ESA_logo.png                                           Recebido: 18.jan.2023   •    Aceito: 17.ago.2023   •    Publicado: 5.set.2023                                                                                                                                                                                                                                                   

Movimentos sociais e políticas públicas contra os agrotóxicos: a Lei Zé Maria do Tomé em foco

Social movements and public policies against pesticides: the Zé Maria do Tomé Law in focus

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Joana Tereza Vaz de Moura[1]

 

 

 

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Leandro Vieira Cavalcante[2]

 

 

 

 

 

https://doi.org/10.36920/esa31-2_05

 

Resumo: A lei intitulada “Zé Maria do Tomé”, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL/CE), foi aprovada em janeiro de 2019 no Ceará (Brasil) proibindo a pulverização aérea de agrotóxicos no estado. Esta lei é resultado da articulação direta dos movimentos sociais com representantes políticos alinhados à pauta da justiça ambiental. O artigo analisou como esses movimentos atuaram buscando o apoio para a aprovação da lei num contexto caracterizado por um modelo de acumulação baseado no agronegócio e na ampla utilização de agrotóxicos. Diante disso, buscou-se jogar luz sobre o processo de articulação e aprovação da Lei Zé Maria do Tomé e sobre as condições que favoreceram a influência dos movimentos sociais na modelagem do projeto. Para tanto, utilizou-se a abordagem qualitativa através de relatos e narrativas dos atores (movimentos, parlamentares, pesquisadores) obtidas em jornais, revistas, lives, blogs e audiências públicas.

Palavras-chave: agrotóxicos; movimentos sociais; políticas públicas.

 

Abstract: A bill entitled the Zé Maria do Tomé Law, sponsored by state representative Renato Roseno (PSOL/CE), was approved in January 2019 in the state of Ceará (Brazil), prohibiting aerial spraying of pesticides. This law is the result of direct articulation between social movements and political representatives in line with the environmental justice agenda. This article analyzes how these movements sought support to approve this law within a context characterized by the current accumulation model based on agribusiness and widespread use of pesticides. In doing so, we investigate the process of creating these connections and obtaining approval for the Zé Maria do Tomé Law, as well as the conditions that favored the influence of social movements in shaping the proposed bill. A qualitative approach is used, through reports and narratives from the actors (movements, parliamentarians, researchers), newspapers, magazines, live sessions on social media, blogs, and public hearings.

Keywords: pesticides; social movements; public policies.

 

 

 

Introdução

Em 2019 foi aprovada a primeira lei de abrangência estadual proibindo a pulverização aérea de agrotóxicos no Brasil. Trata-se da intitulada “Lei Zé Maria do Tomé”, de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL/CE), a qual proíbe o despejo de agrotóxicos por via aérea em todo o estado do Ceará. Esta lei é resultado da articulação direta de movimentos sociais em constante diálogo com representantes do Legislativo e do            Executivo, num processo de mútua constituição entre movimentos e Estado, que resultou numa incidência direta sobre a legislação estadual que restringe a aplicação de agrotóxicos.

A mobilização contra o uso dos agrotóxicos no país e pelo fim da pulverização aérea no Ceará, em particular, reflete como as práticas e disputas por justiça ambiental e em defesa da saúde pública são também significativas para os movimentos sociais do campo. Nesse sentido, toma-se como referência sobretudo as ações e articulações desempenhadas pelo Movimento 21 de Abril (M21) e pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no debate político em torno da Lei Zé Maria do Tomé.

Por meio da mobilização da literatura brasileira que busca compreender a organização e atuação dos movimentos sociais no âmbito da formulação e implementação de políticas públicas (ABERS; SILVA; TATAGIBA, 2018; LAVALLE et al., 2018; CARLOS; DOWBOR; ALBUQUERQUE, 2021; TATAGIBA; TEIXEIRA, 2021; SILVA, 2021), este artigo procurou analisar o processo de articulação e aprovação da Lei Zé Maria do Tomé e as condições que favoreceram a influência direta dos movimentos na sua modelagem. Neste sentido, teve como propósito abordar o papel dos movimentos sociais na elaboração do projeto de lei a partir de uma perspectiva relacional proposta por Abers, Silva e Tatagiba (2018) e Silva (2021), utilizando as noções de “regimes políticos”, de “subsistemas de políticas públicas” e da “teoria dos campos”.

Para Abers, Silva e Tatagiba (2018, p. 17), o regime político pode ser compreendido como “a configuração das relações entre os atores politicamente relevantes, a qual condiciona o acesso às discussões e decisões governamentais”. Já o subsistema de políticas públicas refere-se “às configurações de poder específicas a cada setor da política pública, que conferem aos movimentos sociais diferentes condições de acesso a esses setores e influência sobre eles”, conforme definido por Abers, Silva e Tatagiba (2018, p. 17). Por sua vez, a teoria dos campos proposta por Fligstein e McAdam (2011), de acordo com Silva (2021, p. 74), “constitui um esforço de síntese de diversas perspectivas de estruturas relacionais na conformação do social”, destacando o papel que o agente social tem na conformação das identidades. Alguns agentes são dotados de habilidades sociais (social skills) e, portanto, atuam “na produção de cooperação em torno da implementação de diferentes projetos de sentido em convivência e/ou disputa na sociedade” (SILVA, 2021, p. 75).

