ESA_logo.png                                      Recebido: 3 nov. 2022   •    Aceito: 9 maio 2023   •    Publicado: 31 maio 2023

 

Mudanças e reconfigurações da Agroindústria Sucroenergética Brasileira a partir da década de 1990: uma retrospectiva

Changes and reconfigurations in the Brazilian sugarcane agro-industrial complex from the 1990s onward: a look back

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Gerardo Enrique Cerdas Vega[1]

 

 

             

 

 

https://doi.org/10.36920/esa31-1_05

 

Resumo: O artigo apresenta o processo de mudanças institucionais, organizacionais e políticas experimentado pelo complexo agroindustrial canavieiro no Brasil, em particular pelos grupos de maior poder econômico, concentrados no estado de São Paulo, a partir da década de 1990 até o ano de 2014. Esses grupos, denominados no contexto da pesquisa como Agroindústria Sucroenergética Brasileira (ASB), passaram de um modelo de organização setorial de corte burocrático e estado-cêntrico, para um de caráter mais aberto, flexível e diversificado no tocante aos atores participantes, mas no qual a presença e a participação do Estado brasileiro continuou como parte essencial das relações entre o poder estatal e a grande agricultura patronal canavieira.

Palavras-chave: agroindústria sucroenergética; etanol; Estado e poder corporativo.

Abstract: This article describes the most relevant processes of institutional, organizational, and political change experienced by the sugarcane agro-industrial complex in Brazil, particularly by the groups with greater economic power, concentrated in the state of São Paulo from the 1990s to 2014. These groups shifted from a bureaucratic and state-focused sectoral organization model to a format that was more open, flexible, and diversified in terms of participating actors, but in which the presence and participation of the Brazilian government remained an essential part of the relationship between state power and large-scale sugarcane agriculture.

Keywords: sugarcane energy agroindustry; ethanol; state and corporate power.

 

 

 

Introdução[2]

A partir de 2003, a Agroindústria Sucroenergética Brasileira (ASB) vivenciou expressivas transformações, associadas por um lado ao ressurgimento do etanol como alternativa aos combustíveis fósseis e, por outro, à intensa reconfiguração patrimonial do setor cuja marca fundamental tem sido, nos últimos anos, a internacionalização de uma parte importante do complexo sucroalcooleiro.

Nesse sentido, usamos o termo Agroindústria Sucroenergética Brasileira para nos referir aos grupos econômicos aglutinados pela União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica), com presença na região Centro-Sul, predominando os grandes produtores do estado de São Paulo. De acordo com os dados da entidade, as mais de 130 companhias associadas à Unica, na época da realização do estudo, eram responsáveis por mais de 50% do etanol e 60% do açúcar produzidos no Brasil (UNICA, 2015). Cabe notar que as dinâmicas de expansão, internacionalização e crise da agroindústria canavieira ao longo do período analisado (2003-2014) se concentraram nesses grupos econômicos, no bojo de um ciclo de expansão e investimentos iniciado, aproximadamente, no ano de 2003 e simbolizado pelo lançamento do carro “flex-fuel” no mercado automobilístico brasileiro.

Para compreender esse processo, situamos a análise das tendências no movimento de longo prazo da economia e da política brasileiras, destacando o relevante papel do Estado na configuração das condições de acumulação de capital na agroindústria canavieira, não apenas no passado, mas ainda hoje. Abordamos a internacionalização da ASB como sendo a resultante de mudanças que envolvem tanto a internacionalização do capital e a globalização econômica quanto a construção de nova matriz de inserção global ativamente elaborada por dentro do próprio Estado brasileiro a partir da década de 1990, quando se iniciaram: (i) a forte virada para a liberalização e desregulamentação econômica no plano doméstico; e (ii) o alargamento do espaço global de acumulação, especialmente pela guinada para a financeirização da economia, no plano externo. Esse processo se reflete atualmente no predomínio do grande capital transnacional na ASB, tanto na produção quanto na comercialização nacional e internacional de suas principais commodities.[3]

O objetivo geral da pesquisa foi analisar a relação entre o Estado brasileiro e os grupos corporativos da ASB, tal como esta relação se materializava na atuação de suas agências e instâncias representativas, que, de forma combinada, favoreceram a inserção da ASB numa nova “matriz de inserção global” caracterizada pela centralização, concentração e internacionalização do capital, a partir de 2003, aproximadamente. Para tanto, tentamos compreender a reorganização do complexo canavieiro, especialmente a partir da década de 1990, assim como mapear os novos arranjos institucionais mediante os quais o Estado brasileiro continuou a manter expressiva capacidade de regular a expansão de um dos setores mais tradicionais da grande agricultura capitalista, considerando ao mesmo tempo os potenciais conflitos interburocráticos presentes.

No contexto da pesquisa realizada, trabalhamos com diversas hipóteses relativas aos processos descritos. Mais especificamente, o presente artigo responde à hipótese de que o arranjo institucional da ASB, para o período 2003-2014, apresentava diferenças expressivas com relação àquele prévio à década de 1990, no sentido de que o Estado não dispunha mais de mecanismos centralizados de decisão, de que as regras do jogo não eram mais determinadas a partir de regras/critérios fixos definidos pela institucionalidade e de que os grupos empresariais ganharam um peso relativo maior na determinação das políticas setoriais. Ao mesmo tempo, apresentava importantes semelhanças/continuidades com o passado, no sentido de ser um arranjo fragmentado, do qual participavam diversas agências estatais e privadas, cada qual agindo de forma estratégica na consecução de fins específicos, e no qual prevaleciam formas de representação não formalizadas numa única estrutura de representação vertical e central (SANTOS, 1993).

Aqui serão analisados em detalhe os arranjos político-institucionais setoriais construídos a partir dos anos 1990 até meados da década de 2010, sublinhando continuidades e descontinuidades com relação ao passado e às diversas formas em que o Estado continuou a ocupar um lugar central na sustentação da ASB. A internacionalização da ASB, não apenas no plano comercial, mas no tocante ao domínio do capital, transformou as relações entre Estado e agroindústria canavieira, introduzindo novos atores, dinâmicas e escalas na disputa política. Cabe frisar que, ao falarmos de “internacionalização” da ASB, fazemos referência de forma específica ao processo de entrada de grandes capitais estrangeiros na produção de etanol e açúcar no período do estudo, assim como aos desdobramentos econômicos e políticos desse fenômeno.

Não obstante, há de se considerar que a internacionalização em si mesma não é algo novo para a agroindústria canavieira, como atestam suas origens históricas e a importância que o capital estrangeiro ganhou na passagem do século XIX para o XX (quando, por iniciativa do governo imperial, buscou-se “modernizar” os engenhos brasileiros recorrendo a capitais estrangeiros) e pelo fato de que a mesma modernização da agricultura no Brasil já teve expressiva participação de capitais externos, especialmente americanos. Desta maneira, o uso que fazemos do termo aponta para processos mais restritos no tempo e é uma forma de sinalizar o caráter ou tendência geral mais significativa que observamos com relação ao conjunto da ASB nos anos recentes. Portanto, buscamos dar uma visão panorâmica destas transformações e inseri-las no conjunto de reflexões e pesquisas que historicamente tem debatido o lugar da agroindústria canavieira na economia e na política brasileiras, indicando as formas concretas em que são reconfiguradas as históricas relações de poder entre a ASB e o aparato estatal.

No tocante à dimensão teórico-metodológica, a elaboração do artigo pautou-se pelo método de articulação categorial de Marx. Na Introdução à Crítica da Economia Política, Marx criticou a forma convencional do pensamento econômico, invertendo o procedimento de articulação das categorias analíticas e formulando que “o concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso” (MARX, 1982, p. 14). Tendo isto em mente, tentamos identificar quais seriam essas “determinações” vinculadas ao objeto de estudo cuja síntese constitui o “concreto” e cuja articulação é indispensável para alcançar ou construir o “concreto-em-pensamento” (JESSOP, 1982), a representação e interpretação que fazemos do real a partir da análise de suas múltiplas dimensões internas. Assim, categorias como “internacionalização da agroindústria sucroenergética brasileira”, “relação Estado-grupos corporativos”, “nova matriz de inserção global”, dentre outras utilizadas em nossa análise, foram abordadas levando em consideração a inter-relação de suas partes ou processos constitutivos, tentando assim, de alguma forma, capturar seu movimento e fazê-lo inteligível. Adicionalmente, a tese sustentou-se na abordagem estratégico-relacional do Estado desenvolvida por Jessop (2008) e na compreensão de que os processos que conhecemos genericamente como “globalização”, passam em grande parte pela internalização, pelo próprio Estado, das condições que fazem possível a existência de uma ordem global, desnacionalizando e privatizando parcialmente algumas de suas competências e agendas-chave, na medida em que as articula em função de questões “privadas” que se apresentam como “públicas” (SASSEN, 2008).

O trabalho de campo abrangeu a obtenção de informações de fontes primárias e secundárias. Com relação às fontes primárias, foram realizadas 19 entrevistas, que envolveram a participação de 28 pessoas, representantes dos meios acadêmico, institucional e empresarial, localizados no Rio de Janeiro, Brasília e interior de São Paulo. As entrevistas datam de finais de 2010 até meados de 2014.

 

Mudanças relativas à (des)regulamentação da ASB e seus reflexos na organização setorial

As mudanças relativas à regulação da ASB, assim como aos arranjos político-institucionais que a sustentaram durante a maior parte do século XX, podem ser lidas como parte de um processo de reestruturação do capitalismo brasileiro dentro do qual mudaram tanto as dinâmicas de inserção econômica do Brasil no mercado mundial como o modo pelo qual o Estado intervém, seleciona, articula e dinamiza um certo projeto hegemônico e suas respectivas estratégias de acumulação. A análise do processo nos permite olhar para um novo desenho que foi sendo construído aos poucos e, com frequência, recorrendo a formas de negociação, gestão, conhecimentos e práticas já utilizadas no passado, mas que foram reconstituídas em novas condições (SASSEN, 2008; JESSOP, 2008).

