ESA_logo.png                                            Recebido: 7.fev.2023   •    Aceito: 30.jul.2023   •    Publicado: 24.ago.2023                                                                                                                                                                                                                                                   

Ruralidade quilombola e a constituição das condições de habitabilidade nas  paisagens multiespécies do extremo norte do Espírito Santo, Brasil

Quilombola rurality and creating habitability in multispecies landscapes in the extreme north of Espírito Santo, Brazil

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Gustavo Rovetta Pereira[1]

 

 

             

 

 

 

https://doi.org/10.36920/esa31-2_04

 

Resumo: O artigo aborda as formas por meio das quais os quilombolas do Sapê do Norte, no extremo norte do Espírito Santo, Brasil, constituíram as paisagens multiespécies da região, mediante uma ruralidade característica, baseada numa habitação coletiva das terras entre membros das comunidades, da caça, coleta, pesca e de uma forma característica de agricultura. Tais formas de constituição das paisagens do Sapê do Norte mantinham a permanência e a reprodução das famílias quilombolas, bem como proporcionavam a manutenção das condições de habitabilidade de outras espécies, como a permanência das florestas, dos solos e o da reprodução do ciclo das águas, tal qual, deram origem a novas variedades de plantas e animais.

Palavras-chave: habitabilidade; paisagens multiespécies; comunidades quilombolas.

 

Abstract: The article discusses the ways in which the quilombolas of Sapê do Norte, in the extreme north of Espírito Santo, Brazil, shaped multispecies landscapes in this region through a distinctive rurality based on shared inhabitation of land by community members, hunting, gathering, fishing, and a distinctive form of agriculture. These methods that shaped the landscapes in Sapê do Norte allowed the quilombola families to remain in this region and continue this way of life while also making it possible for other species to live in this area; for example, maintaining the forests, soils, and water cycle gave rise to new varieties of plants and animals.

Keywords: habitability; multispecies landscapes; quilombola communities.

 

 

 

Introdução

Em 2020, durante uma audiência virtual para expandir os monocultivos de eucalipto no “Sapê do Norte”, no Espírito Santo, que serviriam como matérias-primas para a celulose branqueada da Suzano S.A, ouvi de um pesquisador da área das ciências agrárias e professor da Universidade Federal do Espírito Santo a seguinte colocação: “Os eucaliptos causam danos na bacia hidrográfica, mas, não muito mais que as pastagens.” O apontamento em questão, ao defender a continuidade e a expansão dos monocultivos, é importante para compreender a busca contínua por invisibilizar as ontologias quilombolas e os seus desdobramentos nas paisagens da região. Este é um aspecto significativo do processo de conversão, nos últimos sessenta anos, de um grande território quilombola florestado e habitado por milhares de famílias naquilo que passou a ser conhecido, entre ativistas quilombolas e não quilombolas, como “deserto verde”.

A busca por invisibilizar populações que têm formas coletivas de habitação dos territórios e paisagens, principalmente as não brancas, é parte significativa das estratégias de colonização dos territórios e das paisagens ao longo do Sul global. Diversos autores(as) caracterizaram essa prática como a produção de “vazios demográficos”, parte das estratégias para a expansividade colonial (FU KIAU, 2001; DARÉ, 2010; CAMANA; ALMEIDA, 2019). No caso do Sapê do Norte, a produção dos vazios demográficos juntou-se à retórica do “reflorestamento” para justificar a implantação de monocultivos de eucalipto, tratados pelos proponentes, o Estado e a indústria de celulose, como florestas. Além disso, houve o não reconhecimento dos direitos territoriais das famílias quilombolas e a expulsão de boa parte.  

Este trabalho pretende se contrapor à sistemática espoliação das ontologias quilombolas do Sapê do Norte, como elementos constituintes das paisagens multiespécies da região. Para isso, abordarei as formas por meio das quais os quilombolas se estabeleceram nas florestas do Sapê do Norte, nos últimos sessenta anos, aproximadamente. Isto sem dissociar tais formas das condições sócio-históricas de produção de uma ruralidade quilombola nos ambientes. 

O presente estudo é o resultado da tese de doutorado em desenvolvimento rural intitulada Na batida do acauã, se não termina hoje, termina amanhã (PEREIRA, 2022), realizada entre 2018 e 2022. A pesquisa analisou as formas de permanência dos quilombolas do extremo norte do Espírito Santo perante a colonização e o Estado. Também acompanhou os projetos e práticas ligados à agroecologia e o desenvolvimento rural de João Batista, quilombola de Angelim 1, uma das comunidades do Sapê do Norte.

Usei a abordagem dos desenhos ontológicos de Arturo Escobar (2016, 2018), que compreende a construção de mundo dos povos, além de capturas e/ou contextualizações filosóficas e/ou cosmológicas, mas de uma perspectiva multidimensional. Isto é, tendo em conta toda a diversidade de formas de defesa e reconfiguração dos territórios pelas comunidades indígenas e camponesas perante a modernidade colonial.

Também foi proposta uma abordagem sobre o desenvolvimento rural que não focasse apenas na relação entre famílias agricultoras, com acesso à terra e a sociedade de mercado, na estruturação de sistemas alimentares. O desenvolvimento rural é, portanto, considerado parte de uma ontologia política voltada à construção de mundos, ou seja, formas de os povos criarem projetos e expectativas em relação aos seus territórios de vida (HAESBAERT, 2020) e de pensarem a futuralidade (ESCOBAR, 2016) das comunidades.[2] 

Os ambientes e/ou paisagens são considerados neste texto como tendo o mesmo significado analítico[3], tratados como “sistemas abertos” (INGOLD, 2000). São consequências das múltiplas interações entre organismos humanos e não humanos, bem como de fatores bióticos e abióticos, como relevo, altitude, dentre outros. Além disso, esses elementos ou componentes interferem na forma dos ambientes e nas possibilidades que esses ambientes vão oferecer para o desenvolvimento da criatividade ontológica dos organismos, dentre eles os humanos (TSING, 2019).

 A partir da perspectiva que guia este texto, as relações entre os povos/sociedades/ontologias humanas e o ambiente/paisagem são entendidas como subprodutos da multidimensionalidade das construções de mundo dos povos. Ou seja, da interação entre a religião, a política, a economia, as relações de poder, as disputas e conflitos, as formas de conhecimento e a filosofia. Tal abordagem é diretamente inspirada na forma como Arturo Escobar (2010, 2016, 2018) e Anna Tsing (2019) contextualizaram, em suas análises, a questão ambiental e a virada ontológica desde as ciências sociais.

Mesmo me utilizando das contribuições de Tsing, este texto se localiza mais próximo de uma perspectiva interdisciplinar da etnoecologia e da agroecologia, no sentido de análise das práticas e conhecimentos das populações camponesas e seus efeitos ambientais, do que dos estudos e pesquisas focados nas “etnografias multiespécies ou multiespecíficas”. Julgo que a forma da autora abordar as relações entre espécies e a constituição das paisagens, origina conceitos híbridos interdisciplinares, no limiar entre as ciências sociais e a ecologia, profícuos e menos especializados para a compreensão das relações sociedade e ambiente, que podem ser usados como conceitos alternativos e/ou em diálogos com as ciências mais especializadas, a exemplo da antropologia e a ecologia.

