ESA_logo.png                                      Recebido: 30.out.2022   •    Aceito: 17.maio.2023   •    Publicado: 30.jun.2023

    

Seção Temática

Mulheres, territorialidades e epistemologias feministas – conflitos, resistências e (re)existências

                                                                                                                                                                                                                                             
Mulheres rurais e plantas medicinais: saberes populares e significados
na luta pela terra

Rural women and medicinal plants:
popular knowledge and meanings in the struggle for land

 

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Juliana Costa[1]

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Joel Orlando Bevilaqua Marin[2]

  

https://doi.org/10.36920/esa31-1_st02



Resumo: Os saberes populares relacionados às plantas medicinais têm sido de interesse de muitos estudos acadêmicos, assim como temas relacionados às mulheres rurais. Este artigo tem por objetivo compreender como mulheres rurais, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mobilizam saberes relativos às plantas medicinais, para construção de relações de reconhecimento social no âmbito nas áreas de saúde e educação. Essa pesquisa qualitativa, envolveu seis mulheres assentadas em diferentes regiões do Rio Grande do Sul – RS. Iniciamos abordando as trajetórias de vida e de lutas dessas mulheres relacionadas com as plantas medicinais, seguimos para as relações destas, a partir de seus saberes,  com o Sistema Único de Saúde e seus profissionais e encerramos buscando compreender as interlocuções delas com escolas do campo. Por fim, compreendemos que essas mulheres entendem seus saberes como primordiais para a vida no planeta, transformando suas vidas e construindo processos emancipatórios.

Palavras-chave: mulheres rurais; plantas medicinais; emancipação.

 

Abstract: Popular knowledge related to medicinal plants has been a topic of interest in many academic studies, along with topics related to rural women. This article investigates how rural women belonging to the Sem Terra landless rural worker’s movement mobilize knowledge related to medicinal plants in order to construct social recognition relationships in the areas of health and education. This qualitative study involved six women in settlements in different regions of Rio Grande do Sul. We first describe their life trajectories and struggles related to medicinal plants, then move on to the relationships these women have with the Brazilian public health care system and its professionals with regard to their knowledge, and examine their interlocutions with rural schools. We conclude that these women understand their knowledge to be essential for life on Earth, transforming their own lives and building emancipatory processes.

Keywords: rural women; medicinal plants; emancipation.

 

 

Introdução

O uso das plantas medicinais e os saberes construídos nessa temática têm despertado bastante interesse na comunidade acadêmica. Os saberes populares relacionados a esse tipo de planta também são focos de diversos estudos etnofarmacológicos, assim como as práticas populares de saúde. Estas práticas, que se relacionam com a noção de cuidado, são predominantemente de domínio feminino em função da divisão sexual do trabalho instituída pela ordem patriarcal. Desta forma, muitos destes saberes estão historicamente sob domínio das mulheres, sendo transmitidos entre sucessivas gerações, o que em determinados momentos da História desencadeou processos de perseguição e resistência, como bem apresenta Federici (2017) acerca da “caça às bruxas” na Europa e das diferentes formas de perseguição sofridas por mulheres nativas da África e das Américas desde o início da colonização.

Essa relação estreita entre estes saberes e as mulheres se encontra muito presente no cotidiano das mulheres rurais pertencentes à classe trabalhadora, que historicamente tiveram nas práticas populares um suporte à saúde, especialmente em contextos de ausência de atendimento médico e acesso aos serviços de saúde pública. Ainda sobre as políticas públicas, não foram só as políticas de saúde que tardaram a chegar ao rural brasileiro, mas também as políticas de educação e de Previdência Social, que se tornaram assim objetos de enfrentamentos e conquistas das classes populares rurais no Brasil. Wanderley (1996) afirma que a constituição do campesinato brasileiro se deu à margem do reconhecimento social, mas por meio das trajetórias de lutas e transmitiram como patrimônio “o próprio modo de vida” (WANDERLEY, 1996, p. 9).

No caso das mulheres rurais, beneficiárias de projetos de reforma agrária e organizadas no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, os saberes e as práticas populares em saúde e relacionadas às plantas medicinais, tornaram-se parte de processos de luta pela terra e de resistência nos territórios conquistados. Assim, a partir da inserção destas mulheres com suas práticas, culturas e saberes neste movimento, construíram processos de autonomia, emancipação e reconhecimento social. Neste sentido, compreendemos que estes saberes-fazeres influenciam diretamente na formação delas, que as qualificam para o exercício de importantes papéis nas suas comunidades e na sociedade em geral.

O presente estudo parte da seguinte questão: como os saberes e as práticas populares sobre ervas medicinais influenciam na tessitura de novas relações entre as mulheres rurais e agentes sociais vinculados a instituições públicas de educação e de saúde? O objetivo deste artigo foi compreender como mulheres rurais, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Rio Grande do Sul, mobilizam saberes populares em saúde, relativos às plantas medicinais, para construção de reconhecimento social no âmbito de escolas do campo e de profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS), contribuindo assim para a construção de protagonismo, autonomia e emancipação feminina.

Entendendo que as relações tecidas pelas mulheres assentadas com as escolas do campo e profissionais da saúde por meio das plantas medicinais são experiências coletivas, constituídas de práticas, afetos e saberes, a pesquisa foi realizada por meio de uma abordagem qualitativa. De acordo com Minayo (1993, p. 21), a pesquisa qualitativa se dedica a analisar um nível de realidade difícil ou impossível de mensurar através de números, pois “trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”.

As mulheres rurais, interlocutoras nesta pesquisa, têm idades que variam entre 44 e 65 anos, detêm diversificados saberes sobre as plantas medicinais e, por esse motivo, tornaram-se referências para suas comunidades neste aspecto. Elas residem em assentamentos da reforma agrária, localizados em diferentes regiões do Rio Grande do Sul. Utilizamos como um dos critérios determinantes para a escolha de nossas interlocutoras, a contribuição delas com o setor de saúde do MST em algum momento de suas vidas. Duas delas são mãe e filha e residem na mesma região, porém, as demais não possuem um vínculo relacional próximo senão pela identidade com o movimento social. Com elas foram elaboradas entrevistas, com roteiro semiestruturado, entre os meses de setembro e dezembro de 2018. Outrossim, foram realizadas observações em diversas reuniões, encontros e espaços de formação coletivos dessas mulheres e seu movimento. A partir destas entrevistas e observações, foram feitas análise e interpretação dos dados que deram origem à dissertação de mestrado que serviu como base para o presente artigo.

Com o propósito ético de preservar as identidades das interlocutoras, atribuímos um codinome a cada uma delas, conforme mostra o Quadro 1. Para melhor caracterização, agregamos algumas informações gerais sobre elas. Ressaltamos que não conseguimos acessar assentamentos das regiões Sul e Fronteira Oeste do RS em função de intempéries climáticas, o que ocasionou o desenvolvimento da pesquisa sem incluir mulheres destas regiões, nos limitando àquelas oriundas da Região Norte do RS, sendo todas elas descendentes de imigrantes alemães e/ou italianos, ao menos por parte dos pais ou das mães.

 

Quadro 1 Caracterização das mulheres interlocutoras da pesquisa

Codinome

Idade

Escolaridade

Região
de origem

Região
onde vive

Tipo de agricultura

Marcela

63

Ensino Fundamental incompleto

Norte

Metropolitana

Orgânica

Tamara

44

Ensino Médio/Técnico completo

Norte

Metropolitana

Orgânica

Marília

62

Não alfabetizada

Norte

Centro

Orgânica

Camila

54

Ensino Fundamental incompleto

Norte

Centro

Convencional

Melissa

65

Ensino Fundamental incompleto

Norte

Noroeste

Orgânica

Amanda

Não informado

Pós-graduada

Norte

Norte

Não informado

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

O estudo contou também com as nossas vivências profissionais e acadêmicas diferentes, que ofereceram maior riqueza para o desenvolvimento da pesquisa: por um lado, um olhar como extensionista rural que desenvolveu trabalhos acerca das plantas medicinais com famílias beneficiárias da reforma agrária e, por outro, um olhar de pesquisador e professor envolvido com as temáticas de gênero e gerações em espaços rurais.

O desenvolvimento deste artigo,  é apresentado em três seções: na primeira, discutimos as trajetórias de vida dessas mulheres vinculadas aos saberes sobre as plantas e ao acesso à políticas de saúde e educação; na segunda, tratamos das relações das mulheres com as equipes de saúde da família e profissionais da saúde por meio dos saberes relativos às plantas e, por fim, abordamos as relações tecidas por elas através dos seus saberes com as escolas do campo de suas comunidades.

 

Mulheres rurais: saberes populares em saúde e lutas pela terra

As mulheres rurais, interlocutoras de nossa pesquisa, trazem consigo memórias e afetos relacionados às plantas medicinais e aos saberes vinculados a essas desde a infância. O saber-fazer/fazer-aprender permeou a vida destas mulheres não só na agricultura, mas também no cotidiano das rotinas de cuidados com a saúde. Em narrativas sobre suas trajetórias de vida, elas rememoram vivências de suas infâncias marcadas pelo fazer, ouvir e ver atentamente avós e mães em práticas, discursos e rituais com usos de ervas medicinais.