Até a década de 1990, a ASB se estruturava em função de uma lógica burocrática de realização dos lucros, atrelada às formas de planejamento e controle estatal centralizado, com alta heterogeneidade produtiva, cuja competitividade estava baseada nos baixos salários e na expansão quantitativa, sendo basicamente constituída por grandes empresas regionais de origem familiar. A integração ao mercado mundial se dava apenas pela exportação de açúcar, também controlada pelo Estado (BELIK; VIAN, 2002).

É nesse contexto que se inicia um processo de desregulamentação marcado por conflitos entre os diversos agentes (públicos e privados) sobre a efetivação da abertura setorial, sendo que alguns segmentos dentro da ASB lutaram ferrenhamente pela manutenção das condições preexistentes e outros, contrariamente, pela instauração do ‘livre mercado’, visando realizar sua capacidade de crescimento e investimento acima da média do setor (BELIK; VIAN, 2002). Pode se dizer que a ‘desregulamentação’ da ASB foi espelhada por um processo de ‘(re)regulamentação’, mediante o qual outra institucionalidade foi sendo criada e novas regras do jogo definidas, tomando como base, em muitas ocasiões, os arranjos anteriores (BACCARIN, 2005b). Falar desta dinâmica de ‘desregulamentação’ e ‘(re)regulamentação’ reflete os muitos interesses e forças que demandavam não a retirada do Estado, mas sim seu reposicionamento a fim de garantir a continuidade da acumulação em um contexto de intensas mudanças na organização do capitalismo brasileiro e mundial.

As reformas dos anos 1990 configuraram nova estrutura técnica e organizacional para o setor, redefinindo as condições de sua competitividade. A intervenção estatal teria apenas mudado de foco e de intensidade, pois, apesar do seu viés ‘liberal’, o setor como um todo continuou a ter “enorme dependência em relação às decisões emanadas diretamente pelo Estado e, indiretamente, por suas agências reguladoras” (BELIK; VIAN, 2002, p. 70). A Constituição de 1988 estabeleceu que o planejamento estatal fosse tão somente indicativo, não sendo mais obrigatório que os capitalistas aceitassem as decisões emanadas do Estado na moldagem de suas estratégias de acumulação (BACCARIN, 2005b). O que observamos não é um enfraquecimento e sim uma reorganização da intervenção do Estado, que continuou sendo a peça-chave para garantir a acumulação de capital.

Por outra parte, houve mudanças na forma em que o Estado passou a encarar a política agrícola. Por exemplo, a estruturação do Conselho Nacional de Política Agrícola favoreceu a formação de Câmaras Setoriais como espaços de deliberação e tomada de decisões envolvendo o Estado e os produtores, estabelecendo as bases para uma nova dinâmica de representação de interesses, fortalecida a partir de 1998 com a criação do ‘Conselho do Agronegócio’ que passou a fazer parte do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).

Já a partir do primeiro governo Lula, estas instâncias (Câmaras e Conselhos) foram consideradas “um importante canal de comunicação com a sociedade, além de contribuírem na democratização da administração pública” (ZIMMERMANN, 2013, p. 9), portanto foram legitimadas como interlocutoras no desenho das políticas setoriais. A rearticulação de espaços deliberativos vinculados à grande agricultura capitalista, ao longo das últimas duas décadas e meia,[4] é um bom exemplo de como se reorganizaram capacidades-chave (técnico-administrativas e políticas) para viabilizar as interfaces entre o Estado e as organizações patronais agropecuárias (ZIMMERMANN, 2013). Nesse sentido, cabe lembrar brevemente o que foi apontado por Sassen a respeito do conceito de “capacidades”, tanto como uma capacidade de ação específica quanto como um dispositivo aberto e flexível que se rearticula em contextos cambiantes. Assim, capacidades técnicas, administrativas e políticas desenvolvidas num momento anterior ao arranjo institucional da ASB, puderam ser rearticuladas e ressignificadas no período recente. Não há ruptura brusca, mas sim adaptação a novas condições econômicas e institucionais, globais e nacionais (2008).

 

As mudanças na regulação setorial na década de 1990, abertura e desregulamentação/(re)regulamentação

Entre 1987 e 1988 foram adotadas medidas que reduziram e/ou modificaram o grau de intervenção do Estado na ASB. Por exemplo, os Decretos-Lei nos 2.401 e 2.437, de 21/12/1987 e 24/5/1988, respectivamente, proibiram a utilização de recursos do Tesouro Nacional na comercialização do açúcar, que a partir de então só poderia ser realizada por pessoas físicas e jurídicas. Além disso, foi iniciado um processo de reorganização setorial “objetivando alcançar melhores índices de produtividade e eficiência, a redução da dependência da agroindústria canavieira a recursos do Tesouro Nacional e da intervenção do Governo no setor”, e a conformação de uma nova estrutura institucional e organizacional do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA).

Em termos legais, o marco das reformas foi dado pela Lei no 8.029, de 12/4/1990, que autorizou o Poder Executivo a extinguir ou transformar diversas entidades da administração pública federal, dentre elas o IAA. Pouco depois vieram o Decreto no 99.240, de 7/5/1990 (que autorizou a extinção dessas autarquias), assim como o Decreto no 99.288, de 6/6/1990, mediante o qual as competências do IAA foram transferidas para a Secretaria de Desenvolvimento Regional da Presidência da República e, em particular, as competências do presidente e Conselho Deliberativo do Instituto foram realocadas na figura do secretário de Desenvolvimento Regional. O Quadro 1 apresenta um resumo, embora não exaustivo, das normativas elaboradas para reorganizar os arranjos político-institucionais relativos ao setor sucroalcooleiro.

 

Quadro 1 – Decretos, leis e principais disposições relativas à reorganização do complexo sucroalcooleiro e à liberalização dos preços do açúcar e do etanol – década de 1990 e início da década de 2000 (contínua)

 

Decreto

Data

Disposições principais

Decreto
no 98.054

15/8/1989

• Passa a ser admitida a exportação privada de açúcar e seus derivados, desde que garantidos o abastecimento interno e a formação de estoques de segurança, prévia autorização do IAA.

Lei no 7.817

14/09/1989

• Estabelece a data de 31/5/1990 como prazo último para o controle prévio do IAA sobre as exportações sucroalcooleiras.

Lei no 8.117

13/12/1990

• Dispõe que as exportações sucroalcooleiras deviam sujeitar-se ao controle prévio da Secretaria de Desenvolvimento Regional da Presidência da República, até a data de 31/5/1995.

Lei no 8.029

12/4/1990

• Autoriza o Poder Executivo a extinguir ou transformar várias entidades da Administração Pública Federal, dentre elas o IAA.

Decreto
no 99.240

07/5/1990

• Autoriza a extinção do IAA e transfere suas competências para o Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento.

Decreto

no 99.288

6/6/1990

• Transfere as competências do IAA para a Secretaria de Desenvolvimento Regional da Presidência da República.

Decreto s/n

20/4/1993

• Cria uma Comissão Interministerial para reexame da participação do álcool na matriz energética nacional.

Decreto s/n

27/10/1993

• Cria a Comissão Interministerial do Álcool (Cinal), no âmbito do Ministério de Minas e Energia, como a entidade responsável por compatibilizar os diferentes órgãos públicos com responsabilidades sobre o setor, assim como pela formulação de políticas de desenvolvimento setorial, especialmente aquelas voltadas para a estabilização das atividades do complexo e sua autossustentação econômica.

Lei no 8.723

28/10/1993

• Dispõe sobre as percentagens de mistura obrigatória de álcool anidro à gasolina, fixando-o em 22%.

Decreto s/n

12/9/1995

• Transfere a Cinal para o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, definindo a participação dos seguintes Ministérios: Minas e Energia; Fazenda; Agricultura, Abastecimento e Reforma Agrária; Ciência e Tecnologia; Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal; Planejamento e Orçamento.

Portaria
no 64, do Ministério da Fazenda

29/3/1996

• Liberaliza os preços da cana-de-açúcar, inclusive os fretes, fornecida às usinas e às destilarias autônomas de todo o país, do açúcar cristal standard, do álcool para fins carburantes de todos os tipos, do álcool para fins não carburantes de todos os tipos e do mel residual, a partir de 1o de janeiro de 1997.

Portaria

no 294, do Ministério da Fazenda

12/1996

• Revoga a Portaria no 64 emitida anteriormente e prorroga a liberação dos preços da cana-de-açúcar, do açúcar e do álcool em datas distintas para a liberação do álcool anidro e a dos demais produtos.

• Define que os preços do álcool anidro estariam liberados a partir de 1o de maio de 1997 e os preços da cana-de-açúcar, do açúcar cristal standard, do álcool de todos os tipos (com exceção do anidro) e do mel residual passariam a ser livres a partir de lo de maio de 1998.

Lei no 9.478

6/8/1997

• Introduz normas sobre a política energética nacional, em especial sobre questões relativas à ruptura do monopólio estatal sobre o petróleo, instituindo o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP).

• O CNPE, presidido pelo Ministério de Minas e Energia, ficou incumbido de estabelecer diretrizes para o uso e desenvolvimento de álcool e outras fontes de energia.

• A Lei formalizou o uso do conceito de ‘etanol’ em substituição ao conceito de ‘álcool’.

• A ANP passou a exercer atividades relativas à distribuição e à revenda de derivados de petróleo e álcool.

Decreto

no 42.056 (Alesp)

6/8/1997

• Estabelece como mandatória a obrigação de acabar com a queimada da cana-de-açúcar no estado de São Paulo, dentro de um prazo de oito anos, mediante a implementação da mecanização da colheita.

Decreto s/n

21/8/1997

• Cria o Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (Cima) como entidade responsável pela deliberação sobre o setor sucroalcooleiro, visando definir políticas relativas à participação dos produtos da cana-de-açúcar na matriz energética nacional e à sustentação econômica do setor.

• Define o Ministério de Indústria, Comércio e do Turismo na presidência do Cima e o Ministério de Agricultura e Abastecimento na presidência da Secretaria Executiva.  Ampliou o número de ministérios envolvidos.

• Cria um Comitê Consultivo para a Política Sucroalcooleira, com o objetivo de assessorar e propor ao Cima medidas visando ao desenvolvimento do setor sucroalcooleiro, composto por representantes dos produtores de açúcar e de álcool, dos plantadores de cana e de entidade de classe dos trabalhadores na agricultura.