Isto posto, este texto analisa como os quilombolas contribuíram para a formação das paisagens do Sapê do Norte, sobretudo antes da década de 1960, quando tinham autonomia sobre os territórios e as paisagens da região, algo que mudou com a colonização pela indústria de celulose e o Estado. Para isso, foi fundamental a operacionalização dos conceitos de paisagens, assembleias e coordenações, na forma como foram concebidos por Tsing (2019), para explicar os processos e agências e seus efeitos na constituição das paisagens multiespécies.

Na pesquisa, tive a oportunidade de conhecer algumas comunidades quilombolas do Sapê do Norte, seus membros, ouvir histórias, testemunhar e participar de parte das suas formas de habitação, sobretudo nos quilombos de Angelim 1, Linharinho, São Domingos e Cantagalo. Entre os vários sujeitos das comunidades, os principais interlocutores foram João Batista, seu pai Sr. Getúlio e a sua mãe Dona Dolores, todos nascidos e criados no território do Quilombo de Angelim 1. João Batista atualmente faz parte da seção estadual da Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Sr Getúlio é um agricultor e Dolores, falecida em abril de 2020, era agricultora, benzedeira, quer dizer uma das lideranças espirituais das comunidades. Os estudos foram realizados nos anos de 2018 a 2022, em diferentes momentos, totalizando seis meses de observação participante ao longo das trajetórias do Sapê do Norte. Isto, somado a diferentes momentos de interlocução via mensagens, ligações telefônicas, troca de mensagens por e-mail e redes sociais. 

 

O sapê do norte como produto da ruralidade quilombola

As comunidades quilombolas brasileiras são organizações socioterritoriais-ambientais do seu próprio gênero, um desdobramento indissociável da colonização de boa parte dos territórios da África e da América do Sul pelos europeus. Os quilombos brasileiros podem ser divididos em três momentos históricos: durante a escravidão, após o fim formal da escravidão e a partir da Constituição de 1988.           

Durante a escravidão, os quilombos eram considerados praticamente qualquer grupo de pessoas negras que se opunham ou desenvolviam formas de organização alternativas à ordem colonial. Isto, desde um grupo de poucas pessoas até coletivos maiores, como assentamentos e/ou comunidades. Muitos quilombos se situavam em terras indígenas, assim como mantinham ligações com essas comunidades e com a sociedade colonial (GOMES, 2015; GOMES; REIS, 2016).

No final do século XIX, os quilombos tornaram-se um reflexo direto da Lei de Terras de 1850, ou seja, da proibição da posse formal de terras pelo uso, como era costume até então. Dessa forma, os despossuídos não tinham mais acesso formal à terra, ficando apenas com as lacunas perante o interesse dos grandes proprietários, próximos do governo ou eles mesmos os governantes e os aplicadores das leis (LINHARES; SILVA, 1999; MEDEIROS, 2015).

A condição quilombola se relaciona à constituição da sociedade-nação brasileira como uma formação social antagônica, tendo em vista que não houve política de acesso a terras para as populações negras depois do fim formal da escravidão. Ao contrário, iniciou-se um processo de perseguição às ontologias negras em sua diversidade, o que, sobretudo, resultou no genocídio das populações negras brasileiras nos centros urbanos nascentes (NASCIMENTO, 1978). Situação atrelada à política de embranquecimento do Brasil, que permitiu o acesso a terras por imigrantes italianos e alemães, especialmente nas regiões Sul e Sudeste do país (CELIN, 1984).

No Sapê do Norte a história não diferiu, os quilombos atuais são desdobramentos dos quilombos históricos de Zacimba Gaba, Negro Rugério e Benedito Meia-Légua. Personagens de muitas insurgências negras de séculos atrás e de ocupações das terras que eram domínios de fazendeiros como barão de Trancoso, barão do Timbuhy, dentre outros. Territórios predominantemente negros, mas, com componentes indígenas e em menor escala, de um campesinato branco. Durante o século XIX, mesmo que a província de São Mateus não fosse a região de maior contingente de populações escravizadas do Espírito Santo, ficando atrás da região Centro-Serrana e do vale do rio Itapemirim, foi o local com o maior registro de aquilombamentos (OLIVEIRA, 2011; MACIEL, 2016; BERNARDO NETO, 2017).

Com base na perspectiva de interlocutores(as) do Sapê do Norte, é possível dividir os territórios dos quilombos em três dimensões, principalmente antes da indústria de celulose. Uma primeira dimensão dos núcleos familiares, com uma ou mais casas onde vivem parentes. Há uma segunda dimensão das lavouras que se mistura com os locais de moradia e, por outro lado, com as áreas de floresta. Uma terceira dimensão é de uso coletivo, como florestas, lagoas, várzeas, pântanos, rios e córregos, lugares de caça e extrativismo.

Os territórios dos quilombos eram extensos antes de tornarem-se, majoritariamente,  grandes plantações de eucalipto, mesmo intervalados por fazendas e posteriormente pela indústria madeireira. Algo similar àquilo que Haesbaert (2020) conceitua como “territórios de vida” dos povos originários e das comunidades tradicionais do continente latino-americano. Esta forma de estabelecer territórios é fluida e extensa, para além da ideia de propriedade privada e exclusiva, coexistindo áreas privadas e coletivas. Todavia, o fato de existirem locais privados não cerceava o trânsito entre famílias ao longo do Sapê do Norte, como demonstraram relatos que pudemos ouvir enquanto vivenciamos a região.

Além do comércio de terras, havia o recebimento de novos habitantes de um quilombo ou comunidade nas terras de outro quilombo. Tal processo poderia ser por um casamento, uma aliança ou um acolhimento de um novo morador. As terras eram vistas como vastas e passíveis de serem compartilhadas pelas comunidades.

O matrimônio entre quilombolas de comunidades diferentes era comum. Ouvimos exemplos de casamentos entre quilombolas do Angelim 1 e quilombolas que viviam no entorno do córrego Santa Helena e do córrego Santa Isabel, bem como da Vila de Itaúnas. Também eram feitos casamentos entre quilombolas de São Domingos e Angelim Disa. Assim como entre camponeses brancos e das comunidades remanescentes indígenas, com quilombolas.

Mas as situações de uso e habitação coletiva também podem resultar em disputas e discordâncias, como uma adaptação malsucedida de quilombolas acolhidos em determinado território, podendo, em um caso extremo, resultar em um conflito violento e/ou na retirada de uma das partes em litígio. Esta característica destes processos foi lembrada por um interlocutor que apontou um núcleo familiar originado em Santa Isabel, mas que hoje mora na retomada[4] de Angelim 1, como aquele que “sempre deu problemas” onde quer que morasse na região. Isso evidencia a necessidade de cultivar qualidades pessoais/familiares para “viver junto” ou “viver bem” com os outros.

De outro lado, houve o choque entre desenhos ontológicos vinculados à habitação coletiva das terras e uma perspectiva colonizadora dos fazendeiros. Isso se percebeu nos fazendeiros, por meio da violência, em negócios injustos, na dissimulação e ao submeter membros dos quilombos ao trabalho em condições semelhantes à escravidão.

