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v. 30, n. 2, julho a dezembro de 2022 (publicação contínua), e2230209


Recebido: 10.jul.2022   •   Aceito: 19.out.2022   •   Publicado: 7.dez.2022

Seção Temática / Artigo original /  Revisão por pares duplo-cego / Acesso aberto




Seção Temática
Os usos da teoria de Pierre Bourdieu nos estudos rurais brasileiros

 

O declínio da agroindústria açucareira no Nordeste e o acesso à condição camponesa

The decline of sugar agribusiness in the Brazilian Northeast and access to the peasant condition


orcid_id.png  Patrícia Alves Ramiro[1]   



DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30-2_st03


 

Resumo: Este artigo apresenta considerações teórico-metodológicas sobre pesquisa referente à reconversão social de famílias da condição de moradores em terras de usina, tanto trabalhadores agrícolas quanto operários rurais, para a de assentados de reforma agrária. Trata-se de objeto em construção que, baseado na situação empírica da falência da usina Santa Maria, na região do Brejo paraibano, aponta para a questão da reconstrução dos mundos subjetivos, imposta pela nova situação vivida, através do conceito de “desenraizamento” e dos meios de sua superação, centrais na obra de Pierre Bourdieu.

Palavras-chave: agroindústria açucareira; reforma agrária; Nordeste.

 

Abstract: This article presents theoretical and methodological considerations on research related to the social reconversion of families living on land pertaining to sugar mills residents (both agricultural workers and rural mill staff) to agrarian reform settlers. This is an ongoing work based on the empirical bankruptcy of the Santa Maria mill in the Brejo region of Paraíba, Brazil, and points to the issue of reconstructing subjective worlds imposed by new experiences through the concept of "uprooting" and how to overcome this challenge, questions that are central to the work of Pierre Bourdieu.

Keywords: sugarcane agribusiness; agrarian reform; Northeast.

 

 

Introdução

 Neste artigo mostramos como o uso da teoria de Pierre Bourdieu para fins de compreensão de situações empíricas de abruptas transformações sociais e econômicas no Nordeste brasileiro pode ser extremamente rico para o avanço dos estudos rurais contemporâneos. Mais precisamente, abordamos como os trabalhos de Bourdieu do início de sua carreira, em especial os desenvolvidos durante sua estadia na Argélia, momento crucial de sua reconversão da filosofia para etnografia e sociologia,[2] ainda servem de inspiração para colocarmos em prática as ferramentas analíticas propostas pelo autor. Naquele momento de guerra pela libertação argelina, Bourdieu se propôs a analisar “[...] o processo de adaptação das disposições e das ideologias a estruturas econômicas importadas e impostas, quer dizer, a reinvenção de um novo sistema de disposições, que se realiza sob a pressão da necessidade econômica” (BOURDIEU, 2021a, p. 40), com enfoque para compreensão do processo de adaptação à economia capitalista e, mais precisamente, explicar suas lentidões e dificuldades.

Para tanto, tomamos como base parte de uma ampla pesquisa[3] (RAMIRO, 2021) que vem sendo realizada na região do Brejo paraibano que se refere ao entendimento do processo material e simbólico da passagem da condição de trabalhadores moradores em terras de usina para a de assentados em terras desapropriadas para fins de reforma agrária.

Foi nos anos 1990 que, em decorrência da falência ou do fechamento de diversas usinas, o Nordeste do Brasil foi palco de um processo que levou os agentes vinculados direta ou indiretamente a estes estabelecimentos a buscarem modalidades de reconversão de suas ocupações e de suas posições sociais, acarretando recomposição da morfologia social e novas formas de pensá-la. Enfocamos aqui a situação empírica da falência, no ano de 1992, da usina Santa Maria, sediada no município de Areia, quando novos arranjos sociais foram impostos naquele espaço social fortemente marcado pela cultura canavieira desde 1931.

Importante destacarmos que tais mudanças observadas não tomam uma direção única. Por um lado, têm-se terras que eram da usina desapropriadas para fins de reforma agrária pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), dando origem a dez assentamentos rurais localizados nos municípios de Areia, Pilões, Serraria e Alagoinha, o que permite o acesso à condição camponesa estável de antigas famílias empregadas por aquele estabelecimento agroindustrial. Por outro, vê-se senhores de engenho e seus herdeiros buscando estratégias de reconversão para manutenção ou melhoras de suas posições no espaço social, procurando limitar a amplitude da democratização do patrimônio fundiário. Em todo caso, independente das posições nas quais ocorram as reconversões, são as marcas impostas pelo latifúndio monocultor da cana-de-açúcar que interpelam esse trabalho de compreensão do presente. Podemos dizer que passado e presente servem, em diferentes posições sociais ocupadas naquela estrutura, para compor aquilo que Robert Castel (2015, p. 23) denominou de “efeito de herança”, no qual são os legados e a memória do passado que nos auxiliam a compreender práticas e pensamentos do presente.

Focamos na passagem da condição de ex-trabalhadores residentes, tanto trabalhadores agrícolas quanto operários rurais, de usina para a de assentados de reforma agrária. Trata-se de objeto em construção[4] que aponta para a questão da reconstrução dos mundos subjetivos, imposta pela nova situação vivida, através do conceito de “desenraizamento” e dos meios de sua superação, centrais na obra de Pierre Bourdieu. Conceito que direciona nosso olhar, independentemente do tipo de mobilidade em jogo, para a produção social de uma situação de alguém submetido a todas as urgências para as quais ainda não possui todas as disposições econômicas, culturais e sociais necessárias para execução de estratégias de reconversão eficazes.