Lei no 9.478

6/8/1997

• Institui o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Ambas entidades passaram a deter importantes atribuições relativas ao mercado de etanol.

Portaria

no 102, do Ministério da Fazenda

29/4/1998

• Prorroga novamente a data de liberação dos preços da cana-de-açúcar, do açúcar cristal standard e do álcool hidratado para fins carburantes, para 1o de novembro de 1998.

Portaria

no 275, do Ministério da Fazenda

19/10/1998

• Propõe por mais três meses a liberação dos preços da cana-de-açúcar, do açúcar cristal standard, do álcool hidratado para fins carburantes, de álcool para fins não carburantes e o do mel residual, passando para 1o de fevereiro de 1999.

Decreto

no 3.159

1/9/1999

• Altera o Decreto de 21/8/1997 e dispõe que o Ministério da Agricultura e do Abastecimento passará a exercer a presidência do Cima.

Decreto

no 3.546

17/7/2000

• Transfere o Cima para o Ministério da Agricultura e do Abastecimento.

Reduz a quantidade de pastas ministeriais envolvidas: Ministério de Agricultura e Abastecimento, da Fazenda, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, de Minas e Energia.

Estabelece que a Secretaria Executiva do Cima fica a cargo do secretário executivo do Ministério da Agricultura e do Abastecimento.

Decreto

no 3.890

17/8/2001

Regulamenta a administração de recursos destinados ao PNA (parcelas de tributos sobre a gasolina) e dispõe sobre a gestão de programas e operações relativos ao setor agroindustrial canavieiro e a administração dos recursos financeiros utilizados, altera o sistema de deliberação do Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool etc.

Lei no 10.336

19/12/2001

Cria a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide). O novo imposto estabeleceu uma alíquota menor para o etanol em relação à gasolina, tornando-o mais competitivo em termos de preço.

Lei no 10.453

13/5/2002

Dispõe sobre subvenções ao preço e ao transporte do álcool combustível, visando assegurar a estabilidade do setor produtivo, reduzir a volatilidade de preço do etanol e contribuir para a estabilidade da oferta do produto, favorecendo tanto aos produtores do combustível quanto da matéria-prima. Essa lei ficou conhecida como a “Lei do Álcool”.

Decreto

no 4.267

12/6/2002

Dispõe sobre subvenções ao preço e transporte do álcool combustível.

Altera o sistema de deliberação do Cima.

Portarias no 154 e no 12, do Ministério da Agricultura

2/7/2004 e 12/1/2006

Estabelecem a Câmara Setorial do Açúcar e do Álcool e regulam seu funcionamento.

A Presidência da Câmara cabe ao setor privado e a Secretaria, ao setor público.

Fonte: Elaborado pelo autor com base nas publicações das Leis, Decretos e Portarias citadas no quadro e em Moraes (1999), Moraes; Zilberman (2014), Alesp (2023).

 

A criação de um novo arranjo institucional para enquadrar a ASB foi progressiva e levou mais de uma década até amadurecer. O processo esteve repleto de percalços, atrasos e conflitos entre os diversos agentes envolvidos, diante da complexidade de assuntos que era preciso equacionar antes de uma situação de ‘livre mercado’ se estabelecer, inclusive, o grande receio dos empresários do ramo de se enfrentar uma situação de liberalização efetiva dos preços (BACCARIN, 2005a). Na verdade, logo cedo, ficou claro que as peculiaridades da ASB impediam abolir todo e qualquer mecanismo de controle governamental, a despeito do teor liberalizante do discurso oficial (MORAES, 2002; ALMEIDA, 2010).

É importante se considerar, por exemplo, que o processo de abertura e liberalização dos preços ocorreu num momento de crise relativa do setor diante do desabastecimento de álcool experimentado no país desde finais dos anos 1980. A chamada “crise do álcool” no Brasil na década de 1990 foi um período de desaceleração na produção e uso de etanol como combustível. A combinação de preços mais elevados do açúcar no mercado internacional e a redução do incentivo ao uso de biocombustíveis diante da baixa nos preços internacionais do petróleo, juntamente com a liberalização anunciada dos preços do açúcar e do etanol, levou a um declínio na produção de etanol no país. Aspectos como esses aumentavam as incertezas sobre o futuro da ASB e colocavam questões sobre os riscos de uma “saída” abrupta do amparo estatal ao setor (BACCARIN, 2005a).

Por esse motivo, insistimos que, em vez de desregulamentação, parece mais adequado falar de uma ‘(re)regulamentação’ da ASB. Por exemplo, a partir de 1996 ficou definido, por decisão do Ministério da Fazenda, que os preços da cana-de-açúcar fornecida às usinas e destilarias em todo o território brasileiro, do açúcar não refinado e de todos os tipos de etanol seriam liberados a partir de 1o de janeiro de 1997. Contudo, a data de liberalização dos preços foi adiada em três oportunidades, entrando em vigor só em 1o de fevereiro de 1999, dois anos depois do previsto (a liberação do preço do álcool anidro aconteceu em maio de 1997, enquanto os preços da cana-de-açúcar e do álcool hidratado foram liberados em 1999) (CAVALCANTI, 2011).

No caminho da ‘desregulamentação’, governo e produtores de cana e/ou de açúcar e álcool se depararam com a necessidade de estabelecer critérios, normas e regulações sobre aspectos como: a (in)viabilidade econômica do etanol hidratado vis-à-vis à gasolina, caso fossem eliminados os subsídios que incidiam sobre seu preço;[5] a criação de reserva de mercado para o etanol anidro e as percentagens de mistura mais adequadas; os impactos potenciais da elevação dos preços do etanol hidratado sobre os consumidores e sobre a renda dos distintos atores da cadeia produtiva; a necessidade de instaurar ‘ajustes operacionais’ relativos à distribuição do álcool em escala nacional; a necessidade de se estabelecer novos mecanismos de sustentação de preços; o estabelecimento de critérios e padrões para a comercialização da matéria-prima nas usinas, e do álcool nos postos; a inexistência de diagnósticos sobre o setor que subsidiassem a tomada de decisões; a inadequação dos mecanismos de estímulo existentes, que favoreciam a sonegação; a importância de se garantir uma política de estoques de álcool e uma adequada administração da oferta, que impedissem a volatilidade dos preços no mercado e a ruína dos produtores; questões ambientais relativas à queima da cana,[6] dentre outros (MORAES; ZILBERMAN, 2014; BACCARIN, 2005b).

Nesse marco, foram adotadas medidas compensatórias para atender os diversos interesses mobilizados; progressivamente novos mecanismos de amparo (incluindo a renegociação, em termos favoráveis, das vultosas dívidas setoriais com o Tesouro Nacional e os bancos públicos) foram substituindo os anteriores, a ponto de que, na virada do século, teria sido incorreto afirmar que o setor operava em condições de livre mercado. Em alguns casos, os empresários apoiaram as medidas de abertura, como no caso da liberalização da exportação de açúcar; em outros, continuaram a demandar políticas de compensação de preços e de formação de estoques, por exemplo. Não houve uma direção clara ou unívoca nem o estabelecimento de um arranjo institucional radicalmente diferente ao que prevaleceu até a extinção do IAA.

Em certo sentido, isso decorreu do fato de que o próprio IAA estava muito debilitado desde que os mecanismos de governança do Programa Nacional do Álcool (PNA), na década de 1970, tiraram grande parte de suas atribuições, criando uma estrutura de governança bastante complexa e descentralizada. A extinção formal do IAA foi a confirmação de uma situação de facto, pois diversas agências estatais já compartilhavam o processo decisório. Os novos arranjos que foram construídos mantiveram, no essencial, as feições do preexistente: descentralização, participação de várias agências e criação de mecanismos colegiados para a tomada de decisão.

A partir de 1997, o novo arranjo instaurado começou a ganhar características mais definidas, com a criação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e do Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool (Cima), como as principais agências públicas para o setor. Essas novas instâncias reforçaram a participação do Estado na definição de questões relevantes para garantir a acumulação de capital na ASB. Mesmo quando ele abriu mão de mecanismos de regulação e planejamento, outros dispositivos foram criados ou reinventados para permitir seu reposicionamento, tanto para orientar as decisões dos produtores quanto para garantir as condições legais, estruturais e financeiras indispensáveis à continuidade do processo de acumulação.

Em especial, o Cima teve uma importante atuação no controle do mercado, adquirindo os excessos de etanol anidro para evitar a queda dos preços e instaurando novas regras para as aquisições governamentais de etanol hidratado visando uma política de estoques; também orientou medidas para estimular a demanda de etanol, anidro e hidratado. Assim, o governo continuou atuando, mesmo que de forma parcial, tanto com relação à oferta quanto à demanda dos produtos da ASB, durante esse período de transição entre um ‘mercado regulado’ e um ‘mercado aberto’. Contudo, as disposições implementadas não conseguiram evitar por completo a crise de superprodução que terminou instalando-se na ASB, acirrando os conflitos entre Governo Federal, governos locais, produtores e outros elos da cadeia produtiva (MORAES; ZILBERMAN, 2014).

Em 1999, como resultado de protestos organizados pela ASB, foi assinado o ‘Pacto pelo Emprego no Negócio Sucroalcooleiro’, envolvendo o governo de São Paulo, o Governo Federal, governos de diversos municípios canavieiros, a indústria automobilística, a indústria de açúcar e álcool, os trabalhadores ligados ao setor e as distribuidoras de combustíveis. Os protestos obrigaram o Estado a assumir novos compromissos, visando garantir uma dinâmica confiável para a realização do capital. Dentre os acordos feitos naquela oportunidade, destacam-se o voltado a incentivar a ampliação da ‘frota verde’ tanto no governo como em âmbito nacional, outorgando incentivos preferenciais para a fabricação de carros a álcool, aumentar a mistura de álcool anidro na gasolina para 26% e analisar o uso de uma mistura de 3% de álcool no óleo diesel, abrir novos mercados para a exportação e trabalhar pela remoção das barreiras protecionistas contra o álcool em outros países, estimular a produção de eletricidade a partir do bagaço da cana e aprimorar uma política pública de estoques regulatórios (MORAES; ZILBERMAN, 2014; BARROS; MORAES, 2002).

