foi marcado pela esperança que a eleição de Lula trouxe, com a retomada de um governo democrático e progressista

·    Com o desmonte das políticas públicas, a extinção do MDA e a destruição da maioria das políticas públicas para mulheres rurais no Brasil pela gestão anterior, a centralidade desta Marcha estava na reconstrução do país e das políticas para o rural

·    Com a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar, esta instância volta a ser um interlocutor importante

·    No entanto, houve uma busca por dialogar com todos os ministérios (importante dizer que todos os 33 ministérios em alguma medida deram respostas às demandas da Marcha das Margaridas)

·    Lula recebeu a Marcha e apresentou em frente ao Congresso as principais respostas do governo

 

Fonte: http://transformatoriomargaridas.org.br/ e Marcha das Margaridas 2023.

Elaboração: As autoras, a partir da primeira versão da tabela que constava em Moreira (2019), dos Documentos da Marcha das Margaridas e do Transformatório das Margaridas.[16]

 

De forma geral, o grupo central de coordenação tem sido composto por movimentos sociais sindicais, ambientais/regionais e por feministas, assim como algumas Organizações não Governamentais, cooperativas e outras redes. Desde a 1a edição, o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (Miqcb), o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e o Movimento Interestadual de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE), e ainda a Central Única dos Trabalhadores (CUT) têm composto essa articulação. Essas organizações e movimentos originam-se de realidades e formas de organizações diferenciadas (rurais, nordestinas, quebradeiras de coco, extrativistas, urbanas) e trouxeram temas, problematizações e reflexões que contribuíram para adensar o conteúdo político da Marcha das Margaridas. A cada edição, as parcerias foram sendo ampliadas, agregando novos olhares, outras experiências e acúmulos políticos, como aponta Renata Moreno (2013).

Como parte desse processo, é interessante perceber que essa ação estratégica das mulheres trabalhadoras rurais foi se construindo e reconstruindo a partir da ampliação (a cada edição) de sua composição, com novas e diversas identidades de mulheres que foram se somando e compondo a Marcha, o que resultou na denominação coletiva de “mulheres do campo, da floresta e das águas”, expressão da complexificação das concepções de desenvolvimento rural, de agroecologia, de luta das mulheres e do feminismo.

Vale recordar que a identidade de ‘mulheres trabalhadoras rurais’ (PIMENTA, 2013; AGUIAR, 2015; BUTTO, 2017) foi construída pelas sindicalistas, com o intuito de demarcar a necessidade do reconhecimento do trabalho realizado por elas no meio rural, e posteriormente passaram a se reconhecer como ‘mulheres do campo, da floresta e das águas’ (AGUIAR, 2016; BUTTO, 2017), redefinida mediante a incorporação de diversos sujeitos nos debates entre os movimentos e destes com os governos. A mobilização da Marcha também dialoga com o conceito de ‘mulheres rurais’ (SALES, 1999; PAULILO, 2016a, 2016b), que foi utilizado nas produções do governo federal, com vistas à elaboração das políticas públicas que considerem toda a diversidade de experiências, identidades e trajetórias femininas no campo.

Sobre esse movimento de (re)construção de identidades nos movimentos sociais, Gohn (2013) destaca que

um movimento social com certa permanência é aquele que cria sua própria identidade a partir de suas necessidades e seus desejos. O reconhecimento da identidade política se faz no processo de luta, perante a sociedade civil e política. (p. 31-32)

Essa reflexão é relevante na observação sobre como diferentes identidades vão se somando na construção da Marcha das Margaridas, trazendo com elas desejos e expectativas expressas em novas questões que foram sendo adicionadas ao debate. Esse incremento de visões e entendimentos reforçou novas concepções sobre os caminhos para que o desenvolvimento rural entrasse nas reflexões, assim como novos repertórios de ação coletiva (TILLY, 2006), gerando momentos de tensão e de mudanças políticas.

Nesse sentido, Medeiros (2012) considera que o sujeito coletivo se forma no próprio processo do conflito, constituindo identidades essencialmente provisórias e relacionais, e mostra como há um processo de revalorização das dimensões culturais, ampliando a percepção sobre o que é considerado político. Tais olhares ajudam a entender os processos vividos pelas mulheres que construíram a Marcha das Margaridas em um movimento de se repensar e ampliar suas alianças, buscando acolher e representar cada vez mais outras experiências e realidades.

Esse movimento de afirmação e acolhimento das diferentes autoidentificações e realidades das mulheres no processo de ampliação das articulações da Marcha das Margaridas pode ter contribuído para que tal mobilização e suas reivindicações fossem tornando-se mais complexas e completas, dando mais força social e política à luta por uma causa que somou bandeiras do movimento sindical rural, do movimento feminista, do movimento socioambiental, incluindo até mesmo temas referentes ao movimento urbano (BUTTO, 2017; AGUIAR, 2015).

É possível averiguar que a Marcha ampliou suas articulações para além das fronteiras dos países, transnacionalizando suas lutas. Alvarez (2000) lembra que o final da década de 1990 foi marcado pelo contexto de globalização dos feminismos, quando esses ampliaram suas arenas políticas de atuação, ao mesmo tempo que sua contestação discursiva ganhou mais legitimidade, constituindo o que Fraser (2004) define como “contra-públicos subalternos”.

A respeito da transnacionalização das lutas e a perspectiva feminista, Medeiros (2012) cita Tarrow (2005), que considera que o internacionalismo é uma ampla rede de instituições, regimes, práticas e processos que incluem/dialogam com atores estatais e adentram pela e na política doméstica de diferentes países. Esse aspecto é trazido com grande força pelo movimento feminista, na medida em que esse tem como uma de suas principais questões tornar político o espaço privado. O autor nega o discurso de que há dicotomia entre o local e o global, acreditando que esses espaços dialogam e aproximam Estados e a política internacional, trocando experiências, formas de ação e interpretação de mundo e até mesmo novas identidades. Um exemplo interessante foi a experiência pioneira da Rede de Mulheres Rurais da América Latina e Caribe, a Rede LAC, que teve suas ações iniciadas em 1990 e se constituiu a partir de um encontro que reuniu 230 mulheres líderes rurais, de 100 organizações de 21 países, em Fortaleza, no ano de 1996. Vanete Almeida,[17] fundadora e coordenadora da Rede, foi fundamental para sua organização, que chegou a representar 25 mil trabalhadoras rurais de 23 países do mundo (JALIL, 2013).