Essas memórias trazem as formas de aprendizado a partir da prática no cotidiano da vida no campo, os modos de apropriação dos saberes, as relações com a natureza carregados de significados, sentidos e afetos, parecendo trazer uma concepção ecológica própria. Essa maneira de compreender e se relacionar com a natureza e com os frutos de sua prática se aproxima daqueles apresentados por Ellen e Klass Woortmann (1997), em estudo sobre a produção camponesa na terra, quando analisam o trabalho camponês na terra como construção consciente e dotado de saberes e simbologias que se aproximam de um “saber cognitivo holístico” (WOORTMANN; WOORTMANN, 1997, p. 13), apresentando concepções próprias do mundo e da natureza com a qual trabalham.

As trajetórias de vida que levaram nossas interlocutoras a se tornarem componentes do MST e referências dentro de suas comunidades são singulares. No entanto, apresentam pontos em comum, como o fato de serem filhas de camponeses de origem humilde e de terem começado seus contatos com as plantas medicinais ainda na infância, pela observação de práticas e ensinamentos das mães, avós e/ou avôs.

A exemplo do que descrevemos acerca dos saberes-fazeres camponeses, Melissa rememora sua mãe parteira e as muitas crianças de sua comunidade que “nasceram pelas mãos dela”, conforme depoimento: “então, minha mãe era parteira, nas mãos dela nasceram mais de 200 crianças lá na colônia onde a gente morava”. Melissa conta ainda que teve sua iniciação com as ervas medicinais a partir das práticas e da atuação social da mãe em sua comunidade. Ela relembra das solicitações da mãe para buscar na horta as plantas necessárias tanto para compor a cesta, que levava nos chamados para fazer partos, quanto para produzir remédios para familiares e vizinhos.

Assim como ela, Marcela conta que a avó benzia e preparava garrafadas com as plantas medicinais. A convivência com a avó foi fundamental na transmissão de conhecimentos e na iniciação no domínio de saberes e práticas populares com ervas medicinais:

Eu tinha a minha avó, né, que sempre trabalhou com os chás, fazia garrafada de remédio naquela época e as pessoas iam na casa dela buscar. Que lembrança boa essa! Os remédios dela eram feitos igual tintura. Eu me criei vendo aquilo... Naquele tempo mesmo, há 40 e poucos anos atrás, não tinha SUS, era pago consulta, era pago tudo particular. E por isso, eu acho, e também por ter essa grande dificuldade de morar longe da cidade, longe de um médico, é que a gente usava muito mais as plantas medicinais, né?

Nesta fala, nossa interlocutora compara a prática da avó, denominada garrafadas, com a produção de tinturas à base de plantas, nomenclatura apreendida por ela dentro das formações proporcionadas nos acampamentos e assentamentos. Ela relembra que aquelas práticas fizeram parte de toda a sua infância, apontando ainda a falta de acesso aos serviços públicos de saúde no rural brasileiro. Marcela também fala sobre o fato de a avó benzer:

Eu não aprendi a benzer, sinto muito que eu não aprendi com minha vozinha. Mas, acredito que tem relação do benzimento com as plantas medicinais. O único benzimento que eu aprendi com a minha avó, que ela me ensinou para benzer as crianças. É só um, que eu benzo as crianças novinha para quebrante. É muito lindo aquele benzimento, já ensinei para muitas mães.

Ela se emocionou ao relembrar as práticas e os ensinamentos repassados pela avó, mas lamenta por não ter apreendido todos os benzimentos. Os rituais de benzimento, associados com usos de plantas medicinais, foram, gradualmente, abandonados com o passar do tempo. Ademais, o avanço de religiões evangélicas neopentecostais dentro dos assentamentos, especialmente nos últimos anos, também parece contribuir para esse abandono. Essas práticas não são bem-vistas por estes fiéis e existe um grande número de mulheres convertendo-se a essas religiões.

Algumas de nossas interlocutoras chegaram a comentar durante as entrevistas que as práticas de benzimento não eram bem-aceitas por estas pessoas, mas que, no entanto, elas procuravam orientações sobre o uso dos chás, o que pode ser atribuído ao fato de esta parcela da população considerar essas práticas como pagãs. Todavia, isso parece ter apenas aprofundado um processo que vinha em percurso, pois compreendemos que a perda gradual e crescente dos saberes relacionados ao ato de benzer se vincula à concepção de essa ser uma prática que não concebe, na sua origem, a possibilidade de mercantilização e por se encontrar destituída de materialidade científica para fins de comprovação de eficácia. De forma diferente, os saberes sobre plantas medicinais gradualmente foram apropriados para produção de remédios e medicamentos para fins comerciais e possuem princípios ativos comprovados cientificamente. Assim, a compreensão tardia sobre a importância dos benzimentos e dos saberes que os constituem como tradição cultural de populações de diferentes regiões do país permitiu um apagamento ou até um combate de parte destas expressões culturais. Nossas interlocutoras lamentam não ter apreendido a prática de benzer com suas mães e avós a fim de manter viva esta cultura, compreendida por elas como um patrimônio imaterial e como sinônimo de resistência popular cultural.

Os saberes relacionados ao ato de benzer são concebidos por meio de ritos simbólicos sedimentados em elementos antagônicos à materialidade da ciência moderna, ferindo assim os preceitos do pensamento universal, o que parece ser determinante para o enfraquecimento destas práticas mediante a sua deslegitimação. Em relação às plantas medicinais, no entanto, nossas interlocutoras observam ter perdido força nos últimos anos as críticas aos seus usos, o que entendemos estar vinculado às comprovações científicas de eficácia de plantas para diversas doenças e ao avanço na legislação brasileira sobre o tema. Entretanto, nem sempre a comprovação científica acerca dos princípios ativos das plantas medicinais traz méritos às pessoas e aos povos detentores dos conhecimentos, o que se constitui mais uma forma de apagamento e expropriação de pessoas, populações e saberes.

A esse propósito, Shiva (2001), em estudo sobre a construção do pensamento universal, analisa como os saberes locais não são apenas negados e destruídos dentro de suas comunidades, mas também como eles são apropriados pelos grupos sociais dominantes e reproduzidos como mercadorias. A autora reflete ainda a respeito dos sistemas de violência desencadeados sobre os saberes locais e aponta que a primeira delas está na deslegitimação destes como saber. Além disso, cita a disseminação do saber dominante a partir da revolução verde e o papel desta na disseminação de uma forma “correta” de produzir em contraposição às formas de produção e manejo de espécies nativas das populações locais, levando a uma grande redução da biodiversidade.

As práticas de saúde descritas pelas nossas interlocutoras apresentam determinados passos ritualísticos, tradicionalmente reproduzidos no cotidiano da produção de remédios caseiros, que em muitos aspectos se aproximam de técnicas e métodos da ciência moderna. Um exemplo disso está no relato das mulheres sobre o processo de produção de “garrafadas”, remédios provenientes de ervas colocadas em garrafas com cachaça que são, em seguida, enterradas por cerca de oito dias, abrigando a mistura da luz e do calor. Esta prática apresenta consonância com as orientações acerca das diferentes técnicas de produção de fitoterápicos pelo processo de maceração por mistura hidroalcoólica que, segundo o Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira (2022), orienta a manutenção de tinturas e alcoolaturas ao abrigo de luz e calor antes e após o processo de filtração, a fim de evitar alterações na composição das substâncias químicas e farmacológicas ali presentes,  demonstrando assim similaridades entre os métodos popular e científico. Nesse sentido, Di Stasi (1996) descreve que os saberes populares, que se perpetuam pela transmissão entre as gerações, tiveram e têm influência direta no progresso da ciência moderna. Concebemos que as plantas medicinais utilizadas pelas mulheres rurais e os saberes reproduzidos fazem parte da riqueza da etnobiodiversidade brasileira, que é importantíssima para o denominado desenvolvimento sustentável. Assim, o reconhecimento dos povos e das comunidades como detentoras destes saberes torna-se de grande valia, ou, como explica Di Stasi (1996), é fundamental para o desenvolvimento científico e também o da humanidade.

Neste sentido, compreendemos que existem outras questões imbricadas nas relações destas mulheres com as plantas medicinais e que são de extrema relevância para entender a influência disso em suas trajetórias de luta. Paulilo (2016), em análise sobre o percurso de uma liderança feminina rural, reflete sobre a importância social das práticas em saúde das mulheres rurais, organizadas em movimentos sociais do campo, para a constituição das reflexões críticas em torno do uso de agrotóxicos, de resistência e de enfrentamento ao modelo majoritário de agricultura que compreende a terra apenas como meio de produção e não como espaço de vida. O fortalecimento destas práticas é então primordial tanto para estas mulheres quanto para a humanidade, pois é uma maneira de fortalecer os saberes locais, valorizá-los e evitar que aquilo que Porto-Gonçalvez (2012 apud ELOY et al., 2015) denomina etnobiopirataria se configure ao mesmo tempo que se fortalecem práticas agrícolas sustentáveis e preceitos agroecológicos.