 

Etnografias coletivas em temporalidades distintas

Antes de adentrarmos na questão específica deste artigo, cabe, ainda que brevemente, uma contextualização do ponto de partida dessa pesquisa e da postura metodológica adotada. Seguimos aqui a prática promissora de continuidade de pesquisas etnográficas coletivas em temporalidades distintas com caráter intergeracional. Trata-se, nesse momento, de avançarmos a produção do conhecimento retomando a prática de pesquisas de campo realizadas em torno do projeto “Emprego e mudança socioeconômica no Nordeste”, coordenado pelo antropólogo Moacir Palmeira em meados da década de 1970 e início dos anos 1980 (PALMEIRA, 1977).[5]

Com forte influência da sociologia de Pierre Bourdieu, de quem foi aluno em alguns de seus seminários na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS) na segunda metade da década de 1960, Moacir Palmeira foi peça central para a primeira tradução de texto de Pierre Bourdieu no Brasil[6] (BORTOLUCI; JACKSON; PINHEIRO FILHO, 2015; JACKSON; RIVETTI, 2020), mas também pioneiro na construção de trabalhos em equipe no Brasil, prática marcante no início da carreira do sociólogo francês (SIGAUD, 2008; GARCIA JR., 2019). Deste projeto amplo, muitas pesquisas individuais realizadas por antropólogos vinculados ao recém-fundado, e hoje símbolo de excelência na área, Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – PPGAS-MN/UFRJ (GARCIA JR., 2009; PEROSA; GHEORGHIU, 2018), tornaram-se referências indispensáveis sobre temas relacionados ao universo canavieiro na região Nordeste do país (HEREDIA, 1988; GARCIA JR., 1989; GARCIA PARPET, 1992).

Pesquisas que precisam ser entendidas como continuidade de esforços anteriormente consolidados por meio da execução do projeto “Estudo comparativo do desenvolvimento regional”, coordenado por Roberto Cardoso de Oliveira e David Maybury-Lewis, que atribuíram a Moacir Palmeira a missão de coordenar as pesquisas de campo no Nordeste mediante a inclusão de alunos do PPGAS-MN/UFRJ. Interessado em montar um grupo para estudar a zona canavieira, segundo depoimento de Palmeira, este projeto foi “[...] a oportunidade de pensar a plantation e suas transformações levando em consideração, nos termos de Bourdieu, todo o conjunto de posições e oposições sociais ali presentes” (LEITE LOPES, 2013, p. 443).

Naquele primeiro momento, através do financiamento da Fundação Ford, todos os esforços da equipe se dividem entre a Zona da Mata Norte e Sul do estado de Pernambuco. Dentre as obras publicadas estão Os clandestinos e os direitos e A nação dos homens, de Lygia Sigaud (1979), Terra de trabalho, de Afrânio Garcia Jr. (1983), O Bacurau, de Marie-France Garcia Parpet (1977, 1983), A morada da vida, de Beatriz Heredia (1979) e O vapor do diabo, de José Sérgio Leite Lopes (1976).

Destas experiências na Zona da Mata pernambucana e, em decorrência da necessidade de novas fontes de recursos para continuidade das pesquisas, o projeto “Emprego e mudança socioeconômica no Nordeste”, desta vez financiado através de convênio firmado entre a UFRJ e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dividiu os membros da equipe anterior para outros estados nordestinos. Beatriz Heredia (1988), por exemplo, foi em direção ao sul de Alagoas a fim de analisar o processo de transformações sociais decorrentes da expulsão de moradores e pequenos proprietários a partir da década de 1950 e Afrânio Garcia Jr. (1989) e Marie-France Garcia Parpet (1992) para o Brejo da Paraíba.

A proposta, como nos conta Garcia Jr. (cf. RAMIRO; GARCIA JR., 2016), era localizar outras plantações canavieiras com variações significativas em relação à Zona da Mata pernambucana a fim de observarem se as questões analisadas em Pernambuco eram recorrentes, ou não, em toda a região Nordeste. A busca antropológica pelas invariantes fez com que percebessem, dentre outras coisas, que expressões como libertos e sujeitos que apareciam no estado vizinho como “coisa do passado”, na Paraíba eram ainda categorias explicativas do presente e, deste modo, poderiam ver sua análise aprofundada por meio da pesquisa etnográfica.

Conhecimento cumulativo que permitirá, dentre outras coisas, o entendimento mais apurado das migrações para a Região Sudeste, anteriormente tratadas apenas como evidência do processo de expropriação dos pequenos produtores (GARCIA JR., 1983) e que, na Paraíba, se aprofunda com a frase que dá título ao livro O Sul: caminho do roçado, indicando assim uma estratégia de reprodução social do próprio campesinato.

Enquanto, há quarenta anos, ainda que a pesquisa de campo realizada por Afrânio Garcia Jr. (1989) mostrasse o declínio da dominação tradicional no mundo dos engenhos em decorrência de múltiplos fatores, como a possibilidade de migração para o “sul”, as flutuações no preço do açúcar no mercado nacional e internacional e a chegada dos direitos trabalhistas no campo, exibia também a imagem da figura de “senhores de engenho mais poderosos” que eram os que haviam se tornado usineiros na região. E, nada parecia indicar, até aquele momento, que esse mundo criado por eles pudesse ruir, muito pelo contrário.

Havia duas usinas em pleno funcionamento no Brejo, a usina Santa Maria, em Areia, e a usina Tanques, em Alagoa Grande, cujo ápice produtivo esteve diretamente relacionado ao recebimento de subsídios do governo federal oriundos do Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar (Planalsucar) e do Programa Nacional do Álcool (Proálcool). A expansão do plantio de cana para a agroindústria estava no auge no momento daquelas pesquisas de campo e, não foi sem espanto que, algumas décadas depois, nos deparamos com a brutalidade e velocidade intensa de mudanças muito significativas naquele espaço social, cuja ponta do iceberg reside na falência da usina sediada no município de Areia no início da década de 1990.

Na região agora revisitada pela equipe desde o ano 2017, além de poder contar com a colaboração ativa de Afrânio Garcia Jr. e Marie-France Garcia Parpet, cujas pesquisas na década de 1970 e início de 1980 e produção acadêmica posterior são referências fundamentais para nós, compõem a equipe Marilda Aparecida de Menezes, autora de diversos estudos de processos migratórios entre Nordeste e outras regiões do país (MENEZES, 2002, entre outros), alguns a partir do Brejo paraibano (MENEZES et al., 2008), muitos realizados durante a década de 1990 e início dos anos 2000 e a inclusão geracional de novos pesquisadores, dentre os quais se incluem alunos de graduação e de pós-graduação.