Um dos interlocutores da nossa pesquisa, natural do quilombo de Chiado, conta que seu avô trocou 5 hectares de terra por um rádio de pilhas com os Donatti, família de fazendeiros de grande influência. Atualmente, nestas terras, os fazendeiros plantam cana-de-açúcar na escala do monocultivo. A quantidade de terras que ficou com os fazendeiros excedeu o acordado, em virtude da medição das terras pelos agrimensores, que geralmente favoreciam os fazendeiros. 

Outro caso lembrado ao longo da nossa incursão no Sapê do Norte é sobre um fazendeiro que vivia perto de Angelim 1. Nenetora, o fazendeiro, costumava intimidar o patriarca para vender suas terras à família. Quando o fazendeiro ia até a casa desta família, não aceitava remar a canoa, mas exigia que o interlocutor deste relato e seus irmãos, ainda crianças, fizessem o esforço em seu lugar.

Em um desses exercícios de intimidação, Nenetora gritou para o pai do interlocutor que iria comprar aquelas terras, mas as crianças responderam rapidamente, afirmando que o pai não iria vender. O fazendeiro sugeriu que o pai punisse as crianças, agredindo-as com o “piraí”, um instrumento típico de fazendeiros e feitores, que tinha grande capacidade de infligir ferimentos.

Outrora, fazendeiros roubavam terras dos quilombolas por meio de intimidação. Isto poderia acontecer com pessoas que tinham escrituras e conseguiram terras pelo Estado, algo raro para os “pequenos”, isto é, camponeses e/ou quilombolas. Os quilombolas das comunidades do Sapê do Norte eram enganados e roubados por advogados, funcionários e donos de cartórios, quando dependiam dos serviços desses profissionais.

No quilombo de Angelim 1 e no Sapê do Norte, em geral, as pessoas não usavam cercas para criar animais, principalmente porcos e, em menor escala, gado bovino. Os animais eram criados soltos sem roubo, só os fazendeiros roubavam os animais dos quilombolas.

Para mais, quando as famílias das comunidades do Sapê do Norte precisavam comprar materiais e ferramentas para o trabalho nas roças, ou qualquer outra coisa que não produziam, a exemplo de peças de bicicleta, eles se deslocavam por longas distâncias, para serem usualmente humilhados por comerciantes da Vila de Itaúnas. Os comerciantes muitas vezes tratavam com desprezo “os pequenos”, como diz um dos interlocutores, não aceitando parcelar-lhes as compras, mesmo que fossem produtos de baixíssimo valor.

No passado, nas terras de Angelim 1, ficava a fazenda do barão de Trancoso, um fazendeiro escravista que viveu na região. Algumas pessoas da região sabem que em uma das matas há ruínas e restos do tronco usado para torturar pessoas escravizadas. A área atualmente é propriedade da família Donatti, mas era de uso coletivo das famílias de Angelim 1. O barão de Trancoso era um senhor de engenho cruel, certa feita tirou a barba de uma pessoa escravizada usando o facão, “com o couro e tudo”.

Na sociologia brasileira do começo do século XX, destacam-se os exercícios de análise do “mandonismo local”, como observou Maria Isaura Pereira de Queiroz (1969). Melhor dizendo, a grande influência no território e nas paisagens dos projetos dos fazendeiros, que viviam de maneira análoga a déspotas perante as comunidades no interior do Brasil. Sob essas condições, eram quase inexistentes os limites para o poder dessas elites, além de as famílias camponesas não terem nenhuma garantia ou direito, que não fosse a sua própria resistência.

Freyre (2012) aponta as origens desse mandonismo local como sendo originadas na postura dos grandes proprietários de terra na colônia. Essas pessoas eram oriundas das “casas” de Portugal, ou seja, das famílias da aristocracia, habituadas a sociedades diferenciadas por castas. Assim, o Brasil produziu sociedades cindidas e desiguais desde o seu início.

A diferenciação entre colonizadores, senhores de terras e quilombolas encadeou uma divisão por castas, com a diferença racial entre brancos e não brancos. Visto que no Sapê do Norte havia populações negras e também alguns poucos brancos em condição de subalternidade perante os fazendeiros, isto sem afirmar que brancos pobres e negros vivem as mesmas dificuldades da colonização até os dias atuais.

Um dos interlocutores desta pesquisa é um exemplo desse tipo. Nascido e criado no Angelim 1, participou dos mutirões de trabalho, das festas tradicionais, casou-se e teve filho com uma quilombola, que morava em outro núcleo familiar na outra margem do rio. Ademais, assim como os negros e indígenas, viveu trabalho análogo à escravidão e roubo de terras de sua família. Certa vez, ele nos mostrou uma moringa antiga que seu pai guardava, na qual os fazendeiros ricos tomavam água fresca por longos períodos. Ao nos mostrar a moringa, disse que só os “grandes” tomavam água naquele recipiente, já os familiares carregavam água nos coités, que tinham uma capacidade muito menor de manter a água fresca.

Algumas semelhanças das condições sociais de brancos pobres e negros não são exclusividade do Sapê do Norte, mas de quase todas as sociedades nascidas da colonização e da escravidão de africanos. Davis (2004) pontua que, em lugares onde há uma evidente desigualdade racial, alguns grupos sociais não negros podem viver uma parte do tratamento que os colonizadores dão aos negros(as). A autora concebeu esse processo como “efeito ricochete”.[5]

A divisão entre comunidade e fazendeiros, os “pequenos” e os “grandes”, no Sapê do Norte, explica o conceito de comunidade. O que mais tarde, nos anos 2000, resultou na formulação do conceito de quilombos e remanescentes quilombolas na região, com base no artigo 68 da Constituição brasileira de 1988. Agregando o pertencimento comunitário, nos mutirões, nas festas e expressões artísticas, na moradia coletiva das terras, na ancestralidade e na raça.

Com a Constituição de 1988, a partir do artigo 68, foi aberta a possibilidade das comunidades negras rurais se constituírem como “comunidades de remanescentes de quilombos”, isto é, sujeitos de direito territorial (ARRUTI, 2000, 2002). As comunidades se organizaram para materializar essas possibilidades, como pesquisadores, servidores públicos e ativistas, para releitura da memória das comunidades e titulação coletiva de suas terras.

Dessa forma, foi notado o surgimento de tecnologias governamentais em torno da titulação das terras quilombolas, em que os antropólogos tiveram um papel relevante na elaboração de relatórios antropológicos. Isto, quando esses sujeitos têm seu trabalho demandado pelas comunidades, por diferentes segmentos do Estado e movimentos sociais (CARVALHO, 2007, 2016).

O propósito da titulação de terras de quilombo influenciou a concepção de variedades locais, regionais e nacionais do movimento quilombola e a expansão e o fortalecimento do movimento negro. O movimento social quilombola comumente se articulou com pesquisadores, organizações não governamentais e partidos políticos, configurando blocos de luta, como nos dizem Borba (2013), Cardoso (2013), Santos (2014, 2015), Nunes (2015), Oliveira (2011), Silva (2012) e Benedetti (2020). Neste processo, os quilombolas sofisticaram suas formas de organização social e desenvolveram maneiras próprias de lidarem com atores externos aos quilombos, no sentido de não deixarem seus interesses e projetos serem sobrepujados (SILVA; ANJOS, 2008).