Observamos que, independente do sistema de produção adotado pelas mulheres, se convencional ou orgânico, as plantas medicinais são sempre produzidas em espaços ao abrigo do uso de agrotóxicos. Nunca nas proximidades de lavouras, e elas reiteram a importância desta proteção de venenos. Geralmente se encontram em seus quintais ou em suas hortas, onde recebem afetos e cuidados especiais. Além disso, muitas das críticas tecidas por elas acerca dos problemas ambientais, da falta de cuidado e empatia com a natureza e do uso de agrotóxicos se iniciam a partir das reflexões sobre as condições de saúde em sua família, em suas comunidades, e sobre as práticas populares de saúde e a produção de remédios.

Assim, entendemos que quando Camila faz a associação de sua trajetória de vida com os remédios caseiros e relembra sua infância ao lado da avó, que também benzia e fazia remédios, ela fortalece sua apropriação em torno destes saberes e as lutas sociais em seu território. Ela também cita a distância entre o local de moradia e o de atendimento formal à saúde como um elemento que contribuiu para a reprodução, repasse e valorização destas práticas. E ainda relembra que a avó, além dos saberes sobre as ervas e os benzimentos, também transmitiu valores, como o de sempre ajudar a quem necessitava, trazendo a solidariedade, empatia e afeto para o centro de suas práticas.

Mas olha, esses remédio medicinal vêm de casa, assim que a gente diz, por que minha vó benzia de quebrante, mal olhado, que diziam olho grande, e fazia chá caseiro. Assim, quando as pessoas chegavam até ela prá pedir, ela nunca negava, foi o exemplo que ela me deu, que até hoje eu tenho como herança. Então, desde o tempo de nova, eu fazia, por que me criei com a minha vó e daí já vinha tomando chá e ensinando chá. Era tudo, na base de chá. A gente sempre morou para fora, era longe, nunca morou na cidade. Daí o remédio mais principal pra nós é os de ervas medicinais.

Neste período, citado por Marcela e Camila, não existia um sistema de saúde pública que fosse destinado ao atendimento das populações do campo. Segundo Brumer (2002), em estudo sobre a Previdência Social rural e gênero no Brasil, somente a partir do final da década de 1960 que esta parte da população passou a ter estabelecido, por lei, assistência médica e hospitalar por intermédio dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais. Mesmo assim, na memória das nossas interlocutoras, a assistência era ofertada na sede dos municípios, estando, portanto, distante do local de residência da população rural.

Nossas interlocutoras rememoram que seus saberes, de certa forma, se fortaleceram em virtude das dificuldades de acesso aos serviços básicos de saúde, o que não é recordado como algo vantajoso, mas como consequência de uma política excludente com o campesinato brasileiro. Essa interpretação da falta de acesso a políticas públicas por essa parcela da população rural, da qual nossas interlocutoras fazem parte, é muito bem reportada por Wanderley (1996) quando descreve a formação do campesinato brasileiro à margem do acesso a políticas públicas. As dificuldades de acesso às políticas também têm consequências na escolaridade das nossas interlocutoras, que tiveram acesso restrito à educação escolar. Talvez por isso carreguem tanto reconhecimento à educação do campo e às realizações que políticas como o Pronera (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária) podem representar para as novas gerações dos assentamentos rurais, pela abertura de melhores oportunidades de inserções sociolaborais.

Amanda, que hoje trabalha diretamente com turmas de alunos do Pronera, relembra que, mesmo sendo de uma família com poucos recursos financeiros, teve muita sorte, pois seus pais reconheciam a importância da escola, incentivando as filhas aos estudos escolares:

Eu sou filha de pequenos agricultores, família muito pobre, residente na comunidade de Bela Vista, Ronda Alta. Somos duas filhas, os meus pais sempre incentivaram, naquela época, que a gente estudasse. Então, eu acho que eu e a minha irmã somos privilegiadas nessa sociedade, por há mais de 50 anos atrás os pais terem essa ideia, essa vontade de ver suas filhas estudando. Daí minha irmã foi para a área da saúde, enfermagem e o pai sonhava muito de ter uma filha professora... Não sei se foi o sonho dele, só sei que eu gosto até hoje de ser professora. Não escolhi muito, mas até hoje eu gosto do trabalho da educação. Eu trabalhei na comunidade em que eu nasci, me criei e fui alfabetizada e hoje tô aposentada e sigo trabalhando na direção do Instituto.

Sentir-se privilegiada, embora originária de uma família que não gozava de abastança financeira, decorre do fato de ela e sua irmã terem incentivos dos pais aos estudos escolares continuados, condição que não era muito comum naquele período entre os camponeses. Isso demonstra que o fato de ela ser a única entre nossas interlocutoras que apresenta formação de nível superior e pós-graduação está relacionado mais à disposição pessoal e à valorização familiar dos estudos escolares, que propriamente às condições de acesso ofertadas pelo Estado naquele período.

As dificuldades de acesso à educação formal pelas mulheres, segundo Perrot (2006), a partir de análises da realidade europeia, dificultou a construção da historicidade delas. No entanto, para a realidade dos países que passaram por colonização exploratória, esta afirmação nos parece ter, ao menos, duas faces, pois, se por um lado essa  traz invisibilidades, apagamentos e desigualdade de oportunidades na sociedade, por outro, a maneira como a educação foi ofertada ao longo dos tempos, por vezes, fortaleceu o apagamento cultural dos povos por meio da introdução de culturas dominantes.

Segundo Conte (2013), em estudo sobre a história das mulheres camponesas na América Latina, a educação formal tardou muito a chegar até o meio rural brasileiro, tendo suas primeiras ações massivas entre 1920 e 1940, e que até a década de 1920 a alfabetização de populações do campo e das florestas era de exclusiva ação da Igreja em paralelo à catequização, o que nos remete a reflexões sobre o quão homogeneizadores e higienizadores[3] de costumes podem ter sido estes projetos educacionais. Mas, por outro lado, esses fatos também justificam a sensação de privilégio apresentada por nossa interlocutora Amanda em função de, em meados da década de 1950, ter conseguido estudar em razão do esforço e apoio de seus pais. Além disso, os fatos justificam o relato de Amanda sobre a taxa de analfabetismo chegar a cerca de 60% do público adulto dos acampamentos do MST em 1981, deflagrando o problema social acerca da educação no rural brasileiro.

Marília, por sua vez, não teve acesso à educação formal, pois nunca frequentou regularmente a escola. Este fato foi o principal motivo de não ter aprendido a ler e a escrever, mas a falta de escolarização não a impediu de acumular saberes-fazeres tradicionais sobre plantas medicinais, conforme relato:

Eu sou analfabeta, tudo que sei tá na minha cabeça. As receita, os benzimento, tudo que minha mãe ensinou tá aqui, na minha cabeça. Minha mãe não era parteira. Ela fez uns parto, na precisão, mas não era parteira. Ela benzia e fazia remédio e me ensinou bastante.

Deste relato, emerge o fato de que foi possível chegar até o momento atual com todos os saberes e fazeres acumulados sobre as plantas medicinais pela transmissão intergeracional, que passa pelo processo de socialização das crianças camponesas a partir do trabalho, dos saberes envolvidos e da oralidade. Como bem retrata Marin (2018) em estudo sobre a infância rural, o trabalho das crianças é compreendido como um dos elementos importantes de socialização para as famílias camponesas, com a transmissão dos valores morais e o apreço e o afeto pelo modo de vida.

As dificuldades de acesso à escola pelas comunidades do campo trouxeram consequências que ainda hoje são sentidas e vivenciadas. No entanto, durante muitos anos, a maioria dos projetos de educação que chegou até a população do campo desconstruiu as bases da cultura local em busca da construção de uma lógica voltada ao desenvolvimento, como afirma Morin (2001), em uma mesa-redonda, organizada pelo Centro de Desenvolvimento e Sustentabilidade da  Universidade de Brasília (CDS/UnB) em 1999, entre o autor e Terena (militante das causas indígenas), que foi transformada no livro Saberes globais e saberes locais o olhar transdisciplinar. Para o autor, a cultura europeia e ocidental atribuiu ao atraso e à infantilidade toda a cultura que fosse diferente da sua, negando-lhes lógica e razão, e a alfabetização, da maneira que foi desenvolvida em muitos projetos, além de apresentar o alfabeto, destruiu culturas orais milenares de muitos povos, como afirma Terena (2001), no mesmo seminário.

Logo, tomando como referência as realidades relatadas pelas nossas entrevistadas e a literatura no que diz respeito a elas, se torna nítida a importância de projetos educacionais que tenham em vista a preservação dos saberes populares locais, tomando-os como elementos que carregam potencial para o desenvolvimento sustentável da comunidade. Para isto, é necessário que haja disponibilidade de escolas do campo e, além disso, que haja identidade entre as escolas e as comunidades nas quais estão inseridas, de tal forma que uma seja espelho para a outra, pela elaboração de projetos pedagógicos orientados para suas realidades, primando pela manutenção dos valores culturais e dos saberes populares e pela demonstração de sua importância para a sociedade como um todo.