A Marcha das Margaridas mostra esse esforço de construção de uma agenda comum entre diferentes organizações, com culturas e histórias distintas, envolvendo, como menciona Cohen (2003), uma série de dificuldades na tradução de laços e demandas locais para um requerimento mais genérico, na qual questões particulares podem ser ressignificadas ao ultrapassarem fronteiras locais e, assim, se ampliar e, possivelmente, produzir novas tensões.

Outro exemplo significativo que mostra como a Marcha tem buscado ampliação e transnacionalização de suas lutas, foi a participação de uma delegação internacional na 5a Marcha das Margaridas, em 2015, com 40 mulheres, representantes de organizações de 16 países. Elas participaram, em Brasília, de um seminário internacional que culminou na formação de uma rede de articulação internacional de mulheres rurais denominada “Rede Margaridas do Mundo” e na elaboração de uma carta em que estão explicitadas suas necessidades e reivindicações.

Scherer-Warren (2008) destaca desafios vivenciados pelos movimentos sociais, que também podem ser vistos em alguns momentos no processo de construção da Marcha das Margaridas, como a complexidade de temáticas e requerimentos, expressa nas amplas demandas apresentadas ao governo; a dificuldade de conciliação de temáticas prioritárias; o encontro e desencontro de agendas e de interesses; o diálogo (ou falta de diálogo) intercultural, intergeracional, interétnico, inter-regional, entre outros.

Mas olhar para a história da Marcha das Margaridas também é perceber como há diferentes lugares e formas de compreendê-la. Para que isto acontecesse de forma mais acurada, foram realizadas entrevistas com mulheres que participaram de sua construção e que a retrataram como mobilização ou ação (e como um evento), ou como articulação ou, ainda, como movimento (por vezes como rede), conforme depoimento de uma entrevistada:

Eu vejo mais como uma ação, onde há, por parte das companheiras da Contag, a intenção de transformar essa ação em um processo mais permanente. Mas eu acho que enquanto processo permanente tem uma coisa mais vinculada às mulheres da Contag, internamente na Contag. (Mulher representante de organização parceira da Marcha das Margaridas)

Para mim não é um evento, é uma ação em que a cada quatro anos as mulheres debatem... A cada 3 anos, por que elas fazem no quarto ano, mas a Marcha começa a preparar um ano antes, um ano e alguma coisa antes. (Mulher representante da Secretaria de Mulheres da Contag)

Muitas das pessoas entrevistadas consideraram a Marcha uma grande articulação, como um espaço de diálogo e troca que, mesmo proporcionando uma identidade comum, não consegue ter um processo orgânico de atuação continuada. Algumas mulheres ouvidas destacam esforços em manter a unidade na ação entre os anos de Marcha, mas afirmam que os debates acabam se concentrando no processo de sua organização. O fato de a Contag ter um papel maior na tomada de decisões, seja como coordenadora ou responsável por sua realização, faz com que a Marcha ainda tenha uma relação mais profunda com o movimento sindical rural. A percepção da Marcha como Rede veio de algumas pessoas, mas sem muita clareza do que diferenciaria uma articulação de uma rede.

(...) na prática a Marcha das Margaridas é muito mais uma grande rede, essa é a minha leitura, não é só uma mobilização. Eu acho que ela é um espaço onde a gente consegue dialogar com todo mundo. Na Marcha... eu acho que ela é uma grande rede, com os vários movimentos (...) organicamente eu não diria que é um movimento. (Mulher representante de organização parceira da Marcha das Margaridas)

Mas há, entre elas, quem não concorde com a percepção da Marcha como rede, afirmando que existem diferenças entre as diversas fases, entre uma Marcha e outra, e que ela acaba não sendo contínua, não tendo uma ação permanente como algumas gostariam que fosse.

Há, também, quem afirme que a Marcha das Margaridas pode ser considerada um movimento, mesmo que um movimento dentro da Contag. De maneira geral, a concepção de movimento é colocada mais como uma perspectiva, como um vir a ser, algo que pode se constituir a partir de uma relação construída e que toma corpo a cada quatro anos, mesmo entendendo que a Marcha ainda não é organicamente um movimento, estando mais próxima das ideias de articulação ou de uma grande rede, com vários movimentos, em que todo o mundo consegue dialogar.

Eu vejo a Marcha das Margaridas como um movimento que caminha (...) por dentro da Contag. (...) ainda são as mulheres trabalhadoras rurais da Contag com a capacidade maior da Marcha em mobilização. (Mulher representante da Secretaria de Mulheres da Contag)

Agora eu acho que é um movimento em análise. (...) Eu até acho que é um novo feminismo, um feminismo rural, sabe? Não é a mesma coisa do feminismo urbano, não. É um novo feminismo que nós estamos construindo. Nós estamos construindo teoria política, sabe? Eu não sei analisar essa teoria, mas sei que o que nós estamos fazendo na Marcha das Margaridas é construindo teoria e uma prática política para ser analisada. (Mulher representante da Secretaria de Mulheres da Contag)

Outra percepção importante relata que a Marcha das Margaridas vem se fortalecendo e se tornando uma referência de tal forma que tem uma força política própria, para além da Contag. Isso pode ser visto nos processos de negociação da Marcha com os governos, a abertura e a boa recepção da pauta. Em 2023, por exemplo, nove ministras(os) e representantes de outros ministérios receberam as demandas da Marcha[18] e 13 ministras(os) participaram da abertura oficial[19] no Parque da Cidade, em Brasília.

Mesmo diante de tão diversas compreensões sobre a Marcha das Margaridas, o que podemos afirmar como síntese das reflexões desenvolvidas aqui é que ela conquistou grande reconhecimento social e político, dando visibilidade para o movimento sindical rural no Brasil e no mundo. Ao longo dos seus 23 anos, ela tem sido fundamental para reconhecer as diversidades de mulheres e suas identidades, adaptando-se para incluí-las, de trabalhadoras rurais a mulheres do campo, da floresta e das águas (AGUIAR, 2015), além do uso do reconhecimento como Margaridas (MOTTA, 2021). Nesse processo também houve a compreensão de que muitas vezes as identidades são múltiplas, podendo ser ao mesmo tempo agricultora familiar, quilombola e mulheres das florestas, por exemplo.