Afirmar que houve continuidade na presença do Estado não quer dizer que tudo permaneceu igual. Houve sim menor controle estatal com relação ao passado, especialmente a partir do momento em que os preços do açúcar e do álcool foram liberados. Além disto, o planejamento perdeu a consistência de outras décadas, já que os volumes de produção registrados nos Planos de Safra deixaram de ter caráter obrigatório e passaram a ser indicativos. Portanto, aumentou o grau em que os atores privados passaram a se defrontar com decisões a serem tomadas para responder ao novo contexto criado, gerando persistentes conflitos entre os grupos empresariais formados ao calor do apoio ou da rejeição às políticas oficiais. Em compensação, foram abertas novas janelas de participação para o empresariado, que aos seus tradicionais recursos de poder e influência pôde agregar um renovado reconhecimento institucional como interlocutor para a tomada de decisões. 

Depois de várias décadas de planejamento estatal, controle de preços, monopólio estatal da exportação de açúcar etc., a acomodação de interesses foi alterada mediante a introdução de mudanças na legislação e nos acordos até então prevalecentes. Isso se traduziu em descompassos sobre uma marcha forçada de reformas que, seletivamente, beneficiavam uns e prejudicavam outros. O resultado desse processo de disputas  refletiu uma específica correlação de forças entre agências estatais, usineiros, fornecedores de cana, distribuidores de combustíveis, organizações de classe, entre outro, que articularam suas respostas diante dos novos cenários por dentro e por fora do Estado até alcançar situações de relativo equilíbrio entre os objetivos ideais da política (a liberalização total do setor) e os interesses realmente existentes (que continuaram a demandar presença significativa do poder público como alicerce do processo de acumulação), no contexto de conflitos que marcaram toda a década de 1990. 

É preciso atentar para o fato de que os ‘novos’ arranjos não implicaram uma ruptura radical com o passado; eles foram progressivamente adequados para a viabilização da nova lógica organizadora da acumulação de capital que começava a despontar na economia brasileira. Quando comparamos a configuração institucional a partir dos anos 1990 com aquela dos anos 1970-80, as diferenças são significativas, mas as continuidades também. Entre a época de instauração do PNA e a atualidade, o nível de complexidade do arranjo institucional relativo da ASB é bastante alto e foi aumentando. Dele participam várias entidades públicas que disputam o controle de distintos aspectos do processo decisório, assim como novos atores atuando na defesa de interesses específicos ou setoriais difusos, sem a prevalência de um único centro de poder ao redor do qual giram as decisões dos outros atores relevantes. Não obstante, o Cima continua tendo papel relevante de coordenação política e a ANP tem papel destacado ao ser responsável pela maioria das normas em vigor relativas à produção, à distribuição, à comercialização e às especificações dos combustíveis.

As continuidades/descontinuidades de um determinado arranjo institucional e a significativa relevância que o Estado conseguiu preservar durante as transições dos anos 1990 não devem ser entendidas como uma ‘liberalização incompleta’ ou uma implementação falha das políticas. Na verdade, não poderia ter sido de outra forma, uma vez que a acumulação de capital não é possível apenas sobre a base das chamadas forças do mercado. Embora o discurso da época fosse sensivelmente marcado pelo apelo neoliberal aos mercados livres e defendesse a tese da participação mínima do Estado, é preciso reconhecer que o poder estatal continuou sendo fator crítico na conformação de dinâmica estável de acumulação na agroindústria sucroalcooleira. O processo de acumulação é coconstituído por fatores econômicos e extraeconômicos, cabendo às funções estatais um lugar central na modulação dos interesses em jogo e no favorecimento de determinados grupos/frações de classe (seletividade estratégica).[7] 

O discurso sobre a abertura, privatização e desregulamentação praticado no decorrer dos anos 1990 esconde o fato de que, em última instância, o que houve foi o avanço de regulamentações que criaram uma nova normatividade no coração do Estado, estabelecendo assim as condições para que, a partir da primeira década do século XXI, a ASB experimentasse novos ciclos de crescimento e uma internacionalização inédita (e talvez impensável) no passado, operando em escalas globais integradas a lógicas de acumulação que extrapolam os limites do capitalismo brasileiro.

Mediante transformações no arcabouço legal foram ‘produzidas’ as condições de inserção na economia globalizada de um setor que, até poucos anos atrás, operava numa escala muito aquém do que observamos hoje, mesmo quando sempre esteve vinculado ao mercado internacional. Por isso, colocar a ênfase sobre a suposta perda de capacidades, que termos como ‘desregulamentação’ carregam, impede que seja observada a complexa produção de uma nova realidade que é operada por dentro do Estado, com o envolvimento efetivo do próprio.

Assim, algumas das velhas capacidades estatais foram reconfiguradas para funcionarem num novo contexto relacional, adaptando seu significado a novos requerimentos e necessidades sistêmicas. Como Sassen (2008) bem apontou, necessitamos levar em conta as características dos arranjos políticos anteriores para compreender com maior profundidade e complexidade as mudanças em curso, já que uma boa parte do ‘novo’ é uma atualização de saberes, práticas e dinâmicas preexistentes que são (re)instrumentalizadas a partir das estratégias cambiantes dos atores em disputa. Além disto, também foram desenvolvidas novas competências; em especial, a criação da ANP representa a emergência de uma racionalidade de intervenção estatal diferente daquela encarnada pelo IAA, tanto porque o órgão não regula exclusivamente questões relativas à ASB quanto porque inexiste uma determinação sobre produção e preços como houve no passado (sendo que as condições de mercado do etanol e do açúcar passaram a influenciar mais fortemente as decisões dos atores dentro do setor).

A década de 1990, no tocante à ASB, pode ser entendida como o período em que tem lugar um processo de ajustes e transições que introduziu mudanças progressivas e seletivas, visando à readequação das dinâmicas de acumulação dentro deste complexo às dinâmicas que despontavam na economia brasileira e mundial. Não era o objetivo real afastar o Estado da gestão setorial, mas reconfigurar suas competências e reorganizar suas capacidades em função de uma nova lógica organizadora. Os compromissos que o Estado foi assumindo no processo de desregulamentação setorial prepararam o terreno para a ampliação de sua intervenção nos anos que seguiram, favorecendo assim novo ciclo de expansão, investimento e internacionalização da ASB, permitindo ao mesmo tempo atualização das capacidades do Estado e suas agências.

É por isso que observamos continuidades e descontinuidades: as chamadas reformas ‘pró-mercado’ não levaram a uma liberalização completa da ASB, nem a uma retirada do Estado, nem a uma mera repetição do passado. Há um misto de abertura econômica e política, ampliação da margem de manobra para o capital e redesenho dos âmbitos de intervenção do Estado, elementos que convergiram a partir da virada de século, na constituição do que temos chamado de uma ‘nova matriz de inserção global’ da agroindústria sucroenergética.

 

O impacto das reformas na organização da ASB

Desde a década de 1970 estava em gestação uma mudança significativa do sistema de representação de interesses agrários, especialmente naqueles segmentos da agricultura capitalista mais modernizados e diversificados. No trânsito da década de 1980 para a de 1990, as grandes entidades de representação perderam força e foi surgindo uma estrutura paralela de representação de interesses patronais agrários. Essas novas organizações, de caráter interprofissional ou por produto, foram expressão da diversificação dos interesses agrários e da obsolescência da representação de caráter geral/unitária e se caracterizaram por favorecer crescente autonomia com relação àquelas entidades e fomentar padrões próprios de organização e ação política (ORTEGA, 2005; MENDONÇA, 2010).

Segundo Mendonça (2010), a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) foi a entidade que conseguiu galvanizar a hegemonia como porta-voz dos interesses da agropecuária no final dos anos 1980 e que contribuiu de forma decisiva na instauração de um “novo projeto para a agricultura” (MENDONÇA, 2010, p. 233), um projeto que, nos anos 1990, encontraria sua expressão na formação da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag),[8] baseada na associação de megaempresas agrícolas, industriais e financeiras destinadas a consolidar o ‘agronegócio’ no país, sob a tutela do grande capital financeiro (MENDONÇA, 2010).

Para Bruno, Sevá e Carneiro (2009), o surgimento de novos sujeitos no âmbito do patronato rural ao longo das últimas décadas está vinculado à necessidade de redefinir os termos da relação entre os interesses agroindustriais e o Estado e com a transição entre a “velha” e a “nova” geração de lideranças rurais, essa última mais preocupada com questões de gestão e governança empresarial, profissionalização da representação e construção de “nova cultura” organizacional, capaz de responder de forma adequada à multiplicidade de interesses específicos e interligados que a modernização  operada no campo fez possível. Destaca-se a articulação de plano discursivo que legitima o ‘agronegócio’ como setor “moderno” e “competitivo” da economia nacional, preocupado com o desenvolvimento, o meio ambiente, a segurança alimentar e energética, dentre outros temas de relevância que, se alega, formam parte de uma agenda pública, para além de interesses estritamente setoriais (BRUNO; SEVÁ; CARNEIRO, 2009).

Esses pontos contribuem para a compreensão das mudanças na ASB no tocante à organização e à representação de seus interesses ao longo da década de 1990, conforme avançavam tanto a desregulamentação quanto a (re)regulamentação do setor, já comentada. O PNA modernizou o complexo, mas também aumentou sua heterogeneidade produtiva (especialmente na industrialização da cana), fazendo emergir conflitos entre as distintas frações ou agudizando os já existentes (SANTOS, 1993; BELIK; VIAN, 2002). Até o final dos anos 1980, esses conflitos puderam ser processados pela institucionalidade vigente, pois o arranjo do PNA absorvia e arrefecia/adiava as disputas, embora não as resolvesse de maneira definitiva. No entanto, a partir da extinção do IAA e do início das reformas, as diferenças e conflitos entre as diversas frações do capital agrário canavieiro vieram à tona, demandando novas formas de mediação e organização, tanto por parte do Estado quanto dos empresários e suas entidades de representação.