Um exemplo de ação educadora que valoriza os saberes populares locais é justamente a ação realizada pelos saberes compartilhados por estas mulheres que, muitas vezes, solidariamente, se propõem a contribuir com as escolas que seus filhos, netos ou vizinhos frequentam, buscando oportunizar às novas gerações uma realidade que a elas foi negada: de estudar, mas valorizando os saberes do seu meio, como veremos na próxima seção. No entanto, cabe ressaltar, que estas ações são realizadas justamente por que outra estrutura de aprendizado foi construída, fortalecida e valorizada pelas lutas destas mulheres ao longo de suas vidas, de tal forma que obtiveram na validação popular de suas práticas o reconhecimento necessário para que hoje possam atuar dentro das escolas e permitir às crianças e aos jovens de suas comunidades o acesso à educação formal que não tiveram. É importante destacar ainda que isso é resultado também da luta por reforma agrária, que não se limita ao acesso à terra, como elas gostam de evidenciar. Elas entendem que formar seus filhos e filhas dotando-os de direitos e dignidade é um dos passos centrais de suas ações. Enquanto as ouvíamos falar de dignidade para filhos e filhas, compreendemos que essa realização se formou processualmente em suas vivências, mas sendo também repassada aos(as) descendentes na forma de herança, assim como os saberes acerca das plantas, sendo elementos centrais de suas trajetórias.

As trajetórias de vida destas mulheres também trazem consigo a marca da organização coletiva em prol da conquista de direitos. Apenas Tamara conheceu o acampamento com os pais, todas as demais, inclusive sua mãe, Marcela, foram acampar ainda jovens, mas com família constituída, em busca de um pedaço de terra para viver e se sustentar.

Amanda, por sua vez, acrescenta que os esforços conjuntos da década de 1980, período marcado pelos movimentos sociais de luta pela terra e pela organização de mulheres rurais, permitiram a obtenção de muitos direitos, entre eles o reconhecimento da categoria agricultora ou trabalhadora rural, que até então não era reconhecida.

[...] as mulheres da roça podiam ir até com o CPF do marido para resolver algumas coisas, não tinha modelo de produtor, nada. Aqui no RS, se não me engano, foi em 1984 que o Pedro Simon, o primeiro governador que autorizou o modelo de produtor para a mulher. Mas não é por que ele é bom, não, é porque foi uma luta nossa. Então, nós tivemos uma luta muito grande pela documentação da mulher, por uma questão de identidade, né e também com isso foi garantindo os direitos sociais. Tanto é que em 1988, né, na constituição de 88 a gente avançou para o direito da aposentadoria da trabalhadora rural.

Amanda complementa dizendo que estas foram importantes avanços que encorajaram as mulheres a continuar organizadas dentro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de seu município de origem. Ela relembra que, durante o processo eleitoral para o Sindicato de Ronda Alta, no ano de 1984, as mulheres rurais trabalhadoras se envolveram muito na disputa e que passou a noite acompanhando o escrutínio dos votos com a filha de 4 meses nos braços, reafirmando que as filhas foram criadas “na luta”. Este relato apontou uma peculiaridade do conflito interno nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais: o fato de que as mulheres, nos esforços pelo direito de se filiar ao sindicato, sendo reconhecidas como trabalhadoras rurais, tiveram que, além de batalhar pelo reconhecimento legal da categoria agricultora, apoiar candidaturas masculinas que fossem favoráveis à sua pauta, fazer campanha com os homens, pois elas não tinham direito a voto. Logo, necessitavam convencer uma maioria de homens de que a chapa que apoiasse suas pautas era a melhor opção para dirigir o sindicato. Isto demonstra que a unidade obtida na obtenção destes direitos teve que ser mais ampla, elas precisaram convencer seus companheiros de vida e seus companheiros de luta que tinham tanto direito quanto eles, evidenciando que houve uma unidade construída entre homens e mulheres do campo pelo alcance destes direitos.

As lutas e conquistas de direitos pelas mulheres rurais no Brasil na década de 1980, descritas por Paulilo e Boni (2017) em estudo sobre as mulheres agricultoras e a ecologia, são reafirmadas pelas memórias das mulheres rurais: Marcela e Amanda relembram a importância das grandes marchas por direitos realizadas pelas mulheres rurais em meados dos anos 1980, que empenhavam-se por direitos previdenciários por meio do reconhecimento da categoria “produtora rural”, pois, até aquele momento, as mulheres rurais eram consideradas “do lar”, de acordo com Paulilo e Boni (2017). Segundo nossas interlocutoras, essas marchas fizeram parte do seu reconhecimento como agricultoras, de seus direitos previdenciários, do SUS e, embora não tenha sido citado por elas, mas afirmado por Deere (2004), foram fundamentais para estabelecer na Constituição de 1988 o direito à terra pelas mulheres rurais.

Os processos de coalizão de forças populares na luta pela aprovação de direitos constitucionais no Brasil, pelo SUS e por educação são compreendidas como partes formadoras de nossas interlocutoras, que narram as diversas dimensões do movimento com uma grande riqueza de detalhes. Com o propósito de resgatar a relação com as plantas medicinais em meio a essas vivências, questionamos Marcela sobre onde estavam as plantas medicinais neste tempo de luta por direitos:

Junto com nós, nas atividades, nas lutas, a gente levava chá, pomada pros calos quando tinha marcha. E também a gente sempre escutava o povo, por que quando a gente fica muitos dias fora de casa, as vez, só de ser ouvido um pouco a gente já melhora, por que a dor as vez é a da saudade.

Logo, compreendemos que as plantas medicinais sempre estiveram presentes, com estas mulheres, em cada uma destas atividades, seja nas equipes constituídas para contribuir nos acampamentos, especificamente para atendimento popular à saúde quando necessário, que possuíam uma pequena “farmácia” com remédios fitoterápicos, seja em suas sacolas, onde havia um chazinho para os “nervos”, caso o “caldo engrossasse” ou para indigestão, se a “boia estivesse gorda”. As mulheres rurais, em todos os processos de mobilização social, sempre carregam consigo seus saberes e ervas medicinais, mas também o afeto e a acolhida que, segundo Marcela, são também remédios.

Dessa forma, elas descrevem que na infância apreenderam sobre as ervas e plantas, saberes relacionados às práticas de cuidado, mas que também são dotados de um grande potencial emancipador e capaz de deslocar relações de poder quando articulados com a organização e os esforços por direitos sociais. Em seus relatos, elas destacam suas participações dentro dos acampamentos de luta pela terra como momentos de exercer a prática dos saberes relacionados ao cuidado, tanto na saúde quanto na educação, para além de suas famílias, como um elemento de inserção na contribuição com o coletivo que se formava. Contudo, as vidas delas também se transformavam na medida em que ressignificavam seus saberes, suas práticas e suas resistências nos processos.

Podemos dizer que a constituição de nossas interlocutoras como referências dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra se iniciou mediante a inserção delas em espaços de saúde e educação nos acampamentos, que se fortaleceu nas lutas por direitos, mas que a atuação delas no MST não se limitou a estes espaços e propiciou a inserção das mulheres em diferentes esferas da organização, desde a gestão econômica de empreendimentos coletivos até espaços de direção do movimento. Schwendler (2015), em reflexão sobre o processo pedagógico das mulheres na luta pela terra, afirma que elas passam a contribuir com os espaços coletivos, transformam a atuação do próprio movimento e são transformadas também pelo vivenciar destas experiências.

 

Mulheres rurais: conquistas de espaços no SUS

As mulheres que contribuíram com esta pesquisa demonstram que compreendem o Sistema Único de Saúde como grande conquista das lutas populares das classes trabalhadoras na década de 1980. No entanto, dentre os preconceitos vivenciados por elas e revelados durante as entrevistas, são relatadas com certa ênfase situações constrangedoras nos espaços de serviços e gerência do SUS. Elas apontam vivências de preconceitos por serem assentadas, especialmente nos primeiros anos depois da aquisição da terra, o que atribuem ao fato de as pessoas não as conhecerem. Mas também discorrem sobre a resistência de profissionais de saúde em aceitar o uso de chás e remédios caseiros, embora ressaltem mudanças significativas nos últimos anos.

Isso demonstra que entre a obtenção do Sistema Único de Saúde, conquistada nos seus marcos legais, e as práticas dos profissionais de saúde existem alguns entraves, como revela o depoimento de Tamara, ao recordar uma das vezes que sentiu o preconceito contra as famílias assentadas por parte desses profissionais:

Uma vez, quando comecei a trabalhar, uma pediatra chegou e gritou em alto e bom som: “venha limpar esse consultório, por que aqui tem uma podridão de sujeira, não dá para aguentar dentro dessa sala, que só pode ser os sem- terra que tão por aqui”.

Tamara, que já trabalhava como agente comunitária, estava lá a trabalho e conta que decidiu se fazer ouvir naquele dia, dirigindo-se até a Secretaria de Saúde para protestar contra as reiteradas humilhações, chamando a médica para esclarecer que a senhora que estava ali era da cidade e não do assentamento, e disse que não aceitaria mais aquele tipo de tratamento.

[...] E eu voltei chorando... A Secretaria de Saúde era dentro do posto, tudo era junto sabe, tudo interligado. E eu voltei chorando e disse: “Eu não admito mais se humilhada aqui dentro dessa casa!” A partir daquele momento eu fui respeitada como ser humano dentro do município. Então, assim, oh, eles me chamavam de ‘“Zé povinho”, por que eu ensinava, e eles diziam que isso é coisa de bruxa, né? Ensinava o chá, ensinava que eles não precisavam estar comprando o remédio todos os dias, não precisavam tá comendo aquilo que não era saudável.