Ao mesmo tempo, a Marcha mediou um aumento no diálogo do movimento sindical com o movimento de mulheres, feministas, ambientais e agroecológicos, ao ampliar seu arco de alianças para fortalecer a luta de classe e gênero (BUTTO, 2017), e trouxe para o movimento sindical rural lutas como o feminismo, a agroecologia (MOREIRA, 2019) e atualmente o enfrentamento ao racismo.

Os feminismos na luta das mulheres rurais e na Marcha das Margaridas

Conhecer o processo de formação e fortalecimento da Marcha das Margaridas também significa tratar das epistemologias e dos movimentos feministas, em sua diversidade, em perspectiva histórica, buscando perceber como se deu a incorporação ou a percepção (ou não) por parte das trabalhadoras rurais de que as pautas feministas sempre fizeram parte das lutas da Marcha ao longo de suas edições. Tendo o(s) feminismo(s) como categoria de análise, refletimos sobre as mudanças conceituais, teóricas e práticas que vêm acontecendo nas últimas décadas e de que maneira elas se expressam no processo de articulação e luta da Marcha das Margaridas no Brasil. De acordo com os pressupostos de Ana de Miguel (1995, p. 217), pensamos que o feminismo esteve presente “sempre que as mulheres, individual ou coletivamente, se queixaram de seu injusto e amargo destino sob o patriarcado e reivindicaram uma situação diferente, uma vida melhor”.

Para melhor compreender tais movimentos e seus repertórios, é interessante considerar que, ao longo da história, diferentes foram as formas como as mulheres se articularam, tanto na teoria quanto na prática, para apresentar suas reivindicações e construir suas estratégias de ação, sempre marcadas pelos debates da igualdade e da diferença. E muitas organizações coletivas passaram a diferenciar o seu feminismo dos outros feminismos, geralmente questionando aqueles considerados hegemônicos, falando de sua particularidade. As referências históricas e as vertentes mais conhecidas são marcadas pela forte influência europeia (anglo-saxã e francesa) e norte-americana, o que tem sido alvo de muitas críticas atualmente, que destacam a visão eurocêntrica que orienta as reflexões e principais teorias feministas.

O que é importante para este artigo é compreender as principais questões trazidas pelos feminismos para buscar identificar de que forma a Marcha das Margaridas dialoga e fortalece essas lutas e perspectivas, assim como tentar perceber quais os feminismos que mais dialogam com as identidades e repertórios de ação coletiva construídos pela Marcha.

Algumas autoras debatem sobre a história do feminismo a partir da ideia de ondas, tais como Rebecca Walker (1992), Céli Pinto (2010), Linda Nicholson (2013), Marlise Matos (2014), ou o problematizam como Nancy Hewitt (2010) e Donna Goodman (2019). A primeira onda, do fim do século XIX até meados do século XX, foi marcada pelos clamores por igualdade de direitos, em especial os direitos civis e políticos, sendo a luta sufragista um de seus marcos, como comenta Céli Pinto (2010). A segunda onda, demarcada entre os anos de 1960 e o final dos anos 1980, trouxe à tona os debates e os questionamentos, sobre o que seria ser mulher, de estruturas que oprimiam as mulheres sob formas de violência e subordinação no cotidiano, afirmando a existência de uma dominação dos homens sobre as mulheres e de relações desiguais de gênero, com foco em temas relacionados à construção das subjetividades e da sexualidade feminina, marcada pelos embates entre o feminismo da igualdade e o da diferença, na luta por liberdade (FRANCHINI, 2017; ZIRBEL, 2021).

A terceira onda, do final dos anos 1980 até os dias atuais, trouxe o questionamento de pensamentos categóricos, estruturantes ou padronizadores, com centralidade na demarcação das diversidade de experiências vividas pelas mulheres, suas especificidades e importância de auto-organização a partir desta identidade, com força para o feminismo negro, assim como pela desconstrução do estereótipos de gênero, trazendo o debate sobre a importância do reconhecimento das mulheres trans, dialoga com os estudos de gênero e as teorias do patriarcado, tanto das marxistas quanto das pós-estruturalistas, além dos estudos pós-feministas ou pós-modernas e sua perspectiva culturalista (FRANCHINI, 2017; ZIRBEL, 2021). Atualmente, fala-se ainda de uma quarta onda do feminismo que seria interseccional, digital e coletiva, como dizem Olívia Cristina Perez e Arlene Ricoldi (2019), caraterizada pela desinstitucionalização, pela horizontalidade, pela organização em grupos ou coletivos, pelo retorno às ruas caráter intersetorial, divisão e disputa entre vertentes e caráter transnacional. Quanto à ideia de retorno dos movimentos às ruas e à transnacionalidade, vários movimentos como a Marcha Mundial das Mulheres, e mesmo a Marcha das Margaridas, diriam que eles nunca saíram das ruas e que são transnacionais há cerca de duas décadas, além de terem tido sempre uma perspectiva coletiva.     

Ao olhar para as tão faladas ondas do feminismo, vemos que as mobilizações da Marcha das Margaridas, ao longo dos anos, vai dialogando com todas as tipificações, pois no início de sua organização teve forte influência dos debates sobre os direitos civis e políticos pautados pela primeira onda, uma vez que a luta era por reconhecimento como trabalhadora, documentação civil, e a consequente ampliação da participação e representação política. Na segunda onda, podemos ver uma relação com a leitura das estruturas e as instituições, inclusive sindical, que mantêm e reproduzem as relações de opressão e violência, enquanto na terceira se verifica a incorporação das questões da diversidade entre as mulheres, o que inclusive se expressa depois da ampliação das identidade das mulheres da Marcha (de mulheres trabalhadoras rurais, para mulheres do campo, das águas e das florestas), como tratamos mais à frente, assim como uma atenção maior às mulheres indígenas, quilombolas, ribeirinhas, entre outras. Nas Marchas de 2019 e 2023 (CONTAG, 2019, 2023), conseguimos observar também a busca por uma leitura interseccional e a influência da atuação digital, principalmente pautada pelas jovens. 

