ESA_logo.png                                              Recebido: 9.out.2022   •    Aceito: 10.jul.2023   •    Publicado: 28.jul.2023                                                                                                                                                                                                                                                   

A atuação de governos estaduais na titulação de territórios quilombolas sob o prisma dos instrumentos de ação pública

The state government's role in titling quilombola territories, from the viewpoint of public action instruments

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Adriane Cristina Benedetti[1]

 

 

             

 

https://doi.org/10.36920/esa31-2_02

 

Resumo: Este artigo volta-se para a análise da titulação de territórios quilombolas, temática que ganhou espaço no meio acadêmico, buscando contemplar um aspecto ainda pouco explorado. De maneira geral, os estudos realizados têm focalizado a ação do Executivo Federal na promoção dos direitos territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombolas, o que acaba por invisibilizar a atuação dos demais entes federados. Em função disso, o presente artigo tem por objetivo analisar a atuação de governos estaduais na titulação de territórios quilombolas fazendo uso de dados obtidos por meio de pesquisa documental e da realização de entrevistas com agentes públicos envolvidos na execução da política. As reflexões seguem a abordagem dos Instrumentos de Ação Pública, entendidos por Lascoumes e Le Galés (2012) como um meio de orientar a relação entre Estado e sociedade, o que permitiu apontar os limites e as potencialidades da atuação dos governos estaduais na implementação dessa política pública.

Palavras-chave: comunidades quilombolas; território; governos estaduais.

 

Abstract: This paper analyzes the process of titling quilombola territories. As this topic has gained ground in academia, we consider some aspects which have not yet been widely explored in political studies. Studies have mostly focused on the role of executive branch of Brazil’s federal government in promoting land rights for the remaining quilombola communities, which overshadows the function of other federated entities. This paper consequently highlights the state government's role in titling quilombola territories by using data from documentary research and interviews with public agents involved in implementing this policy. Our reflections follow the public action instrument approach, understood by Lascoumes and Le Galés (2012) as a means of guiding the relationship between state and society; this method allows us to point out both the limits and potential of the state government's actions in implementing this public policy.

Keywords: quilombola communities; territory; state governments.

 

 

 

Introdução

No cotidiano da pesquisa, podemos nos deparar com situações nas quais de entrevistadores passamos à condição de interpelados. Foi desta forma que, durante a realização de uma entrevista, defrontei-me com a observação de meu interlocutor referente ao fato de, em geral, as análises sobre a política de titulação de territórios quilombolas centrarem-se no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), desviando o olhar dos órgãos encarregados nos governos estaduais.

A observação do meu interlocutor suscitou reflexões, levando-me a lançar um olhar mais apurado sobre os dados existentes. Entre os governos federal, estaduais e administrações municipais, foram expedidos 267 (duzentos e sessenta e sete) títulos até 2021, contemplando 171 (cento e setenta e um) territórios quilombolas e 17.515 (dezessete mil, quinhentas e quinze) famílias (INCRA/DFQ, 2021).

De acordo com os dados, os governos estaduais foram responsáveis por dois terços do número total de territórios quilombolas titulados no país. Enquanto foram regularizados 42 (quarenta e dois) territórios entre Incra, Fundação Cultural Palmares e Secretaria do Patrimônio da União (SPU), abrangendo uma área de 204.615,6310 hectares, os governos estaduais responderam pela titulação de 121 (cento e vinte e um) territórios por intermédio de seus respectivos órgãos encarregados, compreendendo uma área de 816.185,8772 hectares. Por seu turno, sete territórios foram titulados conjuntamente por órgãos federais e estaduais, ao passo que a titulação de um território ficou a cargo da Prefeitura Municipal de Santarém, estado do Pará (INCRA/DFQ, 2021).

Estes dados reforçam a observação do meu interlocutor de que pouco se fala sobre a atuação dos governos estaduais na titulação de territórios quilombolas, os quais acabam sendo invisibilizados pela centralização dos estudos no Executivo Federal. Em sintonia com a formulação de uma política, a temática quilombola passou a ganhar espaço no meio acadêmico, tendo se constituído um campo de estudos específico sobre os remanescentes de quilombos a partir dos anos 1990. Apesar da intensa produção acadêmica (entre outros, CHASIN, 2009; CARVALHO, 2016; BENEDETTI, 2021), observamos algumas lacunas nos estudos sobre a política pública. Diante disso, indagamos como tem se dado a atuação dos governos estaduais na titulação de territórios quilombolas.

O recorte proposto por este artigo é o de abordar a atuação dos governos estaduais na titulação de territórios quilombolas, buscando mapear os atores sociais envolvidos na sua construção e identificar quais são os limites e as potencialidades. Para tanto, lançamos mão dos aportes da Sociologia da Ação Pública para a análise e compreensão das políticas públicas, fazendo uso da noção de instrumentos de ação pública de Lascoumes e Le Galès (2012). Para os autores, os instrumentos de ação pública configuram um dispositivo ao mesmo tempo técnico e social que organiza relações específicas entre Estado e sociedade, amparado em uma concepção de regulação, representações e significados. Essa noção possibilita ir além da construção da política, contemplando como ela é operacionalizada, o que permite ultrapassar as abordagens funcionalistas centradas nos objetivos das políticas públicas e, assim, entender melhor as dimensões invisibilizadas (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012).

São utilizados dados obtidos em órgãos encarregados pela titulação de territórios quilombolas, tanto os disponibilizados de forma aberta quanto aqueles conseguidos com a ajuda da Lei de Acesso à Informação (LAI), por meio da Fala.BR – Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação do governo federal, os quais permitiram traçar o quadro atual da política. Buscando trazer os Instrumentos de Ação Pública para o centro da análise, foi também efetuada pesquisa documental em acervos e demais fontes disponíveis em meio eletrônico, assim como entrevistas com agentes envolvidos na implementação da política, tanto presenciais quanto a distância, por meio de canais de comunicação da web.

Para atender aos objetivos do artigo, direcionamos o olhar para o estado do Maranhão, onde foram construídos vários instrumentos normativos sobre a matéria, permitindo que fossem alcançados resultados significativos por parte do governo estadual, cuja introdução de elementos inovadores suscita questões pertinentes para a discussão em torno da política de titulação de territórios que se pretende efetuar.

O texto foi estruturado em três seções, além desta breve introdução e das considerações finais. Partimos do reconhecimento dos direitos territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos na Constituição Federal de 1988 para, em seguida, abordar como se deu a atuação dos governos estaduais na titulação de territórios quilombolas, traçando o quadro atual, com os resultados alcançados entre os distintos entes federados. A partir de tais passos, procedemos à discussão em torno da atuação de governos estaduais, sob o prisma dos Instrumentos de Ação Pública.