Cientes de que a construção dos fatos passa pela teoria (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 2015), para atingirmos a compreensão da realidade vivida no brejo, diferentes metodologias são acionadas pelos pesquisadores conforme seus objetivos individuais. Analisados em perspectiva relacional, os olhares estão focados não apenas para as camadas inferiores (como o caso da análise aqui apresentada do objeto em construção), mas para hierarquia de posições e respectivas relações de dominação e de poder. Nesse sentido, estão sendo realizadas pesquisas em diferentes segmentos da elite agrária local, quer sejam direcionadas para as trajetórias dos dois usineiros que foram proprietários da usina analisada (SOFFIATI, 2022), ou para proprietários de engenhos que buscam na valorização simbólica da cachaça artesanal uma estratégia de reconversão eficaz no presente (GARCIA PARPET; RAMIRO, 2018).

Todavia, de maneira ampla, podemos dizer que há ênfase para utilização do método etnográfico, pois nos permite, tanto em viagens de campo realizadas em grupo quanto nas viagens individuais ou em duplas, a observação participante das práticas cotidianas e a compreensão das respectivas representações sobre elas. Para chegarmos às representações que esses sujeitos têm de si e dos outros, ou seja, àquilo que os antropólogos chamam de “modelo nativo”, são realizadas entrevistas com uso do gravador. Apesar da “ilusão biográfica” que nos alerta Bourdieu (2006) em referência à tendência de construções lineares de nossas trajetórias, o uso da metodologia da história oral nos permite “uma abordagem interior dos fatos”, afinal, “o problema sociológico em relação à história de vida tem o mesmo caráter do fato sociológico em relação ao indivíduo: é-lhe ao mesmo tempo exterior e interior” (QUEIROZ, 2008, p. 82). 

Os depoimentos de assentados coletados na região têm como norte o conhecimento acumulado pelas pesquisas anteriores que mostram claramente que “[...] os trabalhadores já entram no processo de trabalho ‘classificados’ e hierarquizados, de forma tal que as tarefas atribuídas e este ou àquele morador não o são de modo aleatório” (PALMEIRA, 2009, p. 210). Por este motivo, um dos critérios importantes para seleção dos informantes é a ocupação anterior na usina, como cabos de turma,[7] cortadores de cana, medidores ou cambiteiros,[8] visando captar de que modo diferenças sociais anteriores se reproduzem no novo espaço social do assentamento. Além deste critério, são realizados recortes de gênero e geração, bem como do ciclo de vida familiar de cada grupo doméstico. Embora, fique claro, isso não nos desobrigue de buscarmos uma diversidade de fontes de dados para além das histórias de vida, tais como documentos de diferentes fontes, como do acervo documental da usina Santa Maria,[9] da Associação Sedup – Serviço de Educação Popular, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), bem como de processos trabalhistas da época da falência da usina. Enfim, metodologias qualitativas e quantitativas se complementam para dar conta da compreensão das abruptas transformações materiais e simbólicas ocorridas no espaço social de brejo em consequência da falência da usina Santa Maria.

Para finalizar a questão metodológica, cabe ressaltar que, segundo Sapiro (cf. GARCIA JR.; PESSANHA, 2013, p. 34), esse modelo de trabalho coletivo foi uma novidade na época do início da carreira de Bourdieu e seguia o modelo de laboratórios das outras áreas, partindo da ideia de que havia “um chefe de laboratório [neste caso, o próprio Bourdieu], uma equipe, um trabalho coletivo, uma divisão de trabalho, cada um levava uma parte, mas se inscrevia num projeto mais vasto”. Aquilo que no “Esboço de autoanálise”, após se questionar se não teria sido essa uma das origens de muitas dificuldades enfrentadas no interior do campo universitário, ele denomina de “lógica rigorosa e modesta do trabalho coletivo” onde ocorria uma “intensa fusão intelectual e afetiva” entre os pesquisadores (BOURDIEU, 2005, p. 52-53).

 

A miséria do mundo do açúcar

Desde os tempos coloniais seiscentistas, investimentos agrícolas nas plantations de cana-de-açúcar voltados para o mercado externo têm peso significativo para a formação e compreensão da sociedade brasileira em seus aspectos não apenas econômicos, mas sociais, culturais e políticos (HOLANDA, 1995; FREYRE, 2004). Região construída à custa da mão de obra escrava e de uma estrutura fundiária altamente concentrada nas mãos de uma minoria, caracterizada pela existência dos engenhos – grandes propriedades de terra voltadas, principalmente, para produção de cana-de-açúcar –, o Nordeste do país viu emergir a figura social de poderosos proprietários de terras, denominados senhores de engenho (ANTONIL, 1982).

Mesmo após a abolição da escravatura no final do século XIX, tivemos a reprodução social de uma estrutura extremamente desigual na qual a categoria escravo será substituída pela de morador nesta região. Surgida pelo ato de pedir morada a algum senhor de engenho como possibilidade de sustento e usufruto de pequena parcela de terra (chamados de roçados e sítios),[10] última possibilidade para muitos de fugir da situação de miséria material, tendo o trabalho nas plantations como contrapartida (HEREDIA, 1979; GARCIA JR., 1989; PALMEIRA, 2009). Relação marcada, portanto, pela sujeição do morador ao senhor de engenho, a quem deve fidelidade e trabalho árduo, caracterizando assim o que Garcia Jr. (1989) classificou como dominação tradicional personalizada.

Mesmo a organização sindical dos trabalhadores rurais e a chegada da legislação trabalhista para essa categoria em 1963, com o Estatuto do Trabalhador Rural e a promulgação do Estatuto da Terra em 1964 (vinte anos após a conquista dos direitos trabalhistas dos operários no Brasil), não significaram o fim da situação de pobreza historicamente vivida por esta mão de obra (ÉTUDES RURALES, 1993). Pelo contrário, a escassez de alimentos para esses trabalhadores era diretamente proporcional ao aumento da produção canavieira que, ao final da década de 1970 e durante os anos 1980, em virtude dos altos subsídios recebidos do governo federal durante a ditadura militar (1964-1985), passou a ocupar todas as porções de terras disponíveis, chegando até o entorno das moradias que ainda permaneciam nos engenhos, impedindo, desta maneira, o plantio dos roçados, fonte importante para segurança alimentar das famílias.