Porém, mesmo com todo esse processo, há uma significativa descontinuidade entre a emissão de títulos coletivos de terras para comunidades quilombolas e a quantidade de processos abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), sendo que a quantidade dos segundos é absurdamente maior que a dos primeiros. De maneira relacionada, foram protocoladas ações contrárias à titulação de terras de quilombos, por fazendeiros e seus representantes, atores políticos que sempre dominaram o mundo rural brasileiro (RODRIGUES, 2014).

Nos dias hodiernos, o governo brasileiro não quer fazer a consulta aos povos indígenas e tradicionais sobre a instalação de empreendimentos que afetem os quilombos. Também se manifestam tentativas de se instituir um marco temporal que atribui a titulação de comunidades indígenas e quilombolas somente para aquelas que estavam nos territórios à época da Constituição de 1988.[6]

No caso do Sapê do Norte, a contextualização deste terceiro momento dos quilombos no Brasil se relaciona à chegada da indústria madeireira e da celulose, que desencadeou uma ruptura violenta das condições propícias a uma ruralidade quilombola na escala anterior. Os territórios e paisagens de uso comum foram espoliados, as florestas desmatadas, áreas de moradia e lavouras tomadas, tudo para a implantação de monocultivos de eucalipto que abasteceriam as linhas de produção da indústria de celulose. Os desdobramentos desses acontecimentos resultaram na expulsão de parte dos quilombolas, secamento dos cursos d’água, redução da diversidade da vida, degradação da fertilidade dos solos e irrupção das condições de permanência nos quilombos.

Em 2000, os quilombolas começaram a se organizar para o Estado reconhecer e titular as terras dos diversos quilombos do Sapê do Norte. Isto, articulado entre as comunidades, juntamente a sujeitos não quilombolas, como eram ativistas de organizações não governamentais, especialmente a Fase/ES (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional), técnicos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

O ativismo dos quilombolas e parceiros gerou diferentes efeitos, como a visibilidade do Sapê do Norte como um grande território quilombola. Isto, com uma Comissão Quilombola do Sapê do Norte, uma Coordenação Estadual de Comunidades Quilombolas do Espírito Santo e quilombolas da região como membros da Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). Somado a isso, há a produção, ao longo dos anos, de relatórios e peças de denúncia de circulação (inter)nacional sobre a colonização da região pela indústria de celulose.

Mesmo com décadas de ativismo, até hoje, nenhuma terra de quilombo foi titulada. A não titulação é causada pelo desinteresse de governos em devolver terras que hoje são da indústria de celulose e fazendeiros, que costumam arrendá-las à empresa. Associadamente a dependência de boa parte dos Estados Nacionais latino-americanos a grandes empreendimentos extrativistas como são a mineração, o agronegócio e o monocultivo de árvores (ACOSTA, 2016; ARÁOZ, 2016; SVAMPA, 2019). Desde 2018, os monocultivos do Sapê do Norte são da Suzano S.A, a maior empresa do ramo.

Como desdobramento, nenhuma das famílias quilombolas acessou as condições de habitabilidade (TSING, 2019) semelhantes àquelas existentes anteriormente à chegada da indústria de celulose. Em períodos de estiagem, muitas comunidades ficam sem água, como ocorreu em 2015 e 2017, no evento caracterizado pela mídia como “crise hídrica do Sudeste”.

Mesmo que as condições atuais do Sapê do Norte sejam antagônicas à constituição da habitabilidade das paisagens dos quilombos em comparação ao momento anterior à chegada dos eucaliptais, ainda é possível notar que as formas tradicionais dos quilombolas relacionam-se com as matas e com os solos, onde ainda existem núcleos familiares quilombolas. Isto ocorre em terras onde nunca houve eucaliptos plantados ou naquelas terras que estavam de posse da indústria de celulose e que foram retomadas.

Nos parágrafos seguintes trataremos das formas de relacionamento entre quilombolas e as paisagens no Sapê do Norte, como o conhecimento e manejo das florestas, dos solos e da vida, por meio da caça, coleta e, principalmente, da agricultura.

 

As formas de habitação e a constituição do Sapê do Norte como paisagem multiespécie

A relação com as matas, várzeas, lagoas, pântanos e rios da região, principalmente, antes da invasão pelos monocultivos de eucalipto, é um aspecto fundamental da vida dos quilombolas e suas formas de constituição da paisagem. Esses locais eram onde as famílias logravam alimentos, fibras vegetais e madeiras, essenciais à vida nos quilombos.

Nas proximidades do quilombo de Angelim 1, havia matas frondosas, hoje apenas remanescentes, como a mata da Viração, mata do Tinga e mata da Inveja. Na mata da Viração, o Sr. Getúlio afirma que viviam pássaros bonitos, como a araponga, e muitas onças que iam à região caçar. Era comum caçar porcos-do-mato no local, os chamados caititus. Na mata do Tinga, o Sr. Getúlio, pai de João Batista, relata que:

Ali era uma mata que quando você entrava nela, você sentia gelo, de tão frio que a mata era, a mata era gelada, você olhava muito mitinga, aí botaram o nome de mata do Tinga e aquelas mariposas, só que era muito, aquelas mariposas, aquelas grandonas. Tinha abelha também, mas não tinha costume de pegar mel. (Entrevista com Sr. Getúlio em 16 ago. 2021)

João diz que ouviu histórias que contavam que a mata do Tinga era tão densa que, à noite, não podia ver um palmo à frente.

Outra mata do quilombo de Angelim 1 que fazia parte do cotidiano das famílias era a mata da Inveja. Getúlio disse que, se você passasse à noite montado a cavalo, o cavalo entrava mata adentro e ia embora com você. A mata atraía os animais.

Tão relevantes quanto às matas eram os cursos d’água, também identificados pelas famílias da região. Entre os córregos e rios do Sapê do Norte, estão o córrego do Piloto, o córrego do Gomes, o córrego da Viração, o Corrêa, o córrego da Velha Antônia e o rio Angelim, somados às lagoas da região.

O nome Sapê do Norte se refere a um sapezal entre Linharinho e Angelim 1, um dos pontos de referência dos quilombolas. João conta sobre um escritor, que fazia parte do Movimento Paz no Campo,[7] que afirmou que não havia florestas na região, mas somente um sapezal, negando o desmatamento produzido pelos fazendeiros, pela indústria madeireira e principalmente pela indústria de celulose.

A caça ao tatu era muito comum na região. O tatu era predado por uma armadilha chamada “mundéu”, com quatro ou cinco capturas, como “tatus-mirins”, “tatupebas” e “tatus-canastras”. Em cada caça, eram capturados dois ou três tatus, que eram limpos, “muquiados” e,[8] em seguida, a carne e a gordura eram misturadas à farinha e conservada por até 15 dias. Unicamente quando findava a carne é que outros tatus eram capturados.

Getúlio afirma que não havia desperdício, as pessoas não extinguiam os animais caçados e todas as famílias conseguiam alimento pela caça. Segundo ele, é um jeito de caçar diferente dos caçadores que comercializam animais caçados com pessoas de fora da região.

Observavam-se os locais mais apropriados para a pesca, conhecidos e compartilhados por diversos núcleos familiares. O rio Angelim era abundante em quantidade e diversidade de peixes. Há famílias com crianças pequenas que se instalaram perto do rio, comendo peixes pescados por um ano, até os primeiros plantios vingarem.