A pesquisa orientou-se a partir de leituras sobre a lei em tela e de artigos e trabalhos já produzidos sobre a temática. Em seguida, analisaram-se relatos e narrativas dos atores (movimentos, parlamentares, pesquisadores) obtidas em jornais, revistas, lives, blogs e audiências públicas, buscando construir a relação entre a atuação dos movimentos sociais e a Lei Zé Maria do Tomé para compreender o processo de efetivação da proibição da pulverização aérea de agrotóxicos no estado.

A primeira parte do artigo apresenta as concepções teóricas que sustentam a análise, especialmente o debate sobre as consequências das ações dos movimentos sociais nas políticas públicas. Na sequência, foi introduzido o caso empírico e demonstrado como os movimentos sociais, em constante diálogo com representantes do Poder Legislativo, mas também com pesquisadores, construíram narrativas e repertórios que possibilitaram a aprovação da Lei Zé Maria do Tomé.

 

Movimentos sociais e a incidência nas políticas públicas

A análise dialoga com o modelo teórico apresentado principalmente por Abers, Silva e Tatagiba (2018), Tatagiba, Abers e Silva (2018) e Silva (2021) sobre a incidência dos movimentos sociais na elaboração, implementação e gestão das políticas públicas no Brasil. Abers, Silva e Tatagiba (2018) propuseram um modelo analítico com base no qual pretenderam abordar a agência dos movimentos a partir de sua atuação na construção, proposição e defesa de modelos alternativos de políticas públicas. Combinado a essa agência, os autores também enfatizam o papel dos contextos políticos, que condicionariam sua atuação, mas que também são condicionados pelos próprios movimentos.

Os autores argumentam que os movimentos sociais não se relacionam a um “contexto político” objetivado e externo que condiciona sua formação e ação, mas “estão inseridos em relações de interdependência com os diversos atores e instituições com quem interagem rotineiramente, constituindo o que denominamos de estruturas relacionais” (ABERS; SILVA; TATAGIBA, 2018, p. 17). O conceito de estruturas relacionais, incorporado pelos autores, tem como fundamento central a discussão profícua da sociologia relacional, entendendo o mundo como um sistema aberto de relações, processos e práticas, especialmente a partir dos textos de Emirbayer (1997).

Conforme destaca Tirelli (2014, p. 26), citando Emirbayer (1997), “a agência não preexiste às relações, mas surge delas (...) trata-se de um processo dialógico que apresenta fatores internos e externos”, tendo em vista que “[...] não há como separar os atores do contexto no qual se encontram imersos e através do qual adquiriram a sua experiência e consciência do mundo”. Para tanto, Abers, Silva e Tatagiba (2018) compreendem esses processos a partir de duas noções que estão em diálogo constante com a abordagem relacional: os regimes políticos e os subsistemas de políticas públicas. Para os autores,

os movimentos sociais operam simultaneamente em duas estruturas relacionais mais ou menos distintas na sua configuração: aquela formada pelos atores, interesses e arranjos institucionais estruturados em torno de determinada coalizão governante (regime); e aquela composta pelos atores, interesses e arranjos institucionais que caracterizam determinado setor de política pública (subsistemas). (ABERS; SILVA; TATAGIBA, 2018, p. 23, grifos no original)

Os regimes, de acordo com a maneira como se configuram em contextos diversos, podem dar mais ou menos possibilidade de acesso às interferências dos movimentos sociais nas definições das políticas públicas. Com relação aos subsistemas, os autores se baseiam na literatura da análise de políticas públicas, especialmente nos trabalhos de Sabatier (1988), que construiu um modelo teórico que tem sido aprimorado e fundamenta reflexões sobre a produção de políticas públicas em áreas específicas. Segundo o autor, a estrutura conceitual concentra-se no sistema de crenças de “coalizões de defesa” dentro de subsistemas de políticas públicas. Entende-se subsistema de políticas públicas como o lócus de interação de diferentes atores interessados em uma área da política.

Conforme destaca Sabatier (1988, p. 138),

os subsistemas vão além de grupos de interesse, órgãos governamentais e comissões do Legislativo, incorporam também jornalistas, analistas de políticas públicas, cientistas, pesquisadores, personalidades, entre outros que desempenham papéis importantes na geração, disseminação e avaliação de ideias políticas. (tradução nossa)

 

Dentro de um subsistema, os diversos atores se agrupam, informalmente, em coalizões de defesa compostas por pessoas de várias organizações que compartilham um “conjunto de crenças normativas e causas e que frequentemente agem em conjunto” (SABATIER, 1988, p. 133, tradução nossa). Cada uma dessas coalizões pode adotar uma ou mais estratégias buscando promover seus objetivos na área temática em que se enfrentam. Em alguns casos, essas coalizões são mediadas por um terceiro grupo, os policy brokers, agentes negociadores que buscam diminuir a tensão entre as coalizões e que tentam encontrar um meio termo entre as disputas, evitando o conflito mais intenso. No caso do Brasil, pode-se compreender que o Ministério Público cumpriria esse papel de mediador de conflitos.

Silva (2021), explorando os aspectos relacionais entre movimentos sociais e os agentes públicos na produção de políticas públicas e nos resultados desse processo, apresenta um enfoque teórico “relacional tanto dos movimentos quanto do Estado” (ABERS et al., 2021, p. 13). Segundo Silva (2021), a teoria dos campos proposta por Fligstein e McAdam (2011) permite explorar as estruturas relacionais e as agências dos indivíduos combinando as “perspectivas do neoinstitucionalismo, a teoria dos campos de Pierre Bourdieu e a teoria de redes” (SILVA, 2021, p. 74). 