Importa frisar que, como mostrou Lygia Sigaud (1979), a maioria dos trabalhadores das usinas sequer irá ter sua situação de trabalho formalizada num contrato trabalhista, compondo a categoria dos chamados clandestinos. O crescimento da categoria passou a ocorrer, no início da década de 1950, a partir do processo de transferência da mão de obra de dentro dos engenhos (moradores) para fora deles. Desta vez, diferentemente de épocas anteriores, quando se podia pedir morada em outro engenho, este movimento teve caráter definitivo, ocasionando o crescimento veloz das áreas urbanas, especialmente, das chamadas “pontas de ruas”.  Tal crescimento urbano acelerado não rompe a continuidade do trabalho destas pessoas na lavoura canavieira, afinal, como nos mostra Furtado (2007), a expansão produtiva das usinas na região se deu via ampliação das terras cultivadas e não por meio da incorporação de novas técnicas e aumento de produtividade.

Categoria forjada sob a ótica dos direitos, ser clandestino significa dizer que “[...] não tem direitos, que sua situação de trabalho é irregular e ilegítima em relação aos direitos” (SIGAUD, 1979, p. 129). Nesse sentido, opõe-se a categoria dos fichados, designando aqueles que passam a ter carteira de trabalho assinada, geralmente composta pelos moradores que permaneceram nas propriedades. Ainda que clandestinos e fichados não tenham as mesmas condições de trabalho, ambos, através de estratégias diferenciadas, serão colocados em situação de exploração máxima de sua força de trabalho, sem que isso signifique a saída da situação de pobreza (SIGAUD, 1979).

Situação degradante de condições de trabalho que atingirá não apenas os trabalhadores da parte agrícola das usinas, mas também os operários da parte fabril desta agroindústria. Basta recordarmos o título bastante significativo da obra de Leite Lopes (1976), O vapor do diabo: o trabalho dos operários do açúcar, uma referência à fala de um operário sobre o vapor exalado das turbinas de onde se descarrega o açúcar produzido.

 

A falência da usina e a reconversão para condição camponesa

A usina Santa Maria foi instalada no Brejo paraibano, microrregião do Agreste de clima úmido e temperaturas mais baixas que a média do estado, em 1931. Proprietária de dezenas de propriedades nos municípios de Areia, Pilões, Serraria e Alagoinha, teve sua falência decretada no ano de 1992, deixando milhares de trabalhadores a esmo e sem o recebimento devido de indenizações trabalhistas.

Estima-se que 800 famílias de trabalhadores agrícolas e de operários moradores nas propriedades da usina se viram em situação precária e com pouca perspectiva de recolocação no mercado de trabalho local ou regional. Após importante mobilização social, a partir de 1997, as antigas propriedades da usina deram lugar a dez assentamentos rurais, abrigando um pouco mais da metade da quantidade de famílias de moradores vinculados à usina (420 famílias), ocupando uma área total de, aproximadamente, 4.031 hectares, conforme a Tabela 1 a seguir:

 

 

Tabela 1 – Distribuição dos assentamentos criados em terras desapropriadas da usina conforme município-sede, quantidade de famílias, ano de implantação e área ocupada

Assentamento

Município-sede

Qtd. famílias

Ano implantação

Área (ha)

Esperança

Areia

40

9/12/19997

163,000

União

Areia

59

12/2/1997

502,6800

Socorro

Areia

45

12/7/1999

387,7936

Veneza

Pilões

26

25/11/1997

184,4909

São Francisco

Pilões

28

25/11/1997

432,000

Santa Maria

Pilões

27

25/11/1997

201,6663

Redenção

Pilões

94

9/12/1997

969,000

Tabocal

Alagoinha

16

2/12/1997

199,200

Cajazeiras

Serraria

50

2/12/1997

590,830

Campo Verde II

Serraria

35

2/12/1997

481,400

Fonte: Incra, 2014.[11]

 

 

De maneira objetiva, para demonstrarmos a intensa transformação da paisagem na região, ao analisarmos os dados produzidos pelo IBGE sobre a produção canavieira nos três municípios onde se concentravam a maior parte das propriedades da usina, vemos que o ano de 1990 marcou o declínio abrupto e acentuado desta lavoura permanente. No período de cinco anos, de 1990 até 1995, a produção decresce de 721.500 para 92.000 toneladas, uma queda de 88% (Figura 1), e em 2018 a produção cai a um décimo do volume do início dos anos 1970, quando as primeiras pesquisas foram realizadas.

 

Figura 1 – Gráfico e tabela da produção da lavoura canavieira

 

 

 

Fonte: Pesquisa Agrícola Municipal (PAM)/IBGE.

 

 

Em 2018, a Pesquisa Agropecuária Municipal apontou para a produção de 55.000 toneladas de cana-de-açúcar. Em 1990, na região do brejo paraibano havia 22.720 hectares de área plantada com cana, em 2018, eram 3.050 hectares. Produção que além de servir como alimento para o gado, abastecia o mercado emergente de cachaça artesanal, estratégia de reconversão social de alguns herdeiros de engenhos locais para manutenção rentável de suas propriedades (cf. GARCIA PARPET; RAMIRO, 2018).

Por outro lado, segundo dados da Produção Agrícola Municipal (PAM), a produção de cachos de bananas que era de 16.840 toneladas no brejo paraibano, cresceu para 104.840 toneladas em 2018, tornando-se o principal produto das terras dos assentamentos rurais instalados na região. Ainda que saibam que é um produto com variações significativas de preços, não raro afirmando que “banana, tempo que tem muito, não tem preço. Tempo que tem preço, não tem banana!”, a característica perene do cultivo e a possibilidade de retorno financeiro, ainda que instável, semanal ou quinzenal, tornam o produto uma escolha adaptável à região, capaz de garantir as despesas mensais exigidas para manutenção do grupo doméstico.

Doravante, um primeiro e fundamental aspecto a ser destacado é que foi a crise de reprodução social dos de cima (no caso, usineiros e senhores de engenho que viviam da produção canavieira para essa agroindústria), em decorrência da falência da usina, a origem desta possibilidade de reconversão via reforma agrária das camadas inferiores daquela estrutura. 

Da diversidade de atores sociais que compõem o mundo social das usinas, devemos pensar em duas grandes categorias de trabalhadores: os trabalhadores agrícolas e os operários da parte industrial. A primeira, composta por trabalhadores rurais encarregados das atividades dos plantios, colheitas e limpas da cana e, a segunda categoria, pelos operários e trabalhadores dos transportes.

