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v. 30, n. 2, julho a dezembro de 2022 (publicação contínua), e2230208


Recebido: 9.jul.2022   •   Aceito: 17.out.2022   •   Publicado: 7.dez.2022

Seção Temática / Artigo original /  Revisão por pares duplo-cego / Acesso aberto




Seção Temática
Os usos da teoria de Pierre Bourdieu nos estudos rurais brasileiros

 

Mudança social sob a ótica de etnografias conjugadas a métodos estatísticos: ferramentas de Pierre Bourdieu em mundos rurais na Argélia e no Nordeste do Brasil

Social change through the lens of ethnographies combined with statistical methods: the tools of Pierre Bourdieu applied to rural worlds in Algeria and Northeast Brazil


orcid_id.png  Afrânio Garcia Jr.[1]   

Marie-France Garcia Parpet[2]

DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30-2_st02


 

Resumo: O artigo inicia com o exame da associação inabitual de etnografias sobre o mundo rural da Cabília com métodos estatísticos, por ocasião das pesquisas pioneiras de Pierre Bourdieu na Argélia, nos anos 1960. Esses trabalhos serviram de fonte de inspiração para as investigações sobre as grandes plantações canavieiras no Nordeste, efetuadas por jovens docentes e estudantes inscritos em Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional (MN). Diante da ameaça de fim desse curso superior por interrupção dos financiamentos internacionais, novo projeto de pesquisas coletivas foi concebido por professores e estudantes para a salvação do PPGAS, em que a referência às obras realizadas na Argélia foram centrais para legitimar o uso de métodos antropológicos no estudo de questões habitualmente analisadas por economistas e cientistas políticos. Esse ponto foi decisivo para obter novos patrocinadores à pós-graduação baseada em pesquisas. Os autores sintetizam as investigações realizadas no quadro do projeto “Emprego e mudança socioeconômica no Nordeste”, sua contribuição para melhor entender o mundo rural no Brasil, e revelam como permitiram a intensificação do diálogo com Bourdieu e sua equipe na França e o desenvolvimento de modos de cooperação científica originais. O desenraizamento maciço das clientelas que viviam no seio das plantations açucareiras, expulsas para periferias das cidades desde os anos 1960, aprofundou a hierarquia implantada com a instalação de casas-grandes e de senzalas.

Palavras-chave: Pierre Bourdieu; estatísticas; etnografias; pós-graduação; plantations canavieiras; modos de dominação; trabalho; hierarquias sociais.

 

Abstract: This article begins with an examination of the unusual combination of ethnographies on the rural world of Kabylia and statistical methods during Pierre Bourdieu’s pioneering research in Algeria in the 1960s. This work served as inspiration for research on large sugarcane plantations in northeastern Brazil by young teachers and students enrolled in the Graduate Program in Social Anthropology (PPGAS) at the Museu Nacional. In response to the threat represented to the program by the interruption of international funding, a new collective research project was developed by professors and students that focused on Bordieu’s work in Algeria to legitimize the use of anthropological methods in examining issues more commonly analyzed by economists and political scientists. This strategy successfully obtained new sponsors for research-based graduate studies. The authors summarize the investigations conducted within the framework of a project entitled “Employment and Socioeconomic Change in the Northeast,” their contribution to a better understanding of the rural world in Brazil, discussing how they encouraged an intensified dialogue with Bourdieu and his team in France and the development of original forms of scientific cooperation. The massive uprooting of peasants that lived on sugar plantations and their expulsion to urban peripheries since the 1960s in Brazil has deepened the hierarchy established with plantation houses and slave quarters in colonial times.

Keywords: Pierre Bourdieu; statistics; ethnographies; postgraduate program; sugarcane plantations; modes of domination; labor; social hierarchies.

 

 

Introdução

 Muito comum é a referência ao contexto bastante particular da guerra de independência da Argélia onde ocorreram as primeiras investigações empíricas de Pierre Bourdieu. Bem menos frequente é atentar para a diversidade, inédita à época, do leque de competências intelectuais associadas nessas buscas de novos dados e modelos explicativos que conferiram um caráter absolutamente original a tais investigações. Essas pesquisas empíricas se iniciaram por volta de 1960 em virtude de solicitação do Commissariat au Plan e da Caisse d’équipement pour le développement de l’Algérie. A estreita associação entre o trabalho estatístico desenvolvido por pesquisadores do Insee, formados em estabelecimentos onde o ensino da matemática de alto nível tinha primazia, e as investigações etnográficas e sociológicas coordenadas por Bourdieu permitiu captar e demonstrar a especificidade das relações sociais na Cabília e deu lugar à riqueza das análises sobre os deslocamentos impostos a populações rurais. Sem dúvida o desencadeamento da guerra favoreceu a diminuição das barreiras estruturais entre disciplinas rivais na prática das ciências sociais, mas é fato que a cooperação de especialistas vindos de horizontes disciplinares bem distantes nada tinha de comum.

A reconstituição dos modos de existência da economia camponesa tradicional na Cabília foi indispensável para poder entender a diferença entre a taxa de atividade no trabalho declarada no mundo urbano da Argélia confrontada à baixa declaração de desemprego encontrada nas regiões montanhosas onde imperava a economia tradicional. Claude Seibel, engenheiro formado pela École Polytechnique, que, juntamente com Alain Darbel e Jean-Paul Rivet, era o responsável pelo trabalho estatístico do recenseamento na colônia implantada no século XIX,[3] explicita claramente a contribuição da pesquisa sociológica: a transposição dos instrumentos das investigações estatísticas implantadas nas economias desenvolvidas rapidamente acarretou problemas, pois os conceitos subjacentes que nós desejávamos medir (como o trabalho ou o desemprego) não se colocavam da mesma forma na economia tradicional argelina(SEIBEL, 2021, p. 342-343). A proximidade dos cientistas sociais com investigadores vindos de estudos matemáticos de grande profundidade tem a ver com os enormes desafios suscitados por situações de guerra. Essa composição diversificada da equipe de pesquisadores propiciou uma colaboração fecunda que se prolongou em solo metropolitano nos anos 1960, quando os pesquisadores retornaram ao continente europeu. 

Este uso cruzado dos métodos etnográficos e estatísticos ressoou fortemente entre jovens antropólogos do Museu Nacional que decidiram estudar as transformações sociais das grandes plantações canavieiras implantadas pela colonização, e que foram confrontados com a ameaça de interrupção de suas pesquisas ocasionada pelo desaparecimento da configuração institucional na qual ganhavam existência. Para obter os financiamentos necessários aos programas de formação, foi preciso demonstrar que as pesquisas etnográficas projetavam luz em zonas de sombra dos trabalhos em ciências sociais que se contentavam com interpretações de dados estatísticos. As primeiras pesquisas de Bourdieu na Argélia constituíram, sem sombra de dúvida, uma preciosa fonte de inspiração de trabalhos de campo sobre um campesinato submetido às transformações provocadas pelo desenvolvimento capitalista. Essas mesmas investigações permitiram igualmente legitimar o uso de etnografia como método complementar de estatísticas, técnica de investigação que detinha à época o primado absoluto e que constituía um emblema da cientificidade. São as apropriações e usos em ciências sociais dos trabalhos de Bourdieu, especialmente dos que focaram universos rurais atingidos por desenvolvimento capitalista, que buscaremos analisar neste artigo.

 

A transição do trabalho forçado ao trabalho livre

Uma equipe de pesquisadores vinculados a programa de pós-graduação em antropologia social foi formada no Brasil em torno de pesquisas na região Nordeste, onde a colonização portuguesa se materializou por meio de plantations voltadas para exportação de produtos tropicais. Baseadas em trabalho escravo de populações transferidas à força da África, essas plantações produziram culturas destinadas aos mercados internacionais, sobretudo europeus, como os derivados da cana-de-açúcar e tabaco. A abolição da escravidão foi proclamada em 1888, porém as condições de existência de indivíduos e famílias vivendo no interior destas plantations não foram grandemente modificadas. A generalização da dominação personalizada sob a forma de morada (categoria que designa família abrigada em domínio rural),[4] que compreende uma certa diversidade de relações de dependência entre os antigos senhores e as antigas famílias de escravos. Com efeito, se os proprietários não podiam mais comprar nem vender escravos, seus patrimônios sendo amputados do valor monetário do plantel possuído, outros poderes exercidos no passado pelos senhores de engenho persistiram, tais como inflingir castigos corporais à sua discrição sobre seus subordinados. A abolição não veio acompanhada de atribuição de casas de residência, no campo ou ao redor das cidades, nem mesmo de parcela de terra para botar roçadoque fornecesse ao menos parte do consumo familiar, elementos que teriam permitido aos contingentes emancipados de possuir um controle mínimo do próprio destino. Sem acesso à escola para seus filhos, toda reconversão em direção de ofícios artesanais, de cargos industriais ou no pequeno comércio estava grandemente dificultada. As famílias de emancipados pela Lei Áurea, de libertos, foram obrigadas a solicitar abrigo nos grandes domínios, o que deu margem para recriar muitos dos antigos poderes dos senhoresmediante a estratégia de atribuição de usos precisos do solo assegurando meios de se obter a subsistência familiar (roçado, sítio, água e lenha, liberdade de criar pequenos animais, eventualidade de possuir animais de porte, proteção diante de doenças etc.) contra a obediência e a fidelidade sem limites ao senhor.