Fligstein (2001) chama a atenção para a relação entre os atores e as estruturas sociais, utilizando a perspectiva neoinstitucionalista e focando nos conceitos de campos e domínios de agência, desenvolvendo a ideia de social skills ou habilidades sociais que alguns atores têm para induzir a cooperação entre outros. Estes teriam um papel importante nas transformações estruturais e na reprodução da vida social, uma vez que podem motivar outros atores a partir da defesa de um conjunto de arranjos sociais e/ou negociando uma nova ordem, ou seja, “atores habilidosos fornecem identidades e estruturas culturais para motivar outros” (FLIGSTEIN, 2001, p. 106).

Em textos recentes e buscando desenvolver mais a teoria dos campos, Fligstein e McAdam (2011) exploram as interações sociais de modo a entendê-las como definidoras da vida social. “Seria a partir da interação com os outros que cada indivíduo (re)produz cotidianamente sua (s) identidade (s), seu senso de valor pessoal e o mundo como algo dotado de um sentido inerente” (SILVA, 2021, p. 74). Entretanto, nota-se que esses sentidos e identidades estão em constante disputa no interior do campo: “sempre haverá agentes contestando os sentidos e as identidades coletivas dominantes” (SILVA, 2021, p. 75-76). Segundo Fligstein (2007, p. 65),

os grupos dominantes, que podem ser identificados em uma determinada arena de ação, trabalham para reproduzir sua posição. Os grupos desafiantes tentam explorar as oportunidades apresentadas a eles na interação e por crises geradas, seja na lógica interna do campo seja pelas ações de membros de campos próximos.

Para Silva (2021), a teoria dos campos de Fligstein contribui com outras perspectivas que buscam compreender as relações entre movimentos sociais e políticas públicas apreendendo a realidade social. “Neste sentido, ela apresenta similaridades e complementaridades com diversas formulações teóricas contemporâneas (...) que tem como objetivo operacionalizar teoricamente uma perspectiva relacional” (SILVA, 2021, p. 83-84).

Assim, defende-se que compreender a produção de políticas públicas a partir da ideia de subsistema de políticas públicas, regimes políticos e da teoria dos campos permite explorar o como e o quanto os movimentos sociais importaram para a elaboração do Projeto de Lei Zé Maria do Tomé. Entende-se que os movimentos sociais aqui considerados (M21 e MST) são expressões das contradições presentes no campo brasileiro e que vão perpassar as discussões sobre o uso dos agrotóxicos no Brasil, inclusive pressionando por sua maior regulamentação. Isso se reflete nas configurações do campo político que disputam a regulamentação dos agrotóxicos no Brasil, conforme discutido por Moura, Rozendo e Oliveira (2020) e Moura e Pontes (2022), cujo movimento possui destaque na agenda política no sentido de pressionar por políticas restritivas de uso de agrotóxicos no país.

 

Os contornos e os caminhos da Lei Zé Maria do Tomé

A promulgação da Lei Zé Maria do Tomé no início de 2019 reflete uma longa caminhada de mobilizações e articulações contra o uso de agrotóxicos no Ceará e particularmente contra a realização da prática da pulverização aérea, até então recorrente na região conhecida como Chapada do Apodi, a leste do estado. Tal região é uma formação geomorfológica com solos potencialmente férteis, sendo um dos principais lócus de expansão do agronegócio de frutas no Ceará, cuja dinâmica expande-se para o Rio Grande do Norte, estado vizinho.

 

Figura 1 Mapa de localização da Chapada do Apodi – Ceará

Fonte: Elaborado por Jackson Araújo de Sousa.

 

A expansão do agronegócio da fruticultura foi incisiva particularmente na porção cearense da Chapada do Apodi, que passou a contar, desde a década de 1990, com a instalação de grandes corporações especializadas na produção e exportação de frutas, muito em função do arranjo institucional e da oferta hídrica garantida diretamente pelo governo do estado (CAVALCANTE, 2019). Em pouco tempo, assistiu-se a uma significativa reconfiguração da questão agrária da região mediante alteração das relações de uso, posse e propriedade da terra, resultando na expansão do latifúndio, da monocultura, do uso de agrotóxicos e do acirramento da concentração hídrica e fundiária, conforme evidenciado em estudos realizados por Freitas (2010), Marinho (2010), Rigotto (2011) e Cavalcante (2019, 2020, 2023), entre outros.

De acordo com Cavalcante (2021), as empresas do agronegócio tinham na pulverização aérea a forma mais viável de aplicar agrotóxicos em seus cultivos, sobretudo de banana, expondo o ambiente, os trabalhadores e os moradores a riscos de contaminação. É nesse contexto que emerge Zé Maria do Tomé, um camponês que incidiu politicamente contra a prática da pulverização aérea e mobilizou as comunidades, entidades, pastorais, movimentos populares e universidades numa conjunta articulação contra o uso de agrotóxicos na Chapada do Apodi, com ampla atuação durante toda a década de 2000. Zé Maria do Tomé se destacou como um agente com habilidades sociais (social skills) capaz de induzir a cooperação de outros atores (FLIGSTEIN, 2001), mobilizando o que Leitão (2020) identificou como uma “rede territorial de resistência” que se formou em torno da atuação do líder comunitário que mobilizava as ações de denúncia e resistência.