A maioria destes trabalhadores não residia mais em propriedades da usina em virtude do processo de “fim da morada” iniciado nos anos 1950 e intensificado após promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963 e do Estatuto da Terra no ano seguinte. Todavia, nesse momento, os trabalhadores da usina que são o público-alvo central desta pesquisa são parte daqueles que permaneceram na condição de morada nos engenhos de propriedade da usina, isto porque, do ponto de vista jurídico, a Lei no 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que “dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária”, garante em seu artigo 19, item II, que o título de domínio e a concessão de uso da terra desapropriada dará “aos que trabalham no imóvel desapropriado como posseiros, assalariados, parceiros ou arrendatários” a preferência. Foi, portanto, a moradia e o trabalho em terras de usina a viabilizadora do acesso a um lote de terra após a desapropriação de suas propriedades pelo Incra a partir de 1997.

No caso do Brejo paraibano, diferentemente de outros assentamentos rurais já pesquisados pela autora (RAMIRO; MANCUSO, 2009; RAMIRO, ALMEIDA, 2018) e mesmo de outros que se estabeleceram na mesma época em regiões canavieiras do Nordeste, como foi o caso de Pernambuco (SIGAUD; L’ESTOILE, 2001; ROSA, 2011), as mobilizações havidas não tiveram a participação de movimentos sociais organizados em prol da luta pela terra, cujo exemplo emblemático é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) (BRANDFORD; ROCHA, 2002). Na região pesquisada, a conquista da terra foi resultado da luta coletiva de moradores da usina falida com a colaboração do que ficou instituído como “Comitê de apoio aos trabalhadores da usina Santa Maria”, do qual participaram representantes de diversos setores da sociedade civil, com forte apoio do clero católico. 

Importante destacar que, dentre estes moradores, ainda que em número reduzido, havia operários rurais que residiam nas denominadas vilas operárias, localizadas, em geral, próximas à fábrica. Como nos mostra Leite Lopes (1976), a necessidade de mão de obra operária, assim como da agrícola, depende da sazonalidade característica desta agroindústria comandada pelos períodos de safra e entressafra da lavoura canavieira. Geralmente tais casas abrigam os funcionários fixos da usina, ou seja, aqueles cujas atividades são necessárias durante o ano todo, como é o caso dos que trabalham nas oficinas de manutenção. Mão de obra que na época da moagem precisa estar disponível vinte e quatro horas por dia para quaisquer necessidades de reparação, manutenção ou fabricação de alguma peça e que, na entressafra, se encarrega de toda a desmontagem e reparos das máquinas.

Ainda que não fosse raro que a constituição do operariado da usina ocorresse via reconversão social de trabalhadores rurais, estas duas categorias da classe trabalhadora irão se perceber de maneira comparativa. Alguns dos operários associam de maneira negativa o trabalho agrícola às suas condições “naturais” de exposição ao sol e à chuva e ao ataque de insetos, além de reforçarem a defasagem de mais de vinte anos para acesso aos direitos trabalhistas entre as duas categorias, haja vista que aos operários rurais foram concedidos os mesmos direitos trabalhistas dos operários urbanos desde a década de 1940 (LEITE LOPES, 1976). Sendo assim, há que se considerar não apenas as disposições diferenciadas dentro de cada uma destas duas categorias mais amplas de trabalhadores (agrícolas e operários), mas também as representações sobre a situação vivenciada conforme trajetória profissional de cada um.

Não é por acaso que a decisão de demandar a desapropriação das terras vinculadas às vilas operárias da usina Santa Maria foi posterior às outras terras, compondo o assentamento Socorro, implantado em 1999, quase dois anos após os outros (cf. Tabela 1).

De fato, cabe destacar, até esse momento da pesquisa, que desde a seleção das famílias que poderão ter acesso a um lote em áreas de reforma agrária até a definição, ou ao menos uma tentativa de definição, haja vista que há resistências cotidianas em prática, do tipo de moradia e de atividade produtiva a ser realizada, passa, necessariamente, por uma relação inevitável dos(as) assentado(as) com o Estado. Conforme nos mostram Leite et al.,

na medida em que se reduzem os conflitos e se criam territórios sob gestão do Estado, surge uma nova categoria: os ‘assentados’, que passam a ser alvo privilegiado de políticas públicas às quais não tinham acesso anteriormente, e cujos efeitos extrapolam os limites dos projetos e das populações ali assentadas. (2004, p. 21)

A política pública habitacional se insere numa das modalidades do chamado crédito de instalação e, nesse sentido, é um dos primeiros projetos estatais aos quais os titulares de um lote têm acesso. Pela própria trajetória coletiva, seguindo o caminho inicial desta reconversão, uma das brechas para pensarmos a questão da reconstrução dos mundos subjetivos, ou seja, da visão que esses assentados têm de seu lugar no mundo social, reside na arquitetura das casas. Isto porque, em muitos lotes dos antigos trabalhadores agrícolas, verificamos que há duas casas: uma da época de moradores assalariados da Usina e uma construída após desapropriação, devido ao recebimento do crédito habitacional pelo Incra, cuja política, naquela época, proibia o uso do recurso para fins de reformas de estruturas habitacionais já existentes.[12]

Cientes de que o uso da expressão casa ultrapassa sua dimensão meramente material, mas serve como categoria analítica que define e é definidora de uma forma específica de organização doméstica e espaço de reprodução da força de trabalho, faremos algumas observações preliminares que alimentam novas hipóteses e nos abrem novas possibilidades de seguir adiante nas pesquisas, a partir de desenhos feitos por um jovem do assentamento na parede da antiga casa de engenho, onde hoje é a sede da Associação dos Moradores do assentamento União (Figuras 2 e 3).

 

 

 

 

Figura 2 – Desenho sobre a vida como morador em engenho no tempo da usina

Autor: Edson Cândido do Nascimento.

 

 

Figura 3 – Desenho sobre a vida como morador no presente como assentado de reforma agrária

Autor: Edson Cândido do Nascimento.