Nas muitas caminhadas pelas trilhas, como o trajeto até Conceição da Barra, era comum que as pessoas não levassem água para beber. A causa é o fato de nos caminhos haver rios e córregos com água pura.

As florestas também eram locais de retirada de madeira para a feitura de canoas de um “pau só”, feitas de tronco escavado e lapidado da oiticica, e usadas para locomoção nos rios da região.[9] Além disso, também eram produzidos “samburás”, armadilhas, e retiravam-se materiais para construção de moradias, assim como restos de madeiras e troncos eram usados para servir de combustível para a fabricação da farinha de mandioca. Também eram feitos cestos, balaios e correias de diferentes tipos, utilizando fibras vegetais, como as das jaqueiras, gameleiras e das biribas.

 Eugênio Canoeiro, um dos moradores originários do quilombo de Angelim 1, fazia da gameleira a prensa para espremer mandioca, ferramenta utilizada na feitura de farinha e goma. O pilão feito do cerne de diferentes árvores também era uma ferramenta muito importante na região. Em uma casa de um dos núcleos familiares de Angelim 1 existe um pilão que data de 1951. O Sr. Getúlio pontuou que a madeira que deu origem ao pilão tinha um cerne muito grande.

Alguns quilombolas iam até os mangues perto do quilombo de Santana, próximo à sede de Conceição da Barra, para pegar caranguejo. Certa vez, pudemos ver uma quilombola de Linharinho comercializando caranguejo nessa mesma região. Mas não era prática comum, em virtude da distância e da pesca nas matas do Sapê do Norte, que ainda eram abundantes.

De maneira associada à caça e à coleta, os trabalhos realizados para a produção de alimento pelas famílias se vinculavam a uma agricultura característica do Sapê do Norte, destacadamente fundamentada no plantio de mandioca. Foi através da agricultura que os quilombolas transformaram as paisagens e criaram novas espécies de plantas cultiváveis.

As formas de agricultura do Sapê do Norte abrangiam os terreiros ao redor das casas que incluíam plantas frutíferas, temperos, plantas medicinais, criação de galinhas, sobretudo trabalhos realizados pelas mulheres dos quilombos, isto, somado a diferentes áreas de lavouras ao longo dos territórios. Em muitos casos, as plantações permanentes de uma diversidade de cultivos se misturavam às florestas nativas.

Nas lembranças de Sr. Getúlio, encontra-se bem nítida a lógica subjacente ao desenho da agricultura no Sapê do Norte nos tempos anteriores à chegada da indústria de celulose. A agricultura era feita abrindo-se clareiras na mata, mediante o uso do machado. Depois, colocava-se fogo nas árvores derrubadas; segundo ele, “o fogo nem entrava nas matas do entorno, porque chovia bastante”, isto é, a queimada não se alastrava de maneira descontrolada, pois “aqui era bom de chuva, chovia bastante”. Depois de algumas roças, o local era deixado em descanso, pois, posteriormente, “aquilo ali voltava ao natural de novo, ninguém repetia roça ali não”. Essa forma de se fazer agricultura era antigamente chamada de “montoado”.

A primeira lavoura do “montoado” tinha alta produtividade, rendendo dez cargas de mandioca em um curto intervalo de tempo, uma vez que a terra era fértil.[10] Em situações em que a terra já havia sido cultivada, mas se regenerou, ao ser deixada em descanso, a produtividade não era igual. Atualmente, para alcançar um quinto desta eficácia produtiva é empregado um grande empenho, visto que a terra “está diferente”, conforme Sr. Getúlio, “ela está dura” e, em vista disso, trabalhá-la produz “calo na mão com o enxadão”.

O cultivo tradicional de mandioca expandiu-se em diversas utilidades para a raiz no Sapê do Norte. Em uma lógica de seleção de espécies e de melhoramento, que amenizou a “brabeza” das diferentes “mandiocas-bravas” que levavam mais de um ano para serem colhidas. Estas, se fossem consumidas, cruas ou cozidas, por criações como porcos, gado, cavalos e galinhas, envenenavam os animais. Já aqueles tipos de mandioca que levavam menos tempo para serem retiradas da terra serviam para alimentação das criações e o consumo humano.

Mandioca de primeira que a gente tinha aqui era mandioca “ruim” ou “braba”, mandioca Alegria ou São Pedro Pampo, mandioca Negra Rica, Aipim Cacau, Aipim Manteiga, Aipim Caixão, tinha aquela que dava visgo na nossa mão, até a casca dela se você jogava assim no campo, matava vaca, comia e morria, chama-se mandioca roxinha, e essas não existem mais. A Negra Rica, nós temos agora, também temos a Tesourinha, a Caravela, a Aipim Caixão, que com seis meses você pode cozinhar, você pode bater para galinha que a galinha não sente. Tem várias mais novas aí agora, mas, todas mais mansas que as mandiocas antigas. As mais antigas, eram mais do mato, eram “zarras”, bravas, você só conseguia arrancar depois de 1 ano e meio, ela tinha um fermento muito zarro (forte). Antigamente a mandioca, dependendo da qualidade, em poucas horas a galinha que comia tava tonta e depois morria. (Entrevista com Sr. Getúlio em 16 ago. 2021)

Esse relacionamento profundo, entre quilombolas e a mandioca, coadunou na transformação da própria mandioca, das suas possibilidades de servir de alimento tanto para humanos quanto para outras espécies. Isto, à luz das reflexões de Anna Tsing (2019), é entendido como uma relação ou assembleia de coordenação entre espécies e entre espécies e a paisagem multiespécie. A coordenação é uma relação em que uma ou mais espécies induzem o sentido da transformação de determinados organismos, sua relação entre si, com a paisagem e suas condições de habitabilidade, como a mandioca “brava” que passou  a ser comestível.

De acordo com João, a mandioca, quando tem suas manivas plantadas (quer dizer, pequenos recortes de seu tronco), nasce de 8 a 21 dias. Caso não brote neste período, o plantio precisa ser refeito. Em solos mais degradados pela ausência da diversidade de outras plantas, as formigas podem cortar as mudas ainda pequenas. Para o cultivo de mandioca, é necessário o intervalo de 1,5 m de espaço entre uma planta e outra. Alguns tipos de mandioca, como o caso da mandioca Periquita, requerem 2,5 m de espaço entre um pé e outro.

Em outros tempos, era produzida uma abundância de farinha de mandioca nos quitungos das famílias e das comunidades do Sapê do Norte. Gado bovino chegou a ser criado para trazer madeira das matas para que fossem abastecidas as casas de farinha. Após a produção, a farinha era transportada em canoas enormes que comportavam uma quantidade de até 70 sacos.

A farinha era produzida em mutirões, com pessoas de comunidades diferentes, para cortar árvores, que eram usadas como combustível para a casa de farinha. Após findado o processo, as pessoas que trabalhavam na produção ficavam, até dois dias posteriores, comendo e bebendo na casa onde se localizava a farinheira. Com efeito, toda noite após o trabalho também costumavam dançar forró.