Nesse cenário, assume destaque o papel desempenhado pelo Núcleo Tramas, grupo de pesquisa vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, que passou a realizar uma série de investigações que comprovaram os agravos à saúde ocasionados pela alta quantidade de agrotóxicos utilizados na região (RIGOTTO, 2011; TEIXEIRA, 2011), endossando a articulação e a mobilização entre diferentes atores que se somaram ao processo de luta contra a prática da pulverização aérea. Marinho, Carneiro e Almeida (2011, p. 170) notificaram que tal procedimento afetava “de maneira perversa a comunidade, tornando-a refém das pulverizações sendo por muitas vezes atingida diretamente, conformando o principal motivo das queixas pelos moradores”. Os pesquisadores relatam que os principais sintomas percebidos eram “[...] característicos da exposição a venenos, principalmente cefaleias, vômitos, náuseas e alergias, além de relatos sobre a morte de animais, de galinhas, pássaros e peixes” (MARINHO; CARNEIRO; ALMEIDA, 2011, p. 170).

Teixeira (2011, p. 527) calculou que ao longo de toda a década de 2000 houve o lançamento sobre a Chapada do Apodi “de aproximadamente 4 milhões de litros de calda extremamente tóxica ou muito tóxica, altamente persistente no meio ambiente e muito perigosa”, aplicadas nos cultivos de banana como forma de eliminar uma doença conhecida como Sigatoka-amarela, causada por um fungo. Os danos à saúde e ao ambiente em decorrência da ampla utilização de agrotóxicos, com ou sem a prática da pulverização aérea, foram identificados e denunciados pelos pesquisadores do Núcleo Tramas (ALEXANDRE, 2009; MARINHO, 2010; RIGOTTO, 2011; ROCHA, 2013; AGUIAR, 2017; DIÓGENES, 2017), que constataram a contaminação da água e do solo, a alta incidência de câncer, o crescente número de crianças com má-formação congênita e puberdade precoce, entre outros.

De acordo com Teixeira (2011, p. 532), em face da percepção dos riscos aos quais estavam expostos com a pulverização aérea,

as organizações dos moradores e agricultores das comunidades locais promoveram alianças com demais atores da sociedade civil, [...] a fim de incluir as associações, pastorais, sindicatos, ONGs, movimentos sociais e pesquisadores de universidades.

Com isso, realizou-se, entre 2008 e 2010, uma série de ações de mobilização e conscientização na região para denunciar as violações decorrentes da utilização da pulverização aérea, bem como demais riscos associados à expansão do agronegócio na Chapada do Apodi. Entre essas ações estavam seminários, intercâmbios, mapeamento participativo, passeatas, romarias, denúncias nas rádios e na mídia local e nacional, audiências públicas, abaixo-assinados encaminhados oficialmente ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.

A articulação mobilizada por Zé Maria do Tomé e a “rede territorial de resistência” que foi instituída, em que se incluem representações da universidade, de movimentos sociais e de organizações da sociedade civil, aqui sendo considerada uma “coalizão de defesa” (SABATIER, 1988), incidiu politicamente na esfera do Legislativo municipal de Limoeiro do Norte, na Chapada do Apodi, resultando na aprovação da Lei Municipal no 1.478, de 20 de novembro de 2009, que proibia a pulverização aérea em toda a extensão do município. Como trata-se de uma lei pioneira no Brasil, sua aprovação teve como consequência uma grande reação por parte de outra “coalizão de defesa” formada por empresários do agronegócio da banana na região, alguns parlamentares e entidades patronais, alegando prejuízos financeiros e gerando novos debates e audiências públicas. Eles continuaram com a prática da pulverização diante da inoperância do Estado. Mesmo com a pressão popular e dos movimentos sociais, a lei municipal foi revogada em 26 de maio de 2010.

Em razão do cenário de forte violência instaurado na região em decorrência dos conflitos agrários, Zé Maria do Tomé passou a ser perseguido e ameaçado por fazendeiros e empresários, e foi assassinado com mais de 20 tiros em 21 de abril de 2010 supostamente a mando do proprietário de uma das empresas que se utilizavam da pulverização aérea de agrotóxicos em suas plantações de banana (CAVALCANTE, 2021). Note-se que a revogação da lei municipal que proibia tal prática deu-se exatamente após um mês do assassinato de Zé Maria do Tomé. Na opinião de Silva (2019, on-line), “ao denunciar as consequências do uso de agrotóxicos, além do debate sobre a saúde das comunidades que vivem no Apodi, Zé Maria enfrentou diretamente grandes empresas do agronegócio”. Mesmo com o assassinato bárbaro e com a revogação da lei municipal contra a pulverização aérea, a “coalização de defesa” que pautava a lei continuou as mobilizações que já vinham sendo realizadas.

Conforme assegurado por Teixeira (2011, p. 544), ainda que revogada essa lei municipal, “os acúmulos adquiridos com as discussões e mobilizações políticas sobre o tema tornaram o combate à pulverização aérea elemento mobilizador e reivindicativo em todos os atos políticos que se deram posteriormente”. Com isso, logo após o assassinato de Zé Maria, deu-se a criação do M21 (Movimento 21 de Abril), uma rede de abrangência regional fundada em Limoeiro do Norte e que congrega diferentes movimentos sociais, organizações da sociedade civil, associações comunitárias, universidades públicas, coletivos de pesquisa e pastorais sociais, cujas ações permitem a continuidade da luta da liderança comunitária, diante do grave quadro de injustiça social e ambiental preconizado pelo agronegócio na região.