Pelo lado dos usineiros, a resposta foi a formação de uma nova entidade, pensada nos moldes da Abag: a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), fundada em 1997 representando, fundamentalmente, os usineiros paulistas. A entidade nasceu em substituição à Associação das Indústrias de Açúcar e Álcool (Aiaa) e à Sociedade dos Produtores de Álcool de São Paulo (Sopral), com a finalidade de articular as demandas comuns do setor com o Estado e superar a divisão interna, em face dos clientes (os distribuidores de combustíveis) e os governos federal e estadual (BELIK; VIAN, 2002). Também passaram a integrar a Unica entidades de menor tamanho, como a Associação da Indústria Sucroalcooleira do Estado de São Paulo (Sucresp), a Associação das Destilarias Autônomas (ADA), a União das Destilarias do Oeste Paulista (Udop), dentre outras (PAULILLO; DE MELLO, 2005). No entanto, como afirmam os autores:

Na prática, porém, a conciliação desses interesses não era tão simples assim. Podemos dizer que o desafio da Unica era ‘o seu próprio objetivo’. Parte das indústrias de São Paulo era favorável à manutenção da regulamentação e dos subsídios do Estado ao setor. O restante das empresas, que eram os associados da Unica, tinham um discurso diferenciado e apresentavam-se favoráveis ao livre mercado e à maior independência do setor em relação ao governo. Por isso, a Unica estava posicionada na defesa dos interesses comuns apenas do segundo grupo. O primeiro grupo, por sua vez, atuava mais próximo do sistema de representação dos usineiros do Nordeste, alguns com unidades instaladas em outros Estados do Centro-Sul. (BELIK; VIAN, 2002, p. 73)

Desde sua fundação, a Unica se posicionou a favor da total desregulamentação do setor, embora houvesse significativas divergências entre as organizações fundadoras, o que levou a uma nova cisão entre elas. Por exemplo, a Coopersucar, naquele momento o maior aglomerado de unidades produtivas filiado à entidade, tinha preferência pela produção de álcool anidro, dada a especialização de suas cooperadas nesse produto e da proximidade com o mercado consumidor (Paulínia, São Paulo, Ribeirão Preto), onde existem terminais de distribuição de combustíveis. Por sua vez, os grupos que integravam a Sopral (que havia resultado de uma cisão anterior da Copersucar, na década de 1970), eram empresas produtoras exclusivamente de álcool hidratado, de menor porte e localizadas no interior, muitas vezes em regiões de fronteira e com mais dificuldades de acesso ao mercado (o que lhes fazia precisar mais ainda da garantia de mercado pelo Estado que os seus concorrentes). Esta fração demandava um processo de desregulamentação gradativo, mediante a (re)criação de mecanismos de controle do mercado de álcool combustível que mantivesse um papel ativo do Estado (BELIK;VIAN, 2002; PAULILLO; MELLO, 2005).

As tensões foram extremas e o conflito, sem ser resolvido, terminou com a saída de muitas destilarias do quadro da Unica e com a formação de uma nova entidade, a Sucroalco, posteriormente extinta (BELIK; VIAN, 2002). Foi criada também uma organização chamada ‘Coligação das Entidades Produtoras de Açúcar e Álcool’, por usineiros de São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Goiás, Paraná e outros estados que não se sentiram representados pela Unica, vista como de representação dos interesses paulistas. Uma vez que os interesses de todos esses atores não eram totalmente convergentes, o objetivo de traçar estratégias comuns para o setor como um todo não esteve isento de contradições. Diversas entidades, mesmo integrando a Unica, continuaram a defender seus interesses específicos, já que a sua sobrevivência não estava garantida em condições de livre mercado. A consolidação da Unica como entidade de representação setorial foi um processo marcado pela disputa entre os distintos interesses que tentavam se articular numa organização comum.

 

A reconfiguração das relações de poder estatal e corporativo na ASB

A estrutura da Unica é elucidativa das mudanças na forma de organização setorial verificadas nas últimas décadas. A entidade está conformada por um Conselho Deliberativo, integrado por representantes de suas associadas e por uma equipe de executivos, especialistas e consultores técnicos, dedicados em tempo integral. O foco cai sobre questões de representatividade, expertise e complexidade temática, sem deixar de lado o fato de que ela atua dentro e para além do Brasil, representando os interesses setoriais nos principais mercados mundiais mediante a instalação de escritórios internacionais nos Estados Unidos, desde 2007, e na Europa, desde 2008. A Unica pretende ser o espaço unitário para se desenvolver estratégias de interação com o poder público, os fornecedores, a sociedade e para articular a defesa dos interesses comuns dos associados, inserindo-se na tentativa de renovação da imagem do capitalismo agrário brasileiro, incorporando porta-vozes não relacionados diretamente com o setor; buscando apresentar uma configuração moderna e profissional, embora mantendo as mesmas estruturas de poder seculares.

De acordo com alguns analistas, a Unica teria contribuído para mudar o padrão do setor, comumente identificado com o atraso de “meia dúzia de latifundiários”, ao qualificar a comunicação institucional e o perfil técnico da representação e, portanto, alinhando-se melhor com o novo marco regulatório, induzindo mudanças em questões relativas à sustentabilidade, imagem, acesso à informação sobre o setor (dados sobre produção, exportação etc.), atuação e projeção internacional, isso tudo somado ao fato de que a Unica teria que equacionar interesses muito diversos e até conflitantes, não apenas os dos usineiros, mas de grande número de novos atores, como os grandes players do agronegócio, das petroleiras, fundos de investimento e de empresas do ramo da construção civil, ademais de usinas tradicionais, que hoje integram seu quadro de associadas (Entrevista concedida ao autor por professora e pesquisadora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo – ESALQ/USP. Piracicaba, 10 set. 2014).

A Unica na atualidade tem um quadro de associadas bastante diverso daquele que fundou a entidade, não só pelas cisões internas já mencionadas, mas também pela mudança patrimonial que a ASB vem experimentando como resultado de sua crescente internacionalização. A composição atual da entidade mostra que há uma crescente concentração de poder entre grandes grupos nacionais e estrangeiros, esses últimos com uma presença cada vez maior em termos absolutos e relativos. De acordo com o nosso levantamento, 43% das usinas aglomeradas na Unica são controladas (total ou parcialmente) por um grupo estrangeiro e os 57% restantes por grupos nacionais. Contudo, na prática o capital estrangeiro termina tendo um poder relativo maior, pois a participação nas instâncias diretivas da entidade depende da capacidade de moagem incorporada e não do número de usinas, como fica claro na declaração a seguir:

Na Unica o modelo é o seguinte: quanto mais cana moída, mais paga e, portanto, mais voz tem o grupo dentro do Conselho. Como nós temos algo assim como 280 ou 290 milhões de toneladas de cana moída na safra passada, e nós temos 25 assentos no Conselho, dá mais ou menos 12 milhões por cadeira, por assento, ou seja, cada 12 milhões de toneladas ganha um assento no Conselho. Aí tem Grupos como a Raizen que tem cinco assentos dos 25, Copersucar que é uma Cooperativa, ela se não me engano tem 80 ou 90 milhões [de toneladas de cana moída], então ela tem oito assentos dos 25, só que a Copersucar são 47 ou 48 usinas, então eles definem quem que vai sentar lá e aí tem grupos que tem 15 milhões então têm um assento, então [o Conselho] funciona assim. (Entrevista concedida ao autor por membro da Diretoria da Unica. Brasília, 15, 16 e 17 jul. 2014)

Observando a composição atual da Unica, é possível perceber que a relação entre ‘usineiros’ e representantes empresariais profissionalizados tem mudado bastante, já que, como observa o diretor da entidade entrevistado, estes últimos prevalecem no Conselho Deliberativo. Segundo o entrevistado:

Esse processo foi muito acelerado: eu estou na Unica há sete anos, quando eu entrei na Unica [...] nós tínhamos vinte e quatro conselheiros, mais o presidente, para um total de vinte e cinco conselheiros, pois na época o presidente do Conselho era o presidente da Unica. Então eram vinte e cinco conselheiros dos quais dois ou três eram executivos, os outros vinte e dois eram donos de usina, isso há sete anos. Hoje eu diria que se você tem dez donos de usina, é muito; os outros são todos executivos contratados no mercado. (Entrevista concedida ao autor por membro da Diretoria da Unica. Brasília, 15, 16 e 17 jul. 2014)

O Quadro 2 oferece mais detalhes sobre a conformação da Unica.

 

Quadro 2 Grupos empresariais e usinas/destilarias que integram o quadro de associadas da Unica, 2015 (contínua)

 

Empresa ou grupo primário

Grupo
secundário

Usinas /
Destilarias

Origem

 

Copersucar (36)

Balbo (SP)

Batatais (SP)

Cocal (SP)

Furlan (SP)

Ipiranga (SP)

Pedra Agroindustrial (SP)

Santa Adélia (SP)

Umoe

Bioenergy (SP)

Viralcool (SP)

Virgolino de Oliveira (SP)

Zilor (SP)

Balbo [São Francisco (SP), Santo Antônio (SP)], Batatais [Batatais (SP), Lins (SP)], Cocal [Narandiba (SP), Paraguaçu Paulista (SP)], Furlan [Furlan (SP), Avaré (SP)], Ipiranga [Descalvado (SP), Iacanga (SP), Mococa (SP)], Pedra Agroindustrial [Buriti (SP), Ibirá (SP), Ipê (SP), Serrana (SP)], Santa Adélia [Pioneiros (SP), Jaboticabal (SP), Pereira Barreto (SP)], Umoe [Umoe  Bioenergy II (SP)*], Viralcol [Viralcol (SP), Santa Inés (SP), Viralcol II (SP)], Virgolino de Oliveira [Ariranha (SP), Itapira (SP),  José Bonifácio (SP), Monções (SP)], Zilor [Barra Grande (SP), Quatá (SP), São José (SP)].