 

Tais imagens nos permitem visualizar algumas representações locais importantes sobre as mudanças significativas que ocorreram naquele espaço após a falência da usina. Enquanto o desenho da Figura 2 mostra o passado caracterizado pelo predomínio da lavoura canavieira até o entorno da casa, pelo trabalho árduo no corte da cana após ateio de fogo na plantação e pela moradia simples e mal conservada; no presente a realidade é representada de maneira muito mais positiva. Atualmente, além da diversidade de lavouras do roçado próximo à moradia, dos pés de bananeiras, da criação de animais e do escoamento da produção, vemos uma casa nova, com cisterna e alpendre e o acesso a bens de consumo duráveis, representado ali pela antena parabólica designando acesso à televisão. Bens de consumo inacessíveis, afinal, sequer havia energia elétrica no local até o ano de 2001, além dos parcos recursos econômicos que supriam apenas os mínimos vitais, para usar a expressão de Antônio Candido (1964). Foi apenas no final do século XX que esses trabalhadores tiveram acesso a banheiro e à água encanada. Até aquele momento, as necessidades fisiológicas eram feitas no mato ao redor da casa, a água trazida em jarras dos rios mais próximos e as luzes vinham de lampiões movidos à querosene.

Submetidos à vigilância e à dominação do usineiro, os moradores compunham o degrau inferior da escala social quando relacionados com outros das categorias do campo, como os sitiantes, pequenos proprietários, parceiros ou arrendatários, de posição intermediária em relação ao topo, onde estavam os grandes proprietários (GARCIA JR.; HEREDIA, 2009). Ainda que a nova posição ocupada no assentamento signifique uma mobilidade ascendente, exige deles novos investimentos mentais e práticos para eficácia desta reconversão, para os quais nem todos estão preparados. Há um trabalho sobre si próprio suscitado pela necessidade de afirmar um novo lugar no mundo social.

Para analisarmos sociologicamente esse trabalho sobre si próprio, assim como Bourdieu (1963) mostra em sua análise sobre a situação argelina que “o camponês pode ser liberado do colono sem se libertar das contradições que a colonização incutiu nele”, podemos pensar no caso da falência de usinas no Nordeste que o trabalhador agrícola pode ser liberado do senhor do engenho ou do usineiro sem se libertar das contradições que o sistema da morada e a dominação personalizada incutiu nele. A lógica da condição de morada que deixava latente e interditava o espírito de cálculo econômico para compreensão daquele sistema, quando antes de se pedir trabalho, pedia-se morada, fazia com que grande parte de obrigações cotidianas de primeira necessidade, referentes à manutenção da moradia (água, lenha etc.), ao acesso ao roçado até meados dos anos 1970, bem como a resolução de atendimentos médicos de urgência cedendo veículos da usina e outros gestos aparentemente sem interesse econômico fossem vistos como atos de generosidade do patrão, qualidades do bom patrão.

Ser liberto significa, dentre outras coisas, ocupar uma posição que os inscreve na dinâmica de uma economia de mercado, quando passam a ter a demanda (e o poder) de decidirem sobre sua produção (o que plantar e como plantar) e formas de comercialização (venda para negociantes, via programas de políticas públicas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar – Pnae e o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, venda em feiras etc.). Passam assim a se ver colocados diante da resolução de necessidades fundamentais para sua reprodução social que antes eram “dadas” na organização dos engenhos e da usina (como o provimento de acesso a bens essenciais, como lenha para cozinhar) e a disputar mercado com outros pequenos agricultores locais, os quais os veem, ao menos no início, conforme alguns depoimentos, como concorrentes desleais, em decorrência do recebimento de créditos diferenciados de bancos públicos com juros bonificados, como é o caso da linha Pronaf A/C.[13] Nova dinâmica de mercado que os insere em outra forma de dominação que exige disposições ainda não interiorizadas, como as propriedades necessárias para lidarem com a burocracia estatal exigida para acesso aos créditos no banco ou para comercialização em programas públicos, além da capacidade de negociação para comercialização de seus produtos.

Na realidade, podemos pensar que se trata, sobretudo, de adquirir novas disposições em relação ao tempo. Como mostra Bourdieu (2021a, p. 41), “[...] o funcionamento de todo sistema econômico é ligado à existência de um sistema determinado de disposições em relação ao mundo, e mais precisamente em relação ao tempo”. A dificuldade em lidarem de maneira adequada com os créditos relacionados aos investimentos agrícolas e pecuários que passam a ter direito é bastante significativa da ausência das disposições para lidarem com o planejamento a médio e longo prazo, o que implica e exige disposições específicas em relação ao tempo e ao futuro ainda não adquiridas de modo satisfatório por grande parte dos assentados, resultando em alto índice de endividamentos no Banco do Brasil.

Obviamente, tal situação ocorre não por viverem anteriormente num modo pré-capitalista como os argelinos, mas por viverem em situação econômica bastante desfavorável no tempo da usina, onde era impossível acumular dinheiro para planejar outras possibilidades no futuro.[14] Uma frase que ouvimos de um senhor que era filho do dono do barracão de um dos engenhos da usina mostra como essa consciência de outros mundos possíveis era quase interditada na estrutura social do passado recente. Contou-nos que quando nascia alguma criança dos trabalhadores, parto que ocorria nas casas, o sinal para que todos soubessem do ocorrido era soltarem rojões, e a frase comum de expressarem o momento era: “Nasce mais um cambiteiro!”. Cambiteiro era uma atividade bastante comum na usina Santa Maria que designa aquele que trabalha com transporte da cana-de-açúcar sobre o lombo de burros,[15] fundamentais para o funcionamento da usina, haja vista a região do Brejo ser uma região serrana, impossibilitando o acesso de caminhões ou outras formas de transporte às lavouras canavieiras. O que a expressão nos mostra é a percepção social da interdição de qualquer possibilidade de mobilidade social ascendente, afinal, quem nascia filho de cambiteiro, estaria fadado a ser mais um cambiteiro, reproduzindo, assim, a relação de dominação personalizada na usina.

Podemos dizer que a luta pela terra foi uma luta em escala coletiva e que o principal lucro espacial dessa reconversão de moradores de usina para assentado está na passagem, material e simbólica, da situação de cativo do tempo da morada para a de liberto no assentamento. Passagem que se materializa nas casas, a casa do tempo do cativeiro e a casa do assentamento.

A casa nova simboliza a abertura a novas possibilidades e mudanças no estilo de vida que se diferenciam do passado na medida em que autoriza, entre outras coisas, a escolha religiosa e suas formas de culto, a opção política por determinado partido ou candidato e, principalmente, o fortalecimento de laços de parentesco mais extensos com as novas unidades domésticas que se formam a partir do matrimônio de filhos e filhas do(a) titular da parcela de terra. Em alguns casos, são feitas ampliações na mesma casa do(a) titular, desde que seja construída mais uma cozinha que marca o reconhecimento do novo casal, noutros, a antiga casa de morada é reformada para abrigar a nova unidade doméstica ou novas casas são construídas.  Vínculos impensáveis no passado, quando qualquer morador em terras da usina devia, obrigatoriamente, trabalhar nas terras do proprietário e visitas de parentes sequer eram permitidas.