Com relação ao feminismo no Brasil, podemos perceber ainda as conexões históricas e os diálogos com a organização e luta das mulheres. Como mostra Céli Regina Jardim Pinto (2003), tivemos nos país as seguintes fases: a primeira, marcada pela luta por direitos políticos de participação e voto e pela ação das mulheres anarquistas, do final do século XIX a meados do século XX; a segunda, em que a luta contra a ditadura e pela redemocratização do país foi o contexto de reação e da rearticulação dos partidos e dos movimentos sociais, em especial pelos movimentos de mulheres e feministas e pelas organizações do campo, entre os anos 1960 e 1980; e a terceira, na qual o neoliberalismo impôs sua agenda e os movimentos feministas passaram por um processo de institucionalização e fragmentação e por uma grande ebulição e ampliação das lutas no meio rural.

Olhando para estas fases no Brasil, conseguimos identificar como as lutas das mulheres rurais no sindicalismo rural fazem parte da segunda fase de redemocratização e rearticulação dos movimentos sociais, na busca por sair da invisibilidade e do isolamento do mundo privado para o reconhecimento de seu trabalho produtivo, por intermédio da afirmação nos espaços públicos e, especificamente no movimento sindical, da identidade de mulheres trabalhadoras rurais. Serem consideradas como trabalhadoras era parte de uma longa caminhada de afirmação de sua contribuição social, econômica e política, que deveria se expressar nas leis, nas políticas públicas, nos movimentos e na sociedade (HEREDIA; CINTRÃO, 2006). Ao mesmo tempo, na terceira fase, vê-se a Marcha das Margaridas como expressão da ampliação das lutas, assim como do enfrentamento ao risco de fragmentação das articulações perante o desafio do alargamento das identidades. E aqui vemos como estas mulheres se organizaram em diálogo com os movimentos feministas no Brasil.

Sabemos que desde a década de 1960, no processo de construção, desconstrução e reconstrução do(s) feminismo(s), vários vão se desenhando a partir de diferentes perspectivas analíticas ou sujeitos visibilizados, tais como o feminismo marxista, o radical, o pós-moderno, o feminismo negro, o comunitário, o camponês popular. E podemos perceber que a organização das mulheres do sindicalismo rural da Contag e da Marcha das Margaridas, em alguma medida, bebem um pouco de cada uma destas concepções.

Entre os vários feminismos, observamos que os documentos e debates realizados pela Marcha das Margaridas se aproximam do feminismo marxista, que vê como causa da subordinação feminina a própria organização da economia e do mundo do trabalho, marcado pelo acesso aos meios de produção e o fim da divisão sexual do trabalho (KERGOAT, 2003; SAFFIOTI, 2004), visto que o conceito do trabalho é central na afirmação dessas mulheres como trabalhadoras rurais e na percepção, ao longo de suas edições, da necessidade de problematizar a sobrecarga de trabalho e questionar os lugares preestabelecidos pela divisão sexual do trabalho.

Também há, em alguns momentos, um diálogo com o feminismo radical, que é identificado por considerar que a raiz da dominação masculina está no patriarcado, que separa e hierarquiza princípios e valores com base em dualismos como razão/emoção, objetivo/subjetivo, público/privado, homem/mulher. Essa ideologia estruturante parte da ideia da natureza inferior e imutável das mulheres, o que justificaria a opressão e sujeição impostas a elas, expressa no controle dos seus corpos e vidas: a dominação se dá, então, segundo essa corrente, a partir do sistema de dominação social do sexo (SAFFIOTI, 2004, 2013).

Nos últimos anos, percebemos ainda influências do feminismo pós-moderno na medida em que este debate sobre as diversidades das mulheres, pelo questionamento à visão da mulher como um ser homogêneo que desconsidera as suas várias vivências e performances. Essa perspectiva tem contribuído para trazer à tona debates a respeito das realidades das mulheres negras, das lésbicas, das indígenas e camponesas, e os feminismos (que passaria a ser tratado no plural), despertando reflexões sobre a necessidade da interseccionalidade (CRENSHAW, 2002) ou da consubstancialidade (KERGOAT, 2010), movimento que a Marcha também tem procurado fazer, especialmente quanto ao reconhecimento das diversidades de mulheres do campo, das águas e das florestas.

Identificamos ainda influência do feminismo negro, comunitário e camponês popular nos documentos da Marcha. Do feminismo negro, que tem como principais referências Bell Hooks (1984, 1994, 2000), Angela Davis (1998, 1999, 2017), Sueli Carneiro (2001, 2011) e Lélia Gonzalez (1982, 1983), que demarcam fortemente a realidade vivida pelas mulheres negras, oprimidas pelos(as) brancos(as) (homens e mulheres) e pelos homens negros, pautando a necessidade do olhar interseccional entre gênero, raça e classe (MEDINA, 2013). Esta busca tem marcado especialmente as duas últimas marchas (2019 e 2023), trazido especialmente pelas mulheres quilombolas e dos movimentos feministas.

A aproximação com o feminismo comunitário se apresenta pelas questões comuns que mostram as conexões entre as mulheres, seus corpos, seus territórios, sendo a comunidade o lugar de identidade, de vida e de resistência, que engloba um feminismo indígena, que procura construir-se a partir de um processo de luta das mulheres desde a sua cosmovisão e da percepção de sua relação com la madre tierra para a construção do buen vivir. Autoras como Julieta Paredes e Adriana Guzmán (2014), Lorena Cabnal (2010) e Maria Galindo (2013) têm sido fundamentais no processo de construção de concepções teóricas e práticas desse novo feminismo (GARGALLO, 2014). Na medida em que as Margaridas também têm tido o território como uma referência de denúncias e anúncios, além de haver uma busca por perceber as diferentes visões de mundo das mulheres quilombolas, indígenas, das águas, e considerá-las nas reivindicações, a inspiração do feminismo comunitários parece presente. 