Usinas associadas independentes: Ferrari (SP), Pitangueiras (SP), São José da Estiva (SP), São Luiz (SP), São Manoel (SP), Santa Luzia (SP), Santa Maria – J. Pilon (SP)

Nacional

 

Raízen (24)

Shell e Cosan

(joint venture)

Centroeste (GO), Ibaté (SP), Paraguaçu (SP), Tarumã (SP), Araraquara (SP), Benálcool (SP), Bom Retiro (SP), Bonfim (SP), Caarapó (MS), Costa Pinto (SP), Destivale (SP), Diamante (SP), Dois Córregos (SP), Gasa (SP), Ipaussu (SP), Junqueira (SP), Maracaí (SP), Matriz (SP), Mundial (SP), Rafard (SP), Santa Elena (SP), São Francisco (SP), Tamoio (SP), Univalem (SP)

Estrangeiro (Inglaterra-Holanda), e nacional

 

Biosev (11)

 

Continental (SP), Cresciumal (SP), Jaboticabal (SP), Jardest (SP), Lagoa da Prata (MG), Maracaju (MS), Morro Agudo (SP), Passa Tempo (MS), Rio Brilhante (MS), Santa Elisa (SP), Vale do Rosário (SP)

Estrangeiro (Holanda)

 

 

Odebrecht (9)

Odebrecht Agroindustrial

Alcídia (SP), Alto Taquari (MT), Conquista do Pontal (SP), Costa Rica (MS), Eldorado (MS), Morro Vermelho (GO), Perolândia (GO), Rio Claro (GO), Santa Luzia (MS)

Nacional

 

Bunge (8)

 

Frutal (MG), Guariroba (SP), Itapagipe (MG), Moema (SP), Monteverde (MS), Ouroeste (SP), Pedro Afonso (TO), Santa Juliana (MG)

Estrangeiro (Estados Unidos)

 

Tereos (7)

Guarani (SP)

Severínia (SP), Andrade (SP), Cruz Alta (SP), Mandu (SP), São José (SP), Tanabi (SP), Vertente (SP)

Estrangeiro (França) e nacional

 

Noble Group (4)

Noble Group Brasil

Catanduva (SP), Potirendaba (SP), Sebastianópolis (SP), Meridiano (SP)

Estrangeiro

(China)

 

São Martinho (4)

 

Boa Vista (GO)**, Iracema (SP), São Martinho (SP), Santa Cruz (SP)

Nacional

 

Colombo (3)

 

Colombo (SP), Albertina (SP), Palestina (SP)

Nacional

 

USJ (3)

 

São João (SP), São Francisco (GO), Cachoeira Dourada (GO)

Nacional e estrangeiro (joint venture
com a CARGILL)

 

Adecoagro (3)

 

Angélica Agroenergia (MS), Monte Alegre (MG), Nova Ivinhema (MS)

Estrangeiro

(Estados Unidos)

 

British Petroleum (3)

 

Central Itumbiara Bioenergia (GO), Ituiutaba Bioenergia (MG), Tropical (GO)

Estrangeiro (Inglaterra)

 

Bazan (2)

 

Bazan (SP), Bazan – Bela Vista (SP)

Nacional

 

Shree Renuka Sugars (2)

Renuka do Brasil

Renuka (SP), Revati (SP)

Estrangeiro (Índia)

 

Cabrera (1)

 

Cabrera Energética (MG)

Nacional

 

Atalla (1)

 

Central Paulista Açúcar e Álcool (SP)

Nacional

 

Cerradinho (1)

 

Porto das Águas (GO)

Nacional

 

Cargill (1)

 

Central Energética Vale do Sapucaí (Cevasa, SP)

Estrangeiro e nacional (joint-venture entre Cargill e Canagrill)

 

João Pessoa (1)

 

Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool (SP)

Nacional

 

Usinas independentes (9)

Água Bonita (SP), Alto Alegre (SP), Della Colleta Bioenergia (SP), Usina Ester (SP), Nardini (SP), Usina Rio Pardo e Agrícola Tatez (SP), Rio Vermelho Açúcar e Álcool (SP), São Fernando Açúcar e Álcool (MS), Usina Santa Rosa (SP), Ceaa-ADM (MG)

 

Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados da Unica, 2015.

*O Grupo Umoe é de capital norueguês.

**A usina Boa Vista é uma joint venture entre São Martinho e Petrobras Biocombustíveis.  

 

Assim, a Unica se constitui hoje em dia como um campo estratégico de representação de interesses heterogêneos, que dependem da posição de cada um dos grupos em um ou em vários elos da cadeia produtiva e segundo critérios como a diversificação de seus negócios, o tamanho das empresas e a origem do capital (nacional ou estrangeiro). Nos últimos anos, a entidade desenvolveu um ativo papel de representação fora do Brasil, chamando a atenção em especial o lobby nos Estados Unidos e na Europa, mobilizando capacidades institucionais (de negociação, de promoção, de imagem pública, entre outras, ademais da óbvia influência financeira sobre a estrutura política) diferentes, ao menos em grau, das requeridas para operar no sistema político brasileiro, pois demanda o desenvolvimento de competências em ambientes institucionais complexos, com regimes políticos, financeiros, comerciais e até culturais diversos dos que existem no Brasil.

Este ponto ilustra bem uma das mudanças organizacionais mais expressivas da representação patronal da ASB, se fôssemos comparar com o período histórico anterior, durante a vigência do PNA. Essa atuação, contudo, não se dá isoladamente. No caso dos Estados Unidos, para além do estabelecimento do escritório da Unica em Washington, a relação com os congressistas conta com o apoio/intermediação da Brazil Industries Coalition (BIC),[9] uma organização não governamental estabelecida segundo as leis daquele país composta por várias empresas, firmas de consultorias e instituições brasileiras associadas, encarregada da representação “exclusiva” das empresas e associações empresariais brasileiras, com a finalidade de superar as restrições e limites que teria a atuação isolada dessas entidades (GALAN, 2012).

A Unica legitima sua atuação nos Estados Unidos como defensora dos interesses brasileiros com relação aos mercados de açúcar e álcool, cada um com suas características específicas em termos de atores econômicos e questões legais envolvidas (marco regulatório). A posição do Brasil como principal exportador mundial de açúcar e segundo maior produtor de etanol precisa de uma constante articulação e barganha com relação a interesses igualmente poderosos, de forma que a Unica, representando por sua vez os interesses [contraditórios] de suas associadas, projeta papel central na configuração estratégica do poder estatal tanto nos Estados Unidos quanto na Europa e no Brasil, envolvendo uma clara ampliação da escala de atuação/representação/mediação de interesses e conflitos.

Vários são os exemplos de como a Unica atua internacionalmente na promoção do etanol brasileiro, e não é o caso de descrever todos esses eventos, seminários, visitas, publicações, apresentações e parcerias, divulgadas pela mesma entidade mediante seus boletins semanais. A entidade também se especializa na realização e/ou participação em feiras, fóruns e debates internacionais, nos quais é promovida a “commoditização” do etanol e a internacionalização do setor, tais como US-Brazil Innovation Summit, o Encontro Anual de Biocombustíveis (convocado pela World Refining Association), e o Ethanol Summit (organizado pela Unica no Brasil, a cada dois anos, desde 2007), entre outros. Muito especialmente, o Ethanol Summit pode ser considerado, hoje, um dos grandes momentos de encontro de empresários, autoridades de diversos níveis governamentais, pesquisadores, investidores, fornecedores e acadêmicos do Brasil e do exterior, com centenas de participantes em cada edição. Desta maneira, a Unica contribui para a criação de consensos globais sobre o papel do etanol na nova economia ‘verde’ e consolida um certo arranjo de atores privados e públicos que favorecem a introdução da agenda das corporações nas agendas públicas, costurando interesses e objetivos distintos, mas convergentes.

Por outra parte, a Unica tem promovido entre suas associadas a incorporação aos sistemas de certificação voluntária do etanol, como o da Bonsucro (especificamente voltado para o setor sucroalcooleiro), que buscam padronizar os combustíveis de biomassa segundo parâmetros internacionais, atendendo especialmente aos requerimentos europeus. A Unica é, igualmente, membro da Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB), organização sediada na Suíça que reúne agricultores, companhias, organizações não governamentais, experts, governos e agências intergovernamentais vinculadas à produção e à comercialização de biomateriais.

Mostra-se assim como uma entidade afinada com as principais tendências do discurso ambientalista oficial/empresarial, pautado na “commoditização” da natureza como uma forma de viabilizar novas fronteiras de acumulação no mercado mundial. Estas iniciativas, em termos gerais, podem ser lidas como um esforço por adequar a ASB a padrões internacionalmente aceitos que legitimam o acesso do etanol e do açúcar, assim como dos novos produtos derivados da cana, aos grandes mercados consumidores, nos quais existe certa preocupação com os impactos indiretos do uso da terra e sobre a real contribuição do etanol na redução dos gases de efeito estufa.

Outro dos eixos de ação da Unica que nos interessa destacar é seu papel como ‘formadora de opinião’ e ‘geradora de conhecimento’ sobre a ASB, visando influenciar tanto aos atores políticos e econômicos (dentro e fora do Brasil) quanto à mídia e à sociedade em termos gerais. Por exemplo, as campanhas nos Estados Unidos, que têm o propósito de melhorar a imagem do etanol brasileiro, voltaram-se à opinião pública, complementarmente às ações desenvolvidas no sistema político. Essas campanhas contribuíram para criar um clima favorável à consecução dos objetivos da entidade, por exemplo, derrubar a tarifa sobre a importação de etanol brasileiro naquele país e firmar a imagem do etanol como um combustível compatível com a preservação ambiental.

No Brasil, sobressai o lançamento do Movimento + Etanol, envolvendo agentes e órgãos públicos, universidades e institutos de pesquisa, parlamentares e governadores, organizações não governamentais, trabalhadores da agroindústria sucroalcooleira, dentre outros. A iniciativa foi definida como um grande projeto de comunicação integrada, abrangendo uma ampla gama de atores sociais.[10] Podemos afirmar, nesse sentido, que a estratégia do setor se sustenta num “apelo a uma cultura de agribussines que está muito mais apoiada em mecanismos ideológicos e mecanismos de forjação [sic] de consensos, do que foi, por exemplo, na época dos militares” (Entrevista concedida ao autor por pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas – IPEA. Brasília, 24 mar. 2014).

No tocante à relação com o Estado, a Unica tem se constituído desde sua fundação como uma entidade representativa de classe com a finalidade de exercer pressão sobre as agências que integram o arranjo político-institucional sucroalcooleiro pós-desregulamentação, fazendo valer os interesses de suas associadas e, pretensamente, de toda a ASB. Segundo Pedro Ramos: “A história do complexo agroindustrial canavieiro no Brasil é a história da relação entre proprietários e Estado” (RAMOS, 1999, p. 21). Mas qual seria o grau de validade dessa assertiva nos dias atuais, à luz das evidências que estamos analisando? 