Houve continuidade plena da hierarquia entre descendentes dos senhores e descendentes de escravos ao longo da primeira metade do século XX; apenas a partir de 1950 essa configuração do espaço social foi realmente abalada. As flutuações desfavoráveis dos preços dos derivados da cana de açúcar, a possibilidade de migrar para o mercado de trabalho industrial do Centro-Sul (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte) a partir de 1940, frequentemente a bordo dos caminhões de “paus de arara”, a implantaço das Ligas Camponesas acarretando a aceleraço do voto pelo Parlamento de direitos sociais e trabalhistas válidos no meio rural, a institucionalizaço de serviços escolares e de saúde nas pequenas e médias cidades constituem fatores que provocaram mudanças de monta na estratégia de grandes proprietários ao recrutarem sua clientela de trabalhadores e de protegidos em seus domínios. A partir de meados dos anos 1960 tudo passou a ser feito para obrigar as famílias de moradores a deixar as grandes propriedades. Tendo que abandonar as plantations sem ter podido acumular fundos necessários para garantir a subsistência familiar em meio urbano, pouco familiarizadas com trocas monetárias, tais famílias de subalternos foram submetidas a um brutal processo de pauperizaço (SIGAUD, 1979; GARCIA JR., 1989). A chegada em massa às periferias das cidades provocou um distanciamento ainda mais pronunciado de níveis de consumo e modos de vida mantidos pelas camadas mais modestas em meio urbano, como pequenos comerciantes, artesos, raros operários industriais e pequenos funcionários municipais (LEITE LOPES, 1976). As periferias e locais mais inóspitos das pequenas e médias cidades das regiões tradicionais de presença da agroindústria canavieira passaram a concentrar abrigos precários e insalubres habitados por estes “refugiados dos campos”, como bem os nomeou Ignacy Sachs. Foram essas transformações sociais que cativaram a atenço dos jovens aprendizes do ofício de pesquisadores em antropologia social, que delas fizeram seus objetos de estudo para dissertações de mestrado e teses de doutorado.

Nas pesquisas de campo sobre o universo tradicional na Cabília constata-se que a reconstituiço dos comportamentos efetivos e dos modos de pensar que os suportam era indispensável para compreender os desafios aos quais foram confrontadas essas populações. Na introduço de Travail et travailleurs en Algérie, Bourdieu reivindica a relevância da associaço entre prática de etnografia e métodos estatísticos: “se a colaboraço entre o sociólogo e o estatístico parece necessária frente a toda eventualidade, ela é seguramente mais indispensável ainda ao se estudar sociedades em plena mutaço. Com efeito, o método etnográfico encontra obstáculos de monta diante de uma realidade complexa e móvel que suscita todas as aparências da incoerência. Por outro lado, apenas o conhecimento dos modelos culturais antigos permite captar o sentido de comportamentos referidos a esses modelos, mesmo quando os traem, os transformam ou os recriam, diante de situações novas” (BOURDIEU et al., 2021, p. 25). Da mesma forma que na Argélia dos anos 1960, as populações “desenraizadas” no Brasil, ao deixar o mundo rural onde viviam, so confrontadas com desafios culturais para os quais no estavam preparadas. A miséria material que as ameaça é redobrada pela ineficácia das referências culturais tradicionais para lidar com as novas configurações sociais, sem disporem de meios efetivos de adotarem estratégias de aprendizado e reconverso necessárias aos novos universos sociais impostos pelo mundo urbano.

O conceito de “camponês” refere-se sobretudo a grupos de agricultores, certamente submetidos a potências políticas, religiosas e culturais externas à sua organizaço social, e inscritos em mercados que no controlam, todavia dispõem de uma relativa autonomia social em seus povoados e aldeias administrados localmente. Entretanto, essa noço no permite a consideração adequada da morfologia social de uma outra forma de organizaço de populações rurais situadas no interior de grandes propriedades, em regra geral em países coloniais, voltadas para culturas de exportaço em direço a mercados longínquos[5] (WEBER, 1986; KULA, 1970). A mo de obra é composta frequentemente de escravos vindos da África subsaariana ou por diversas formas de trabalho forçado. As plantations inauguradas nos séculos XVI e XVII merecem uma atenço especial, sobretudo pelo fato de as modalidades de submisso desse tipo de “campesinato” (se quisermos ampliar o conceito de camponês com esse referente particular de populações subordinadas ao dono do domínio em que vivem) contrastarem fortemente com as demais modalidades no tocante à impossibilidade de gerir a vida individual e familiar de forma autônoma. Por conseguinte, as populações rurais so atravessadas por modos de dominaço diversos; as plantations so paradigmáticas do controle direto e externo da vida dos trabalhadores rurais e constituem o próprio símbolo dos estabelecimentos baseados na condiço de escravos modernos. No caso das plantations, o desenvolvimento do capitalismo sob a forma de trabalho assalariado supõe transformações específicas. A passagem de estabelecimentos organizados por meio de trabalho forçado ao recrutamento de assalariados participando de mercado de trabalho moderno, no sentido que assumem no século XX, no é fruto de evoluço simples e linear. Eric Wolf e Sidney Mintz (1957) chamaram a atenço, a partir de seus trabalhos a respeito da América Central e das Antilhas, sobre a amplitude da mudança implicada pelo abandono do sistema de relações sociais e das ideologias que confortam, que nomearam de “antigas plantations” em contraposiço a “plantations de novo tipo” baseadas sobre o trabalho assalariado. Se ambas produziam bens destinados ao mercado internacional (Europa, Estados Unidos), as primeiras repousavam sobre formas de trabalho forçado (slavery, encomienda etc.), enquanto as últimas so estabelecimentos agroindustriais que recrutam sua força de trabalho segundo regras e normas similares às do mercado de trabalho urbano.

Moacir Palmeira, sociólogo que assistiu como doutorando em Paris aos seminários de Bourdieu de 1967 a 1969, na VI Seço da ento École Pratique des Hautes Études, fez largo uso do conceito de campo intelectual para estudar o debate vigoroso sobre a questo agrária no Brasil, tendo por referente a natureza das relações sociais nas plantations a partir dos anos de 1940, e concluir pela organizaço de um projeto de pesquisa empírica abrindo a possibilidade de ir além das contradições e inconsistências da literatura examinada em sua tese.

 

A gênese das etnografias sobre a recomposição das plantações canavieiras do Nordeste

Nascido em 1942 de família de senhores de engenho do Nordeste, Palmeira tomou como objeto de tese o debate dos historiadores e dos sociólogos brasileiros sobre a caracterizaço do meio rural como feudal ou capitalista, trabalho defendido em 1971. Foi recrutado por essa época por Roberto Cardoso de Oliveira para ser docente-pesquisador do recém-criado mestrado em antropologia social do Museu Nacional, instituiço que inovava associando um vasto programa de pesquisas empíricas à formaço dos estudantes. O interesse do jovem pesquisador estava vinculado ao entendimento de como as feiras semanais de cidades das regiões canavieiras, que conheceram um forte crescimento nos anos de 1950 na Zona da Mata, contribuíam para erodir o monopólio dos senhores como mediadores incontornáveis das trocas em que se inseriam as famílias abrigadas em seus domínios (PALMEIRA, 1971a). Essas praças de mercado favoreciam o estabelecimento de relações horizontais entre os moradores das grandes plantações e o pequeno campesinato estabelecido nos interstícios e periferias. Essas transformações abriram os caminhos para diversas modalidades de movimentos sociais no campo, visando melhores condições de vida e trabalho para a mo de obra submetida aos grandes proprietários e contestando o monopólio do poder dos donos de plantation. Esse crescimento das feiras locais diminuía a força das redes de estabelecimentos comerciais instalados em cada plantaço individualizada (ditos barracões) que tinham o monopólio de compra e venda de produtos de subsistência nesse âmbito, e que eram garantidos de ser reembolsados pela folha de pagamento hebdomadário do engenho ou da usina. Era no barraco que a administraço do engenho ou da usina procedia ao pagamento dos moradores envolvidos nas diferentes atividades agrícolas ou industriais. Essa interaço semanal de famílias de moradores com os responsáveis pela plantation tinha sobretudo um caráter ritual, pois de fato as dívidas contraídas ao longo da semana eram geralmente superiores aos ganhos correspondentes aos trabalhos efetuados. O crédito concedido pelo barraco redobrava a dívida moral associada ao fato de estar abrigado no domínio e de dispor de certas vantagens para assegurar a vida do grupo doméstico. Poder frequentar a feira da cidade mais próxima constituía uma demonstraço do equilíbrio do orçamento doméstico. A imagem das feiras como espaços de encontro vinculados à maior liberdade de comportamentos e fonte de informaço independente dos controles da hierarquia era reforçada no confronto entre esses dois tipos de circuitos comerciais.