 

O reconhecimento de direitos dos remanescentes das comunidades dos quilombos

A Constituição Federal de 1988 incorporou o Estado como garantidor de direitos. Em seu texto, são reafirmados os direitos originários dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas e reconhecidos, pela primeira vez, os direitos territoriais dos remanescentes das comunidades de quilombos.

Esse reconhecimento faz frente a uma demanda histórica. Além da formação de quilombos, em diferentes regiões brasileiras, a literatura tem reportado espaços de construção de autonomia sob o regime escravista, fruto das complexas redes de relações entre senhores, escravos e libertos, bem como no pós-abolição. Entre os autores que se dedicaram ao tema, Ciro Flamarion Cardoso (1987) menciona as práticas de produção própria de escravos aos domingos e em dias santos, denominadas “brecha camponesa”, enquanto Alfredo Wagner Berno de Almeida (2011) aponta situações de acamponesamento de escravos resultante do declínio da monocultura agroexportadora.

Tais processos deram origem a formas de ocupação territorial que não foram reconhecidas pelos instrumentos legais disciplinadores do acesso à terra. A primeira legislação agrária do pós-Independência, a Lei no 601, de 18 de setembro de 1850 (BRASIL, 1850), conhecida como Lei de Terras, instituiu a compra de áreas devolutas e impôs o registro formal como único instrumento legítimo de domínio territorial. Sua aprovação ocorreu no contexto da transição do trabalho escravo para o livre, em sequência à Lei Eusébio de Queiroz que proibiu o tráfico de escravizados no país. Deste modo, a Lei de Terras se constituiu em instrumento legislativo que inviabilizava o acesso à terra por parte do negro (TRECCANI, 2006), tendo o controle sobre a propriedade da terra agido na garantia da oferta de mão de obra às fazendas.

A legislação incluiu as terras indígenas, aldeias e vilas no Plano da Lei de Terras, como áreas a serem demarcadas e regularizadas. Com a Constituição republicana de 1891, a demarcação de áreas devolutas passou a ser atribuição dos governos estaduais. Embora estivesse prevista a legitimação de posses pela Lei de Terras, as dificuldades para sua efetivação configuravam um impedimento.[2] Também não houve medidas para a ratificação de posses oriundas de doação de terra aos escravos via testamento pelos antigos senhores,[3] ou como recompensa por serviços prestados, que se convertesse em registro formal das terras.

Pesquisas realizadas[4] por Alfredo Wagner Berno de Almeida (2002) no estado do Maranhão identificaram modalidades de posse da terra caracterizadas pelo viés étnico, como as chamadas “terras de preto”, que se distinguiam das formas consagradas pela legislação. Trata-se de uma modalidade de uso comum da terra em que o controle do uso dos recursos é determinado por acordos construídos sob normas específicas e consensuadas no plano comunitário e não pelo grupo doméstico individual (ALMEIDA, 2010).

Outro aspecto elucidado nas pesquisas diz respeito ao fato de essas coletividades negras nem sempre terem origem na fuga e no isolamento, apresentando uma diversidade de “situações sociais” (ALMEIDA, 2011), como aquilombamento, apossamento, compra, doações de áreas em testamento, chamado de “deixa” de terras, ou como recompensa por serviços prestados. Alfredo Wagner de Almeida (2002) evidenciou que o quilombo do Frechal, no Maranhão, se constituiu nas proximidades da casa-grande, estando relacionado à desagregação da grande lavoura de exportação. Nesta direção, Eliane Cantarino O’Dwyer (2004) demonstrou que a identidade étnica de grupos negros formados desde o final do século XVIII nos rios Trombetas e seu afluente Erepecuru-Cuminá, no estado do Pará, não se constituía a partir do isolamento geográfico, mas se deu na relação com outros grupos.

Isso significa que foram as relações com a sociedade envolvente, e não o seu isolamento, que explicam a formação e a resistência destas coletividades, a exemplo das comunidades do Vale da Ribeira, em São Paulo, que estabeleceram uma interação com a sociedade local, repercutindo nas formas de uso e ocupação da terra. No estado de São Paulo, a política de criação de parques estaduais e de construção de hidrelétricas desconsiderou a ocupação centenária de comunidades negras da região, relacionada tanto à fuga quanto à alforria e ao abandono da atividade mineradora escrava (ITESP, 2000), vindo a se constituir em elemento catalisador da organização de vários grupos.

Descontínuas e dispersas geograficamente, tais modalidades de posse da terra não foram consideradas pelas categorias censitárias oficiais, segundo aquele autor. Em geral, os moradores das comunidades negras eram classificados institucionalmente como posseiros e, por vezes, constituíam “foco de tensão social” (ALMEIDA, 2002). No entanto, essas disputas por terra se distinguiam dos posseiros nas frentes de expansão da fronteira agrícola, tendo em vista não corresponder ao deslocamento para abertura de novas áreas de produção e apresentar fortes vínculos de pertencimento ao território.

Por ação do movimento negro,[5] que desde a década de 1970 seguia uma trajetória crescente de organização, a regularização fundiária de modalidades de posse da terra, como as “terras de preto”, foi inserida na pauta política. Nos estados do Maranhão e do Pará, foi o movimento negro que tomou à frente na identificação das comunidades negras rurais, denunciando as estruturas desiguais de acesso e posse da terra que se articulam à questão racial (SOUSA, 2016). Por meio do Centro de Cultura Negra (CCN), no Maranhão, e do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), efetuou-se o levantamento de comunidades negras rurais, atividades de pesquisas e de formação política. Naquele primeiro estado, o CCN efetuou o mapeamento das comunidades quilombolas por meio do Projeto Vida de Negro (PVN), que resultou na criação da Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Aconeruq), em 1997, dando visibilidade e institucionalidade a esses grupos.