Embora o relato descreva uma realidade vivenciada há mais de dez anos, Tamara traduz o que muitas pessoas sentem ao se apresentar diante dos profissionais de saúde e as relações que se estabelecem ainda hoje dentro de alguns espaços do sistema público no país. Quando ela cita as palavras deferidas pela profissional de saúde em relação à senhora que ali estava, demonstra o quanto se faz necessário o processo de humanização das equipes de saúde que atuam nas periferias urbanas e rurais do Brasil, pois nossa interlocutora foi humilhada pelo vínculo estabelecido entre a situação da senhora que aguardava atendimento e os sem-terra, porém, a outra senhora foi oprimida em função de sua própria condição, justamente por quem deveria estar ali para acolher e amenizar suas dores.

Vasconcelos (2017, p. 32), em estudo sobre as origens e a importância da Educação Popular em Saúde, afirma que a Atenção Básica à Saúde é injusta não apenas por ser ofertada de maneira desigual aos pobres e marginalizados, mas especialmente em função de sua racionalidade interna, que tende a reforçar e reproduzir nas relações cotidianas as estruturas de dominação social existentes na sociedade. O autor acrescenta ainda que as práticas realizadas dentro desta ótica tendem a induzir a um consumo exagerado de mercadorias, reforçando os caminhos individualistas de busca de saúde, deslegitimando saberes, valores e iniciativas da população, consolidando assim a racionalidade instrumental e fria da modernidade, reforçando o poder da tecnoburocracia estatal e empresarial.

Entretanto, nos mais de trinta anos que se passaram desde a criação do SUS, muitos foram os espaços de discussão que ocorreram em torno das estratégias populares de promoção da saúde e que permearam o campo da Educação Popular em Saúde como forma de construir processos nas comunidades das periferias tanto urbanas quanto rurais. Estes debates ocorreram no meio acadêmico como também nos espaços de participação social, onde houve contribuição robusta dos movimentos sociais e populares. A chegada de forças progressistas e populares ao governo do país, em 2002, permitiram o fortalecimento de setores que compuseram a participação social e a construção de políticas públicas propulsoras da valorização de novas experiências que vinham sendo experimentadas isoladamente por profissionais em conjunto com movimentos sociais, conferindo uma dimensão mais ampla, coletiva e com suporte estatal.

Dentre as inúmeras políticas construídas e as muitas mudanças ocorridas em torno do desenvolvimento de relações mais humanas na Atenção Básica à Saúde, citamos, além da conquista da Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde em 2003, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (BRASIL, 2006b), que rege a execução de práticas como medicina tradicional chinesa, homeopatia, fitoterapia, reiki, acupuntura, entre outras, dentro das Unidades Básicas de Saúde. Esta política busca permitir a implantação de práticas e experiências que já vinham sendo construídas e executadas dentro de municípios e estados e precisavam ser regulamentadas, reconhecidas e incorporadas para que pudessem também ser reproduzidas em outras localidades.

Outra importante iniciativa governamental foi a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (BRASIL, 2006a), cujos objetivos centrais são o uso seguro das plantas medicinais e fitoterápicos pela população, o uso sustentável da biodiversidade e o desenvolvimento da cadeia produtiva de fitoterápicos pela indústria nacional. A institucionalização dessa política teve ações centradas no desenvolvimento da indústria farmacêutica nacional, que, a partir do amparo legal, conseguiu se desenvolver e se fortalecer. No entanto, ela apresentou poucos avanços diretos às comunidades detentoras dos saberes populares, seja em função das prioridades de investimentos terem sido destinadas a outros setores, seja pelo fato de a política não prever a produção mais cotidiana e artesanal de remédios que existe nas comunidades.

Vale destacar a participação ativa do MST, a partir de representantes da direção do Setor Nacional de Saúde, na construção destas políticas. Em algumas, de forma mais intensa e participativa, em outras, com um caráter mais limitado. Nesse mesmo período, houve absorção, por parte dos municípios, de profissionais da área da saúde, inclusive da medicina, filhos e filhas de famílias assentadas, em equipes de saúde da família que prestam atendimento aos assentamentos, o que também, em certa medida, proporcionou atuações profissionais mais acolhedoras dentro daquele meio. Mas, para além disso, compreendemos que as mulheres rurais, organizadas neste movimento, se constituem protagonistas das conquistas oriundas destas políticas a partir de suas construções cotidianas nas suas comunidades, em seu movimento a na sociedade em geral quando apreendem, praticam, partilham e transmitem seus saberes-fazeres sobre as plantas medicinais, compreendendo-os como patrimônio a ser zelado, valorizado e perpetuado.

As mudanças obtidas ao longo dos anos foram acompanhadas pelas nossas interlocutoras, que afirmam conhecer a legislação e as Políticas de Práticas Integrativas e Complementares no SUS e a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Este acompanhamento não se deu de maneira passiva, já que elas relatam acompanhar espaços de participação social do SUS.

As mudanças ocorridas no SUS são compreendidas por Camila como algo que reflete diretamente em sua vida. Ela atribui à formação de “médicos mais humanos” e aos estudos sobre as plantas medicinais a postura do médico que tratou de seu filho:

Não sei se eu te contei do problema do meu filho mais velho, de saúde, que deu leucemia nele e daí como os freis moraram ali, junto com nós, ali no assentamento, daí eles buscaram... Daí a gente se apavorou com a leucemia que apareceu nele, né, daí eles buscaram saber remédios de ervas prá ajudar. Porque daí era preciso ele fazer sangue, já tinham pedido, né, ficamo internado um bom tempo, acompanhando o tratamento dele, mas fizemo remédio caseiro e coisa assim natural e foi o que ajudou muito, por que nem sangue ele precisou e nem plaquetas fazer. Por isso a gente agarrou mais fé ainda com esses remédio. Pois tava marcado tudo, a gente faze transfusão de sangue e ver a medula e tudo, mas não precisou, dois anos de acompanhamento de exame, nós dando remédio caseiro, até que o doutor mesmo, lá de Santa Maria, me deu parabéns, né... Por que ele sangrava a boca, sangrava os pêlo assim né, tudo, o nariz, mas graças a Deus hoje tá...

Camila afirma que contou para o médico que fez um tratamento paralelo ao desenvolvido no hospital, pelo fato de o profissional ter ficado muito surpreso com a recuperação do menino, que passou a reagir melhor aos efeitos colaterais da quimioterapia. Segundo ela, passados cerca de cinco anos ou mais, um dia ela estava em casa e um carro da Justiça bateu à sua porta. Era uma oficial de justiça que trabalhava no município e que queria conversar com ela sobre o tratamento alternativo que ela havia feito para o filho, mas não para enquadrá-la em alguma lei, mas sim por que sua filha se encontrava com o mesmo problema e ela precisava de ajuda:

E daí um dia o doutor lá da oncologia, falou pra uma que era oficial de justiça... Um dia chegou até o carro da justiça aqui na frente de casa, nós tava aqui sentado e chegou a mulher ali com uma da saúde junto. Daí eu disse: “Ai, meu Deus do céu, chegou o carro da justiça, o que que tão campiando aqui?” Daí eu olhei na janela e fiquei parada, só disse adeus...

Daí ela disse: “Oh mulher, tô te procurando”

E eu disse: “É?”

E ela disse: “Não se assuste, é o carro da justiça, mas não te assusta, tamo te procurando pra me ajuda!”

Digo: “Mas se é no que eu posso ajudar, né... É eu, tem que ser eu decerto né, não tem outra, né?”

Daí ela chegou e disse: “Ah a gente descobriu lá, eu conversei com o doutor, ele tem teu nome lá e tudo. Eu tenho uma filha que dá aula de ballet, uma filha adotiva e ela tá com problema de leucemia. E eles dizem que trataram um guri, falaram teu nome e o do teu filho. Então eu procurei a Secretaria de Saúde pra ver se te conheciam e elas te conhecem... Lá disseram que tu fez um remédio e o guri não precisou fazer sangue e nem as plaquetas e eu preciso da tua ajuda.”

Daí eu disse: “Se é no que eu possa ajudar e que não tem problema, né, tô aí pra ajudar.”

Daí pediu pra eu fazer os remédios pra ela. Até depois ela foi transferida e vinha pegar os remédios pra guria, moça já, né?!

A fala de Camila demonstra a abertura para o reconhecimento que alguns profissionais de saúde desenvolveram nos últimos anos aos saberes populares e aos remédios caseiros, assim como às pessoas que os detêm. Esta situação, descrita por nossa interlocutora, manifesta, além da “fé” nas plantas medicinais reforçada com a cura do filho, o orgulho que ela sente por ter reconhecimento tanto pelo profissional médico que tratou seu filho quanto pela agente da Justiça que a procurou para pedir ajuda indicada pelo médico, ambos com mais estudo e com melhores condições financeiras do que ela. O reconhecimento social mexe com a autoestima dessas mulheres, especialmente daquelas que se encontram em condições econômicas menos favoráveis.