No parece ser por acaso que o início das organizações de defesa dos interesses de famílias camponesas teve nas feiras um espaço percebido como adequado para discussões com trabalhadores e proselitismo em favor de mobilizações coletivas (JULIO, 1962). Nesse particular, o pioneirismo das Ligas Camponesas é inconteste, sendo organizadas desde 1954 com a colaboraço do advogado e deputado pelo PSB Francisco Julio para defender uma modalidade de antigo morador residente em domínio no explorado diretamente com cana pelos senhores, os foreiros, quando esses se viam ameaçados de expulso da terra que ocupavam. Esse movimento foi seguido rapidamente pela organizaço de sindicatos de trabalhadores rurais de origem católica ou comunista, que estavam mais voltados para os assalariados agrícolas residindo em explorações açucareiras. Tais mobilizações repercutiram fortemente no Parlamento Nacional e provocaram a aceleraço do voto de novos direitos sociais e agrários (em particular do Estatuto do trabalhador rural de 1963) e sua aplicaço mais imediata nas regiões da agroindústria canavieira (FURTADO, 1964; CAMARGO, 1973). A etnografia minuciosa da concorrência entre o sistema de barracões e as feiras locais permitiu a Palmeira utilizar a sociologia da aço econômica como chave para compreender a eroso dos poderes dos senhores e os modos de acumulaço de recursos materiais e cognitivos de novos atores políticos vindos das camadas mais desfavorecidas. Sua investigaço pioneira logo se estendeu a muitas outras, a começar pelas de Lygia Sigaud, à época estudante de mestrado do Museu Nacional, que concentrou sua atenço na análise das categorias de pensamento dos moradores a partir do registro sistemático de entrevistas gravadas e realizadas nas sedes dos sindicatos de trabalhadores rurais.

Essa primeira monografia de Sigaud (1980, p. 13-114) ressaltou o fato que, para os moradores, o tempo social se apresentava partido entre a época de antes dos direitos e a época de depois dos direitos, quando os patrões teriam “se tornado ruins”. Os senhores abrigavam de longa data as famílias de trabalhadores da cana nos domínios, concedendo um pequeno espaço onde podiam construir suas casas, podendo usar o terreiro que as circundava para criar pequenos animais (aves, porco, cabra etc.), um lote de terra a cada ciclo agrícola onde podiam botar roçado cultivado com lavouras temporárias (mandioca, milho, feijo, fava etc.), lote este que por vezes permitia plantar árvores frutíferas (sítio), concedendo ainda acesso à água de fontes na propriedade e à lenha para cozinha, e asseguravam proteço em momentos críticos do ciclo de vida doméstico (nascimento de crianças, doenças, mortes, acidentes de trabalho etc.). Este tempo era percebido como associado a certa abundância, contrastando com o presente marcado pela preciso. A expresso depois dos direitos designava o período que sucedeu à instauraço do direito do trabalho (fixando salário mínimo, repouso semanal remunerado, férias anuais, 13o salário no fim do ano; indenizaço por tempo de serviço ao despedir um antigo empregado etc.) e correspondia ao momento em que os patrões teriam adotado atitudes hostis, aproveitando-se de qualquer pretexto para suprimir as vantagens concedidas a seus “protegidos”, e expulsá-los de suas terras. Os direitos implantados no início dos anos 1960 assinalavam uma ruptura entre o mundo da antiga plantation e o mundo atual, onde todos os equilíbrios tornaram-se instáveis e a ameaça de ter que ir embora em direço à periferia das cidades simbolizava a degradaço das famílias.

Estimuladas pelo apoio e a ajuda material e intelectual de Palmeira e Sigaud, novas investigações se iniciaram tendo por foco agentes sociais situados na parte inferior do espaço social: o campesinato marginal à grande plantaço dispondo de poucas terras a cultivar, responsável pela produço de culturas alimentares adquiridas pelos assalariados agrícolas (HEREDIA, 1979; GARCIA JR., 1983), o campesinato da regio Agreste, onde os solos eram de menor fertilidade, que migra sazonalmente para a Zona da Mata em épocas de colheita de cana (RINGUELET, 1977), os operários da parte industrial das usinas, que residem no interior das terras da agroindústria (LEITE LOPES, 1976), cuja atividade anual é submetida a fortes variações sazonais. Foram também estudadas instituições que assinalam mudanças afetando as relações personalizadas, como feiras implantadas no interior das usinas (GARCIA PARPET, 1977, 1993), a criação dos sindicatos de trabalhadores rurais (estudados por L. M. Gatti) e da Justiça do Trabalho (investigada por V. Echenique). Esta lista prolongou-se durante os anos de 1970 e passou a incluir outras dissertações de mestrado e teses de doutorado, estudando a adeso de camponeses ao pentecostalismo (NOVAES, 1985), as cooperativas camponesas (ASSUMPÇÃO, 1978), a instalaço coletiva de famílias camponesas em terras destinadas por dom a patrimônio religioso (RINALDI, 1980), e várias outras.

A diversificaço das situações sociais e de estilos de vida demonstrava a complexidade das mudanças em curso e soava como advertência contra todo reducionismo em direço de oposiço simplificadora da dualidade senhores e camponeses, embora fosse nítido que forte hierarquia social estivesse inscrita no espaço físico das propriedades, entre canaviais a perder de vista e roçados diminutos, na aparência das casas (entre casa-grande e abrigos de pau a pique dos moradores), no aspecto físico dos indivíduos (sobretudo a cor da pele e outros atributos físicos), nas vestimentas esfarrapadas e ausência frequente de calçados entre os trabalhadores, nas modalidades de uso da palavra em público. Naço dos homens, representaço coletiva que se tornou o título da dissertaço de mestrado de Sigaud, designa claramente a primazia absoluta dos grandes proprietários na vida quotidiana da regio e a força dos patriarcas para impor suas vontades.

Esse conjunto de etnografias individualizadas, entretido com persistência e tenacidade pelas discussões de Palmeira e Sigaud e os aprendizes-pesquisadores, contribuiu muito para recompor e aprofundar as hipóteses das pesquisas iniciais. Cada investigaço seguia seu próprio itinerário, mas cada uma delas contribuía para resultados cumulativos e complementares de uma viso de conjunto. Como exprimiu Palmeira em prefácio da monografia de Leite Lopes, os avanços da pesquisa se manifestavam pela teoria investida nos fatos (LEITE LOPES, 1976). Vê-se aqui a marca da concepço da relaço entre o trabalho teórico e a análise empírica to cara a Bourdieu. O desenvolvimento do capitalismo no Nordeste também estava vinculado à degradaço material das famílias e à perda de suas referências culturais. O estudo da reconstituiço do mundo tradicional e seu colapso nos trabalhos de Bourdieu e Sayad (1963, 1964) serviu de paradigma para compreender os avanços do capitalismo na periferia na segunda metade do século XX.

A ameaça de interrupço da pós-graduaço do Museu Nacional e do projeto de pesquisa a ela associado, provocada pela perda de certos financiamentos internacionais, ocasionou uma certa comoço entre professores e estudantes. Debates promovidos naquele momento, para examinar meios de escapar da liquidaço de programa promissor, acabaram por formular um ambicioso programa de novas investigações que deveriam ser suscetíveis de interessar outras agências de financiamento afora a Fundaço Ford, origem dos recursos até aquele momento. Efetivamente a sobrevida do Programa de Pós-Graduaço em Antropologia Social esteve ligada à sua percepço como grande novidade no meio universitário nacional, onde raras eram as possibilidades de formaço de pesquisadores de alto nível, com exceço do que ocorria com a sociologia da Universidade de So Paulo (USP). Essa situaço particularmente dramática ajuda a entender os investimentos profundos realizados com o fito de assegurar a existência de pós-graduaço em moldes internacionais e dotada de pesquisas envolvendo alunos e professores. O que se acompanhou, como seria de se esperar, de reforço de laços afetivos e profissionais entre todos aqueles que participaram da redaço e da negociaço com as agências financiadoras de novo e ambicioso projeto de pesquisas (GARCIA JR., 1993, p. 9-18).