Foi também o movimento negro que articulou uma rede de parceiros políticos em prol do reconhecimento de direitos territoriais. A realização do I Encontro de Comunidades Negras Rurais do Maranhão, promovido pelo CCN em 1986, tem sido apontado como o momento no qual foi apresentada a proposta de reconhecimento dos direitos territoriais dessas coletividades (RIBEIRO, 2014).[6] Essa proposta foi protocolada como Projeto de Lei (PL) pelo deputado federal Carlos Alberto Caó (Partido Democrático Trabalhista – PDT/RJ), contando com o apoio da deputada federal Benedita da Silva (Partido dos Trabalhadores – PT/RJ). A articulação pela via legislativa levou à inserção do artigo 68 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) na Constituição Federal de 1988, estabelecendo que:

Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. (BRASIL, 1988, p. 154)

Ao conferir o direito de propriedade aos remanescentes de quilombos, o artigo 68 do ADCT transformou uma categoria histórica em categoria jurídica. Tal fato provocou discussões, pois, se por um lado, o uso do termo remanescente equacionava a descontinuidade das comunidades atuais perante o grupo histórico, por outro, gerava um impasse conceitual, exigindo um esforço interpretativo do texto constitucional. Nesse contexto, a academia foi chamada a contribuir, tendo sido criado o Grupo de Trabalho sobre Terra de Quilombos em 1994, envolvendo o Ministério Público Federal (MPF) e a Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Como resultado das discussões, houve ressignificação do conceito, em que se buscou tecer uma postura crítica à visão estática de quilombo, evidenciando seu aspecto dinâmico, relacional e contemporâneo (LEITE, 2000; O’DWYER, 2002).

Outra discussão se deu no plano normativo, contemplando questões jurídicas e legislativas, haja vista a necessidade de definição da categoria jurídica geradora de direitos sobre o território, além da aplicabilidade do dispositivo constitucional. Levando em consideração que toda política pública envolve instrumentos, impôs-se a questão de como operacionalizar a política de reconhecimento dos direitos territoriais dos quilombolas?

Em sintonia com a discussão em torno da formulação de uma política, a temática quilombola ganhou projeção no meio acadêmico, constituindo um campo de estudos específico a partir dos anos 1990. Contudo, a inserção da regularização fundiária dos territórios negros no ADCT acabou conferindo caráter de transitoriedade, além do distanciamento do Capítulo III, que trata da Política Agrícola, Fundiária e de Reforma Agrária. Entre as possíveis explicações, apontamos o paralelismo das discussões, associado à dificuldade de visualizar a regularização de posses como medida de reforma agrária, haja vista a desapropriação de terras, considerada forma de enfrentamento ao latifúndio pelos movimentos sociais do campo, ter sido o eixo em torno do qual girou o debate na Assembleia Nacional Constituinte. Somente em 2003, com o lançamento do II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), é que a titulação dos territórios quilombolas foi inserida no âmbito daquela política (BRASIL, 2005).

Cabe aqui destacar o papel da rede de atores que levou à inserção da regularização fundiária dos territórios dos remanescentes das comunidades dos quilombos na Constituição Federal de 1988. A articulação política das organizações do movimento negro, a atuação da academia e as instituições do Estado tiveram papel fundamental na construção da política pública, que assumiu sentido de reparação histórica, colocando novas questões à análise da relação Estado-sociedade.

 

A atuação dos entes federados na titulação de territórios quilombolas

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o Brasil é uma federação composta pela União, estados, Distrito Federal e municípios. O artigo 18 estabelece que, no âmbito de atuação de cada ente federado, existe a possibilidade de convivência harmônica e o justo exercício do poder, havendo competências que se exercem simultaneamente por mais de um ente sobre a mesma matéria.

No que se refere à regularização fundiária dos territórios quilombolas, a artigo 68 do ADCT estabelece que é dever do Estado emitir os títulos de propriedade aos remanescentes das comunidades dos quilombos, tendo suscitado debate em torno da interpretação do que se entende ser o Estado. Outra questão de debate correspondeu aos Instrumentos de Ação Pública necessários para pôr em prática a disposição constitucional, aqui entendidos como um tipo de instituição no sentido de Douglass North (2018),[7] que fornece um quadro estável reduzindo as incertezas e estruturando a ação coletiva (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012),

Acompanhando a Constituição Federal, alguns estados incluíram a regularização fundiária dos territórios quilombolas em suas próprias constituições, como Maranhão, Pará, Bahia, Goiás e Mato Grosso, estabelecendo um instrumento legal para atuar na matéria. No caso dos dois primeiros, o artigo que reconhece os direitos territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos compõe o texto principal, ao passo que nos três últimos ele figura no ADCT. Por sua vez, no caso do Rio Grande do Sul e de São Paulo, o respaldo legal foi dado por Lei Ordinária, mesmo sem estar previsto em sua Constituição, como pode ser observado no Quadro 1.

 

Quadro 1 Legislações estaduais sobre a titulação de territórios quilombolas

Unidade da Federação

Instrumento Legal

Bahia

Constituição Estadual da Bahia

Espírito Santo

Lei no 5.623, de 9 de março de 1998

Goiás

Constituição Estadual de Goiás; Lei no 12.596, de 14 de março de 1995; Lei Complementar no 19, de 5 de janeiro de 1996; Lei no 13.022, de 7 de janeiro de 1997

Maranhão

Constituição Estadual do Maranhão; Decreto no 15.848, de 1o de outubro de 1997; Decreto no 15.849, de 1o de outubro de 1997; Lei Estadual no 9.169, de 16 de abril de 2010; Decreto Estadual no 32.433, de 23 de novembro de 2016; Instrução Normativa Iterma no 1, de 16 de março de 2020

Mato Grosso

Constituição Estadual do Mato Grosso; Lei no 7.775, de 26 de novembro de 2002

Pará

Constituição Estadual do Pará; Decreto no 663, de 20 de fevereiro de 1992; Lei Estadual no 6.165, de 2 de dezembro de 1998; Decreto no 3.572, de 22 de julho de 1999; Instrução Normativa Iterpa no 2, de 16 de novembro 1999; Decreto no 4.054, de 11 de maio de 2000; Decreto no 5.273, de 3 de maio de 2002; Decreto no 5.382, de 12 de julho de 2002; Decreto no 713, de 7 de dezembro de 2007; Decreto no 1.240, de 3 de setembro de 2008

Pernambuco

Decreto no 23.253, de 15 de maio de 2001

Rio de Janeiro

Decreto no 25.210, de 10 de março de 1999

Rio Grande do Sul

Lei no 11.731, de 9 de janeiro de 2002; Decreto no 41.498, de 25 de março de 2002

São Paulo

Decreto no 40.723, de 21 de março de 1996; Decreto no 41.774, de 13 de maio de 1997; Lei no 9.757, de 15 de setembro de 1997; Decreto no 42.839, de 4 de fevereiro de 1998; Decreto no 43.651, de 26 de novembro de 1998; Decreto no 43.838, de 10 de fevereiro de 1999; Decreto no 44.293, de 4 de outubro de 1999; Decreto no 44.294, de 4 de outubro de 1999; Lei no 10.207, de 8 de janeiro de 1999; Lei no 10.850, de 6 de julho de 2001

Fonte: Iterpa (2009), Iterma (2021) e CPI-SP (2022).