Hoje em dia, em virtude dos avanços nos estudos acerca das plantas medicinais e nas políticas públicas já citadas, mesmo as(os) mais radicais, contrários aos saberes populares, já não negam a eficácia das plantas medicinais em função da comprovação dos princípios ativos e suas ações, especialmente da lista de plantas contida na Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos. Atualmente, o principal questionamento acerca das plantas medicinais está em torno da segurança de uso destas sem prescrição médica pelas camadas populares. Embora haja um reconhecimento científico à eficácia farmacológica de inúmeras plantas, construído a partir de estudos baseados na etnofarmacologia, o direito a produzir o próprio remédio com base nos saberes populares ancestrais ainda não é consenso entre profissionais da saúde.

Vasconcelos (2017, p. 32) atribui os diversos avanços ocorridos no Sistema Único de Saúde ao longo dos anos à organização social, e defende a participação da população como fundamental para o reconhecimento e respeito das estratégias de saúde desenvolvidas nas diferentes localidades, a partir de suas culturas, descritas pelo autor como “peculiaridades culturais”, assim como a construção de novas práticas de saúde baseadas na solidariedade e no afeto:

Por isto, a população e seus movimentos continuam insistindo na criação de práticas de atenção em que seja superado o autoritarismo dos doutores em suas vidas, a imposição de soluções puramente técnicas para problemas sociais globais, a propaganda embutida de muitos grupos políticos dominantes e a desconsideração de seus interesses e peculiaridades culturais. Isto pode ser entendido como uma vontade de desconstrução das lógicas e interesses presentes nas práticas técnicas dominantes nos serviços de saúde e de ampliação das dimensões de solidariedade, amorosidade e autonomia entre as pessoas no enfrentamento dos problemas de saúde.

Nesta perspectiva, os avanços nas políticas e práticas de saúde pública vislumbrados pelas mulheres também se traduzem com base nos relatos de suas práticas, como revela o depoimento de Marcela:

Eu tô sempre fazendo essas oficina, né? Na semana passada ainda estive fazendo um xarope lá na comunidade, junto com a médica, e a médica falou vinte minutos. Eu disse: “A médica vai falar e depois nós vamos fazer o nosso xarope”. A médica veio e disse assim, já tinha uma criança tossindo, e ela foi e disse assim: “Nós vamos trabalhar hoje os problemas da respiração, olha aí, o neném tá tossindo, né? A tosse, ela é um resfriado, esse resfriado tem que ser tratado, como é que ele vai ser tratado? Aqui está a Marcela com estas plantas, ela vai fazer um xarope, este xarope vocês podem tomar, não tem contraindicação nenhuma, só a mãezinha tem que cuidar a febre, e pode tomar e em sete dias vai ficar bem, por que esses remédios são para o trato respiratório”. E todas as plantas que eu levei eram respiratória, pra o xarope, por que o dia que eu for fazer a pomada, daí só vou levar as plantas da pomada. Então foi bom por que parece que as mães acreditaram. Teve mãe que não foi embora, ficou até o finalzinho para levar o xaropinho para o filho. E tu viu a diferença, né? E por isso que nós temos que trabalhar juntos e não existe trabalho separado.

O relato de Marcela demonstra o quanto o posicionamento dos(as) profissionais de saúde tem repercussão na vida em comunidade, especialmente se for formado em medicina, pois a fala da médica, segundo Marcela, reverbera mais do que a de uma “vizinha”. Desta forma, a postura desta profissional expressa, além da valorização dos saberes existentes na comunidade, um estímulo à construção da autonomia da população a partir da postura de incentivar o cultivo das plantas medicinais e a produção do xarope, conferindo legitimidade ao saber apropriado por Marcela e transmitido às suas vizinhas.

Além disso, Marcela complementa que os médicos que atendem em outros dois postos de saúde que abrangem assentamentos de sua região já utilizam em suas rotinas práticas voltadas às plantas medicinais, assim como a médica que atende em seu assentamento:

Nos outros dois postos que tem médico, também tem esse envolvimento, temos um posto que tem um pequeno horto de planta medicinal. Já fizemos trocas de mudinhas, de experiência sobre plantas medicinais, com o médico junto.

Isto demonstra que existem iniciativas de construção de uma política de saúde voltada à realidade do campo neste município, assim como em muitos outros. Estas construções diferenciadas não mais tão isoladas quanto eram antes da institucionalização destas políticas que, embora tenham passado por processos de descontinuidade, dada a conjuntura política vivenciada nos últimos anos, seguiram sendo apropriadas por estados e municípios.

Tamara também descreve como sua realidade mudou. Como agente de saúde, ela sente a valorização de seus saberes a partir do incentivo e da parceria estabelecidos com os(as) demais profissionais que compõem a equipe de saúde. Em seu depoimento, demonstra acreditar no trabalho realizado e na importância do envolvimento da equipe com a comunidade. As diferentes estratégias usadas nas comunidades rurais atendidas pela equipe do Programa de Saúde da Família (PSF) que ela compõe incluem a valorização dos saberes e a construção de vínculos entre profissionais e comunidade que ultrapassam o binômio saúde/doença. Uma demonstração desta relação é o relato de Tamara sobre a festa-surpresa de aniversário da médica, organizada pela comunidade:

Quando ela chegou lá ela não sabia o que fazer, sabe? Ela ficou louca! Bom, quanto presente, quanta coisa, comida, bolo, bolo recheado de moranguinho prá ela. Não, olha, foi a maior festa da comunidade...

Esta narração evidencia relações de afeto, reciprocidade e união existentes entre a médica, a comunidade atendida e a equipe de saúde, que foram chamadas como copartícipes no preparo e organização da festa.

A construção de relações mais humanas com profissionais do SUS pode ser compreendida também como uma conquista das práticas cotidianas dessas mulheres. Quando elas se desafiam a ofertar seus saberes ao coletivo, à comunidade e à sociedade, baseando-se ainda nos primórdios dos ensinamentos de suas ancestrais, citados no início deste estudo, que tinham como propósito fazer o bem, acabam ganhando notoriedade e reconhecimento, chegando, em parceria com políticas públicas progressistas, a alcançar esse reconhecimento pelos profissionais da saúde.

As maneiras como as práticas populares de saúde são desenvolvidas pelas mulheres que contribuíram com nossa pesquisa é bastante complexa. Os saberes-fazeres em torno das plantas medicinais são parte do processo de cura, mas não são o todo dele. Elas descrevem que antes de fazer os remédios sempre pedem permissão, “conversam com as plantas”, e que, quando existe mais de uma espécie para o mesmo fim, observam com atenção, pois a planta mais indicada para aquela pessoa “se mostra” para elas. Assim, elas demonstram compreender as plantas como seres vivos, que se conectam com os seres humanos de alguma forma, e quando estas produzem elementos capazes de trazer alívio a sintomas e cura de enfermidades, essa conexão com pessoas que estão doentes se faz através do remédio e de quem os produz. As mulheres também afirmam que não se faz remédio quando não se está bem, pois é necessário transmitir afeto e boas energias durante o preparo, para buscar a conexão com as plantas. Além disso, dizem que o remédio é uma parte do tratamento, mas ouvir, acolher e conversar com quem está enfermo é muito importante.

Entendemos que a superação da situação vivida e descrita por Marcela na primeira parte desta seção se deu por uma conjunção entre as ações coletivas de resistência e políticas públicas que permitiram essas relações. Na concepção pedagógica de Freire (1987), a reflexão sobre a situação de opressão deve levar a uma ação que seja coletiva e pactuada, que permita a resistência coletiva diante da opressão que tende a se tornar mais forte perante a resistência do oprimido. Partir dos saberes populares, fortalecendo-os, valoriza-se as pessoas, permitindo que estas se reconstituam e possam assim refletir sobre suas próprias realidades. Neste sentido, entendemos que a proposta pedagógica de Freire (1987) para a alfabetização pode ser adaptada à saúde a partir da Educação Popular em Saúde, como portadora de uma metodologia que cabe muito bem a uma abordagem decolonial.

Assim, o protagonismo dessas mulheres relacionado aos seus saberes reinventa suas atuações, construindo novas relações que se situam como práticas de resistência permeadas pela sociabilidade e subjetividade, ressignificando conceitos e ações. Lugones (2014) afirma existir em diferentes lugares da América Latina, em resistência a todo o processo de exploração e de violência vivenciados por séculos de colonização e colonialidade, o que ela denomina de resistências “não modernas”, nas quais a autora defende a importância de estudos sobre as relações íntimas, que são concebidas como as relações existentes na vida social das pessoas que compõem esses processos. Esse enfoque dialoga de maneira próxima com o que vislumbramos por meio de nossas interlocutoras. Além disso, o protagonismo construído com base nas ações concretas e nos saberes dessas mulheres as aproxima e fortalece, o que nos remete ao que Lugones (2014) concebe acerca da necessidade de um feminismo decolonial, que pauta a interseccionalidade a partir da realidade vivenciada, refletindo as relações dicotômicas entre seres humanos e não humanos como centrais para repensar o mundo. Logo, os saberes e práticas dessas mulheres e suas lutas por dignidade, respeito e direitos fazem parte de uma construção complexa de cuidados com a humanidade, com o planeta e com a construção de outros feminismos possíveis e necessários.