 

De rede internacional de investigações à invenção de pós-graduação na periferia

A implantaço da pós-graduaço em antropologia social no Brasil significou um marco central da evoluço do ofício de antropólogo e da própria disciplina neste país (GARCIA JR., 2009, p. 57-92). Esse fato supôs a colaboraço do antropólogo britânico David Maybury-Lewis, no momento de sua integraço à Universidade de Harvard, com Roberto Cardoso de Oliveira, um dos pioneiros de etnografias sobre grupos ameríndios da Amazônia, e contou com o apoio de Luiz de Castro Faria, que desde a “expediço Lévi-Strauss“ ao Mato Grosso, em meados dos anos de 1930, começara a participar da diviso de antropologia do Museu. A controvérsia científica entre Maybury-Lewis e Lévi-Strauss, a propósito do caráter exogâmico das “metades” que dividiam as organizações sociais das “sociedades primitivas”, esteve na origem do projeto de cooperaço científica da instituiço norte-americana e o Museu Nacional para permitir o esclarecimento das questões básicas que imprimiam às organizações sociais dos grupos Gê do Brasil Central seu perfil característico.

O fim desse primeiro projeto de colaboraço entre Harvard e o Museu Nacional em 1966 coincidiu com a profunda alteraço do espaço político brasileiro após o golpe de estado militar de 1964, resultando ainda em represso contra intelectuais e cientistas. Cardoso de Oliveira viu deixar o país alguns de seus aliados mais preciosos, sobretudo aqueles que haviam ocupado postos de mando no sistema de ensino e com prestígio nas agências de financiamento à pesquisa (CNPq, Capes): Darcy Ribeiro, que o trouxera de So Paulo para o Rio de Janeiro para dirigir pesquisas do Museu do Índio, Florestan Fernandes, que o havia iniciado na USP em antropologia como egresso de estudos de filosofia, Fernando Henrique Cardoso, seu cunhado e jovem sociólogo desta universidade paulista. Para Cardoso de Oliveira, o reforço da cooperaço com Maybury-Lewis e a Universidade de Harvard foi um instrumento para a continuidade de suas iniciativas de inaugurar um curso de pós-graduaço no Museu Nacional. Os dois parceiros apelaram à Fundaço Ford que os dotou de financiamentos para criar um mestrado em antropologia social, com verba para pesquisa de docentes e alunos, além de uma biblioteca com coleções das principais revistas internacionais especializadas da disciplina e monografias tanto clássicas como na ponta da ciência. Podiam ainda recrutar jovens pesquisadores como Palmeira, para se dedicar em tempo integral à docência e à pesquisa, e eram ofertadas bolsas de estudo a estudantes que consagravam a totalidade de suas jornadas a seus estudos. Tais condições, frequentes nos Estados Unidos e em alguns países europeus, constituiam uma novidade absoluta no Brasil, sobretudo quando confrontadas com as condições de professores e estudantes de gerações precedentes. A Fundaço Ford, que iniciava seus financiamentos em ciências sociais no Brasil, impôs igualmente que os temas de investigações no mais se restringissem a parentesco, a rituais e à cosmologia de grupos indígenas. Um novo projeto de pesquisa, intitulado Projeto de Desenvolvimento Regional Comparado, que seria dirigido ainda desta vez pela dupla Cardoso-Maybury-Lewis, tinha por objeto as transformações em cursos nas cidades e nos campos do Nordeste e da Amazônia. Dessa forma, a disciplina antropologia social no se veria mais restrita a sociedades indígenas e sua abrangência se inscrevia nas tendências mais recentes à época praticadas nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Foi neste contexto que as pesquisas de Palmeira e Sigaud se iniciaram. O derradeiro capítulo da tese de doutorado de Palmeira (1971a) apresenta proposições de pesquisa sobre as grandes plantações açucareiras no Nordeste à luz de problemáticas suscitadas por Wolf e Mintz, opondo antigas e novas plantations, para estudar suas transformações nas Américas. Se a produço da colônia brasileira era destinada aos mercados europeus e supunha fluxos constantes de escravos africanos, a simples referência ao conceito de sistemas de mercado interdependentes (POLANYI, 1944; POLANYI; ARENSBERG; PEARSON, 1957) no permitia compreender a mudança social efetiva. O sistema de mercados de produtos coloniais vinculado a mercados de escravos era bem diferente daquele que supunha uma força de trabalho livre de seus movimentos.

 

A ameaça de desaparecimento do PPGAS e a busca da salvação por meio da pesquisa inovadora

Da primeira turma de mestrado fazia parte Lygia Sigaud, cujos trabalhos foram mencionados anteriormente, e Otávio Velho, que iniciou suas investigações sobre a frente pioneira na Amazônia, composta em grande parte de migrantes do Nordeste, fluxo que seria incrementado desde 1970 quando a seca no Nordeste desencadeou como resposta política dos governos militares de incentivo à migraço para Amazônia (VELHO, 1972, 1976). Os governos militares viram na migraço em grande escala para a Amazônia um meio de povoar o território de populaço rarefeita diante da cobiça explícita de grandes potências internacionais. Visaram ainda canalizar as demandas por reforma agrária em “colonizaço de áreas livres da Amazônia”, o que se explicitou na modificaço do nome do órgo público, que de Ibra passou a se intitular Incra. Novas gerações de estudantes pós-graduados iniciaram pesquisas nas pegadas dos três pioneiros supramencionados, todos formados em licenciatura de sociologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e convidados por Roberto Cardoso a assumirem cargos de docentes da pós-graduaço. O corpo de professores integrou igualmente Luiz de Castro Faria, que começou a frequentar o Museu Nacional em 1935, Roberto da Matta, que estava acabando sua tese de doutorado em Harvard sob a orientaço de David Maybury-Lewis, Francisca Vieira Keller, que se doutorara na USP, Neuma Walker, PhD nos Estados Unidos, e professores e pesquisadores vinculados ao Centro Latino-Americano de pesquisas em ciências sociais (Clapcs).

O ambiente de iniciativas inovadoras impulsionadas por debates abertos e informados pela cena internacional contrastava com as restrições impostas pela ditadura militar que procurava por diferentes meios provocar o desaparecimento dos direitos cívicos os mais elementares, fazendo da tortura sistemática o principal instrumento de controle dos adversários. Em 1972, essa existência ambivalente de nova instituiço tornou-se ainda mais sombria diante da ameaça de fim dos financiamentos internacionais para atividades de ensino e pesquisa.

Desacordos sobre critérios de progresso profissional da carreira de docente-pesquisador do Museu Nacional, envolvendo Cardoso de Oliveira e a direço da instituiço, a propósito do peso dos títulos acadêmicos e publicações efetuadas, acabaram por acarretar a partida daquele pesquisador. Depois de ano sabático nos Estados Unidos, acolhido pela Universidade de Harvard, Cardoso de Oliveira aceitou o convite de Roque Laraia para em seu retorno ao Brasil organizar nova pós-graduaço na Universidade de Brasília. Sua ausência ameaçou o funcionamento regular da instituiço do PPGAS nos quadros do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, pois apenas Luiz de Castro Faria e Roberto da Matta eram docentes dos quadros da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nessa época a demisso de professores ocorria com certa frequência como puniço por suas opiniões políticas, e o fechamento desta pós-graduaço significava uma grave diminuiço das chances de futuros promissores em antropologia social. Assim, discussões aprofundadas ocorreram entre docentes-pesquisadores e estudantes, desembocando na proposta de concepço de projeto de pesquisa suscetível de abrir as portas de financiamentos internacionais.