Neste período, somente a farinha de mandioca era vendida. O beiju, a goma de tapioca e, mais recentemente, a moqueca de beiju eram utilizados para alimentação das famílias. Isso é proveniente do fato de que a única matéria-prima para a feitura de produtos similares aos pães, biscoitos e bolos, como o caso do beiju, tapioca e a moqueca de beiju, era a farinha de mandioca.

Outro cultivo, de suma relevância para a compreensão do Sapê do Norte, é o plantio de feijão que, a partir do manejo dos quilombolas, se ramificou em uma diversidade de variedades. Entre as variedades de feijão são encontrados o feijão-preto, o rosinha e o feijão mulatinho. Tais variedades de feijão demoravam um período aproximado de 90 dias entre o plantio e a colheita. Segundo Sr. Getúlio, tempos atrás existia um feijão “meio rosinha, bem menor que o carioca”, que nascia em aproximadamente 60 dias. Ele não conseguiu recordar o nome dessa variedade. O agricultor pontuou que o feijão-carioca, comum atualmente, é bem mais recente na região.

Anteriormente à chegada da indústria de celulose, era possível plantar um saco de feijão e como resultado colher entre 15 e 17 sacos. De acordo com João, o feijão é irmão do milho na agricultura tradicional quilombola, “você via muito feijão embaraçado no milho”. Na visão dele, é um saber agrícola que se perdeu, pelo próprio decrescimento das condições de produtividade da agricultura. Presentemente, em razão da diminuição da fertilidade dos solos, é cultivado um saco de feijão para em retorno colher pelo menos a mesma quantidade de feijão plantada.

Somadas aos diferentes tipos de feijão e de mandioca, entre os quilombos do Sapê do Norte, também foram concebidas variedades próprias de café. Conforme o Sr. Getúlio, no Angelim 1, existiam o café grande e o café do jacaré, dentre outros que ele não conseguiu recordar no momento de nossa interação.

Durante nossa experiência no Sapê do Norte, a jaqueira teve grande relevância, pois tinha seus frutos consumidos, ocupando o papel de um grande componente da alimentação dos quilombos. Em somatório, a árvore era usada para o fazimento de móveis e construções, quando derrubada. Algumas jaqueiras foram nomeadas pelas famílias em Angelim 1 como a do Gambá, no sítio Porto dos Tocos, que foi importante na infância de João e os seus irmãos, servindo como alimento na época em que frequentavam o núcleo de origem de sua mãe do outro lado do rio Angelim. Outra jaqueira, lembrada por Sr. Getúlio, era a jaqueira do Ovo, que dava frutos nos quais o gomo se assemelhava a um ovo. Segundo ele, os gomos não tinham visgo e possuíam um sabor mais agradável que a média.

Certo dia, pudemos entrar em um remanescente de floresta, que hoje está sob posse da Suzano S.A. Lá, nós, os quilombolas e os ativistas da Fase/ES encontramos um sinal evidente das ontologias quilombolas do Sapê do Norte, no que se refere ao subproduto na paisagem de suas construções de mundo. Tais sinais consistiam na existência de dendezeiros e jaqueiras, plantas exóticas usualmente cultivadas nos quilombos e usadas para alimentação. Um aspecto que nos chamou a atenção é que em meio a essas plantas estavam frutos dos dendês e das jaqueiras com marcas de mordidas de animais silvestres. Segundo os quilombolas, as marcas eram provenientes do processo de alimentação de tatus, pacas e aves.

Diante disso, conseguimos compreender a relação entre os cultivos encontrados nos quilombos e a alimentação dos animais silvestres, principalmente com a redução das florestas a partir da colonização da indústria de celulose. Somado a isso, também percebemos o caráter da forma como os desenhos ontológicos quilombolas vinculados à agricultura constituem as paisagens multiespécies do Sapê do Norte, incrementando positivamente as condições de habitabilidade na perspectiva de diferentes espécies.

Em momentos posteriores, notamos que nos locais de moradia e trabalho dos quilombolas, destacadamente nos entornos do território quilombola do Angelim 1, onde nós mais circulamos, existe uma constante incidência de animais silvestres cativados pela diversidade agrícola e florestal dos quilombos, em comparação ao monocultivo de eucaliptos. Em meio a esses animais foi possível ver macacos-prego, quatis, carcarás, surucuá-de-barriga-amarela, caxinguelês, maritacas, uma diversidade de insetos, e também ouvimos histórias de avistamentos de caititus, onças, saruês, pacas e capivaras, dentre outros. 

O dendê, uma planta natural do continente africano, é outro cultivo muito incidente no Sapê do Norte e presente em quase todo o território, até algumas vezes entre os eucaliptais. A palmeira produz frutos que, após macerados e cozidos, servem para o fazimento do azeite de dendê. Juntamente com a gordura de porco, o dendê foi por muito tempo a única gordura usada na culinária local. Atualmente, ainda existem mulheres no quilombo de Angelim 1 que produzem o óleo do dendê, mas algo bem menos presente que no tempo anterior à chegada da indústria de celulose. 

Sempre foi muito comum a criação de porcos e galinhas no Sapê do Norte, de maneira unânime pela totalidade dos núcleos familiares. Nos quilombos que pudemos visitar, notamos muitas galinhas soltas em meio às agroflorestas, pois elas só ficavam nos galinheiros no período da noite. Gado bovino era criado em raros casos, sobretudo nas regiões de brejos. Não era comum que se fizessem pastos para a criação destes animais.

É dito que na área que abrange a mata da Viração residia um conhecido criador de porcos, cuidador das fazendas que existiam na região. Pelo fato de os porcos serem tradicionalmente criados livres, sem cercas, muitas de suas criações fugiram, cruzando com os caititus, porcos-do-mato, originando uma nova variedade da espécie na região. Por este motivo, era comum a presença de membros dos quilombos interessados em caçar esses animais. João nos disse que a carne era tida como ótima, todavia, os porcos eram resistentes à captura. Certa vez, foi disparado um tiro na direção de um desses porcos, entretanto, a bala se chocou na pele do animal, sem penetrá-la e, em seguida, caiu no chão.

A história da influência dos quilombolas no desenho das paisagens multiespécies do Sapê do Norte destaca a presença das mulheres, que na divisão do trabalho nos quilombos focaram-se simultaneamente na agricultura e no beneficiamento dessa produção. Além do que, dedicavam-se às atividades de cuidado relacionados à saúde física e espiritual, não havendo exclusividade sobre essas práticas, mas dispondo de um certo protagonismo na sua realização.

Dolores, uma quilombola de Angelim 1, mãe de João Batista, sempre teve muito gosto por plantar, por isso, ao longo do terreiro há inúmeros pés de frutas, como jaqueiras, laranjeiras, limoeiros, biribiri, pitangueiras, cajazeiras e abacaxis, flores e plantas ornamentais, como a babosa e o capim-santo. João conta que em determinados momentos a matriarca saía de sua casa para plantar na antiga terra de seus pais, onde havia nascido e que moravam seus irmãos e irmãs, do outro lado do rio Angelim, por gosto. Ela também se dedicava bastante ao cuidado com a alimentação e por vezes orientava João a dar gomos de jaca e bananas para as crianças que ficavam soltas nas ruas da vila de Itaúnas, no período em que eles moravam por lá.