 

O Quadro 1 traz um panorama dos instrumentos legais que dão respaldo jurídico à atuação em prol dos direitos territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos em 10 (dez) estados. Em sua análise dos pontos em comum entre as distintas legislações, Treccani (2006) destaca o entendimento como obrigação do Poder Público em reconhecer a propriedade e emitir o título em favor dos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Outro aspecto apontado pelo autor corresponde à autoaplicabilidade da medida, em que apenas o estado do Maranhão exigiu Lei Complementar. No caso do Pará, do Rio Grande do Sul e de São Paulo, foi estabelecido o autorreconhecimento e a abertura do processo de titulação do território pela comunidade quilombola, o que veio a ser corroborado, posteriormente, pelo Executivo Federal. Além disso, ele menciona o enquadramento da medida como valorização do patrimônio histórico e social brasileiro; a cláusula de inalienabilidade, presente nas legislações de Goiás, Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo; e as diferentes definições de território entre as normatizações que, em geral, se refere aos locais de moradia, aos destinados à sobrevivência física, social e religiosa, com possibilidade de acompanhamento da delimitação pela comunidade.

Por parte do Executivo Federal, as primeiras tentativas de regulamentar a disposição constitucional se deram no ano de 1995, por meio da Portaria no 307, do Incra, e da Portaria no 25, da Fundação Cultural Palmares, dissociando-se a identificação da titulação dos territórios quilombolas. Contudo, houve indefinição do órgão competente até 1999, quando foram editadas a Medida Provisória 1911-11, de 27 de maio de 1998 e a Portaria no 447, de 2 de dezembro desse ano, atribuindo competência à Fundação Cultural Palmares (MÜLLER, 2006). Essas iniciativas redundaram no Decreto no 3.912, de 10 de setembro de 2001, que estabelecia a comprovação temporal para fins de reconhecimento dos remanescentes das comunidades dos quilombos (BRASIL, 2001).

Nesta perspectiva, a titulação do território quilombola é tratada como um processo ordinário de usucapião, sem dispor de instrumentos para efetuar a desintrusão da área. Em razão da ocorrência de conflitos pela sobreposição de títulos de domínio de particulares em territórios titulados pela Fundação Cultural Palmares, houve casos em que o Incra acabou abrindo, posteriormente, novo processo de titulação. Em outras situações, a localização em terras públicas estaduais condicionou a titulação de forma conjunta entre a Fundação Cultural Palmares e órgãos estaduais, abarcando uma área de 21.990,6882 hectares (INCRA/DFQ, 2021).

Em decorrência dos questionamentos ao Decreto no 3.912/2001, foi instituído um GT interministerial[8] no início do ano de 2003 para rever as suas disposições e propor uma nova regulamentação. As discussões contaram com a participação de lideranças quilombolas do país e de organizações do movimento negro, resultando na assinatura do Decreto no 4.887, em 20 de novembro daquele ano. O novo decreto trouxe a definição normativa de remanescentes das comunidades dos quilombos, estabelecendo o critério de autoatribuição para fins de identificação de tais coletividades:

[...]

Art. 2o. Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. [...] (BRASIL, 2003)

O estabelecimento do critério da autodefinição como elemento central para a identificação e reconhecimento dos remanescentes das comunidades dos quilombos afastou a necessidade de comprovação temporal presente na regulamentação anterior. Esse critério se apoia na identidade construída pela própria comunidade, ao longo de sua trajetória e da relação com outros grupos, o que se alinha à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

No entanto, o reconhecimento de direitos vinculados à identidade étnica é mediado pelas instituições do Estado, implicando passagem por um rito. Segundo o Decreto no 4.887/2003, compete à Fundação Cultural Palmares a certificação da comunidade, a partir da autoatribuição identitária, e a respectiva inscrição no Cadastro Geral. O reconhecimento oficial leva à inscrição como sítio de valor histórico-cultural, passando a contar com medidas protetivas por parte do Estado mediante seus Instrumentos de Ação Pública. Por sua vez, o Incra é encarregado do processo de identificação, delimitação, regularização e titulação, sem danos à competência concorrente dos estados, do Distrito Federal e dos municípios (BRASIL, 2003).

Assim, a regulamentação da ação do Executivo Federal na promoção dos direitos territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos não suprimiu a atuação dos governos estaduais. No decorrer da indefinição do órgão competente na esfera federal, os governos estaduais tomaram a iniciativa de atuar na regularização fundiária dos territórios quilombolas, movida, via de regra, pela pressão do movimento negro e do Ministério Público Federal que, em alguns casos, ajuizou Ação Civil Pública. Essa atuação se deu por meio dos órgãos encarregados nas administrações estaduais, como o Instituto de Terras do Pará (Iterpa), o Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma), o Instituto de Terras da Bahia (Interba) e a Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA), além do Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp).

De acordo com os dados atuais, os governos federal, estaduais e administrações municipais expediram 267 (duzentos e sessenta e sete) títulos, referentes a 171 (cento e setenta e um) territórios quilombolas, regularizando uma área total de 1.042.794,489,5 hectares, onde vivem 17.515 (dezessete mil, quinhentas e quinze) famílias (INCRA/DFQ, 2021). Ao compararmos esses números com as 3.471 (três mil, quatrocentas e setenta e uma) comunidades certificadas como remanescentes das comunidades dos quilombos no país (FCP, 2021), vemos que existe uma defasagem no processo de titulação desses territórios. O Gráfico 1 permite visualizar a evolução da titulação de territórios quilombolas pelos órgãos estaduais e federais de 1995 e 2020, cujo momento de maior intensidade foi verificado entre os anos de 2002 e 2014.

 

Gráfico 1 Evolução na titulação dos territórios no país (1995-2020)

Fonte: Incra/DFQ (2021).

 

Podemos perceber o predomínio da atuação de órgãos federais na segunda metade da década de 1990, em que a primeira terra de quilombo foi titulada pelo Incra, ao amparo da Portaria no 307/1995, correspondente à comunidade Boa Vista, no estado do Pará. Treccani (2006) observa que a atuação do órgão foi facilitada pela localização dos territórios quilombolas em terras públicas federais, arrecadadas e registradas pela União.

Já o governo do estado do Pará foi o primeiro a atuar na regularização fundiária de territórios quilombolas no final dos anos 1990, sendo seguido por outras administrações estaduais, por meio dos instrumentos legais apresentados no Quadro 1, e o que emitiu maior número de títulos de domínio em favor dos quilombolas. Assim, durante o período em que houve indefinição do órgão responsável na esfera federal, os órgãos estaduais responderam pelo maior número de territórios titulados no país, quadro que, mesmo com a entrada em cena do Incra, a partir do Decreto no 4.887/2003, pouco se alterou.