De fato esta ameaça à existência coletiva funcionou como estímulo suplementar a reforçar a cooperaço entre titulares de projetos conduzidos individualmente até ento. Dois dos estudantes de mestrado – Leite Lopes e Garcia Jr. – trabalhavam profissionalmente como economistas da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), uma agência pública destinada a promover projetos de desenvolvimento industrial e serviços de infraestrutura, mas seus dirigentes estavam atentos para desafiar os obstáculos ao desenvolvimento científico e tecnológico do país. Seu presidente – José Pelúcio Ferreira – havia organizado um grupo de pesquisa destinado a explorar as possibilidades de enfrentar a forte concentraço dos benefícios do crescimento econômico. Os dois jovens economistas trabalhavam neste novo grupo de pesquisas e estudavam as evoluções das desigualdades da renda nacional e as limitações do mercado de trabalho na incorporaço de novos contingentes. Nessa condiço foram convidados à reunio em Brasília onde jovens economistas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Claudio Salm e Luiz Carlos Silva, haviam preparado um relatório demonstrando os efeitos catastróficos dos deslocamentos rurais-urbanos com a chegada maciça de migrantes originários de grandes plantações de todo o país voltadas para exportaço. A vontade de compreender as evoluções prováveis do mercado de trabalho fazia eco à preocupaço de analisar os efeitos das migrações maciças de contingentes de desprovidos de meios materiais e intelectuais capazes de assegurar o sucesso da inserço em meio urbano. Desde as primeiras discussões com os economistas do Ipea houve menço do interesse dos experts do Banco Mundial pelo conhecimento mais a fundo dos modos de crescimento da pobreza, especialmente nas grandes metrópoles. Informados dessas possibilidades, os docentes-pesquisadores e estudantes do PPGAS do MN se mobilizaram para conceber um projeto capaz de obter os financiamentos necessários à sobrevida da instituiço. Foi assim que o projeto “Emprego e mudança socioeconômica no Nordeste” foi elaborado, entre setembro de 1972 e janeiro de 1973, sendo ento submetido à aprovaço do Ipea, organismo inscrito no Ministério do Planejamento, para que se chegasse finalmente à convenço com o Banco Mundial (PALMEIRA, 1976, p. 201-238). A redaço deste projeto envolveu a colaboraço de 12 pesquisadores, entre docentes e mestrandos, durante vários meses, atividade suplementar às obrigações como profissionais ou estudantes, todos movidos pelo sentimento de salvar uma instituiço ameaçada de extinço to logo começou a dar seus primeiros frutos (CARVALHO, 2016). Para conseguir financiamentos consequentes, a proposta de pesquisas fundada em conhecimentos acumulados pela antropologia social devia provar sua capacidade de ir além das análises habituais nos assuntos que eram tradicionalmente estudados por disciplinas bem estabelecidas e dotadas de prestígio como a economia, a ciência política e a sociologia. Toda monografia isolada, mesmo portadora de grande interesse científico, seria fatalmente considerada como pontual por gestores de agências financiadoras interessados por questões macroeconômicas. Em contraposiço a investigações voltadas to somente para os diversos grupos ameríndios existentes no território nacional, o desafio a enfrentar era o de demonstrar a pertinência e a complementariedade do uso simultâneo de métodos estatísticos e etnográficos para compreender os modos de desenvolvimento econômico e as implicações sociais e culturais dessa evoluço. O texto do projeto final, sobretudo sua introduço, explicitava as grandes lacunas dos debates entre economistas que os antropólogos se propunham a preencher. A forte retomada do crescimento econômico do inicio dos anos 1970, que foi catalogada pelos arautos do regime militar de “milagre econômico”, foi acompanhada pela intensificaço das migrações rurais-urbanas e interregionais; ao mesmo tempo houve uma alta significativa dos níveis de desemprego e de todo tipo de atividades associadas à parca remuneraço (subemprego), o que contribuía para acentuar as desigualdades entre as diversas regiões do Brasil e os contrastes entre o topo e a base da pirâmide social. Nos casos estudados no Nordeste, para melhor se compreender as condições de vida dos assalariados, era imprescindível explorar o contraste entre os desafios presentes em economia completamente monetarizada e os modos de vida e de pensar de famílias inscritas numa “economia do favor”, outrora abrigadas em grandes domínios e “protegidas” pelos senhores de terra. A concorrência entre ferramentas intelectuais diferentes forjadas pelas diversas ciências sociais acarretava o aprofundamento do conhecimento das situações estudadas a partir da análise das categorias de pensamento dos agentes sociais e a objetivaço dos desafios representados pela passagem a uma economia completamente monetizada.

O projeto foi transmitido aos financiadores potenciais, ou seja, aos organismos vinculados ao Ministério do Planejamento e aos peritos do Banco Mundial desde o início de 1973, mas os fundos apenas foram atribuídos em meados de 1975. Projeto considerado de grande interesse científico para uma viso mais clara dos processos em curso, programa bem acolhido pelos peritos do Banco Mundial, contentes de encontrar uma análise minuciosa da “pobreza no Brasil” e sua proliferaço recente. Contudo, em momento de auge do autoritarismo, suscitou uma desconfiança pronunciada das autoridades responsáveis pelo Ministério do Planejamento, em particular do ministro Joo Paulo dos Reis Velloso e do economista Nilson de Hollanda, presidente do Ipea. A demora do financiamento efetivo é um índice eloquente dos obstáculos políticos ao debate aberto no espaço público sobre os rumos da economia e da morfologia social, particularmente diante de programa de estudos destinado a aumentar a visibilidade das razões sociais do incremento da “pobreza no Brasil” entre grupos desfavorecidos. A industrializaço por substituições de importações, a partir da crise de lavouras de exportaço, certamente provocou o crescimento acelerado da economia e a diversificaço de atividades produtivas, mas as camadas mais modestas da populaço, particularmente as egressas do campo, dele no se beneficiaram, e a distribuiço da renda e do patrimônio conheceu uma concentraço ainda mais pronunciada. O crescimento econômico se associou a novos bolsões de pobreza e incrementou as distâncias sociais. A longa discusso entre os antropólogos do Museu Nacional e as autoridades sobre modalidades de financiamento do projeto acabou por afastar o Banco Mundial da parceria na alocaço de fundos, e a Finep assumiu um papel ativo de compor uma federaço de entidades do Ministério do Planejamento, que assinalasse o caráter exclusivamente nacional do mecenato. Objetivar a pobreza no interior do crescimento da riqueza infundia receio. Foi assim que o convênio passou a ser promovido pelas entidades Finep, Ipea, IBGE, tendo a UFRJ como beneficiária. Ressalte-se, como já mencionado, que o projeto foi motivado pelo ímpeto de preservar o PPGAS como instituiço de ensino, e boa parte do orçamento destinava-se a cobrir o salário dos professores. Em meados dos anos 1970, a Finep começou a apoiar doutorados e centros de pesquisa de nível internacional de implantaço recente no país, substituindo a Fundaço Ford em auxílios às pós-graduações e pesquisas de ponta.[6] Por essa época, José Pelúcio Ferreira aproveitou uma recomposiço das autoridades nomeadas para organismos do Ministério da Educaço para obter seis contratos para docentes-pesquisadores do Museu Nacional, o que permitiu regularizar a situaço de professores que haviam sido recrutados graças às subvenções da Fundaço Ford.

Desta forma, o projeto coletivo para manter as atividades de ensino pós-graduado, voltado para prática de pesquisas individualizadas nos moldes de etnografias, permitiu obter os meios de institucionalizaço definitiva do PPGAS. Note-se que esta modalidade de aço coletiva, esboçando investigações inovadoras para justificar novo programa de pós-graduaço, reeditava nos anos 1970 aquela que permitira a Cardoso de Oliveira e Maybury-Lewis continuar a parceria em ensino e pesquisa. Em ambos os casos foi a reputaço obtida com atividades científicas no âmbito nacional e internacional, essa forma particular de capital simbólico, que foi reinvestida em investigações inovadoras que asseguraram os meios para a simples existência institucional na esfera local. O prestígio da pesquisa empírica no PPGAS do Museu Nacional parece ter sido reforçado pela mesma forma como se deu sua institucionalizaço.

A demonstraço histórica realizada anteriormente segue um dos princípios fundamentais da epistemologia de Bourdieu. A objetivaço da relaço dos pesquisadores com seus objetos de pesquisa é uma maneira central de construí-los completamente, para no projetar no objeto estudado apenas a própria relaço particular que esta atividade suscita. Vê-se no caso examinado que o desenho de objetos e investigações inovadores supôs certas relações específicas entre pesquisadores, suas instituições de pertencimento e os vínculos que tecem com agências de financiamento à pesquisa, sejam elas nacionais ou internacionais. A sociologia das configurações sociais implicadas pelas investigações empíricas transforma-se em reforço das condições para apreciar a validade dos objetos examinados, tornando explícita, objetiva, a perspectiva particular em que os cientistas constroem seus objetos de estudo.

Se antropólogos de diferentes gerações do PPGAS puderam convencer um certo número de pares, interessados pelo avanço das ciências sociais, da pertinência do trabalho etnográfico a realizar nos anos 1970, o que pensar hoje em dia dessa experiência histórica e que resultados científicos podem ser destacados?