Em um núcleo familiar de Angelim 1, pudemos perceber várias ervas ao longo do quintal, que rapidamente João e sua tia as identificaram e explicaram sobre suas possíveis propriedades e formas de utilização. As plantas eram: quiôiô, utilizada para temperar comida, tipí/guinê (usado para defumação em rituais religiosos), vassourinha, que pode ser empregada em banhos rituais para proteção e limpeza espiritual e cordão-de-frade, que serve para combater a diabete. Em outra oportunidade, João também me apresentou, nas terras que ele estava manejando no sítio Porto das Canoas, também no Angelim 1, outras dessas plantas espontâneas e suas possibilidades de uso. As ervas eram: língua-de-teiú, erva indicadora de solo ácido e a salsa bubalina, que pode ser utilizada na feitura de garrafadas curativas.

No tempo anterior à degradação das terras do Sapê do Norte pela indústria de celulose era possível perceber a presença da agricultura até nas brincadeiras das crianças. Ao longo de uma das nossas caminhadas pela região, João nos mostrou algumas plantas forrageiras e disse que quando criança ele e os irmãos costumavam derrubá-las, brincando como se elas fossem cachos de banana que eles estavam colhendo.

De maneira geral, compreendemos a agricultura dos quilombos do Sapê do Norte, principalmente nos tempos anteriores à chegada da indústria de celulose, como uma agricultura caracteristicamente tradicional. Melhor dizendo, análoga tanto àquela dos povos indígenas do Brasil quanto à dos povos tradicionais da América Latina, África e Ásia.

Darrell Posey (1986) fez um estudo importante sobre o manejo das capoeiras e das florestas pelos Kayapó que vivem entre o Centro-Oeste e o Norte do Brasil. Este estudo foi um dos precursores na demonstração da profundidade da relação mútua entre indígenas e a constituição das florestas. Relação que envolvia ganhos tanto para a diversidade vegetal, e animal das paisagens, quanto para as comunidades indígenas em questão. Diversos elementos dessas formas de manejo persistem de maneira análoga no Sapê do Norte.

Entre as semelhanças dessas duas realidades estão a existência de plantas perenes, plantadas há anos no Sapê do Norte. Quer dizer, bananeiras, jaqueiras, coqueiros, mangueiras, entre outras que, quase sem nenhum manejo, continuam fornecendo alimentos por décadas, para as famílias. Outro aspecto análogo é a existência de plantas semidomesticadas no Sapê do Norte, quer dizer, plantas que não foram plantadas pelas famílias, mas que tiveram o entorno modificado por elas. Isto é, pelas práticas dos quilombolas, sendo extraídas e utilizadas sistematicamente pelas comunidades, a exemplo das plantas medicinais e daquelas que fornecem fibras vegetais.

Igualmente, as agriculturas praticadas pelos quilombolas não dependiam de insumos externos às paisagens da região e logicamente não dependiam de recursos financeiros. Em somatório, essa agricultura não era direcionada por técnicas e metodologias de caráter científico. De outra forma, eram mobilizados saberes que compreendiam a identificação e classificação de animais, de tipos de solo, da compatibilidade ou incompatibilidade entre cultivos. Algo característico da diversidade agrícola das comunidades camponesas e dos povos originários em diferentes partes do planeta (ALTIERI, 2009).

Para mais, conforme Altieri (2009), estas formas de interação e transformação das paisagens, por meio da agricultura, também proporcionam materiais de construção, lenha, ferramentas, medicamentos, alimentos para criações e para o consumo humano, e ainda conhecimento sobre o território e as interações entre diferentes espécies. É no curso dessas interações que as pessoas conhecem o mundo e se dão conta das relações entre seus habitantes. Comumente, agricultores tradicionais desenvolveram formas de agricultura muito bem adaptadas, ou seja, passíveis de reprodução ao longo do tempo sem a degradação excessiva das características da paisagem. Principalmente, aqueles vinculados aos agroecossistemas tropicais, manejados por: pousios, hortas domésticas complexas, lotes agroflorestais, com uma diversidade de cultivos. O incremento da biodiversidade através da agricultura tradicional também se liga à influência de áreas do entorno como florestas, lagos, pastagens, arroios e pântanos.

A agricultura de pousio, isto é, de clareiras no meio da floresta, possibilita que organismos que provavelmente dilapidariam os plantios se direcionem para as matas. A associação entre uma variedade de plantas previne a concorrência por ervas espontâneas, pois a cobertura das folhas proporcionada por uma diversidade de árvores impede que a luz solar chegue a essas ervas espontâneas que podem concorrer com os cultivos.

Nesta linha, a agricultura também pode incrementar a biodiversidade e por consequência colher benefícios ecológicos para a própria agricultura e para as formas de habitação dos agricultores(as). Isto é, na fertilidade dos solos, na disponibilidade de água e no incremento da diversidade de insetos benéficos para a agricultura, a exemplo do controle de pragas e da polinização (ALTIERI; NICHOLLS, 2010).

Uma variedade de cultivos, somado ao rodízio entre áreas de plantio e de descanso, como ocorreu tipicamente no Sapê do Norte, produz uma série de consequências que impulsionam a abundância da paisagem. A diversidade genética impulsiona a resistência a doenças e outros tipos de problemas e o aumento da diversidade nutricional (ALTIERI, 2009).

Presentemente, estes cultivos diversificados e agroflorestais incrementam a capacidade dos locais de habitação às mudanças climáticas e seus eventos críticos como chuvas intensas, secas, dentre outras. Isto, em virtude da proteção dos solos contra a erosão pelo impacto da chuva ou proporcionando um melhor armazenamento de água. Além disso, as árvores produzem condições microclimáticas que possibilitam certa proteção aos cultivos e aos solos contra intempéries climáticas como tempestades e secas, que têm se intensificado e vão se intensificar ainda mais com a acentuação dos eventos críticos vinculados às transformações nos ciclos climáticos dos territórios do planeta (ROSSET; ALTIERI, 2018).

A metamorfose da agricultura característica dos quilombos do Sapê do Norte vem ocorrendo principalmente como consequência da colonização das terras pela indústria de celulose, interligada à expansão dos valores da Revolução Verde e do agronegócio na região, aquilo que João caracteriza como a expansão da “mentalidade do fazendeiro”, assunto que será desenvolvido mais profundamente em outros trabalhos no futuro.

 

Considerações finais

Com o intuito de conclusão deste texto, que teve o objetivo de discorrer sobre a produção do Sapê do Norte como um entrecruzamento de desenhos ontológicos quilombolas e seus desdobramentos na paisagem, trazemos uma história narrada pelo Sr. Getúlio. O relato conta que, certo dia, uma onça, uma cobra pico-de-jaca e uma cabra escolheram um mesmo terreno para fazerem uma casa. No entanto, isto ocorreu sem que cada um dos animais soubesse que os outros tinham escolhido o mesmo local. Pois, coincidentemente, quando um deles chegava ao local, os outros estavam fora, buscando materiais para a construção da casa. Somente quando terminada a construção da casa é que eles se encontraram e perceberam que, coincidentemente, se organizaram para morar nesta mesma área.