Ao longo do tempo, a atuação dos órgãos encarregados nos governos estaduais se refletiu em sua significativa participação no número total de territórios titulados até o ano de 2021, tal como pode ser observado no Gráfico 2.

 

Gráfico 2 Distribuição da titulação de territórios quilombolas entre os entes federados

Fonte: Incra/DFQ (2021).

 

O Gráfico 2 permite visualizar a atuação majoritária dos governos estaduais, os quais foram responsáveis por dois terços dos territórios quilombolas titulados no país até 2021, tendo regularizado uma área de 816.185,8772 hectares (INCRA/DFQ, 2021). Já os órgãos do Executivo Federal responderam pela titulação de 42 (quarenta e dois) territórios, abrangendo uma área de 204.615,6310 hectares entre Incra, Fundação Cultural Palmares e Secretaria do Patrimônio da União. Outros 7 (sete) territórios foram titulados conjuntamente entre órgãos federais e estaduais, enquanto a titulação de um território ficou a cargo da Prefeitura Municipal de Santarém, no estado do Pará. Entre os órgãos estaduais, destacam-se o Iterpa e o Iterma, os quais foram responsáveis, respectivamente, pela titulação de 58 (cinquenta e oito) e 38 (trinta e oito) territórios quilombolas (INCRA/DFQ, 2021).

Importa registrar que a titulação de territórios quilombolas constitui uma atribuição do Estado, mas sem que tenha sido estabelecida competência exclusiva da União. O artigo 18 da Constituição Federal de 1988 determina que, no âmbito de atuação de cada ente, existe a possibilidade de convivência harmônica e o justo exercício do poder, havendo competências que se exercem simultaneamente por mais de um ente sobre a mesma matéria (BRASIL, 1988). Portanto, não há impedimento para que os governos estaduais atuem na regularização de territórios quilombolas, os quais podem lançar mão de seus instrumentos de ação pública, assunto que será retomado na seção seguinte.

 

Os instrumentos de ação pública em prol da titulação de territórios quilombolas

Sendo facultado aos governos estaduais atuarem na promoção dos direitos territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos, alguns entes federados buscaram respaldo jurídico. Considerando a majoritária participação dos governos estaduais, levantamos a indagação de quais são os instrumentos de que dispõem para atuar na titulação de territórios quilombolas? Como essa política pública é operacionalizada?

Para responder às indagações, lançamos mão da noção de instrumento de ação pública, entendido como dispositivo simultaneamente técnico e social que organiza as relações entre Estado e sociedade. Amparados em uma concepção de regulação, representações e significados que carregam, os instrumentos de ação pública podem ser: i) legislativos e regulamentadores; ii) econômicos e fiscais; e iii) informativos, consultivos e comunicacionais (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012). Sua proposição está relacionada à complexificação das questões contemporâneas, como os problemas públicos emergentes e a proliferação de instrumentos para enfrentá-los.

Ainda que focalize a construção da política, a noção de instrumentos de ação pública permite ir além, contemplando como ela é operacionalizada. Essa noção carrega um tom crítico aos modelos de análise das políticas públicas centrados na lógica top down ou bottom-up, o que faz lembrar a observação do nosso interlocutor, comentada na parte introdutória, de que a centralização das análises sobre a política de titulação de territórios quilombolas no Executivo Federal acaba por invisibilizar a atuação dos governos estaduais.

Na seção anterior, vimos que os órgãos estaduais respondem pela maior parte da titulação de territórios quilombolas no país. Contudo, essa atuação não é generalizável entre as unidades federativas, haja vista a ausência, em alguns estados, de norma infraconstitucional que regulamente tais procedimentos. Ou seja, alguns estados não dispõem de instrumentos de ação pública, que constituem os meios técnicos através dos quais o Estado coloca as políticas públicas em execução, como leis, decretos e instruções normativas, para proceder à regularização fundiária das terras de quilombos.

O que potencializa a atuação de governos estaduais na titulação dos territórios quilombolas é a natureza da terra reivindicada, ou seja, o fato de corresponder à terra pública estadual. Nesse caso, por se tratar de terras sob seu domínio, os órgãos estaduais efetuam a arrecadação sumária da área requerida e abrem o processo de regularização, com vistoria e demais procedimentos administrativos. Por tais motivos, a localização em terras devolutas estaduais configura uma das possíveis explicações para o significativo número de territórios quilombolas titulados pelos estados do Pará e do Maranhão, respectivamente, 58 (cinquenta e oito) e 38 (trinta e oito).

Para analisar a atuação dos governos estaduais na promoção dos direitos territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos, focalizaremos o estado do Maranhão. No artigo 229 de sua Constituição Estadual, está prevista a atuação do governo estadual na titulação de territórios quilombolas, o que tem respaldo jurídico na Lei Estadual no 9.169, de 16 de abril de 2010 (MARANHÃO, 2010), regulamentada pelo Decreto Estadual no 32.433, de 23 de novembro de 2016 (MARANHÃO, 2016). Por sua vez, a Instrução Normativa (IN) no 1, de 16 de março de 2020, disciplina os procedimentos para reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação de territórios quilombolas. A norma prevê que a atribuição para atuar na titulação de territórios quilombolas cabe: i) ao Iterma,[9] quando se tratar de terras públicas estaduais; ii) ao Incra, no caso de terras pertencentes à União, sendo o processo encaminhado a esse órgão; e iii) à celebração de convênio com o Incra em se tratando de terras estaduais e federais (ITERMA, 2021). Esse conjunto de instrumentos legais constitui o meio pelo qual a política é operacionalizada, em que o Gráfico 3 apresenta a evolução da titulação de territórios quilombolas pelo Iterma entre os anos de 1999 e 2020.

Gráfico 3 Territórios titulados pelo Iterma (1999-2020)

Fonte: Incra/DFQ (2021).

 

A primeira titulação ocorreu no ano de 1999, correspondente à comunidade Eira dos Coqueiros, situada no município de Codó. No total, o Iterma titulou 38 (trinta e oito) territórios quilombolas, regularizando 30.449,31 hectares, onde vivem 2.418 (duas mil, quatrocentas e dezoito) famílias (INCRA/DFQ, 2021), em que o momento de maior intensidade correspondeu aos anos 2006 e 2011.