A integraço de pesquisadores do PPGAS nas redes internacionais tecidas por Bourdieu, com a colaboraço dos pesquisadores do CSE (Centro de Sociologia Europeia) ou a ele associados, é melhor compreendida se observarmos que o projeto “Emprego” se iniciou efetivamente no mesmo momento em que Monique de Saint Martin realizava sua primeira estadia no Brasil, e passava a animar uma cooperaço de largo fôlego com redes de pesquisa brasileiras.[7] Também em 1976, Palmeira, Sigaud e Leite Lopes apresentaram seus primeiros resultados de pesquisa no Congresso Internacional dos Americanistas em Paris. As investigações sobre transformações dos modos de dominaço no Nordeste se inscreviam em diálogo constante com Bourdieu e sua equipe, o que muito contribuiu para a ampliaço dos temas de pesquisa estudados no PPGAS. Várias estadias pós-doutorais dos pesquisadores brasileiros marcaram esse novo período, o que também foi o caso no tocante à vinda ao Brasil de numerosos pesquisadores do CSE e do Csec, como Jean-Claude Combessie, Francine Muel-Dreyfus, Abdelmalek Sayad, Michel Pialoux, Jean-Pierre Faguer, Victor Karady, Louis Pinto, Johan Heilbron e tantos outros, compreendendo as novas gerações (Gisèle Sapiro, Fédéric Lebaron, Franck Poupeau, Julien Duval).

Uma boa ilustraço da participaço de pesquisadores brasileiros na renovaço de temas estudados pelas ciências sociais no âmbito internacional, e também do trabalho em comum entre pesquisadores dos dois lados do oceano, é o artigo “La disparition de la joie du peuple” (“O desaparecimento da alegria do povo”), sobre a morte de Garrincha e as cerimônias a que deu lugar, editado em Actes com a colaboraço de Sylvain Maresca (LEITE LOPES; MARESCA, 1989). A história deste antigo operário têxtil dos subúrbios do Rio, que se tornou um craque internacional de futebol, é posta em relaço com o estilo de jogo extremamente singular desse “herói” das Copas do Mundo de 1958 e de 1962. Leite Lopes participou dessa forma da consolidaço da sociologia do esporte como tema reconhecido nas ciências sociais internacionalizadas, mobilizando suas etnografias precedentes sobre os modos de dominaço de tecelagens do Nordeste.

 

Metamorfoses da hierarquia social

A antropologia social tomou ares no Brasil, nos anos 1960, de disciplina inovadora, possibilitando afrontar mesmo questões suscitadas pelos modos de crescimento econômico e pela mobilidade social de efeito limitado entre grupos subalternos. Ela surgiu igualmente associada ao privilégio da observaço direta dos fatos sociais e da atenço ao olhar que os agentes endereçam ao universo social no qual esto imersos. Ela materializou uma tomada de distância por relaço à tradiço objetivista comum na investigaço dos economistas e dos politólogos, que nitidamente privilegiam estatísticas e a regularidade constatada dos comportamentos observados. Esse método implicava admitir que os etnográfos em campo, mesmo tendo sido formados nos cursos mais prestigiados e dispondo de diplomas ultravalorizados, no chegavam a decriptar de saída o sentido dos enunciados pronunciados por populações de baixa extraço social e exigia uma modéstia pouco habitual nos contingentes com alto grau de escolarizaço. Reconstituir o universo social e sua hierarquia a partir das categorias de percepço de camadas desfavorecidas, em particular com fraca escolaridade, constituiu de fato um protocolo inovador abrindo as portas à renovaço dos modos de compreenso do trabalho de dominaço e sua eficácia. A realizaço simultânea de etnografias coordenadas permitiu mostrar o que era recorrente e o que variava de maneira contingente. Por exemplo, a oposiço central no discurso dos grupos dominados das áreas estudadas aparecia em torno da dualidade entre “sujeitos” e “libertos”, tendo por referente explícito a escravido, abolida juridicamente em fins do século XIX.[8] A residência da família nas grandes plantações açucareiras era sistematicamente associada à condiço de sujeito, enquanto a residência em pequenas propriedades no meio rural, mesmo que dispusessem de meios materiais em quantidade inferior a membros do primeiro grupo, era sistematicamente associada à condiço de “liberto”. O conteúdo dessa dualidade apresentava forte variaço de sentido, mas seu caráter recorrente se mostrava decisivo para compreender os modos de exercício do poder pelos patrões ou senhores e para captar o conjunto completo das obrigações a serem respeitadas pelas famílias de dependentes. Sem conseguir entender e explicar essas categorias de pensamento, todas as lógicas do comércio em pequena escala, do artesanato, das migrações em direço às cidades industriais e suas temporalidades, das práticas correntes do trabalho em família, ou mesmo a filiaço religiosa e a conduta política permaneciam opacas e ininteligíveis. Contudo é preciso considerar que estes procedimentos corriqueiros em investigaço etnográfica chocavam os utilizadores habituais de métodos estatísticos, com críticas frequentes a portas abertas ao “subjetivismo” nos métodos de investigaço adotados. Conjugar métodos etnográficos e estatísticos supôs batalhas intelectuais de certa amplitude, no foi prática aceita sem mais.

A atenço voltada para categorias de pensamento “indígena”, retomando vocabulário corrente em antropologia, mas agora diante de sociedades complexas, provocou o ceticismo diante da aplicaço de questionários logo de saída na pesquisa de campo. Se as palavras poderiam ter significados diversos para o pesquisador e para o informante, como se poderia assegurar o valor das interpretações dos dados obtidos por meio de técnicas de sondagem? No caso do projeto “Emprego”, a pertinência dos métodos utilizados supôs a confrontaço permanente da observaço das interações sociais (em feiras, nos trabalhos no roçado, na agroindústria açucareira etc.) com as informações obtidas por questionários, pelo tratamento de dados secundários de fontes oficiais (IBGE) e por exame dos arquivos disponíveis. As representações coletivas sobre a vida social, encontradas nos discursos dos agentes, nunca dispuseram de privilégio absoluto. Certos pesquisadores adotaram técnicas quantitativas em suas investigações. Palmeira, por exemplo, organizou por anos sucessivos recenseamentos de vendedores na feira de Palmares, município da Mata Sul de Pernambuco, para confortar a análise da expanso das redes comerciais e aplicou um questionário em amostra de barracões. Marie-France Garcia Parpet por sua vez realizou também recenseamentos da feira de Remígio na Paraíba e contabilizou os talões de cobranças de taxas por exibiço de mercadorias para melhor entender as flutuações sazonais (os resultados de dois censos de feira no município de Remigio são apresentados no Quadro 1).

 

Quadro 1 – Feira de Remigio, Paraíba

                                          Distribuição dos vendedores por sexo e por setor

 

1982

1989

Setores

H

M

Total

H

M

Total

Farinha de mandioca

15

-

15

21

-

21

Feijão

13

-

13

16

-

16

Carne

25

3

28

30

1

31

Rapadura

2

-

2

1

-

1

Peixe Seco

4

3

7

22

-

22

Estivas

6

1

7

21

6

27

Queijo

-

-

-

2

-

2

Goma

-

-

-

-

1

1

Verdura

4

6

10

11

9

20

Ervas
medicinais

1

1

2

4

1

5

Frutas

24

5

29

24

12

36

Temperos

2

1

3

-

-

-

Pão

1

-

1

5

1

6

Picolé

5

-

5

-

-

-

Balas

4

-

4

1

2

3

Refrescos

2

1

3

3

1

4

Banco de café

1

18

19

-

17

17

Cigarro/cachaça

7

2

9

10

-

10

Fumo

7

-

7

3

-

3

Jogos

2

-

2

2

-

2

Confecção

7

8

15

31

16

47

Tecidos

3

3

6

2

5

7

Miudezas

5

1

6

4

7

11

Sapatos

7

2

9

13

3

16

Discos

1

-

1

-

-

-

Louças

1

1

2

1

-

1

Mangaio

1

-

1

6

2

8

Cerâmica

4

2

6

3

5

8

Ferramentas

8

-

8

5

-

5

Material de
construção

1

-

1

-

-

-

Bicicletas

1

-

1

7

-

7

Malas

2

-

2

-

-

-

Móveis

1

-

1

2

-

2

Redes

2

-

2

1

-

1

Troca

3

-

3

4

-

4

Galinhas

1

-

1

1

-

1

Porcos e cabras

2

-

2

1

-

1

Vacas e cavalos

4

-

4

4

-

4

Carvão

-

-

-

3

-

3

Passarinhos

-

-

-

2

-

2

Cordel

-

-

-

1

-

1

Sem informação

1

-

1

8

-

8

Total

180

58

238

262

93

355

Fonte: Recenseamentos efetuados por Marie-France Garcia Parpet em 1982 e 1989.