Assistiu-se também a uma intensificação das denúncias e das articulações como mecanismos de resistir ao avanço do agronegócio e aos impactos ocasionados sobretudo pela pulverização aérea, aliados aos pedidos de justiça para Zé Maria do Tomé. O M21 passou a aglutinar uma série de entidades que atuam na Chapada do Apodi e em regiões circunvizinhas, que têm em comum a defesa da justiça social e ambiental e a denúncia contra todas as formas de violência cometidas pelo agronegócio contra as comunidades camponesas instaladas nos territórios de atuação do grupo, que ultrapassam os limites inicialmente estabelecidos e abarcam toda a região cearense do Vale do Jaguaribe.

O M21 representa hoje um lócus da articulação e do diálogo entre esses diferentes coletivos na região do Vale do Jaguaribe, que possuem pautas e atividades próprias, mas que compartilham anseios e interesses comuns que se coadunam na realização de vários processos de luta e resistência e que vêm conseguindo lograr significativo êxito no sentido de viabilizar iniciativas que incidem politicamente na intensificação das denúncias e das mobilizações como mecanismos de resistir ao avanço do agronegócio, a exemplo da própria aprovação da Lei Zé Maria do Tomé. Neste sentido, o M21 não busca somente se inserir no subsistema da política de desenvolvimento rural do estado, mas utiliza “oportunidades institucionalmente dadas e [propõe] inovações institucionais percebidas como mais favoráveis à promoção de seus interesses e propostas” (TATAGIBA; ABERS; SILVA, 2018, p. 107).

Pode-se entender o M21 como um movimento social que desempenha um papel que denota efetivamente a disputa pelo espaço e a apropriação do território, articulando ações diversas em âmbito regional e nacional. Infere-se que tais ações não se resumem ao debate sobre os agrotóxicos, incorporando pautas como a saúde dos trabalhadores, o acesso à terra e à água, a agroecologia, a questões de gênero, entre outras. A vinculação do M21 com demais movimentos e organizações possibilita expandir a sua pauta para além da esfera da Chapada do Apodi e vincula-se diretamente com demais mobilizações contra o uso de agrotóxicos, a exemplo de sua inserção na Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e no Fórum Cearense de Combate aos Impactos do Uso de Agrotóxicos.

 

A Lei Zé Maria do Tomé em foco e em disputa

Reunidos no M21, os movimentos, coletivos e grupos que atuam na Chapada do Apodi, apoiados em inúmeras pesquisas científicas que atestam os danos à saúde das pessoas e do ambiente em decorrência da contaminação por agrotóxicos e em articulação com demais movimentos e coletivos em âmbito estadual, continuaram a pauta de luta de Zé Maria do Tomé e conseguiram, por intermédio do Legislativo Estadual, a aprovação da Lei no 16.820/2019. Essa lei proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o Ceará, que passou a ser o único estado a proibir tal prática no Brasil. De acordo com Cavalcante (2021), trata-se de uma ação voltada para a produção de territórios livres de veneno e com mais dignidade no campo, representando uma conquista importante para as pessoas que sofriam cotidianamente com os impactos da pulverização aérea de agrotóxicos em suas comunidades.

A Lei inclui dispositivo na Lei Estadual no 12.228/1993, que dispõe sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como a fiscalização do uso de consumo do comércio, do armazenamento e do transporte interno desses produtos (CEARÁ, 2019). O Projeto de Lei no 18/15 foi apresentado à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará em 24 de fevereiro de 2015. Nele, o deputado estadual Renato Roseno (PSOL) justifica que “[...] a prática de aplicação de agrotóxicos por pulverização viola o direito fundamental ao meio ambiente, agride a saúde humana e contamina em larga escala os recursos hídricos” (CEARÁ, 2015). Foi aprovado em plenário no dia 18 de dezembro de 2018, em razão do parecer favorável de autoria do deputado estadual Renato Roseno e subscrito pelos, à época, deputados estaduais Elmano de Freitas (PT) e Joaquim Noronha (PRP), tendo sido sancionada pelo então governador Camilo Santana (PT) em 8 de janeiro de 2019.

O Projeto de Lei tramitou por quatro anos, circulando entre seis comissões internas na Assembleia Legislativa e intercalando com a realização de diversos seminários e audiências públicas para debater a natureza da proibição de agrotóxicos no estado. As comissões pelas quais o Projeto de Lei passou e obteve parecer favorável foram: i) Constituição, Justiça e Redação; ii) Agropecuária; iii) Meio Ambiente e Desenvolvimento do Semiárido; iv) Indústria, Comércio, Turismo e Serviços; v) Trabalho, Administração e Serviço Público; vi) Orçamento, Finanças e Tributação. Em todas elas se fez necessário mobilizar diferentes estratégias políticas com vistas a construir uma unidade partidária que levasse à aprovação da lei, mesmo diante de um cenário nacional desfavorável a medidas restritivas quanto ao uso de agrotóxicos.

Apesar de inúmeras críticas e forte reação contrária por parte do empresariado do agronegócio estadual e nacional, que se articulou judicialmente para reverter sua implementação, uma série de instituições ligadas à saúde e aos direitos humanos se manifestou evidenciando a sua importância como um instrumento em defesa do ambiente e da saúde pública. Em notas, divulgadas pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA), dentre outras entidades e organizações da sociedade civil, são ressaltadas as vinculações da lei com a promoção e defesa da agroecologia, da soberania alimentar, da justiça ambiental e da saúde pública, de modo a evidenciar a sua importância no contexto atual.