Na visão da secretária adjunta da Secretaria Extraordinária de Igualdade Racial, esse significativo número de territórios quilombolas titulados pelo governo do estado do Maranhão se deve aos seguintes fatores:

 

[…] Primeiro que a gente tem um movimento quilombola extremamente forte no estado do Maranhão […], tem uma associação chamada Aconeruq, que é a Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, e tem uma atuação direta também da Conaq, da coordenação nacional. Então, além da Aconeruq, ConAQ, tem o Moquibom, que é também um movimento quilombola que cresceu e que nasceu também a partir da, inclusive de uma compreensão que era preciso ter uma ação mais, mais incisiva com relação aos governos, ao governo federal, ao governo estadual. Então, esse movimento social pressionou o governo, tanto o governo federal quanto o estadual, fazendo ocupações, ocuparam prédios do Incra, bloquearam estradas, estradas de acesso, estradas importantes inclusive para a economia do estado e do país […] e foi exatamente com esse propósito que era pressionar para que a regularizações fundiárias avançassem, não só o Incra mas também o estado do Maranhão. Então, esse fator é extremamente importante: a organização da sociedade civil que pressionou o governo, tanto a nível federal quanto estadual, para que as regularizações avançassem. A outra questão foi a sensibilização, a compreensão do governo estadual, do gestor, o governador Flávio Dino […], a compreensão mesmo de que era preciso garantir isso como direito às populações tradicionais quilombolas. E garantindo a titulação garante também a permanência dessas pessoas no território, o trabalho, a sobrevivência. Quer dizer, junto com a política de regularização vem aí várias outras políticas: a garantia de acesso à saúde, por exemplo, no território, com construção, instalação de serviços de saúde, escola, educação […]. Então, foram esses dois grandes fatores: a organização do movimento social, da sociedade civil, e também a compreensão do gestor público da necessidade de garantir esse direito. (Entrevista concedida à autora pela gestora pública MSG, 2022)

O depoimento anterior evidencia o papel desempenhado pelos movimentos sociais, pressionando o Estado pelo atendimento de suas demandas. Conforme apontado anteriormente, o Pará e o Maranhão foram os estados que “puxaram” as discussões sobre a regularização fundiária dos territórios negros no Brasil e, não por acaso, foi onde a atuação dos governos estaduais mais avançou. Portanto, a construção da política é indissociável da atuação do movimento negro, mobilizando uma rede de parceiros políticos para que uma demanda histórica fosse acolhida pela Constituição Federal de 1988 e transformada em ação pública.

Outro fator destacado pela interlocutora corresponde à ocupação de espaços de participação política pelos quilombolas, como Conselhos. A partir da redemocratização do país, houve proliferação de instrumentos consultivos, diversificando as formas de gestão na medida em que constituem instâncias de tomada de decisão sobre políticas públicas. Sua fala reforça as considerações de Lascoumes e Le Galès (2012),[10] para quem a ação civil pública resulta da articulação entre a transformação da sociedade e a regulação política.

Por sua vez, a receptividade da estrutura estatal às demandas dos movimentos sociais também é um fator apontado pela interlocutora. A legitimação de um determinado grupo social perante o Estado pode repercutir na forma de instrumentos normativos para respaldar a atuação do Poder Público. Tal fato sinaliza mudança na relação entre governantes e governados (CHARLOTTE; LASCOUMES; LE GALÈS, 2021) que, na presente situação, reside na emergência do quilombola como sujeito político.[11] Essa receptividade, contudo, é seletiva e variável conforme o ciclo político, podendo se alternar de acordo com a correlação de forças políticas que dá sustentação ao governo estadual.

A proximidade dos movimentos sociais em relação ao aparato do governo estadual também foi apontada pela coordenadora da Comissão de Territórios Tradicionais no Iterma em sua visão sobre a atuação do órgão na titulação de territórios quilombolas:

[...] Então, um ponto que eu vejo e eu sempre falo isso nas comunidades, é que o avanço na política se dá por muito esforço do movimento social, que cobra os órgãos do estado, que tem um maior acesso a, não sei se você for comparar o acesso ao corpo técnico dos estados, ele é mais fácil também. Acho que isso facilita, porque qualquer discussão a nível nacional você não tem uma representatividade muito grande prá você se fazer ser ouvido, fazer chegar um Projeto de Lei, fazer chegar a conseguir agenda com deputados federais e com as Comissões do Congresso, enfim. Então, aqui eles estão muito mais próximos do corpo político do estado e conseguem dialogar com uma facilidade. Então, houve um movimento ali entre 2009 e 2010 para sair a Lei no 9.169 e de um lado houve um aporte de recursos de investimentos que ele teve nesse período em que a Lei foi instituída e o governo estadual também fez um aporte financeiro para titular. A gente vai ver um bom número de titulações em 2011, 2012 saiu um número significativo [...]. (Entrevista concedida à autora pela gestora pública ASl, 2022)

Nossa interlocutora ressalta o papel desempenhado pelos movimentos sociais, pressionando o Estado para que ocorram avanços na política pública, indo ao encontro do depoimento anterior. Ela destaca a maior proximidade dos movimentos sociais perante a estrutura estatal no plano estadual que, no caso do Maranhão, se refletiu na instauração de um instrumento consultivo no âmbito da política. A criação da Mesa Quilombola para as Questões Agrárias e Fundiárias no Iterma, em 2018, abriu espaço para discussão com vistas a repensar a política da regularização fundiária dos territórios quilombolas a cargo do governo estadual. Outro aspecto mencionado, que se soma ao depoimento anterior, diz respeito à presença ativa de lideranças quilombolas nos espaços de participação política como Conselhos. Tais apontamentos convergem com as considerações de Le Galès (2011), para quem a abordagem dos instrumentos de ação pública pode ser útil na análise de mudanças na ação do Estado, tornando-o mais participativo e receptivo a demandas da sociedade civil.

Contudo, se os governos estaduais estão mais próximos dos movimentos sociais, também o estão em relação a grupos políticos que lhes são oponentes, de forma que a pressão do movimento social e a receptividade da cúpula estatal podem não ser suficientes para pôr as políticas públicas em prática. Efetuando um paralelo com o Rio Grande do Sul, verifica-se que a pressão do movimento negro e a receptividade do governo estadual em determinados momentos não foi suficiente. Apesar de dispor de uma legislação específica, não se efetivou a regularização fundiária dos territórios quilombolas pelo governo estadual, cuja ação se restringiu à elaboração de laudos antropológicos mediante convênio com a Fundação Cultural Palmares no início dos anos 2000. Posteriormente, na gestão de Tarso Genro (2011-2014), foi aventada a possibilidade de reedição do decreto que regulamenta a atuação do governo estadual na titulação de territórios quilombolas, alinhando-o ao Decreto no 4.887/2003, sem, contudo, ter avançado. Uma das hipóteses explicativas reside na ocorrência de conflitos envolvendo quilombolas e agricultores familiares (BENEDETTI, 2020), em que estes últimos integravam a base de sustentação política do governo estadual naquele momento. Desta forma, a efetivação (ou não) dos instrumentos de ação pública pode explicitar relações de poder, em que grupos com maior poder e legitimidade no Estado são os que conseguem negociar suas pautas.