A meu ver, esta história é uma metáfora sobre como o Sapê do Norte se constituiu pela perspectiva dos quilombolas, antes da chegada das grandes plantações de eucalipto. Isto é, como um território enorme que abrange partes de dois municípios, dezenas de quilombos, centenas de famílias, com uma forma de habitação coletiva e comum, baseada nos subprodutos de seus desenhos ontológicos sobre a paisagem, nas brechas das grandes fazendas.  Deste modo, mesmo estando sobrepostos no mesmo território, uma fazenda não é um quilombo, assim como um quilombola não é um fazendeiro.

Os quilombolas empreendiam modos de agricultura, de caça, coleta, de formas comunitárias de ocupação das terras, festas, expressões artísticas e religiosas, relações de reciprocidade ligadas ao trabalho coletivo e à troca de favores. Dito de outro modo, um conjunto de formas instituídas de vida comum. Tais formas somavam-se ao parentesco, à ancestralidade no território, constituindo um nexo indissociável transversal aos atributos de um território tradicional (ANJOS, 2009).

A partir das contribuições de Anna Tsing (2019), entendemos que os desenhos ontológicos quilombolas produziram alterações nas condições de habitabilidade das diferentes espécies que residem nas paisagens da região, de uma maneira não degradante. Em alguns casos, desencadeando coordenações que conceberam novas espécies, como são as variedades de mandioca, de café, de feijão e de porcos-do-mato. Deste modo, contribuíram para a manutenção dos regimes de chuvas, dos ciclos de reprodução das águas nos rios, nascentes e córregos, em uma densidade demográfica que chegou a ter aproximadamente 12.000 famílias vivendo nos quilombos, conforme afirmam diferentes lideranças da Comissão Quilombola do Sapê do Norte.

O jeito desses quilombolas se relacionarem com os diferentes componentes das paisagens oferece uma contribuição multifacetada para o entendimento das relações sociedade-natureza ou da relação entre humanidades e ambientes e, por consequência, da problemática ambiental contemporânea. Com base na experiência do Sapê do Norte, observamos uma forma de relação entre espécies e entre espécies e paisagens que, mantendo seu ritmo e características, como era antes da colonização pela indústria madeireira e, principalmente, pela indústria de celulose, poderia se repetir ao longo do tempo. Isto, sem acabar com as condições para a diversidade de espécies, da fertilidade dos solos, da capacidade de reprodução das águas, das condições para reprodução das comunidades quilombolas e para a profusão de sua criatividade ontológica. Processo que significa uma experiência concreta do que podemos entender como sustentabilidade. Essa relação de povos entre si e com a diversidade dos componentes da paisagem, por meio de coordenações e assembleias, é desenvolvida ao se associarem técnicas, práticas, o conhecimento dos quilombolas sobre os elementos da paisagem e as diferentes relações sociais e seus desdobramentos, que atravessam a vida das comunidades. De modo semelhante, há a manutenção das formas de compartilhamento das terras, mesmo diante das práticas de fazendeiros que buscavam dominar e/ou exterminar essas ontologias. Coisa que passou a ser inviabilizada em virtude da violência colonial da indústria de celulose.

O exemplo dos quilombos do Sapê do Norte ilustra que a existência e a perpetuação de uma paisagem, habitável, como no caso das paisagens florestais do Brasil, entre outros territórios semelhantes, não depende de fatores técnicos, políticos, econômicos e cosmológicos isoladamente. De outro modo, necessita da forma como a associação entre essas dimensões do comportamento de um povo ou espécie cria um lastro ontológico específico e por consequência uma maneira de constituir as paisagens multiespécies, e suas possibilidades de habitação para diferentes povos e espécies.

 

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SILVA, Sandro José da. Política e identidade quilombola no Espírito. 2012. 357 f. Tese (Doutorado em Antropologia) – Programa de Pós-graduação em Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2012.

SVAMPA, Maristela. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. São Paulo: Elefante, 2019.

TSING, Anna Lowenhaupt. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Brasília: IEB; Mil Folhas, 2019.

 

 

Como citar

PEREIRA, Gustavo Rovetta. Ruralidade quilombola e a constituição das condições de habitabilidade nas paisagens multiespécies do extremo norte do Espírito Santo, Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, e2331204, 24 ago. 2023. DOI: https://doi.org/10.36920/esa31-2_04.

 

 

 

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[1] Doutorado em Desenvolvimento Rural pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). E-mail: gustavorpcso@yahoo.com.br.

[2] O conceito de “futuralidade” está ligado à abordagem dos desenhos ontológicos de Arturo Escobar (2016, 2018), que se concentra na produção de pesquisas sobre as formas de defesa, configuração e reconfiguração das comunidades camponesas diante do recrudescimento da modernidade colonial. Tais formas incluem sistemas produtivos sustentáveis, parcerias e organizações entre movimentos sociais, organizações não governamentais e pesquisadores(as), novos processos de educação, lazer e trabalho.

[3] A paisagem, como elaborada por Anna Tsing, tem o mesmo sentido da categoria ambiente, abordada pelos trabalhos do campo sociologia da questão ambiental (ALMEIDA, 2016), em que as dinâmicas sociais, culturais/ontológicas, conflitos, disputas e desigualdades estão contidas.

[4] “Retomadas” foram processos de ocupação de terras, por quilombolas, não quilombolas e parceiros a partir de meados dos anos 2000. O processo ocorreu em áreas que anteriormente haviam sido espoliadas pela indústria de celulose e que após anos de litígio não foram tituladas como terras de quilombo pelo Estado.

[5] É importante enfatizar que ainda é uma tarefa árdua para o movimento negro brasileiro, em sua diversidade, afirmar a relevância sociológica e política da variável “raça”, como aquela que direciona majoritariamente o percurso social das pessoas negras em uma sociedade configurada através do racismo, como no Brasil. Em vista disso, o objetivo desta passagem não é afirmar irresponsavelmente que pessoas pobres e/ou camponeses brancos tenham o mesmo percurso social das pessoas negras e/ou negras quilombolas. No entanto, em algumas situações, podem haver alguns percursos sociais comuns entre populações racializadas negativamente e brancos em situação de subalternidade, como conceituou Angela Davis (2004), mobilizando o conceito de “efeito ricochete” e como pudemos perceber na situação de um dos nossos interlocutores no Sapê do Norte.

[6] Conferir os textos: “Por que o debate do marco temporal é tão importante para os quilombolas e indígenas” e “STF confirma: não há marco temporal para a titulação dos territórios quilombolas”, ambos disponíveis na página da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). http://conaq.org.br/noticias/por-que-o-debate-do-marco-temporal-e-tao-importante-para-os-quilombolas-e-indigenas/  e http://conaq.org.br/noticias/stf-confirma-nao-ha-marco-temporal-para-a-titulacao-dos-territorios-quilombolas/.

[7] Seção local de uma organização de grandes proprietários de terra da região, nascida nos anos 2000, que se articulavam contra a busca dos quilombolas do Sapê do Norte, pela titulação de suas terras.

[8] Forma de assar e conservar a carne de caça.

[9] Feitas de um único tronco de árvore, talhada no processo de confecção. 

[10] De acordo com João Batista, uma carga de mandioca consistia em dois balaios cheios de mandioca, feitos de cipó de jaqueira, um valor aproximado de 150 kg, mas, que poderia variar conforme o animal que a carregaria, pois o burro aguenta mais peso que jegue e mais ainda que o cavalo.