 

 

O uso de estatísticas secundárias do IBGE, particularmente as que provinham de dados de censo demográfico e econômico, foi corrente nas monografias dos antropólogos, o que muitas vezes permitiu testar a validade das explicações fornecidas, sobretudo em relaço às migrações. Bem verdade que essas modalidades de uso de estatísticas no chegaram a associar o questionário etnográfico com as variáveis demográficas, como se pode ler no Travail et travailleurs en Algérie.

Como relacionar o objeto construído por cada pesquisador com os demais, para se assegurar que cada monografia contribuía para um melhor conhecimento da mudança social nas regiões de plantation? As imagens da totalidade do espaço social no podem ser obtidas, nesse caso, pela adiço das observações de caráter parcial. Este projeto adotou a noço de “situações-tipo”, designando um feixe de relações sociais que podem ser observadas de forma recorrente, e nomeadas de maneira constante pelos atores, abrindo a possibilidade para o pesquisador elaborar uma cartografia social. Assim é para os moradores de engenho para designar modalidades de recrutamento e gesto da mo de obra residindo nas grandes propriedades, ou ainda para os trabalhadores de ponta de rua para mostrar a concentraço nas cidades de agroindústria açucareira de antigas famílias de moradores postos para fora dos engenhos etc. Esta noço de situaço-tipo, utilizada no projeto original, pode ser aproximada do conceito proposto por Norbert Elias (1985) de configuraço social, para designar indivíduos vinculados uns aos outros, por relações de interdependência, em que o comportamento de uns só ganha sentido pleno quando remetido aos comportamentos dos demais. Cada monografia tentou circunscrever uma categoria social particular, como os moradores de engenho (SIGAUD, 1980), os operários do açúcar (LEITE LOPES, 1976), os pequenos produtores (HEREDIA, 1979; GARCIA JR., 1983), os negociantes em feiras (PALMEIRA, 1971b; GARCIA PARPET, 1993). O trabalho etnográfico dessa forma tornou-se igualmente interdependente: as análises propostas em cada monografia singular repercutiam sobre as hipóteses e demonstrações das demais. A análise das particularidades de cada grupo de agentes permitia corrigir erros de perspectivas e bias de outros trabalhos. Nenhum coletivo dado a priori, como negociantes em feiras, camponeses libertos ou operários do açúcar ficou intocado após o tratamento mais aprofundado da morfologia social de cada categoria.

No caso do projeto “Emprego”, os diferentes autores no se limitaram a aprofundar os resultados das monografias iniciais sobre as plantations, e muitos procuraram captar como as transformações desta regio provocaram efeitos sociais sobre as migrações em direço a grandes metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro. Estas grandes cidades conheceram uma industrializaço acelerada com forte expanso do trabalho assalariado, mas também de grande massa de subempregados residindo em abrigos precários ou em favelas urbanas (MACHADO DA SILVA, 1971). Note-se, como Otávio Velho chamara a atenço em seus trabalhos iniciais, que parte dos migrantes se dirigia para as frentes pioneiras na Amazônia, em busca de terras livres suscetíveis de aceder à condiço camponesa (VELHO, 1976). A multiplicidade das estratégias de reconverso e a recomposiço dos processos sociais admitindo a recriaço de morfologia social com fortes desigualdades esto no coraço dessa verdadeira etnografia coletiva e explicitam as interdependências entre processos na escala deste vasto país. O fim do mundo fechado das plantations baseadas em trabalho forçado se revela como um leque de possíveis históricos a exigir estudos mais minuciosos sobre a diversidade de estratégias de reconversão dos diferentes agentes sociais e suas condições de eficácia. O Quadro 2 a seguir reproduz tabela de O Sul: caminho do roçado, demonstrando como os movimentos de população de municípios do Brejo estão associados às modificações da morfologia social nestes territórios e também a formas de percepção do espaço social em termos de libertos e sujeitos.

 

 

 

Quadro 2 – Evolução da população de Areia e municípios vizinhos (em porcentagens) e recomposição da morfologia social – Paraíba 1950-1980

Municípios

1950-1960

1960-1970

1970-1980

Ecologia

Exploração
agrícola

Feira
frequente

Classificação do território

Areia

+10

-6

-7,5

brejo

cana usina

fraca

sujeito

Remígio

-18

+3

+12

agreste

culturas alimentares/
gado

média

liberto

Bananeiras

-3,5

+6,5

-10

brejo

cana/declínio

fraca

sujeito

Solanea

+102

+11

+19

agreste

culturas alimentares

forte

liberto

Pilões

-6

-2

-5

brejo

cana usina

fraca

sujeito

Serraria

-24

+19

-7

brejo

cana usina

fraca

sujeito

Arara

+33

-4

+12

agreste

culturas alimentares/
gado

forte

liberto

Alagoa Nova

+1

-11

-3

brejo

cana/declínio

fraca

sujeito

Esperança

+3

+16

+14

agreste

culturas alimentares/
gado

forte

liberto

Fonte: IBGE/Pesquisa de campo (GARCIA JR., 1989).

 

Entre os momentos mais fecundos desse empreendimento coletivo foi constatar os novos usos da palavra trabalho e do verbo trabalhar, sobretudo ao ter em mente as análises da “descoberta do trabalho” entre os camponeses da Cabília submetidos a processo de desenraizamento (BOURDIEU; SAYAD, 1964). A historicidade da categoria trabalho é manifesta, como já havia sublinhado Karl Marx na Contribution à la critique de l’économie politique. Decodificar seus significados é uma das vias mais promissoras para objetivar a configuraço social que supõe a oposiço entre dirigentes econômicos e sua mo de obra. Os pesquisadores no Nordeste foram confrontados com representações heterogêneas sobre os significados da categoria trabalho. Os usos desta palavra só se tornavam perfeitamente inteligíveis quando postos em relaço com a posiço de cada agente no espaço social e consequentemente com os desafios que teria que afrontar. De acordo com os cortadores de cana, secundados neste aspecto pelos pequenos produtores, os operários do açúcar no trabalhavam, mesmo quando percebiam os esforços feitos por esses últimos ao longo de jornada de 12 horas como dignos de admiraço. Exibindo uma concepço de trabalho em relaço direta com as que expressaram os fisiocratas – só as tarefas vinculadas ao cultivo da terra merecem o qualificativo de trabalho – desprezavam a atividade dos operários industriais. A fraca remuneraço que recebiam em contrapartida de suas atividades agrícolas lhes aparecia como uma injustiça diante dos verdadeiros trabalhadores. Os operários de usina, por seu lado, conheciam bem essas classificações dos cortadores de cana, mas afirmavam a superioridade de sua categoria na diviso social das tarefas graças à mediaço das máquinas que operavam e que multiplicavam as energias de seus corpos (LEITE LOPES, 1976). Os operários do açúcar reproduziam dessa forma raciocínios similares aos de Adam Smith nas Riquezas das Nações. Já o campesinato examinado por Heredia e Garcia Jr., a palavra trabalho se restringia a designar tarefas agrícolas, mas, à diferença dos assalariados da cana, compreendia sobretudo aquelas que se passavam sob o controle direto do grupo doméstico. Tudo isto diferia profundamente de atividades de intermediário comercial, o negócio, mesmo se fosse graças ao rendimento que assim obtinham que conseguiam equilibrar o orçamento familiar. Na vertente oposta das atividades consideradas gratificantes, o trabalho remunerado a dinheiro e executado sob as ordens de outro agricultor – o alugado – era unanimemente apontado como atividade humilhante. Como já havia observado Robert Castel, a propósito dos que viviam no “dia a dia” na Europa em fins da Idade Média, as atividades exercidas como diarista (journalier) constituem motivo de vergonha. No Nordeste o alugado designava um ciclo temporal de apenas um dia, “trabalha de dia para comer à noite”, o que demonstra ser incompatível com a temporalidade do ciclo agrícola a que todo agricultor está submetido. O trabalho alugado significa portanto a negação da condição de agricultor e de modo algum a prefiguração de um proletariado agrícola em vias de se afirmar. Essa hierarquia de atividades reconhecidas como válidas, por diferentes categorias de subalternos, está fortemente impregnada de valores morais e é relativamente independente do rendimento que possa acarretar. O exame em detalhes dos usos correntes da categoria trabalho permite assim melhor captar a experiência da mudança social e a multiplicidade de trajetos que cada um pode adotar. Essa confrontação sistemática do leque de possibilidades associadas às diversas posições sociais favoreceu a demonstração que a hegemonia da economia de mercado não dota os diferentes indivíduos de chances equivalentes de obterem ganhos monetários, como grande número de economistas acreditam. Em sentido inverso, as distâncias sociais entre descendentes dos senhores e descendentes de escravos (como os antigos moradores) foram recriadas em bases novas e enraizadas em novos princípios de dominação legítima (como qualidade profissional relacionada à escolaridade). O livro que reagrupou as monografias referentes à parte urbana do projeto Emprego – Mudança social no Nordeste: a reprodução da subordinação (LEITE LOPES et al., 1979) é revelador da constatação coletiva que as mudanças examinadas foram acompanhadas de modificações de monta das configurações sociais, e ainda que se inscreveram na intimidade de cada indivíduo, mas força é de constatar igualmente a recriação das fortes desigualdades sociais e das assimetrias existentes desde o início dos tempos coloniais.