Por fim, há uma explícita convergência da Marcha das Margaridas com o feminismo camponês e popular, a partir das mulheres organizadas em torno da Via Campesina, especialmente na América Latina, que se coloca como uma tentativa de aproximar o feminismo e a luta pela emancipação humana com base na perspectiva das mulheres camponesas, desde a sua realidade de vida, trabalho e relações, na luta contra o patriarcado e o capitalismo. Elas buscam ressignificar os conceitos de família, de trabalho, de cozinha (aproximando produção e reprodução), de natureza, a partir da valorização do que têm construído para a soberania alimentar (SANTOS, 2021). Pretendem ainda, apoiadas no debate das classes, aproximar-se das trabalhadoras das classes mais desfavorecidas do campo e das cidades, fortalecendo a luta das classes populares. Esse debate integra um projeto político emancipatório no qual as mulheres camponesas possam se ver e se reconhecer como sujeitos da transformação (BUTTO, 2017).

Para Táboas (2018), o Feminismo Camponês Popular é a

(...) construção de um projeto político essencialmente vinculado à realidade concreta e cotidiana das mulheres camponesas latino-americanas, uma prática política em constante construção que se apoia em um tripé – organização popular, formação política e luta de massas – e tem como horizonte a libertação das mulheres e do povo latino-americano, entendendo que esta é uma realização coletiva, não uma tarefa para ser cumprida individualmente (...) Reflete fundamentalmente as práticas diárias de resistência à dominação-exploração patriarcal-racista-capitalista protagonizada por mulheres camponesas latino-americanas. (p. 86)

Essa conexão se concretiza na incorporação do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) na coordenação ampliada da Marcha das Margaridas desde o ano de 2019, que está à frente dos debates e defesa do Feminismo Camponês Popular no Brasil.

Ao olhar para essa miríade de feminismos e suas especificidades, pudemos perceber que no âmbito da organização das mulheres trabalhadoras rurais do sindicalismo rural da Contag há uma maior aproximação com o feminismo marxista, que tem centralidade na questão do trabalho, e o feminismo radical, que olha para as opressões estruturalmente instituídas, enquanto no âmbito da Marcha das Margaridas haveria uma ampliação de diálogos com outros feminismos, exatamente por ser este um espaço que acolhe e troca com várias organizações e movimentos, fazendo mais aproximações, por exemplo, com o feminismo comunitário, o camponês e popular e o movimento negro. Todavia, não acreditamos que há uma intenção em se “filiar” ou escolher uma linha única, específica a seguir ou mesmo de criar uma nova linha do feminismo: percebemos que a Marcha das Margaridas, como espaço de encontro e unidade, tem buscado aprender de cada movimento e seu(s) feminismo(s) o que pode contribuir para fortalecer e ampliar conquistas e melhoria na qualidade de vida das mulheres do campo, das águas e das florestas.

Embora tenhamos apresentado a relação do movimento de mulheres do sindicalismo rural com o feminismo, é importante dizer que tal relação não é automática nem tranquila. Em entrevistas realizadas para a dissertação de Sarah Moreira (2019), o debate em torno do feminismo mostrou os desafios do autorreconhecimento das mulheres como feministas, mesmo em meio a algumas que faziam parte da organização e das lutas específicas femininas, dentro de um movimento sindical rural misto.

Paralelamente, algumas falas reforçam o fato de a Contag ser um movimento classista, misto, com mulheres, e não um movimento feminista, mas com militantes e ações feministas dentro de organização, inclusive para além da Marcha das Margaridas. Também chamou a atenção o fato de a Marcha das Margaridas não poder ser vista apenas como um gueto de mulheres dentro da Contag: ela precisa envolver o coletivo da organização, assim como as outras mulheres e/ou feministas da Direção ou da equipe de assessoras que atua no movimento. Nesse processo, algumas falas reforçam que a Marcha – como espaço de luta das mulheres rurais – também possibilitou a construção de sujeitos feministas dentro e fora do movimento sindical rural, como analisa Butto (2017). Nesse sentido, uma liderança da Marcha das Margaridas comenta:

Na primeira Marcha a gente não conseguia falar do feminismo como uma coisa geral, mas eu me lembro que nos estados já traziam a coisa mais elaborada. Foi o Ceará que fez a camiseta lilás (símbolo do feminismo), enquanto todas as outras fez verde. Depois eu me lembro que na Marcha de 2003 toda a estratégia para colocar o lilás e a gente fez essa atividade de formação na preparação. Então eu acho que teve um crescente. Tinha na coordenação da Marcha das Margaridas essa visão do feminismo, mas como ir colocando de forma geral pro conjunto das mulheres foi um processo. E foi um processo que foi crescendo, foi crescendo tanto em torno dos símbolos feministas... que passa pela cor, que passa por outras questões, mas também de como o conteúdo aparece. (Mulher representante da Secretaria de Mulheres da Contag)[20]

Como mencionam algumas entrevistadas, o feminismo sempre foi uma palavra meio “maldita”, principalmente nos movimentos mistos. Até mesmo em alguns movimentos de mulheres, e mulheres de movimentos autônomos, estas não se assumiam como feministas. Ao mesmo tempo, as mulheres do movimento sindical (lembram algumas) não eram bem-vistas pelo movimento feminista: eram consideradas “atrasadas”. No entanto, a Marcha das Margaridas passou a colocá-las em outro lugar, em outro patamar, de mais respeito, de mais reconhecimento quanto à sua contribuição para a luta feminista. E Medeiros (2012) chama a atenção para o que pode ter possibilitado esse processo de aproximação do feminismo:

(...) descobrir pontos comuns à situação das mulheres, conferir às disputas privadas um alcance público e converter mal-estares pessoais em causas coletivas. As ativistas que vêm em seguida não inventam abruptamente os papéis que desempenham, mas habitam universos de sentidos que lhes são legados, reorganizando-os em favor dos novos desafios que se apresentam. (p. 19)

Como nos mostra o trabalho de Aguiar (2018), muitas vezes as mulheres não se diziam abertamente feministas, especialmente pelo preconceito que permeia esse conceito, como revela a fala de Carmen Foro: “A palavra feminismo ou feminista dentro do movimento sindical é tratada com muito preconceito, portanto falar ‘eu sou uma feminista’ custa caro [...]” (AGUIAR, 2018, p. 228). Mas com os processos formativos e a relação com outros movimentas feministas, como a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), as sindicalistas passaram a perceber que suas práticas eram as mesmas das “tais feministas”, embora não as nomeassem dessa forma.