Por outro lado, a coalizão formada por entidades patronais que representam os interesses do agronegócio se manifestou contrariamente à lei, alegando sua inconstitucionalidade e os prejuízos econômicos que seriam decorrentes da sua implementação, ingressando, em 2021, com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6.137) no Supremo Tribunal Federal como meio de revogar a medida, a qual foi apreciada em 2023 com a confirmação de sua constitucionalidade. Dentre as instituições que se posicionaram publicamente e judicialmente contra a Lei estão a Federação da Agricultura e Pecuária do Ceará (Faec), a Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), que mobilizaram um lobby político e campanhas midiáticas contrárias à proibição da pulverização.

Novamente, após a pressão das organizações patronais para revogar a Lei, as entidades, organizações da sociedade civil e movimentos sociais incidiram, entre 2021 e 2023, numa rede de articulações e mobilizações em sua defesa, realizando campanhas na mídia e nas redes sociais, articulando abaixo-assinados e promovendo seminários e debates públicos, tendo como proponentes principais os coletivos que compõem o M21 e o Mandato É Tempo de Resistência, do deputado estadual Renato Roseno. Isso reforça o papel dos movimentos sociais não só na proposição da lei, como também na sua defesa, resultando no lançamento da campanha “Chuva de Veneno Nunca Mais” em novembro de 2021, que contou com a adesão de 165 entidades ambientalistas e científicas, mandatos parlamentares e movimentos sociais do Brasil e do exterior, que se colocaram favoráveis à Lei Zé Maria do Tomé.

 

A incidência dos movimentos sociais na Lei Zé Maria do Tomé

A atuação dos movimentos sociais, em especial o M21, mas com articulações diretas estabelecidas com o MST, o Fórum Cearense pela Vida no Semiárido (FCVS), os setores progressistas da Igreja Católica, os movimentos de agroecologia e agricultura orgânica, os movimentos ambientalistas, as organizações de direitos humanos, os laboratórios e grupos de pesquisa de universidades públicas, os sindicatos e associações, dentre outros, representou a efetiva mobilização contra a pulverização aérea de agrotóxicos no Ceará, em memória da luta de Zé Maria do Tomé e com uma escala de ação que extrapola os limites municipais, estaduais e inclusive nacionais.

Nesse processo, foi expressiva a articulação entre

a realidade local, a luta do movimento do campo, do MST, entidades, pesquisadores, institutos e universidades, tendo como ponto de partida para a análise interpretar as articulações políticas entre os diversos sujeitos envolvidos no processo e seus desdobramentos que se materializaram no projeto de lei apresentado no parlamento. (SOUTO; LIMA; DANTAS, 2019, p. 7)

Tal processo denota a contribuição dos movimentos sociais na formulação de projetos de lei que incidem diretamente na promoção de políticas públicas, aqui representadas pelo combate ao uso de agrotóxicos. Ou seja, a aprovação da Lei partiu de uma “demanda popular, que foi efetivada a partir da luta dos movimentos sociais do campo, entidades ligadas aos trabalhadores, pesquisadores comprometidos com o saber engajado, parlamentares de esquerda que encamparam o debate” (SOUTO; LIMA; DANTAS, 2019, p. 8).

Na opinião de Souto, Lima e Dantas (2019, p. 8), a aprovação da lei representa uma articulação política muito maior, que dialoga diretamente com o Legislativo Estadual, aqui representado sobretudo pelo Mandato É Tempo de Resistência, mas que parte de uma agenda de luta diretamente mobilizada pelos movimentos sociais e que se insere nas pautas nacionais contra o uso de agrotóxicos. Apesar disso, asseguram os autores, a efetivação prática da Lei “[...] requer uma luta constante, que parte da disputa de projetos sociais, ancorados no respeito à natureza, fortalecimento da agricultura familiar, e na saúde humana” (2019, p. 8).

O próprio deputado estadual Renato Roseno, em entrevista concedida em 2019, endossa o argumento da centralidade exercida pelos movimentos sociais e sua articulação política com objetivo de garantir a aprovação da lei:

Os movimentos sociais do campo desde sempre se mantêm vigilantes desde antes. Nós utilizamos vários mecanismos aqui, tanto audiência pública aqui, quanto no território, participamos muito ativamente de um Fórum Cearense de Combate ao Uso Indiscriminado dos Agrotóxicos, que foi sediado pelo Ministério Público. [...] Como a pauta dos agrotóxicos está em todas as reivindicações do campo, hoje os movimentos sociais do campo no Ceará e em várias partes do Brasil estão muito conscientes dessa necessidade. (SOUTO; LIMA; DANTAS, 2019, p. 9)

Particularmente sobre o papel dos movimentos sociais, o deputado reafirma a sua importância ante os ataques que o projeto de lei enfrentou, quando foi necessária uma ampla aliança no sentido de demonstrar a necessidade de sua aprovação diante de pautas que partiram do território via M21 e ganharam adesão de demais movimentos e organizações, inclusive localizadas no espaço urbano e distante do cenário observado na Chapada do Apodi. Em outro trecho de entrevista concedida em 2019, Renato Roseno ressalta o papel do MST e demais entidades na luta contra os agrotóxicos e em defesa da Lei Zé Maria do Tomé:

São articulações locais, nacional e internacional, movimentos sociais e intelectuais acadêmicos. Logo após a aprovação da Lei, houve uma série de articulações no sentido de sancionar a Lei (...), várias manifestações de cientistas, do Ministério Público, da Abrasco, de uma rede internacional contra o uso dos agrotóxicos, com mais de 28 entidades da América Latina que se mobilizaram pela sanção e pela defesa lei, essas redes reúnem tanto os movimentos sociais do campo como cientistas engajados no combate ao uso indiscriminado dos agrotóxicos. Ressaltaria o papel do MST, mais recentemente nós tivemos um diálogo muito interessante com o MST e com a campanha nacional pela redução dos agrotóxicos, no sentido de levar a outras Assembleias Legislativas também iniciativas como essa (...) ressaltaria o papel de algumas entidades como a Terra de Direitos, fez uma ampla cobertura, do processo da lei, o Jornal Brasil de Fato (...), dentre outras entidades. (SOUTO; LIMA; DANTAS, 2019, p. 10)

Entre a apresentação do projeto em 2015, sua aprovação em plenário na Assembleia Legislativa por unanimidade parlamentar em 2018 e a sanção pelo então governador Camilo Santana (PT) em 2019, foram inúmeras as articulações entre o Legislativo e os movimentos sociais, comunidades e universidades. Dentre elas, destaca-se a realização de uma série de audiências públicas na Assembleia e nos territórios com o objetivo de possibilitar a escuta dos sujeitos diretamente impactados pela pulverização aérea na Chapada do Apodi, bem como a apresentação de resultados das pesquisas realizadas sobre os agravos à saúde em decorrência do uso e contaminação por agrotóxicos. Além de campanhas de conscientização contra os agrotóxicos efetivadas em parceria entre movimentos, universidades e o mandato de Renato Roseno, foi viabilizada a realização, em 2016, do Seminário Agrotóxicos e Saúde, que ocorreu na própria Assembleia Legislativa do Ceará com a presença de pesquisadores e movimentos sociais, contando com ampla participação de integrantes do M21 e do MST, por exemplo.

Alguns dos mencionados atores possuem habilidades sociais que foram fundamentais para buscar a cooperação entre outros sujeitos e coletividades que também compartilham sentidos e identidades. Além disso, essas cooperações foram possíveis diante do contexto político de oportunidades para a difusão de projetos dentro de um subsistema de políticas públicas (ambiental, por exemplo) que, mesmo conflituoso, se tornou permeável às demandas dos movimentos sociais. Também se sustenta que a mobilização desses movimentos foi determinada por suas atuações históricas no Ceará e pela conformação e ação da coalizão governante à frente do Poder Executivo no estado, ou seja, um regime político que possibilitou interferência mais significativa nas definições de políticas públicas, assegurando a proibição da pulverização aérea de agrotóxicos.

Diferentes representantes do M21 endossam o argumento da mobilização realizada a partir desse movimento social em defesa da Lei, à qual se referem como uma “vitória do Movimento 21” que “alimenta-se da luta do povo”. Na avaliação de Araújo (2020, p. 37): “Essa lei, sem dúvida alguma, foi uma representativa vitória do Movimento 21 em seus dez anos de vida, pois foi a prova que a luta de Zé Maria do Tomé continua viva e que o Movimento conseguiu dar prosseguimento à sua batalha contra a pulverização.” Já para outro representante do M21, “a lei estadual que proíbe a pulverização aérea no estado do Ceará alimenta-se da luta do povo e é, para nós, uma conquista da qual não vamos abrir mão! É o nosso direito à vida, à saúde e ao meio ambiente” (TV EFA, 2021, on-line).

No que se refere à participação do MST na defesa da Lei Zé Maria do Tomé, um representante desse movimento afirmou que se trata de “uma luta da vida contra a morte”, tecendo críticas ao uso de agrotóxicos e refletindo sobre a necessidade de “usar todas as nossas armas, todas as nossas linguagens” para garantir a continuidade da lei e da realização de campanhas e políticas sobre os agrotóxicos:

[...] uma lei que é um patrimônio nosso, patrimônio da classe trabalhadora, e que nós enquanto MST temos a compreensão de que é um dever nosso, enquanto movimento social, fazer a defesa dessa importante lei para o Ceará e para o Brasil. [...] Discutir hoje uma lei como essa é muito importante para nós, porque nós acreditamos que é [...] a luta da vida contra a morte. Essa luta nossa contra o uso de agrotóxicos é a luta pela vida. [...] Nós, enquanto movimento social e classe trabalhadora, precisamos usar todas as nossas armas, todas as nossas linguagens, para defender essa lei. Por isso que o MST tem uma campanha nacional contra o uso de agrotóxicos. [...] Essa defesa tem que ser de todos nós. (ROSENO, 2021, on-line)

Renato Roseno, em lives e entrevistas veiculadas na mídia, destaca três elementos centrais que resultaram na aprovação da Lei Zé Maria do Tomé: i) movimentos sociais; ii) ciência engajada; iii) articulação política. Para ele, o produto da articulação entre essas três esferas foi fundamental, demonstrando, por sua vez, que a atuação dos movimentos sociais foi crucial, mas que dependeu também das contribuições da “ciência engajada” e da articulação política realizada no âmbito do Legislativo, de modo que as relações estabelecidas entre os diferentes campos de poder possibilitaram uma unidade centrada numa agenda em comum. Questionado sobre a articulação que resultou na aprovação da lei, o deputado respondeu:

Eu tomei posse, pelo primeiro mandato, em 2015. Obviamente venho muito influenciado tanto por essa produção técnico científica, como também pela densidade do movimento social. Ontem me perguntavam: qual é o diferencial, digamos assim, do aprendizado da Lei Zé Maria do Tomé? É a aliança entre comunidade técnico-científica, ou seja, a produção científica, e o movimento social. Ou seja, essa aliança foi muito importante. (RODRIGUES, 2022, on-line)

O deputado, inserido ele próprio num contexto de articulador do “regime político” necessário para a aprovação e a defesa da Lei Zé Maria do Tomé, reconhece que a “aliança do território em movimento” foi o que garantiu a efetividade prática da mobilização política que fora realizada numa “aliança” entre diferentes atores que foram mobilizados e tensionados com vistas a assegurar o apoio político necessário. Isso fica evidente na sua fala:

[...] essa aliança do território em movimento, ou seja, os movimentos no território, a aliança com sujeitos políticos do território e também de outros territórios de resistência, sujeitos não institucionais e sujeitos institucionais, e a ciência, em especial, a universidade pública. Ou seja, a Lei Zé Maria do Tomé é uma construção de muitas mãos, são várias camadas que se entrelaçam. [...] O movimento para a proibição da pulverização aérea só foi vitorioso no Ceará porque houve esta aliança do território em movimento, ou seja, do território da resistência, com outros territórios, com sujeitos políticos diversos. (TV EFA, 2021, on-line)

A partir dos relatos aqui apresentados, seja dos movimentos sociais diretamente mobilizados em torno da Lei Zé Maria do Tomé, notadamente M21 e MST, seja em falas do próprio deputado autor do projeto de lei, observa-se a intrínseca articulação entre movimentos e demais frações de poder no âmbito da mobilização política que resultou na aprovação da Lei, o que reforça a instância dos regimes políticos e suas diferentes escalas de atuação, que nem sempre se dão de maneira linear e unilateral e que revelam grande quantidade de conexões estabelecidas entre os diferentes atores.

 

Considerações finais

A aprovação, em 2019, da Lei Zé Maria do Tomé, que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos no estado do Ceará, se configura um exemplo de mobilização popular diante dos avanços do agronegócio, tornando-se a primeira lei estadual no Brasil que impossibilita tal prática. Vivenciando um contexto político de extremo conservadorismo no campo, no âmbito federal, com flexibilizações na lei nacional que regulamenta o uso dos agrotóxicos, é importante observar como o estado do Ceará se destaca nesse processo inverso.

Para a análise, mobilizou-se a literatura mais recente sobre movimentos sociais que busca compreender as suas articulações para a elaboração e implementação de políticas públicas. A partir dos conceitos de regimes políticos, subsistemas de políticas públicas, coalizões e habilidades sociais (ABERS; SILVA; TATAGIBA, 2018; SILVA, 2021), apreenderam-se as condições que favoreceram a influência desses na modelagem do projeto de lei, a partir da incidência particularmente do M21 e do MST.

Evidenciou-se que, com o aumento do uso dos agrotóxicos na Chapada do Apodi, movimentos sociais com o apoio de demais entidades e instituições começaram a se mobilizar e a denunciar as implicações ambientais e sociais daí decorrentes. Especialmente nos anos 2000, essas lutas se intensificaram e ganharam relevância nacional com a atuação do camponês Zé Maria do Tomé que, tido como um agente com habilidades sociais, conseguiu reforçar as articulações em torno das preocupações com os agrotóxicos na região e no estado.

Desse processo, constituiu-se uma coalizão de defesa que incidiu politicamente na esfera política municipal e estadual. Com a participação de representantes no Legislativo e com a oportunidade política no contexto estadual, os movimentos sociais, especialmente o M21 e o MST, articulados com outras entidades, conseguiram pautar e aprovar a Lei Zé Maria do Tomé, proibindo a pulverização aérea de agrotóxicos. Obviamente, essa Lei é consequência de disputas políticas entre diversos interesses, conforme destaca Moraes (2019, p. 5), para quem as “regulações sobre agrotóxicos não são criadas e implementadas por órgãos de Estado politicamente neutros: elas resultam da influência relativa de grupos organizados”.

Este exemplo específico, centrado particularmente na Lei Zé Maria do Tomé, evidencia a agência dos movimentos sociais e sua incidência política na formulação de políticas públicas e na promulgação de leis que refletem os interesses que partem da mobilização dos atores que estão diretamente inseridos em processos de violação de direitos humanos e de injustiça ambiental. Todavia, para isso, é necessário que movimentos sociais, representantes do Legislativo e das universidades, entre outros atores, conformem uma coalizão para defender seus interesses dentro de um determinado subsistema de políticas públicas.

 

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Como citar

MOURA, Joana Tereza Vaz de; CAVALCANTE, Leandro Vieira. Movimentos sociais e políticas públicas contra os agrotóxicos: a Lei Zé Maria do Tomé em foco. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, e2331205, 5 set. 2023. DOI: https://doi.org/10.36920/esa31-2_05.

 

 

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[1] Professora do Departamento de Políticas Públicas do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Doutorado em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pós-doutorado em Sociologia pela New York University (NYU), com bolsa Capes. E-mail: joanatereza@gmail.com.

[2] Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Doutorado em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). E-mail: leandro.cavalcante@hotmail.com.