 

Pistas de como pensar esse novo lugar no mundo social

Um dos aspectos a reforçar até esse momento da pesquisa é que foram as transformações no mundo dos de cima, com a falência do polo dominante no âmbito econômico e social, que viabilizaram as mudanças no mundo social dos de baixo, numa trajetória ascendente que fez com que ex-assalariados moradores em engenhos da usina pudessem tentar se reconverter como assentados de reforma agrária.

Uma das características deste grupo é o fato de não ter havido deslocamento geográfico das famílias (como foi o caso dos argelinos pesquisados por Bourdieu e da maioria dos assentamentos rurais no Brasil) para que reconversões fossem necessárias. Nesse sentido, temos agentes sociais que possuíam vínculos sociais no tempo da usina e precisam reconstruir sua relação com o espaço social. Fato que não significa que a posição relativa quanto aos outros lugares e a pela distância que os separa deles não sejam, de certo modo e em graus diversificados, permeadas pelas posições anteriormente ocupadas no tempo da usina. Mas o arranjo dos agentes agora assentados e suas propriedades retraduz, com novas práticas e significados, o espaço físico apropriado, ou seja, o espaço social reificado como diria Bourdieu (2013), compondo novas formas de distinção desses agentes, tanto entre eles como de forma relacional com os outros grupos sociais.

E, neste ponto, a problemática de Bourdieu nos é extremamente rica ao nos conduzir a buscar a questão da reconstrução dos mundos subjetivos, imposta pela nova situação vivida, através do conceito de “desenraizamento” e dos meios de sua superação. Entendendo que o desenraizamento produz a situação de alguém submetido a todas as urgências sem poder pôr em prática estratégias de reconversão eficazes. Note-se que tanto em Bourdieu quanto em seus discípulos, o “desenraizamento” não ocorre necessariamente apenas em situação de declínio, ou seja, em casos de passagem para pobreza maior, condição de camponeses reconvertidos em subproletários em seus estudos na Argélia; mas também em casos de mobilidade ascendente, como aparece na obra de Bourdieu quando analisa a situação da escolaridade maior dos filhos e os conflitos de gerações para inserção no novo universo aberto pela cultura e títulos escolares.

A pergunta norteadora atual se refere à importância de tentarmos compreender a necessidade de mudanças no conjunto da vida social destas pessoas e quais as condutas exigidas para uma reconversão eficaz a essa nova condição. Condutas que estão diretamente relacionadas com as ferramentas mentais necessárias para esse trabalho sobre si e para adotarem novos caminhos em trajetórias individuais e familiares. Quando falamos em reconversão nesse trabalho nos referimos à mudança de posição e das conversões dos diferentes capitais necessários para o novo contexto (BOURDIEU; BOLTANSKI; SAINT MARTIN, 1973). Em resumo, queremos demonstrar que a inércia do habitus antigo leva apenas a impasses crescentes, afinal, é necessário passar a novo habitus. Esta é uma exigência que se impõe a todos, mas só pode ser enfrentada por cada qual na medida de suas possibilidades afetivas e cognitivas e que podem variar segundo critérios de diferenciação como sexo e geração. Na Argélia, o reagrupamento imposto longe das aldeias tradicionais atingiu a todas as famílias, mas a inscrição na economia de mercado variou muito de família a família (BOURDIEU, 1963).

Estamos em consonância com L’Estoîle (2020) quando reforça que é preciso enxergarmos as dimensões ontológicas e cosmológicas da “economia”, mas sem apagarmos a dimensão social do “econômico”. Isso implica a desnaturalização da divisão da vida em esferas distintas e traz a perspectiva de que o aprofundamento da análise das casas nos lotes seja espaço fértil para compreensão das racionalidades práticas passíveis de serem acionadas. Entender tais reconversões e sua diversidade de estratégias envolve olhar atento para o grupo doméstico, em busca das variações possíveis conforme o ciclo de vida das famílias e a dimensão de gênero e de geração para análise dos comportamentos individuais e coletivos. Como mostram Garcia Jr. e Heredia,

[...]. Há singularidades que têm a ver diretamente com o fato de que o grupo doméstico é o quadro das atividades produtivas, mas também é o horizonte onde o consumo individual e coletivo ganham significado e é, ainda, a mesma rede de relações que permite o surgimento de novas gerações e assegura a transmissão de saberes e do patrimônio material acumulado pelas gerações antecedentes. (2009, p. 219)

O estudo do grupo doméstico que se consolida na produção e no consumo de um conjunto de pessoas que habitam uma casa não é algo novo nos estudos sociológicos e antropológicos. O próprio Bourdieu fez, ainda nos anos 1960, um estudo sobre a casa cabila, no qual reconstrói o espaço doméstico em termos de simbologia e de oposições: feminino-masculino, fogo-água, cozido-cru, dia-noite, luz-sombra, natureza-cultura, enfim, sob as mesmas oposições que “existem entre a casa em seu conjunto e o resto do universo” (BOURDIEU, 2021b, p. 221). No Brasil, apenas para citar alguns, os trabalhos pioneiros foram o de Moacir Palmeira (2009) e de Afrânio Garcia Jr. (1983), ambos atentos a possibilidades de situações diversas no campesinato nordestino. Há também as pesquisas de Giralda Seyferth (1985) sobre a categoria colono de Santa Catarina, no Sul do país, no qual a autora demonstra a questão da transmissão dos patrimônios, entre eles, a casa, cuja aparência é um dos elementos para categorização étnica hierarquizada das origens nacionais dos imigrantes camponeses da região. E na Região Sudeste, as pesquisas de Linhares (1998, 2004) em Minas Gerais e no Rio de Janeiro encontraram nas casas objeto privilegiado de análise para a compreensão de ex-colonos. No segundo caso, a autora analisa uma reconversão de colonos para assentado de reforma agrária cujo significado das casas passaram, assim como na situação aqui exposta, como representação simbólica da libertação de um passado percebido como extensão do passado escravista.