Um momento de avanço nesse processo deu-se a partir do I Curso Nacional de Formação Político Sindical para Mulheres, organizado pela Escola Nacional de Formação da Contag (Enfoc) e pela Secretaria de Mulheres da Contag, somado à participação de muitas representantes das Comissões Estaduais de Mulheres das Federações do sistema Contag na 4a Ação Internacional da Marcha Mundial das Mulheres (2010), no qual várias participantes deram depoimentos a respeito do seu reconhecimento como feminista ou como (ou quando) se viam feministas (AGUIAR, 2018).

Eu me acho feminista quando eu tô lá no meu estado defendendo a reforma agrária, eu me acho feminista quando eu tô lá defendendo as trabalhadoras rurais assalariadas, e me acho feminista também quando tamos defendendo as mulheres trabalhadoras que estão sendo vítimas de violência [...]. Acredito que o feminismo somos nós quando estamos lutando por direito, igualdade e oportunidade [...] (Luziete, Secretaria de Mulheres da Federação do estado de Sergipe, 2010). (p. 228)

Esta mudança pode ser percebida na pesquisa denominada “Marcha das Margaridas 2019: alimentação, mobilização social e feminismos”, feita pelo Grupo de Pesquisa Alimento pela Justiça a partir de entrevistas com as participantes da Marcha das Margaridas 2019, que mostraram, na pesquisa face a face, que a ideia da maioria delas relacionava feminismo com luta, igualdade de direitos e liberdade, com 83,5% apresentando uma visão positiva do feminismo, contra 8% que ainda viam o feminismo de forma negativa, e 8,5% de forma ambivalente. Sobre o feminismo, a pesquisa conclui que:

Grande maioria das mulheres se declarou totalmente feminista, ou feminista em parte. A maioria das mulheres defende os direitos de igualdade entre marido e mulher, em relação à responsabilidade pelas crianças, trabalho, participação política e sexualidade e enfatizam a importância da interferência em situações de violência contra as mulheres. Elas também reconhecem os direitos de minorias. Uma pauta tradicional do movimento feminista, a legalização do aborto, foi criticada pela maioria, mas elas negaram um punitivismo severo. A grande maioria reconheceu as desigualdades raciais existentes no país. (TEIXEIRA et al., 2021, p. 85)

No que diz respeito à Marcha das Margaridas e o feminismo, há uma compreensão geral, em especial pelas mulheres da própria Contag, de que as ações da Marcha das Margaridas sempre tiveram uma perspectiva feminista, mesmo que individualmente algumas lideranças ainda não tivessem assim se identificado.

Muita gente questiona se nós somos feministas ou não somos feministas (...) pra mim a Marcha das Margaridas tem, enquanto base estrutural, na sua plataforma, o ideal feminista. Eu sei que o conjunto das mulheres que participam da Marcha não tem isso aprofundado. Acho que é um bom desafio (...) havia uma negação política disso. E nós hoje andamos bastante! Eu sei que na maioria da leitura mais geral isso se dá a partir das principais lideranças. As principais lideranças articulam, formulam, percebem, articulam com toda uma agenda feminista as questões, mesmo que a maioria da base não se reconheça, não entenda como. (Mulher representante da Secretaria de Mulheres da Contag)

Mas tendo ou não tendo a palavra feminista nos textos da Marcha, os seus conteúdos, desde o início, encontram um lugar na plataforma feminista. Inclusive a Marcha de 2000 ela tem um lema que é o mesmo lema da Marcha Mundial das Mulheres. (Mulher representante da Secretaria de Mulheres da Contag)

Sempre foi um lugar de conflito e de tensão dentro das organizações mistas (...) E essa tensão produz novos processos. Então foi o que nós vivemos. Em alguns momentos sendo muito questionada, noutros momentos até recuando, noutros momentos fazendo muita tensão, mas não perdendo de vista que a Marcha das Margaridas tem uma agenda e tem por trás todo um ideal feminista de mudança, de questionamento do atual sistema, do sistema patriarcal. (Mulher representante da Secretaria de Mulheres da Contag)

Portanto, ao observar a relação das mulheres do sindicalismo da Contag e da Marcha das Margaridas com o feminismo, pudemos identificar que ao longo do seu processo organizativo foi havendo uma mudança na ideia negativa, pejorativa das feministas como mulheres que não gostavam de homens, como se esta fosse uma luta contra os homens. Com os processos formativos internos e as parcerias com movimentos feministas, como a MMM e a AMB, esta visão foi se desfazendo e as sindicalistas passaram, de forma geral, a ter uma visão mais positiva do feminismo, relacionando-o à luta, à liberdade e à igualdade de direitos. Apesar de algumas considerarem que desde o princípio a Marcha das Margaridas se baseou em princípios feministas, o processo de fortalecimento da organização e mobilização das mulheres contribuiu para que a identidade feminista fosse se aprofundando e as sindicalistas da Contag passassem a se identificar cada vez mais como feministas. 

Vimos que a perspectiva feminista vai amadurecendo na Marcha das Margaridas à medida que as reivindicações das mulheres por reforma agrária, acesso à água, por saúde integral e contra a violência passam a ser compreendidas como parte de uma luta contra o patriarcado. A Marcha vai se constituindo, assim, como um espaço de construção de sujeitos feministas, como afirma Andrea Butto (2017).

Ao mesmo tempo, é interessante perceber que também há um aprendizado por parte dos movimentos feministas, que é visto como eminentemente urbano, a partir da relação com o sindicalismo rural, especialmente por intermédio da Marcha das Margaridas. Isso pode ser observado a partir da incorporação de pautas das mulheres do campo, das florestas e das águas, como acesso à terra, à água, por apoio à organização produtiva no meio rural, com fomento, assistência técnica, entre outras, à agenda feminista de alguns movimentos que antes não debatiam esses temas. Se por muito tempo a visão geral limitava a luta feminista às reivindicações pelo fim da violência contra as mulheres, com o diálogo com as mulheres trabalhadoras rurais e a ampliação de demandas ligadas ao mundo rural, o(s) feminismo(s) também se fortaleceram nessa relação.