Feitas algumas especificações, a frase ainda é pertinente. Se, por um lado, resulta claro que a desregulamentação praticada desde finais dos anos 1980 teve um impacto sobre o grau e a profundidade da relação entre usineiros e aparato estatal, por outro, também é claro que há uma continuidade desses vínculos e uma renovação de suas formas e mecanismos – (re)regulamentação. Como afirmou um pesquisador entrevistado sobre o assunto:

Num nível mais genérico, eu diria que se alterou significativamente essa relação, mas numa expressão de uma sociedade capitalista, a relação continua forte. Eu não mudaria a frase, entendida como uma relação do aparelho de Estado com relação aos proprietários. [...] Então, muda significativamente essa relação no nível mais imediato, mais prático, como eu disse, no fim das cotas de produção, no fim das exportações apenas pelo IAA, mas isso não significa que acaba a relação entre Estado e proprietários. Essa relação deixa de ser menos intervencionista e passa a ser mais disfarçada, eu diria até que não formalizada, mas continua forte. (Entrevista  concedida ao autor por professor e pesquisador do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Campinas, 13 mar. 2014)

Assim, embora haja mudanças significativas na relação entre a ASB e o Estado a partir dos anos 1990, o núcleo da relação não foi rompido; pelo contrário, mesmo com a retirada do Estado simbolizada pela extinção do IAA, houve enorme estatização das dívidas da agropecuária em geral e, particularmente, da ASB,[11] uma das mais beneficiadas pelo farto crédito público que irrigou o PNA durante uma década e meia. Essas dívidas foram transferidas para a Fazenda Pública e isso significa que o Estado assumiu esses custos em nome de toda a sociedade, permitindo ‘limpar’ as contas dos usineiros e os preparando para o novo ciclo de expansão e investimentos verificado a partir de 2003 (Entrevista concedida ao autor por pesquisador do IPEA. Brasília, 24 mar. 2014).

A Unica tem uma clara preferência ideológica pela liberdade de atuação e movimentação dos capitais e, em geral, pelo livre mercado. Mas isso não quer dizer que a entidade renuncie a toda e qualquer forma de vinculação com o aparelho estatal; pelo contrário, não há um só momento da trajetória da Unica em que ela não busque influenciar e determinar as decisões dos gestores públicos. Segundo o representante da Unica, a organização não se opõe à intervenção do Estado, desde que esta seja de caráter regulatório e complementar à atuação dos agentes de mercado. Ele afirmou que o Estado deve promover políticas públicas para estimular o investimento no setor, portanto, reiteradamente a Unica demanda do Governo Federal medidas que favoreçam o funcionamento organizado dos mercados de açúcar e muito em especial de álcool que, por seu caráter estratégico, envolve a participação de complexas redes de interesses, desde os produtores de cana até os distribuidores de etanol nas bombas (Entrevista concedida ao autor por membro da Diretoria da Unica. Brasília, 15, 16 e 17 jul. 2014). A Unica desenvolve uma ativa política de influência focando no Poder Executivo e no Congresso Nacional.

Nesse sentido, cabe sublinhar que durante o período 2003-2010, a articulação política da Unica privilegiou a relação direta com o Poder Executivo, dado o significativo apoio do presidente Lula ao setor sucroenergético. Como resultado disso, a relação da organização com os ministérios relevantes foi facilitada e a pressão via Congresso não ocupou lugar proeminente nas estratégias políticas da entidade. Mas já a partir do primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff houve uma mudança no tratamento do Executivo ao setor, deixando de considerá-lo como peça-chave da matriz energética nacional, dentre outras coisas, como desdobramento da descoberta do Pré-Sal, assim como  pela ausência de definições sobre critérios de precificação, tributos e outros elementos que incidem sobre os preços relativos do etanol e da gasolina, o primeiro perdendo competitividade em razão do aumento dos custos de produção do álcool e o controle governamental dos preços dos combustíveis fósseis praticado entre 2011 e 2015.

Portanto, a partir de 2011-2012 a Unica passou a privilegiar como foco estratégico a atuação no Congresso Nacional, como forma de pressionar a adoção de medidas em benefício da ASB. Estabeleceu uma sede em Brasília para acompanhar a agenda legislativa e fomentar, com outros atores, a conformação da ‘Frente Parlamentar pela Valorização do Setor Sucroenergético’, lançada oficialmente em novembro de 2013. Essa Frente Parlamentar que atua em Brasília somou-se às outras duas conformadas na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo: a Frente Parlamentar em Defesa do Setor Sucroenergético e a Frente Parlamentar em Defesa dos Municípios Canavieiros, ambas estabelecidas em 2013 (UNICA, 2013).

Como parte da estratégia voltada ao Congresso, a Unica optou por uma política de construção de consensos, acordos setoriais e hegemonia compartilhada, entendendo que isto aumentaria suas chances de sucesso. Portanto, privilegiou a institucionalização do Fórum Nacional Sucroenergético (FSN), entidade que existia desde 2003, mas que foi formalizada em julho de 2013, reunindo as lideranças de 16 entidades estaduais representativas da indústria do açúcar e do álcool. Como o objetivo da Frente Parlamentar é fortalecer o trabalho de pressão com relação ao Poder Executivo, considerou-se necessário articular um Fórum unitário do setor que se apresentasse como a voz de todas as regiões produtoras e dos diversos elos da cadeia produtiva, facilitando dessa forma a adesão de parlamentares, identificados com a causa em suas respectivas regiões (Entrevista concedida ao autor por membro da Diretoria da Unica. Brasília, 15, 16 e 17 jul. 2014).

Para finalizar, várias questões podem ser levantadas com relação à Unica e aos impactos que a formação dessa entidade teve no conjunto da representação patronal da ASB. Em primeiro lugar, a criação da nova associação dos usineiros paulistas resolveu parcialmente as contradições vivenciadas durante o processo de desregulamentação da década de 1990, favorecendo a atuação empresarial nos moldes de um mercado aberto, ao mesmo tempo que passou a demandar o estabelecimento de políticas de estímulo em benefício do setor, pressionando o governo não apenas ‘por dentro’ do arranjo, mas também perante a opinião pública e outros atores sociais. A Unica representa a emergência de um novo tipo de entidade patronal, onde a figura do velho ‘senhor feudal’ cede o lugar à imagem do executivo experiente, moderno, o que fica claro ao se observar as mudanças na composição interna da entidade, em que perdem força os donos de usina e ganham relevância os Chief Executive Officer (CEOs) dos grandes grupos que compõem a entidade nos dias atuais, assim como sua diretoria profissionalizada, que assumem o papel de porta-vozes setoriais.

Em segundo lugar, é preciso chamar a atenção para o fato de que a representação realizada pela Unica não apenas mudou no tocante aos estilos de gestão, mas também aumentou sua complexidade e escala. De complexidade, porque algumas das principais associadas da organização são grandes grupos multinacionais cujos interesses diversificados colocam desafios para a equalização das distintas lógicas em jogo, em que cada ator objetiva ganhos tanto individuais quanto coletivos, interagindo em arenas múltiplas. De escala, porque a representação não é realizada apenas com relação ao Estado brasileiro, mas também nas estruturas de poder sofisticadas, localizada nos principais mercados globais.

Isto implica o desenvolvimento de capacidades de lobby e advocacy, cuja abrangência geográfica obriga a pensar simultaneamente no global e no nacional, de forma que a atuação da Unica contribui para produzir a internacionalização da ASB pelo mesmo fato dela ir para além dos moldes do Estado nacional, incorporando demandas, lógicas e formas de gestão que também transformam a maneira em que o Estado produz a institucionalização de nova ordem econômica e política dentro de seu próprio território, agora ‘(re)escalado’ como parte desta ‘geografia estratégica’ na qual são tomadas as principais decisões econômicas.

A atuação nacional e internacional da Unica está fortemente marcada pela construção de campos e alianças de poder com atores múltiplos. Tanto no Brasil quanto fora, a lista de parceiros, aliados e adversários com relação a qual a entidade define suas estratégias é bastante complexa e diversificada, portanto é necessário repensar os parâmetros de avaliação disponíveis sobre as organizações representativas do ‘agronegócio’ brasileiro, evitando simplificações e generalizações como a de que são grupos internamente coesos (o que impede ver a emergência de contradições e conflitos no seio destas entidades) ou a que ainda as representa como grupos tradicionais pautados unicamente no exercício de um poder clientelista e na captura de privilégios concedidos pelo Estado, ainda que essas práticas continuem a existir, metamorfoseadas.

Finalmente, observamos descontinuidades na capacidade que a Unica teve de incorporar com bastante sucesso discurso pautado na sustentabilidade ambiental como alicerce de sua estratégia política, à diferença da época do PNA, quando prevaleceu discurso pautado na segurança energética. Na atualidade, praticamente toda a argumentação em defesa dos interesses do setor baseia-se na ideia de que o etanol contribui decisivamente para resolver os graves problemas socioambientais contemporâneos, gerando emprego e renda e dinamizando outros setores econômicos, estimulando a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias e ‘limpando’ a matriz energética brasileira/global. Neste sentido, independentemente da veracidade do discurso, a adoção de padrões internacionais socioambientais, faz parte da estratégia voltada a melhorar a imagem do etanol fora do país, apresentando-o como ambientalmente correto e socialmente justo. Para além das críticas que possam ser formuladas a esta visão, interessa-nos aqui entender a forma como são moldados um discurso e a estratégia setorial sobre a base de tópicos extremamente relevantes para a sociedade como um todo.