 

Mulheres rurais: conexões com escola do campo

Como apresentamos desde o início deste estudo, as mulheres rurais que contribuíram para esta pesquisa enfrentaram dificuldades de acesso à escola quando jovens. Também conseguimos compreender que a falta de acesso aos serviços de saúde pública determinou a necessidade de uso de saberes populares sobre plantas medicinais. Estes elementos, embora vislumbrem processos de exclusão vivenciados por elas, foram ressignificados e transformados em objetos de estímulo à transformação, levando-as a contribuir com iniciativas de compartilhamento dos saberes populares em saúde nas escolas, em suas comunidades. Muitas delas se relacionam com crianças e jovens estudantes de escolas locais, a partir de projetos propostos pela comunidade escolar. Elas compreendem estas ações como atividades pedagógicas de valorização dos saberes e das práticas em saúde popular, bem como das pessoas que os detêm nas comunidades locais.

A fala de Tamara mostra um pouco como esta ação valoriza ao mesmo tempo as pessoas que reproduzem os saberes populares e as instituições escolares, que ganham apoio e suporte comunitário:

Então, nós tinha um horto no colégio, que a gente sempre foi ajudar. Agora tem um nome moderno: “pais educadores”. Mas, nós nunca fomos pais educadores. Nós fomos pais que moravam dentro do colégio mesmo. Ou era o marido ou era eu que tava lá dentro, sempre. Então, a gente construiu aquele horto. Aquele horto foi medido com as crianças, foi feito com a professora de matemática, os canteiros. Depois, foi plantadas as plantas com os alunos, foi feito todo um estudo sobre elas com a professora de ciências e assim foi por tempos.

Tamara recorda o período em que as filhas eram pequenas e que sua contribuição na escola era mais efetiva. A utilização do horto como espaço pedagógico, com as professoras e professores se apropriando daquele espaço para o desenvolvimento das aulas de matemática e de ciências, demonstra o empenho da equipe diretiva e do quadro de profissionais da educação com o espaço para além das oficinas sobre os saberes, que eram administradas por Tamara e outras pessoas da comunidade. Estas práticas propiciam valorização dos saberes que os educandos trazem de casa, aproveitando-os na sala de aula. Além disso, mostra que havia comprometimento dela e do marido com a escola do assentamento e apropriação da escola como espaço de construção do conhecimento fundamentado na realidade social das crianças.

Neste sentido, a escola apresenta uma referência na metodologia proposta por Freire (2002), no livro Pedagogia da autonomia, em que propõe a construção do conhecimento com base na valorização da realidade dos educandos como forma de despertar, a partir do questionamento e da reflexão para desenvolver uma visão crítica da realidade, a autonomia dos agentes sociais.

Melissa, em outra região do RS, vem desenvolvendo um trabalho efetivo e permanente com as crianças e jovens de sua comunidade cujo ponto de partida é a escola. Ela conta que houve resistência por parte da responsável pela Unidade Básica de Saúde (UBS) em construir o horto naquele local, que era a ideia inicial. Este trabalho, realizado pelo grupo de mulheres, prosseguiu com a cedência do espaço para construção do horto ao lado escola do assentamento, propiciando o trabalho pedagógico sobre as plantas medicinais. No momento da pesquisa, no entanto, a maior parte das ações da escola era realizada no horto do lote de Melissa, em dias de visitação, pelo fato dele ser mais amplo, pois guarda, segundo ela, mais de 150 espécies de plantas medicinais entre nativas e exóticas:

Começamos com um horto lá no posto de saúde, com aquele sonho que o posto de saúde ia dar certo. Só que deu errado, por causa da agente de enfermagem né, que ela não aceitou muito. Então, nós terminamos com o horto lá e fizemos um horto na escola e cada uma tem seu hortinho em casa também, que quando a gente ia fazer os remédios lá no coletivo cada uma levava de casa e fazia lá tudo junto. Fazia os xaropes, a olina, as tinturas de casca de angico, óleo de angico. Isso foi pegando uma fama. Hoje em dia, o pessoal se corta ou tem uma ferida, o pessoal já corre aqui pegar o óleo de angico para passar e em poucos dias já melhoram. E hoje, então, daí eu fiz o meu horto mesmo, aqui na minha casa, com todos os tipos de plantas. Já tem mais de 150 tipos de plantas, por que o nosso lote é um horto, daqui até o rio... As plantas todas aqui são plantas medicinais. Além das plantas medicinais, a gente tem as saladas e as outras coisas, de ir lá e tirar um cesto, como foi para o dia das sementes crioulas, levei um cesto de saladas do mato, e fizemos lá... Por que aquilo também é remédio, as saladas do mato é remédio para o estômago, para azia, para tudo quanto é coisa. De primeiro ninguém sentia isso, porque comiam a salada... Daí ninguém mais conhecia, levei aquela cesta bem enfeitada, com as folhas bem grandes, que eu tirei aqui... “Mas lá tem isso?!” Digo: “Tem, por que lá não tem veneno, lá o veneno não vai e a salada veio, quem quiser pode ir lá buscar...”

A fala de Melissa mostra, além das dificuldades iniciais para implantação do horto de plantas medicinais comunitário, a compreensão que ela apresenta sobre o papel pedagógico que o horto pode desempenhar, não só no ambiente escolar, mas na comunidade. Isto se torna nítido quando ela afirma levar para a festa de troca de sementes, proposta pela escola, a cesta cheia de plantas alimentares não convencionais e nativas, destacando que, em seu lote, elas existem porque não é usado agrotóxico. Neste sentido, compreendemos que ela desempenha o papel de orientar e ensinar ao conjunto comunitário, que foge aos muros da escola. A escola, por sua vez, abraça esta experiência por compreender seu papel de, entre outras coisas, mediar os saberes na comunidade, e essa talvez seja a essência da parceria.

Esta fala e a reflexão de Melissa nos remetem, mais uma vez, à análise de Freire (2002) sobre a prática de uma educação crítica, cuja tarefa fundamental é permitir que os sujeitos construam uma identidade própria, social e cultural, respeitando as diferenças. Neste sentido ainda, compreendemos que a essência da relação intergeracional viabilizada pelos projetos escolares com plantas medicinais está no respeito mútuo construído entre elas, muito próximo do que é reafirmado pelo autor:

Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade" do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu. (p. 23)

Ao mesmo tempo que estas mulheres constroem suas relações com as novas gerações, os projetos escolares proporcionam espaços e situações de partilha de saberes com crianças e jovens, de valorização dos saberes sobre o uso das plantas e o afeto pela natureza. Contudo, as relações tecidas com as escolas também possibilitam espaços e situações de aprendizagem para as mulheres rurais, na medida em que aprendem com as crianças e jovens sobre um mundo que é naturalizado para as novas gerações: o uso da Tecnologia da Informação e Comunicação (TICs). Com a ajuda de crianças e jovens, as mulheres descrevem que se apropriam de ferramentas de mídia digital tanto para comunicação quanto para pesquisa e, por vezes, para divulgação nas redes sociais de seus trabalhos com as plantas medicinais.

O diálogo e convivências intergeracionais protagonizados por nossas interlocutoras e seus saberes fortalecem a emancipação e a autonomia destas mulheres, construindo referências nas instituições escolares, em suas comunidades e também com os(as) profissionais da educação dessas escolas, pessoas, em sua maioria, com maior grau de instrução.

Entendemos também que assim elas fortalecem as bases de um reconhecimento ao protagonismo feminino. Elas se reinventam e ressignificam suas ações, proporcionando inspiração para outras mulheres de seu convívio. A valorização destes saberes construído por essas mulheres e a compreensão da importância deles para as comunidades é essencial para a construção destes processos de resistência. Entendemos que isso incentiva a resistência contra a apropriação indevida destes saberes por meio do uso comunitário e cotidiano, fortalecendo a soberania e autonomia da comunidade.

As ações dessas mulheres, a nosso ver, têm um papel fundamental para a construção de relações mais harmônicas com a natureza, reiterando as relações educativas com as novas gerações como propulsoras de uma cultura de respeito com o meio ambiente, de empatia com todas as formas de vida e de reconhecimento dos saberes populares existentes em suas comunidades, como importantes para a humanidade e dotados de grande valor social e econômico.

Usando o exemplo de Melissa, como já citado anteriormente, que conta que seu neto a filma enquanto trabalha na horta e vai lhe perguntando sobre as plantas, e que, por vezes, disponibiliza estes pequenos vídeos em redes sociais, prática esta que não se resume ao seu neto. Os estudantes que visitam o seu horto, seguidamente, postam fotos do trabalho, pois dominam as Tecnologias da Informação e da Comunicação, como os celulares e as redes sociais. A postagem de fotos das atividades realizadas no horto de Melissa rende “curtidas” a quem as posta e o reconhecimento do local, do trabalho e dos saberes tanto à Melissa quanto à escola e à própria comunidade.