 

Conclusão: hierarquias sociais e modos de dominação

O universo social polarizado em casas-grandes e senzalas, como foi descrito por Gilberto Freyre (1933, 1936), não desapareceu com o ato jurídico de abolição da escravidão. O trabalho de dominação dos senhores permitiu recriar um certo número de poderes sobre as populações a eles submetidas pelo simples fato de serem abrigadas em seus domínios, como no caso dos castigos corporais ou de julgamentos impostos a querelas entre residentes nas propriedades. Em face dos desafios impostos por novas condições políticas e econômicas, os descendentes dos senhores possuíam os meios de pôr em prática novas estratégias de reconversão, como investimentos escolares de maior abrangência por parte de seus descendentes, ou promoção de novas atividades comerciais, industriais ou culturais (escola, jornalismo, edição, música, rádio, teatro etc.), coisas impossíveis para os descendentes de escravos cuja dependência não conhecia limites e os meios materiais eram escassos. Expulsas das plantations, as famílias desprovidas não dispunham de meios de garantir a própria sobrevivência, nem mesmo abrigo seguro e tranquilo, nada as preparava a enfrentar um sistema de mercados generalizado.

Para tratar deste tipo de problemas, as pesquisas de Bourdieu e seus colaboradores sobre a Argélia e o Béarn representaram ao mesmo tempo modelos metodológicos de investigação e pontos de referência sobre questões a examinar para compreender a especificidade da configuração brasileira. Bourdieu, ao reganhar o território metropolitano, se consagrou a investigar e buscar explicar como os modos de funcionamento do sistema escolar na França contribuíam à reprodução da hierarquia social existente desde o início da Terceira República em fins do XIX, jamais acarretando sua destruição. O modo de dominação a componente escolar, como estudado na Noblesse d’Etat de 1989, provocava certamente modificações de monta das instituições culturais e políticas, mas recriava diferenças sociais homólogas das que precederam à Revolução Francesa. A evolução sob suas lentes muito longe estava de caminhar para promoção da igualdade entre os indivíduos da mesma nação. No Brasil, a reprodução das antigas hierarquias sociais legadas pelo passado colonial estava sobretudo vinculada às modalidades de mudança nos laços sociais das antigas plantations de exportação, como assinalam os principais ensaístas dos anos 1930 (Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Oliveira Vianna) e como demonstram as monografias etnográficas examinadas anteriormente. Certamente fortes desigualdades de chances de sucesso escolar marcam igualmente a sociedade brasileira, e pesquisas por fazer na comparação entre escola em meio rural e em meio urbano contribuirão muito para entender a reprodução de desigualdades no país. Contudo os investimentos escolares são tributários de mudanças no mundo rural que condenam parte expressiva da população a estar desprovida de meios de assegurar a própria sobrevivência, e ainda mais de investir em estudos consequentes.

Uma situação que contrasta em tudo e por tudo com a morfologia do mundo rural após a Revolução Francesa e com a morfologia social da Terceira República. Assim, no Brasil, a manutenção de fortes hierarquias sociais deve-se em grande medida à estreita dependência do percurso da transformação nos modos de dominação no campo, que não dota as camadas subalternas de egressos do mundo rural de abrigos decentes para as famílias e meios de assegurar sua sobrevida. O monopólio da terra por elites tradicionais tem muito mais implicações que o que pode ser constatado na atividade agrícola. Ele implica a exclusão dos “antigos protegidos” (sejam moradores, colonos, agregados) dos campos dos meios de abrigar suas famílias e poder assegurar ao menos parte de sua alimentação, em existência quotidiana marcada pela precariedade. No Brasil, em contraste com vários países, mas particularmente com a França, trata-se de princípio prevalecente da transformação dos modos de dominação desde fins do século XIX. Para compreender a mudança dos modos de dominação, Bourdieu enfatizava que além de acesso a meios materiais, como nos campos de refugiados da Argélia, era fundamental analisar as formas de aquisição de novas disposições mentais, permitindo aos “desenraizados” se inscreverem em configurações sociais em que o mercado é rei. Sublinhava ainda a importância de estar atento para as condições econômicas e sociais deste esforço de reconversão. Esta questão oferece uma chave importante para objetivar os obstáculos ao acesso à plena condição de cidadão de uma República. A edição simultânea de pesquisa sobre o Nordeste e de um trecho do inquérito de Max Weber sobre os operários agrícolas a leste do Elba, texto contextualizado por Michael Pollak no número 65 de Actes de la recherche en sciences sociales (1986), bem mostra a preocupação do editor da revista de compreender e fazer compreender o que está em jogo e as modalidades e variantes de transformação capitalista em diferentes regiões do mundo. As pesquisas sobre a plantation no Brasil são reveladoras da força dos vínculos e das representações impondo obstáculos à reconversão dos desprovidos, frequentemente herdeiros da senzala, que impedem de incorporar a totalidade dos cidadãos à República, na acepção moderna da palavra.

 

 

Referências

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Como citar

GARCIA JR., Afrânio; GARCIA PARPET, Marie-France. Mudança social sob a ótica de etnografias conjugadas a métodos estatísticos: ferramentas de Pierre Bourdieu em mundos rurais na Argélia e no Nordeste do Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 30, n. 2, e2230208, 7 dez. 2022. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30-2_st02.

 

 

Afrânio Garcia Jr.

Pesquisador da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris, França. Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutor na EHESS sob a direção de Pierre Bourdieu.

afranio-raul.garcia@ehess.fr
https://orcid.org/0000-0002-3373-7100
http://lattes.cnpq.br/7494834418602532


Marie-France Garcia Parpet

Pesquisadora do Institut National de la Recherche Agronomique (INRA) e do Centre européen de sociologie et de science politique da École des Hautes Études en Sciences Sociales (CESSP/EHESS), Paris, França.

garciaparpet@gmail.com

                                   

 

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[1] Pesquisador da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris, França. Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutor na EHESS sob a direção de Pierre Bourdieu. E-mail: afranio-raul.garcia@ehess.fr.    

[2] Pesquisadora do Institut National de la Recherche Agronomique (INRA) e do Centre européen de sociologie et de science politique da École des Hautes Études en Sciences Sociales (CESSP/EHESS), Paris, França. E-mail: garciaparpet@gmail.com.    

[3] A cooperação entre os pesquisadores se prolongou bem além da experiência argelina. Em junho de 1965 Bourdieu e Darbel organizaram um colóquio em Arras, na França, sobre as transformações ocorridas na sociedade francesa desde a segunda guerra mundial. A intenção dos organizadores era determinar economistas e sociólogos a empreender uma discussão científica sobre um objeto que uns e outros abordam correntemente sob perspectivas muito diferentes(DARRAS, 1967, p. 10). Bourdieu e Darbel assinaram conjuntamente o livro  L’amour de l’art (1969).

 

[4] A conceituação da morada como forma de dominação foi realizada por Palmeira, 1976.

[5] Esta observação é válida igualmente para os grandes domínios voltados para exportação e assentados em modalidade de servidão na Europa Central, como desmonstram os trabalhos de Max Weber, Enquête sur la situation des ouvriers agricoles à l’Est de l’Elbe e Conclusions et perspectives (1986), e os de Witold Kula (1970).

[6] Para mais detalhes, ver Miceli, 1993 e Garcia Jr, 2009.

[7] Essa cooperaço internacional do CSE e do Csec com brasileiros foi estudada de maneira precisa e inteligente por Maria Eduarda da Rocha a partir dos arquivos de correspondências na França trocadas entre Bourdieu e os brasileiros, e complementada com entrevistas e exames de CV (ROCHA, 2022).

[8] Análise excepcional das mobilizações abolicionistas em contraponto às dos escravocratas, até o advento da Lei Áurea, foi realizada por Alonso (2015).