Se a pequena extensão da área reivindicada facilita a ação do Estado na regularização fundiária desses territórios, também constitui um fator limitante por assegurar a moradia mas não as condições mínimas de sobrevivência das famílias. Dos 38 (trinta e oito) territórios titulados pelo Iterma, a maior parte possui área inferior a 500 hectares (INCRA/DFQ, 2021). Outro aspecto diz respeito às situações nas quais a atuação dos órgãos se restringiu à ação regularizatória de posses, sem efetuar a desintrusão do território, conforme apontado por um técnico do Incra:

[...] Nessa época [início dos anos de 2000], as áreas que foram regularizadas no Brasil, a sua maioria, foi pelos estados e pela Fundação Cultural Palmares. No caso da Fundação Cultural Palmares foi um caos, porque ela não fazia a desintrusão. No caso dos estados, o que aconteceu? Os estados regularizaram as áreas que não tinham conflito, que não era preciso desapropriar [...]. (Entrevista concedida à autora pelo gestor público SHSL 2018)

De acordo com o depoimento anterior, durante determinado período a regularização fundiária dos territórios quilombolas esteve a cargo da Fundação Cultural Palmares e dos órgãos encarregados nos governos estaduais, mas sem que fosse efetuada a desintrusão do território. A desintrusão do território quilombola constitui, para Treccani (2006), a principal dificuldade enfrentada pela política, tendo em vista as situações de sobreposição de títulos de domínio de particulares e os potenciais conflitos que pode acarretar. 

Esta questão também foi observada por uma gestora do Iterma, segundo a qual foi justamente o fato de os processos de titulação a cargo do governo estadual estarem considerando apenas as áreas de ocupação mansa e pacífica pela comunidade quilombola que suscitou críticas de lideranças por não estar sendo observada a integralidade do território. A desapropriação de terras está prevista no artigo 13 do Decreto no 4.887/2003,[12] o que leva à anulação de títulos de domínio e à remoção de ocupantes não quilombolas com vistas a restituir áreas perdidas mediante processos de expropriação territorial.

A desapropriação de terras de particulares requer instrumentos legais que disciplinem os procedimentos, motivo pelo qual representa um desafio à atuação dos governos estaduais na regularização fundiária dos territórios quilombolas. Neste sentido, o estado do Maranhão apresentou uma inovação ao estipular a desapropriação por interesse social no instrumento normativo que disciplina o processo de titulação de territórios quilombolas. Trata-se do artigo 17 da IN no 1/2020, que prevê o procedimento desapropriatório quando incidir título de domínio de particulares no território quilombola, alinhando-se ao Decreto no 4.887/2003 do Executivo Federal. Outra mudança consta no artigo 18 da IN no 1/2020 que, diferente daquele Decreto, não prevê indenização a títulos de domínio de quilombolas, mas sua incorporação à titulação coletiva por meio de doação à comunidade. A norma foi posta em prática por meio do Decreto Estadual no 37.557, de 31 de março de 2022, que trata da regularização do Território Quilombola Sesmarias do Jardim, formado pelas comunidades de Bom Jesus, Patos e São Caetano, no município de Matinha (MARANHÃO, 2022).

De acordo com a gestora do Iterma, a IN no 1/2020 é bem mais simplificada se comparado à IN 57/2009 que disciplina os procedimentos para a titulação de territórios quilombolas por parte do Incra, mas sem negligenciar os conteúdos necessários para dar respaldo jurídico. Isso aponta a dimensão política da escolha dos instrumentos efetuada pelos atores, que são portadores de valores e ideias exercendo influência na escolha. Os instrumentos de ação pública não são dispositivos neutros, mas portadores de valores e representações, segundo Lascoumes e Le Galès (2012), expressando uma determinada visão sobre o problema social que, neste caso, diz respeito ao reconhecimento dos direitos territoriais dos quilombolas. Portanto, ao prever o procedimento desapropriatório, a IN no 1/2020 sinaliza mudança na política pública e a capacidade da autoridade política orientar a ação pública (CHARLOTTE; LASCOUMES; LE GALÈS, 2021) em prol desse grupo social.

De forma distinta da desapropriação para fins de reforma agrária, definida como prerrogativa da União pelo artigo 184 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), a desapropriação por interesse social é uma competência concorrente entre os entes federados. Ou seja, não constitui uma atribuição exclusiva da União, sendo que tanto os estados quanto municípios podem dispor de instrumentos legais que respaldem os procedimentos. Como aponta Treccani (2006), o artigo 68 do ADCT deve ser interpretado à luz dos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, em que se ampliou o entendimento de patrimônio cultural brasileiro, abarcando o material e o imaterial, e foram estabelecidas medidas protetivas por parte do Estado. Assim, o instituto da desapropriação encontra respaldo no próprio texto constitucional, no qual o artigo 216 estipula a proteção ao patrimônio cultural brasileiro, como os sítios de valor histórico-cultural, inclusive por meio de desapropriações (CONSTANTINO, 2014).

Uma vez assegurado o respaldo jurídico, coloca-se outro desafio aos governos estaduais. Além dos instrumentos legais, deve-se dispor de instrumentos de ordem econômica, como a previsão de recursos orçamentários para arcar, quando necessário, com a desintrusão do território, aspecto apontado pela gestora do Iterma como um fator limitante à atuação dos governos estaduais. Como a desintrusão implica anulação de títulos de domínio e remoção de ocupantes não quilombolas, requer o pagamento de indenizações por benfeitorias e terra nua. Tal aspecto assume importância em virtude da possibilidade de ocorrência de disputas por terra envolvendo os quilombolas e da necessidade de assegurar a integralidade do território.

Do que foi exposto, verifica-se a importância dos governos estaduais disporem de instrumentos de ação pública para promover o direito à propriedade dos remanescentes das comunidades dos quilombos e, quando existentes, de condições para colocá-los em prática, seja do ponto de vista político (diante das oligarquias), bem como econômico (recursos financeiros). Portanto, além dos instrumentos de ação pública de caráter legislativo e regulamentador, os governos estaduais também precisam dispor de meios econômicos para implementar a política pública.