Da mesma forma, podemos citar a postura de Tamara, que além de se sentir à vontade na entrevista, tem construído, em sua página do Facebook, um espaço de divulgação das plantas medicinais e das hortas orgânicas, que encontra durante suas visitas como agente comunitária de saúde, divulgando também o próprio lote. Ou, ainda, a fala de Camila, a propósito do acompanhamento das pessoas que procuravam sua ajuda, revela que sempre buscou receber notícias por diferentes fontes, mas que o WhatsApp é um aplicativo facilitador da circulação de informações em suas redes de relações sociais. Ela conta um caso de uma moça que teve problemas pós-parto e pediu seu auxílio, e, anos depois, deu notícias sobre a situação de saúde por meio deste aplicativo:

E daí, depois, um dia menina, ela tava lá em São Borja, entrou no whats, que disse que conseguiu com uma amiga que me conhecia o número e daí ela me ligou... Disse que já ia ser mãe de novo e graças aeu, por que o doutor disse que ela nunca mais ia poder ter filho. Daí, então é que a gente fica assim cada vez faceira, que as coisa dá certo.

Camila descreveu o contato recebido de maneira quase envergonhada, baixando a cabeça com um leve sorriso, mas demonstrando alegria em ajudar. Olhando para ela enquanto falava, refletimos que uma senhora, residente de uma comunidade do interior de um município pequeno, a partir dos saberes que lhes foram ensinados desde a infância, se apropriar de novas Tecnologias de Comunicação para a troca de informações, orientações de uso de plantas medicinais e construir diálogos sobre seus saberes-fazeres é uma experiência muito interessante.

Trocas de saberes acontecem dentro das ações desenvolvidas por nossas interlocutoras, propiciando a construção do conhecimento crítico e da leitura crítica da realidade, promovendo autonomia a partir dos saberes e da realidade local. Assim, entendemos que o despertar de processos de autonomia e emancipação com base nos saberes e na visão crítica sobre o papel de homens e mulheres no Universo é primordial para a construção destes ressignificados de conceitos, a partir das vivências coletivas. Sob esse prisma, os saberes populares apropriados pelas mulheres rurais, no convívio familiar, disponibilizados aos companheiros e companheiras de lutas pela terra e transmitidos às novas gerações em espaços escolares apresentam um caráter emancipador ou, na expressão de Paulo Freire (1987), “libertador”.

Castells (2013), em estudo sobre a organização dos movimentos sociais utilizando as redes sociais, afirma que a internet promoveu uma grande mudança na comunicação no último período, tornando possível que o que denominou autocomunicação (quando é o próprio indivíduo quem vai decidir sobre o conteúdo) se torne ao mesmo tempo uma comunicação de massas. Embora os tempos atuais estejam nos mostrando que essa “autocomunicação” também pode servir para disseminação massiva de fakenews e de escaladas antidemocráticas, a experiência dessas mulheres demonstra que o problema não está no instrumento, mas na sua instrumentalização por determinados setores da sociedade. No caso de nossas interlocutoras, esses instrumentos proporcionaram um ambiente de comunicação, articulação e até debate de temas que não tinham relevância para os grandes meios de comunicação, tornando-as visíveis a um universo muito amplo de pessoas no mundo todo. Compreendemos que o trabalho realizado por muitas mulheres com as plantas medicinais tem sido visibilizado pelos acessos e usos destes instrumentos. Elas também ampliaram seus horizontes de interlocução com outros agentes sociais para intercâmbio de saberes e experiências, a exemplo das articulações de doações de alimentos ao longo de 2021, realizadas pelo MST, que foram protagonizadas por essas mulheres, tanto na organização interna, onde foram atuantes em grupos de WhatsApp, quanto nos contatos com mulheres da periferia da cidade para o recebimento das doações.

Nos projetos escolares, as mulheres rurais construíram muitos vínculos com as novas gerações de resgate e valorização dos saberes sobre plantas medicinais, que foram transmitidos entre sucessivas gerações. Estes saberes, compreendidos como um patrimônio cultural dos povos, interligam crianças, jovens e mulheres, que já são avós, desenvolvendo processos educativos de reconhecimento e de valorização das detentoras de conhecimentos práticos importantes para o conjunto da humanidade. Mas, por outro lado, estas mulheres acabam aprendendo com os jovens e crianças os saberes que são do seu tempo, do hoje e do amanhã, o novo, o que há de mais moderno em termos de comunicação e mídia. Logo, estes projetos apresentam dimensão pedagógica de atrair para o compartilhamento de saberes, na medida em que as mulheres transmitem saberes sobre ervas medicinais para as novas gerações e aprendem com crianças e jovens novas formas de comunicação.

Portanto, mais uma vez, por meio dos saberes e fazeres com plantas medicinais, as mulheres podem tecer relações de ensino e aprendizagem, em múltiplos aspectos. Talvez, para elas, o mais novo deles é o domínio das novas Tecnologias de Informação e conhecimento, mas isto não se constituiu obstáculo para elas, e sim mais um desafio dentre tantos outros enfrentados e vencidos.

Elas também nos desafiaram nessa pesquisa. O principal desafio situa-se no fato de elas acreditarem que a academia deve se abrir aos saberes dos povos, às plantas medicinais e à construção de processos alternativos, de cuidado com a natureza e de preocupação com as futuras gerações. É o que bem demonstra Marcela, quando questionada se queria dizer mais alguma coisa, já no término da entrevista:

Sou muito grata fia, de conseguir fala pra ti, e sei que com essa minha fala aqui, o pouco que tu consegui aproveita, vai ajuda outras pessoa, que despertem para a vida, para cuidar o planeta nosso que tá sendo destruído, a nossa água, a nossa terra. Esse sonho eu vou continua sonhando e espero que tu também. Eu não acho que eu sei tudo, eu não sei tudo, sempre tenho a aprende.

Estas foram as palavras de Marcela, mas ouvidas de outras formas durante todas as entrevistas, ao mesmo tempo que elas afirmavam não saber tudo e estarem dispostas a novos aprendizados, nos desafiavam a mostrar, dentro dos espaços da academia, que elas têm muito a aprender, mas que também têm muito a ensinar.

Assim entendemos que a partir da organização coletiva, das práticas cotidianas, das vivências de luta e resistência e dos seus saberes elas têm ressignificado as relações de gênero colocadas na sociedade, protagonizando processos de construção de autonomia que, mesmo muitas vezes não se referindo à palavra feminismo, criam práticas que referenciam o termo em pôr suas ações, palavras e gestos, dialogando por meio de suas vivências, trajetórias e saberes com suas comunidades, mas também com a sociedade em geral, passando por profissionais da educação e da saúde.

 

Considerações finais

Compreendemos que muitos fatores contribuem para que essas mulheres ressignifiquem seus saberes em torno das plantas medicinais impulsionando relações com agentes públicos que atuam em áreas de saúde e educação. Um dos elementos centrais dessa construção está relacionado aos vínculos comunitários que se instituem em seus territórios por meio dos seus saberes, ofertando reconhecimento e valorização do saber-fazer e do fazer-aprender. Além disso, as vivências na luta pela terra e por direitos também construíram mulheres rurais protagonistas de processos relevantes para suas próprias famílias e para a coletividade do movimento social de pertença. Nesse sentido, ao se colocarem atentas aos cuidados e ao acolhimento, elas participaram ativamente dos processos de organização social, amenizando a dor e o sofrimento dos companheiros(as) em conflitos.

No entanto, ao mesmo tempo que entendemos ser importante para a construção de autonomia e emancipação destas mulheres, a institucionalização de cuidados com ervas medicinais em políticas públicas de saúde e educação, entendemos que seus saberes contribuem para a valorização da biodiversidade natural e dos conhecimentos tradicionais. Nesse mesmo sentido, as políticas de saúde voltadas para o uso de plantas medicinais e outras práticas de saúde, assim como a implantação de equipes multiprofissionais nas comunidades, contribuíram para o reconhecimento dos protagonismos e referências e a construção de processos educativos conjuntos, em diálogo entre profissionais e beneficiários(as) destas políticas. De outra forma, a existência de escolas do campo em suas comunidades também permitiu a valorização de saberes e práticas populares, além de fortalecer o vínculo da juventude com seu território, sua história e suas lutas sociais. Enfim, os saberes-fazeres acumulados pelas mulheres sobre plantas medicinais significam não só protagonismo e autonomia social, mas ainda a perpetuação de conhecimentos tradicionais e a preservação de recursos naturais, que podem trazer novidades para as políticas públicas de saúde e educação e para uma vida mais sustentável e afetuosa com a natureza.

 

Referências

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Como citar

COSTA, Juliana; MARIN, Joel Orlando Bevilaqua. Mulheres rurais e plantas medicinais: saberes populares e significados na luta pela terra. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, e2331107, 30 jun. 2023. DOI: https://doi.org/10.36920/esa31-1_st02.

 

 

 

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[1] Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (PPGExR/UFSM). E-mail: julianaalmeidacosta2017@gmail.com.

[2] Professor Titular da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Pós-Doutor pela École des hautes études en sciences sociales (EHESS), França. E-mail: joel.marin@ufsm.br.

[3] Rocha (2003) usa este termo para denominar o processo de construção de novas práticas sanitárias por meio da educação escolar via Instituto Hygiene na cidade de São Paulo entre 1918 e 1925 e que, embora tenha alcançado resultados interessantes do ponto de vista epidemiológico, acabou promovendo processos de criminalização dos modos de vida das populações da periferia da cidade.