Assim, em diálogo com o referencial teórico e histórico do feminismo, é interessante refletir sobre a forma pela qual esse processo de construção de novos feminismos (comunitário, popular, camponês) poderia convergir na ideia do feminismo como um espaço de encontro das lutas antipatriarcais, antirracistas, anticapitalistas, antietnocêntricas, em uma perspectiva consubstancial. Como dito anteriormente, consideramos que a Marcha das Margaridas pode ver vista como um lugar de construção de um feminismo que é um encontro entre feminismos (um singular, como projeto político, que acolhe as multiplicidades, os feminismos no plural), um espaço no qual o reconhecimento das diversas identidades vai somando causas e construindo caminhos comuns, sem necessariamente criar um novo feminismo ou precisar se filiar a um dos feminismos que foram apresentados.

É importante destacar que quando falamos aqui de reconhecimento e representação dialogamos com a teoria da justiça social de Fraser (2004) que, a partir da leitura do movimento feminista, fala das dimensões cultural do reconhecimento, expressa também na representação, e econômica da distribuição identificadas nas lutas sociais. Em sua teoria, ela reforça que só haverá justiça social se houver, ao mesmo tempo, garantia de reconhecimento, como demonstra a luta travada pelas mulheres para serem reconhecidas como trabalhadoras rurais (também percebida a partir da luta por representação, revelada na demanda por participação política para ocupação nos cargos de decisão do movimento sindical), e de redistribuição material, como mostra toda a pauta de acesso igualitário aos bens e riquezas para a segurança da liberdade. E assim vemos as mulheres do MSTRR e da Marcha das Margaridas em sua centralidade na luta por justiça social. 

Por fim, conseguimos identificar como esse processo de organização e luta das mulheres rurais no sindicalismo da Contag foi de fato mostrado pelas dimensões da teoria da justiça social de Nancy Fraser. Vimos a dimensão cultural do reconhecimento, marcada pela afirmação das identidades de mulheres trabalhadoras rurais, do campo, das águas e das florestas, como agentes de transformação do campo a partir do seu trabalho e da vivência de opressão e violência pelo fato de serem mulheres em toda sua diversidade, de geração, sexualidade, regionalidades. A dimensão política da representação perpassa toda a sua história de luta pela valorização e visibilidade de sua contribuição política para as lutas sindicais e feministas, no enfrentamento a um processo histórico de exclusão, tanto no diálogo com o Estado, no reconhecimento de suas demandas específicas e de seu papel político, quanto no próprio movimento sindical, na pressão por mais igualdade de condições de atuação e participação. E por fim, a dimensão econômica da distribuição que vai se fortalecendo ao longo do acúmulo de debates e reflexões, emergindo a partir das necessidades concretas das mulheres em seu cotidiano de busca pela sustentabilidade da vida, muito marcada pelos debates em torno da organização produtiva, e sendo fortalecida pelos diálogos relativos às políticas públicas que foram sendo construídas em respostas às suas demandas específicas, mas que impactam a vida de todas as pessoas.

 

Considerações finais

Conhecer a organização e luta das mulheres trabalhadoras rurais e da Marcha das Margaridas é parte fundamental da história dos 60 anos do sindicalismo rural da Contag. Para isso, fizemos, no artigo, um percurso de retomada dos processos de organização e luta das mulheres trabalhadoras rurais dentro do movimento sindical, a partir de todos os Congressos realizados, e dos movimentos de mulheres e feminista no Brasil para compreender como a Marcha das Margaridas, organizada pela Contag, se constitui a maior mobilização de massa das mulheres rurais da América Latina.

Vimos como essa trajetória das mulheres trabalhadoras rurais da Contag possibilitou uma revisão e atualização do próprio sindicalismo rural à medida que problematizaram os sujeitos e a forma de fazer política e reforçaram a urgência de reconhecer as mulheres como trabalhadoras, e suas demandas específicas, e de incluí-las nos espaços de poder e decisão, com destaque para a importância das instâncias internas de auto-organização e as ações de discriminação positiva (como cotas e paridade). Tal organização permitiu ainda afirmar a importância dos espaços de formação para uma inclusão com qualidade, para além da quantidade, e apoiar outros sujeitos também historicamente invisibilizados, como as(os) jovens e a Terceira Idade.

Já com a Marcha das Margaridas, é interessante perceber os aprendizados que o processo de ampliação das articulações e parcerias que passaram a integrar sua coordenação ampliada trouxeram tanto com relação à amplitude e multiplicidade das identidades das mulheres do campo, das águas e das florestas quanto para as novas problemáticas que os debates ambiental, agroecológico e feminista vinham trazendo, questões que foram sendo incorporados e têm crescido e se fortalecido ao longo das edições. Nesse sentido, a Marcha das Margaridas vem sendo cada vez mais reconhecida como uma luta com ampla representatividade e força política, como mostra o aumento progressivo de participação nas marchas e os diálogos com tantas instâncias governamentais, fazendo com que a cada edição mais organizações e movimentos se somem a esta articulação.

Ao observar a relação entre a Marcha das Margaridas e o feminismo, foi possível perceber como a Marcha, com seus processos formativos internos e suas parceria com movimentos feministas como a Marcha Mundial das Mulheres (desde a sua primeira edição) e a Articulação de Mulheres Brasileiras, contribuiu para que as mulheres do movimento sindical rural mudassem sua concepção acerca do feminismo, quebrando preconceitos e estereótipos negativos, passando a aceitá-lo como sinônimo de luta, igualdade e liberdade, o que estava em acordo com as lutas que elas vinham travando há décadas na Contag. Assim, foi possível perceber que ao mesmo tempo que o sindicalismo aprende com o movimento feminista, este também cresce ao conhecer melhor a realidades das mulheres trabalhadoras rurais e com as mulheres do campo, das águas e das florestas.