 

Considerações finais

Este artigo esteve voltado para a institucionalização da titulação de territórios quilombolas no país, focalizando a atuação de governos estaduais. Considerando que toda política pública envolve instrumentos para sua implementação, buscamos trazer a titulação de territórios quilombolas para o centro da análise, abordando os instrumentos de que os governos estaduais dispõem.

Neste sentido, a Sociologia da Ação Pública, a qual se insere na análise e compreensão das políticas públicas (SILVA, 2012), apresentou importantes contribuições, possibilitando preencher algumas lacunas das abordagens tradicionais. A noção de instrumentos de ação pública, entendida como um meio de orientar a relação entre Estado e sociedade por Lascoumes e Le Galès (2012), permitiu focalizar a construção da política, contemplando como ela é operacionalizada. Cada instrumento porta um conteúdo cognitivo, significados e intencionalidades, sendo ilusório pensar em uma racionalidade técnica “pura” das políticas públicas.

Embora os instrumentos de ação pública ainda sejam pouco mobilizados nos estudos realizados, podem contribuir na análise de mudanças na ação pública, sobretudo no que se refere aos fenômenos de recomposição do Estado. A abordagem permitiu apontar as potencialidades para a atuação de governos estaduais na titulação de territórios quilombolas, como as terras sob seu domínio, e os seus limites, a exemplo da ausência de norma infraconstitucional que dê respaldo jurídico e da previsão orçamentária para efetuar a desapropriação de áreas de particulares sobrepostas ao território quilombola. Isso abre a possibilidade de complementaridade entre a atuação do Executivo Federal e dos governos estaduais na promoção dos direitos territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos, em que estes últimos podem dispor de seus Instrumentos de Ação Pública.

 

 

Agradecimentos

A autora agradece ao professor Aniceto Cantanhede Filho, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); à Maria do Socorro Guterres, da Secretaria de Estado Extraordinária da Igualdade Racial; à Anny da Silva Linhares, do Instituto de Colonização e Terras do Maranhão; e a Sebastião Henrique Santos Lima, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), pelo fornecimento de informações que foram fundamentais para a elaboração do artigo. Contudo, ressalta que o conteúdo do texto é de sua inteira responsabilidade.

 

 

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RUBERT, Rosane Aparecida. Comunidades Negras Rurais do Rio Grande do Sul: um levantamento socioantropológico preliminar. Porto Alegre: RS Rural; Brasília: IICA, 2005.

SILVA, Alessandro Soares da. A Ação Civil Pública: um outro olhar sobre Estado, Sociedade e Políticas Públicas. Maceió: Editora da UFAL, 2012.

SOUSA, Igor Thiago Silva de. Processos de Mobilização Quilombola: a ACONERUQ e o MOQUIBOM no Maranhão. 2016. 156 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2016. Disponível em: https://repositorio. ufsc.br/handle/123456789/180879. Acesso em: 8 jul. 2022.

TRECCANI, Girolamo Domenico. Terras de Quilombo: Caminhos e entraves no processo de titulação. Belém: Secretaria Executiva de Justiça, 2006.

 

 

 

Como citar

BENEDETTI, Adriane Cristina. A atuação de governos estaduais na titulação de territórios quilombolas sob o prisma dos instrumentos de ação pública. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 31, n. 2, e2331202, 28 jul. 2023. DOI: https://doi.org/10.36920/esa31-2_02.

 

 

 

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[1] Professora Adjunta na Faculdade de Veterinária da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: adriane.benedetti@gmail.com.

[2] O instrumento legal do usucapião para documentação de posses somente foi introduzido no Código Civil de 1916 e referendado na Constituição Federal de 1934.

[3] Conhecido como “deixa” de terras, a doação de áreas pelos antigos senhores aos seus escravos, os quais são também alforriados via testamento, foi recorrente em estados como o Rio Grande do Sul. Partindo dos estudos efetuados por historiadores, Rosane Rubert (2005) levanta a hipótese de que a promessa de alforria constituísse um instrumento de obediência e de amenizar tensões.

[4] Um dos primeiros estudos sobre comunidades negras rurais foi realizado por Mari Baiocchi, entre o final dos anos 1970 e início de 1980. A autora realizou uma etnografia em bairro rural de negros no município de Mineiros, no estado de Goiás, colocando em evidência a historicidade do grupo, suas práticas sociais e religiosas, entre outros aspectos (BAIOCHI, 1983).

[5] Por movimento negro se entende a extensa rede de entidades, ativistas, lideranças, políticos e intelectuais que lutam contra a discriminação racial, na perspectiva de movimento social como rede de atores de Mário Diani (1992).

[6] Ivana Ribeiro (2014) cita um relatório técnico de 1988 que apontava a existência de apenas 70 (setenta) comunidades remanescentes de quilombos, o que teria levado à suposição de uma demanda de regularização fundiária restrita e localizada.

[7] North (2018) distingue organizações de instituições, em que estas últimas constituem restrições formais e informais, regulando as interações humanas.  

[8] O Grupo de Trabalho foi instituído via Decreto em 13 de maio de 2003, com a finalidade de rever as disposições contidas no Decreto no 3.912, de 10 de setembro de 2001, e propor uma nova regulamentação.

[9] O Iterma foi criado pela Lei Estadual no 6.272, de 6 de fevereiro de 1995, e reestruturado pelo Decreto Estadual no 17.171, de 15 de fevereiro de 2000, sendo o órgão responsável pela discriminação e arrecadação de terras públicas estaduais.

[10] O modelo de análise da ação pública proposto por Lascoumes e Le Galès (2012) possui cinco variáveis-chave que permitem a análise de cada uma delas e suas interações: atores, representações, processos, resultados e instituições, configurando um esquema pentagonal. A abordagem dos Instrumentos de Ação Pública rompe com a perspectiva estadocêntrica e unipolar, inaugurando um modo de agir multipolar no qual o Estado é mais um ator, necessitando integrar-se em rede (SILVA, 2012).

[11] Faz-se uso da noção de sujeito político de Michel Foucault (2006), a qual vai além de sujeito portador de direitos, contemplando atuar e se situar no mundo, e se constitui em uma trama de relações de poder.

[12] A desapropriação de terras constitui um ponto polêmico, tendo embasado um dos argumentos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 movida contra o Decreto no 4.887/2003. A ação foi julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, cujo entendimento foi de que a desapropriação para a regularização fundiária quilombola configura interesse social, nos termos do artigo 5o da Constituição Federal, com fundamento nos artigos 215, 216 e 68 do ADCT (BRASIL, 2021).