Ainda que não tenhamos conclusões mais consolidadas a serem expostas, esperamos ter demonstrado parte do percurso de construção do objeto que está sendo realizado com forte influência da teoria e do método bourdieusiano. Trata-se de continuarmos colocando a teoria à prova na análise socioantropológica minuciosa das casas nos lotes dos assentados em terras da usina falida às reconversões em andamento, cientes de que, independentemente de onde ocorram na hierarquia social, passam por trajetórias individuais, familiares e coletivas que nos guiam para um olhar atento para as histórias de vida e todos os conflitos, dificuldades, falecimentos, casamentos que organizam o universo social, ultrapassando assim uma análise economicista destas reconversões, acompanhando uma estrutura social que se altera intensamente.

 

 

 

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Como citar

RAMIRO, Patrícia Alves. O declínio da agroindústria açucareira no Nordeste e o acesso à condição camponesa. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 30, n. 2, e2230209, 7 dez. 2022. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30-2_st03.

 

 

 

Patrícia Alves Ramiro

Professora Adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), no Centre Européen de Sociologie et de Science Politique (CESSP). Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Líder do grupo de pesquisa CNPq “Identidade e memórias das classes populares rurais e urbanas”.

patriciaalvesramiro@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-6917-6106
http://lattes.cnpq.br/7155476977488017



                                   

 

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[1] Professora Adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), no Centre Européen de Sociologie et de Science Politique (CESSP). Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Líder do grupo de pesquisa CNPq “Identidade e memórias das classes populares rurais e urbanas”. E-mail: patriciaalvesramiro@gmail.com.     

[2] Sobre o papel importante dessa etapa da carreira de Pierre Bourdieu na Argélia ver, entre outros, Wacquant (2006), Pérez (2022) e o próprio Bourdieu (2005).

[3] Projeto “Reconfigurações do espaço social do Brejo paraibano no século XXI”, coordenado por Patrícia A. Ramiro, que conta com apoio financeiro da Chamada interna Produtividade em Pesquisa PROPESQ/PRPG/UFPB (Edital no 03/2020), da Fundação de Apoio à Pesquisa do estado da Paraíba/Fapesq (Edital no 09/2021 – DEMANDA UNIVERSAL) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/ CNPq (Chamada CNPq/MCTI/FNCT no 18/2021 – UNIVERSAL).

[4] A questão da construção do objeto é parte essencial da herança científica de Bourdieu presente desde a publicação do Métier de sociologue (1968), publicado no Brasil com o título de A profissão do sociólogo, posteriormente alterado para O ofício do sociólogo, sendo reconhecida como um trabalho longo e paciente. O rigor metodológico que Bourdieu desenvolve, segundo ele próprio, foi resultado da situação de controle extremo da prática de campo no contexto da guerra pela libertação da Argélia. Gênese de sua ciência da prática e do poder simbólico, é na Argélia que Bourdieu percebe a exigência de não se naturalizar nada e de que “tudo parece ser questionado o tempo todo” (2005, p. 80). Situação que o obriga “a pensar em tudo, a controlar tudo, em particular o que parece natural na relação ordinária entre pesquisador e pesquisado [...]” (2005, p. 79), enfim, situação que exige uma permanente reflexividade. Para uma discussão densa do tema, conferir a coletânea organizada por Louis Pinto (2020).

[5] Projeto que, cabe lembrar, se apropria de bibliografia produzida por equipes de geógrafos nas mesmas regiões nos anos 1950, em especial, na obra deixada por Mário Lacerda de Melo (2012), Manuel Correia de Andrade (1997) e Gilberto Osório de Andrade (1997) para avançar na produção do conhecimento científico.

[6] Moacir Palmeira será o incentivador da tradução do artigo “Campo intelectual e projeto criador” de Bourdieu, originalmente publicado na revista Les Temps Modernes em 1966 e, logo em seguida, publicado em português no livro Problemas do estruturalismo (POUILLON et al., 1968).

[7] Nome dado à pessoa responsável por vigiar o trabalho dos cortadores de cana-de-açúcar.

[8] Nome dado em referência ao cambito, peça de madeira apoiada no lombo do burro utilizada para transportar a cana cortada.

[9] Um acervo documental da usina Santa Maria com milhares de documentos da parte administrativa foi doado ao arquivo central da Universidade Federal da Paraíba em 2 de abril de 2019. Localizado durante a execução da pesquisa, o material havia sido abandonado pelo usineiro na sede da usina, tendo sido adquirido por leilão realizado pelo Ministério do Trabalho por um filho de ex-eletricista da usina em 2004. Todo o material encontra-se sob a guarda desse projeto de pesquisa e está em fase de organização.

[10] Sítio e roçado não possuem o mesmo significado e podem ser pensados como categorias reproduzidas de maneira objetivada no espaço físico dos engenhos. Para detalhamento do assunto, conferir Palmeira (2009).

[11] Destacamos aqui que os dados oficiais publicados pelo Incra na internet na forma de relatório de “Projetos de Reforma Agrária Conforme Fases de Implementação” apresentam divergências entre os divulgados em 2014 e os mais recentes, divulgados em 2022. Entre um e outro há, inexplicavelmente, um decréscimo de 261,009 hectares das áreas destes assentamentos. Cientes de que a questão da confiabilidade dos dados é fundamental, optamos por permanecer com os dados do extinto Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) quando as políticas públicas e a questão fundiária eram abordadas com mais seriedade pelo governo.

[12] Já no caso do assentamento Socorro, onde se concentram os ex-operários da usina que residiam nas vilas, a maior parte dos assentados optou por utilizar o crédito recebido para reformas nas moradias antigas, localizadas nas vilas, momento em que a legislação já o permitia. 

[13] Linha de crédito exclusiva para agricultores familiares assentados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) ou beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF).

[14] O antropólogo francês Benoît de L’Estoile (2020) ao analisar a implantação de assentamentos em terras de usina no estado de Pernambuco mostra que o que está em jogo são formas de lidar com a permanente incerteza que a situação precária lhes imputa. Incerteza que coloca o dinheiro, ainda que necessário, atrás da valorização da amizade, afinal, um amigo seria alguém a quem socorrer em caso de apuro. 

[15] A palavra vem do termo cambito, palavra que se refere ao objeto de madeira colocado sobre as costas do burro.