Por fim, é fundamental reconhecer que a Marcha das Margaridas vem fortalecendo a Contag e o sindicalismo rural brasileiro, a partir da ação das mulheres trabalhadoras rurais. Essa grande mobilização de massa se tornou uma referência de luta e tem mostrado força política nas negociações e nos processos de formações, ao mesmo tempo que se (re)afirma como feminista e aumenta o poder das mulheres rurais em sua diversidade. Vale dizer, portanto, que a Marcha reforça e amplia as fileiras da luta contra o machismo, o patriarcado e todas as formas de violência contra as mulheres.

 

 

Referências

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

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Como citar

MOREIRA, Sarah; THEODORO, Suzi Huff. A luta das mulheres trabalhadoras rurais da Contag: a Marcha das Margaridas em diálogo com o(s) feminismo(s). Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, e2331210, 27 nov. 2023. DOI: https://doi.org/10.36920/esa31-2_10.  

 

 

 

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[1] Doutoranda em Ciências Sociais no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). E-mail: sarahluiza1982@gmail.com.

[2] Professora Voluntária da Universidade de Brasília (UnB), lotada no Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural (PPG-MADER). Pós-doutorado pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: suzihuff@hotmail.com.

[3] O presente artigo é um desdobramento da dissertação intitulada A contribuição da Marcha das Margaridas na construção de políticas públicas de agroecologia no Brasil, apresentada ao Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da Faculdade UnB de Planaltina na Universidade de Brasília para aprovação no mestrado. A pesquisa foi desenvolvida entre os anos de 2018 e 2019 e mostrou que a pauta e a força política da Marcha das Margaridas foram fundamentais para que fosse possível, naquele momento (2012), instituir uma Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

[4] Indicamos aqui a data registrada na tese e no livro de Marco Antonio Teixeira (2018, 2023). No entanto, é possível ver em alguns documentos a data de 22 de dezembro de 1963, tal como na Revista Contag 40 anos (ver p. 5). Disponível em: : http://www.contag.org.br/imagens/CONTAG-Revista40anos.pdf. Acesso em: 8 mar. 2023.

[5] Marco Antônio Teixeira (2018) destaca que há informações divergentes que colocam em dúvida se esse fato se deu em 1987 ou 1989.

[6] O Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável (PADRS) foi resultado de um processo de mobilização da luta sindical na busca por apresentar alternativas ao modelo hegemônico de desenvolvimento que vinha sendo implementado no Brasil na década de 1990. A partir dos debates em torno do 6o Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais (1995), uma série de atividades de âmbito nacional, estadual, regional e municipal foi desencadeada, a exemplo dos seminários regionais de desenvolvimento alternativo realizados pela Contag em 1996, que tiveram o intuito de construir propostas concretas. O projeto de pesquisa e formação CUT/Contag contribuiu para a elaboração e sistematização de propostas apresentadas, que organizaram os pontos centrais do Projeto, aprovados no 7o Congresso, em 1998. Um dos pontos aprovados foi o que tratava das relações de gênero e geração no meio rural, resultante de um intenso debate realizado pelas mulheres trabalhadoras rurais em busca do reconhecimento do seu trabalho.

[7] Disponível em: http://www.enfoc.org.br/conteudos/detail/quem_somos. Acesso em: 12 mar. 2023.

[8] Disponível em: http://www.contag.org.br/imagens/CONTAG-Revista40anos.pdf. Acesso em: 10 mar. 2023.

[9] A Contag considera que estão na Terceira Idade àquelas(es) trabalhadoras(es) rurais com 55 anos ou mais.

[10] Disponível em: https://ww2.contag.org.br/. Acesso em: 25 out. 2023.

[11] Disponível em: https://www.cut.org.br/. A paridade na Contag é mais uma conquista, mas não encerra a luta das mulheres rurais por igualdade – CUT – Central Única dos Trabalhadores. Acesso em: 25 out. 2023.

[12] Disponível em: https://contee.org.br/inicia-o-13o-congresso-da-contag-com-3-mil-conectadas-em-todo-o-brasil-e-em-outros-paises/. Inicia o 13o Congresso da Contag com 3 mil conectadas em todo o Brasil e em outros países – Contee. Acesso em: 20 mar. 2023.

[13] Nem todos os movimentos específicos de mulheres se afirmavam feministas.

[14] Consideramos gênero, a partir da definição de Scott, como categoria de análise que retrata a construção social e histórica do feminino e do masculino e as relações desiguais entre os sexos (SCOTT, 1995).

[15] Depoimento registrado em matéria publicada no site da Contag. Disponível em: https://ww2.contag.org.br/.  Acesso em: 16 mar. 2023.

[16] O Transformatório da Marcha das Margaridas foi um site criado com o objetivo de ser um observatório, apoiado pela Oxfam, um espaço que pudesse contribuir para visibilizar a trajetória das mulheres, a história da Marcha e suas plataformas políticas, articular com o Poder Público, a sociedade civil e as universidades e acompanhar a implementação das pautas nas políticas públicas e no dia a dia das mulheres. Recebeu esse nome por considerar que esse processo apoia o processo de transformação da vida das mulheres do campo, das águas e das florestas. O site deixou de ser alimentado depois da Marcha de 2015. O site atual no qual podemos encontrar informações sobre a Marcha das Margaridas é: www.marchadasmargaridas.org.br.  

[17] Maria Vanete Almeida (1943-2012) foi uma agricultura, mulher negra e sertaneja, nascida em Custódia, Pernambuco. Ela foi uma grande liderança feminista, representante das trabalhadoras rurais do sertão de Pernambuco desde a década de 1980, que chegou a ser indicada para o Prêmio Nobel em 2005. Foi integrante do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM) e uma das fundadoras e coordenadoras da Rede LAC – Rede de Mulheres Rurais da América Latina e Caribe.

[18] Disponível em: https://www.gov.br/mulheres/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2023/junho/governo-federal-recebe-reivindicacoes-da-marcha-das-margaridas-2023. Acesso em: 20 out. 2023.

[19] Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/08/5117370-marcha-das-margaridas-abertura-recebe-13-ministros-de-lula.html. Acesso em: 20 out. 2023.

[20] Entrevista realizada em 2018 pela autora Sarah Luiza de S. Moreira como parte do levantamento de dados para a elaboração da dissertação A contribuição da Marcha das Margaridas para as políticas públicas de agroecologia no Brasil, sob a orientação da professora Suzi Huff, defendida na UnB no ano de 2019.