Observamos continuidades, também, no fato de que o Estado sustenta a realização do capital na ASB, a despeito do discurso liberal predominante. O apelo à desregulamentação não deveria ser confundido de forma alguma com um apelo para a retirada do Estado; há uma adaptação de estruturas, práticas e conhecimentos, de forma que hoje podemos notar a existência de um ‘arranjo de economia política’ pautado na intervenção moderada e descentralizada, na concessão seletiva de privilégios e maior abertura do aparato estatal para as entidades representativas de classe. Nesta reconfiguração dos espaços de disputa, claramente transformados em terreno relacional de interesses, visões e estratégias, um ator como a Unica tem sabido tirar benefícios e contribuir na ‘reinvenção’ da ASB ao longo de quase duas décadas.[12]

 

 

Conclusão

As reformas e a reorganização da ASB a partir da década de 1990 resultaram num processo de reconfiguração das relações históricas de poder entre a agroindústria canavieira e o Estado brasileiro. Durante nossa pesquisa, identificamos continuidades e descontinuidades nos arranjos políticos e institucionais que sustentam a realização dos lucros e acumulação de capital nesse setor, mas hoje num cenário de intensas mudanças econômicas, patrimoniais e organizacionais que exprimem a internacionalização da economia brasileira em geral e a de um de seus mais tradicionais setores agroindustriais, em particular.

Ao longo de três décadas, as mudanças institucionais repuseram o lugar do Estado e dos diversos atores empresariais e corporativos numa matriz de poder cujas características em larga medida dão continuidade aos arranjos do passado, mas incorporando novas capacidades, discursos e lógicas organizadoras que demandam um esforço analítico para observar a emergência dessas particularidades. Assim, as reformas levaram a mudanças, mas as mudanças não significaram rupturas drásticas e sim uma nova matriz de inserção global para a ASB como um todo, embora favorecendo de forma especial aqueles grandes grupos hoje reunidos sob a liderança da Unica como a entidade de representação patronal que mais adequadamente simboliza a direção que as reformas tomaram.

A análise aqui desenvolvida é apenas uma parte do conjunto de questões que foram levantadas na tese doutoral do autor, que permitiu avançar numa compreensão mais acurada das complexas dinâmicas de mudança havidas no seio da grande agricultura corporativa nas últimas décadas, que envolveram ativamente o Estado e um amplo leque de atores corporativos, nacionais e internacionais, dinâmicas que estão ainda em aberto e, portanto, nos desafiam para novos aprofundamentos de pesquisa no futuro.

 

 

 

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UNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia. Histórico e missão. 2022.
Disponível em: https://unica.com.br/sobre-a-unica/historico-e-missao. Acesso em: 21 set, 2022.

UNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia. Frente Parlamentar Sucroenergética é instalada na Câmara dos Deputados. 2013. Disponível em:

http://www.unica.com.br/na-midia/40728229920327496692/cana-por-cento3A-frenteparlamentar-sucroenergetica-e-instalada-na-camara-dos-deputados. Acesso em: 5 nov. 2013.

UNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia. Grupos empresariais. Disponível em: http://unica.com.br/empresas/letra=C&acao=filtrar. Acesso em: 13 abr. 2015.

ZIMMERMANN, Silvia Aparecida. Espaços públicos e políticas públicas para a agricultura no Brasil: entre a agricultura familiar e o agronegócio. In: ENCONTRO INTERNACIONAL PARTICIPAÇÃO, DEMOCRACIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: aproximando agendas e agentes. Araraquara, 2013. Anais... Araraquara: Unesp, 2013.

 

 

 

Como citar

CERDAS VEGA, Gerardo Enrique. Mudanças e reconfigurações da Agroindústria Sucroenergética Brasileira a partir da década de 1990: uma retrospectiva. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, e2331105, 31 maio 2023. DOI: https://doi.org/10.36920/esa31-1_05.

 

 

 

 

 

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[1] Professor e pesquisador na Escola de Ciências Agrárias da Universidade Nacional Costa Rica (UNA). Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural de Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). E-mail: gerardo.cerdas.vega@una.cr.

[2] O presente trabalho apresenta parcialmente as reflexões contidas na tese doutoral do autor, intitulada: “A dupla serpente: estado e agroindústria sucroenergética brasileira na construção de uma nova matriz de inserção global (2003-2014)”, que versa de forma extensiva sobre o processo de internacionalização da Agroindústria Sucroenergética Brasileira e sobre as múltiplas interfaces deste com as formas de atuação e intervenção estatal no processo de acumulação de capital relativas à grande agricultura no Brasil. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=2677880.

[3] Um dos principais achados da nossa pesquisa foi constatar o elevado grau de internacionalização da ASB no período do estudo (2003-2014), mas não é possível aprofundar o assunto no presente artigo, dadas as limitações de espaço. Para efeitos analíticos, compreendemos o período 2003-2010 como uma fase expansiva da ASB e o período 2010-2014 como um período de crise. Durante o primeiro, assistimos marcos importantes como a abertura em bolsa das primeiras empresas do setor no início dos anos 2000 (os grupos Cosan, Guarani e São Martinho abriram seu capital nesse período), a corrida maciça de grandes tradings agrícolas do mundo ocidental que se associaram a grupos brasileiros produtores de açúcar e álcool, a expansão significativa das lavouras, os investimentos em novas áreas e usinas, fusões e aquisições marcantes, dentre outros aspectos que sinalizam claramente esse período de bonança. Já no período posterior a 2010, há uma mudança de rumo, com paralização de investimentos, perda relativa de interesse estratégico no etanol no contexto da descoberta do pré-sal, política de preços dos combustíveis não favorável para o álcool, dentre muitos outros fatores. Contudo, no período de realização do estudo, a composição da Unica era o fiel reflexo da mudança setorial operada nesse processo, com uma clara dominância em sua Diretoria de grandes grupos corporativos transnacionais provenientes de três setores-chave: as grandes tradings transnacionais (Bunge, Cargill, Louis Dreyfuss Commodities, entre outras), as grandes companhias petroleiras (Shell, British Petroleum) e grupos de investimentos internacionais que foram importantes para facilitar as fusões e aquisições verificadas nos últimos anos, em que grandes grupos estrangeiros e nacionais foram os protagonistas de uma crescente centralização do capital no setor. Para além desses três grupos, muitas outras empresas transnacionais vieram ao Brasil buscando uma participação no promissor mercado dos biocombustíveis, embora muitas de suas aspirações viram-se frustradas posteriormente (CERDAS VEGA, 2015).

[4] A referência temporal abarca do início dos anos 1990 até meados dos anos 2010.

[5] Especificamente, cabe lembrar da chamada “Parcela de Preço Específica”, mediante a qual, parte do preço da gasolina era destinada a subsidiar o preço do etanol, tornando-o mais competitivo em relação à gasolina. (BACCARIN, 2005a).

 

[6] A queima da cana-de-açúcar era amplamente criticada por seus impactos ambientais e humanos, o que levou à instauração, em 1997, da sua eliminação compulsória no prazo de oito anos, no estado de São Paulo. Embora o Decreto que proibiu as queimadas fosse estadual, pode-se afirmar que seu impacto teve dimensões para o conjunto da ASB, uma vez que implicou uma mudança tecnológica fundamental relativa a aspectos como meio ambiente, organização da força de trabalho e legitimação internacional do setor (MORAES; ZILBERMAN, 2014). É importante frisar que a proibição das queimadas esteve precedida pelo chamado Protocolo Agroambiental do Setor Sucroenergético, um acordo firmado entre o governo do estado de São Paulo e as usinas de açúcar e álcool em 1997, com o objetivo de reduzir os impactos ambientais causados pela produção desses produtos. As usinas que aderissem ao protocolo recebiam incentivos fiscais e créditos para financiar investimentos em tecnologias mais limpas e eficientes.

[7] Segundo Jessop (2002), as instituições estatais têm a capacidade de selecionar, priorizar e apoiar certas áreas da economia ou setores específicos em detrimento de outros, o que ele chama “seletividade estratégica” (JESSOP, 2002, p. 40). De acordo com o autor, a seletividade estratégica é um processo político complexo, que envolve a interação entre atores estatais e não estatais, como empresas, sindicatos e organizações da sociedade civil. A seletividade estratégica pode ser promovida por meio de políticas públicas, tais como incentivos fiscais, investimentos em infraestrutura, subsídios e regulações específicas, refletindo em todo momento um instável balaço de forças entre atores desigualmente dotados de capacidades e recursos para perseguir seus próprios fins políticos e econômicos.

[8] Posteriormente adotou o atual nome Associação Brasileira do Agronegócio.

[9] BIC history. Disponível em: https://bicus.org/about/history/. Acesso em: 29 mar. 2015. BIC members. Disponível em: https://bicus.org/missions/global-team/. Acesso em: 29 mar. 2015.

[10] Projeto Agora. Disponível em: http://www.projetoagora.com.br/iniciativas.php. Acesso em: 30 mar. 2015.

[11] Como salienta BACCARIN (2005a), houve um tratamento privilegiado para o complexo sucroalcooleiro no tocante à repactuação das dívidas, com relação a outros setores. De acordo com o autor: “Em 31 de janeiro de 1991, o complexo sucroalcooleiro registrava uma dívida de US$ 1.578,7 milhão junto ao Banco do Brasil e US$ 363,4 milhões junto ao Instituto do Açúcar e do Álcool, resultando em um total de US$ 1.942,1 milhão [...] A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Endividamento Agrícola estimava que, em 1993, o endividamento das usinas e destilarias estava na casa dos US$ 2,0 bilhões [...] Em vários momentos, obteve-se renegociação da dívida junto ao sistema financeiro e órgãos públicos, algumas de acordo com as condições gerais de renegociação das dívidas da agricultura brasileira como um todo, outras específicas para o complexo sucroalcooleiro. Em 1999, o endividamento sucroalcooleiro com o Banco do Brasil era de US$ 6,3 bilhões. Dois anos depois, em 2001, graças à renegociação de um pouco mais da metade da dívida, aquele valor tinha caído para R$ 5,0 bilhões” (BACCARIN, 2005a, p. 188-189. Grifo nosso).

[12] Mais recentemente, a Unica perdeu densidade, mas continua como principal representante do setor, exercendo mais o seu papel de lobby interno e externo, além de ocupar espaço importante na produção de estatísticas e acompanhamento de safras – papel esse que o Estado (IBGE, Conab etc.) não consegue exercer – e na produção de material técnico (contratado com as universidades, Embrapa e outros órgãos não tão independentes). Com isso, a Unica se firma como interlocutor privilegiado do governo em uma área estratégica fundamental, que é a geração de bioenergia.