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v. 30, n. 1, janeiro a junho de 2022 (publicação contínua), e2230107


Recebido: 29.10.2021   •   Aceito: 30.03.2022   •   Publicado: 07.04.2022

Artigo original / Revisão por pares cega / Acesso aberto

 

 

Comunidades quilombolas no Rio Grande do Sul, pandemia e necropolíticas

Quilombola communities in Rio Grande do Sul, the pandemic, and necropolitics


orcid_id.png  Mégui Fernanda Del Ré [1]   •   orcid_id.png  Vanessa Flores dos Santos [2]  
orcid_id.png  Eleandra Raquel da Silva Koch [3]  



DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30n1-7



Resumo: Este artigo tem por objetivo mapear os principais conflitos envolvidos no acesso aos direitos de proteção social da população quilombola durante a crise sanitária causada pela propagação do contágio pela Covid-19, no estado do Rio Grande do Sul – RS, a partir do acompanhamento de três comunidades. Para tanto, recorremos à pesquisa bibliográfica e a diretrizes governamentais, relativas a leis e programas sociais voltados a esta população e desenvolvidos no período. Apresentamos trechos de entrevistas, realizadas em sistema de videoconferência ou de troca de mensagens por aplicativo, com lideranças de territórios localizados em duas regiões do estado. Além destas declarações, congregamos informações, coletadas nas plataformas de pesquisa, sobre dados epidemiológicos para a população quilombola no Brasil e no RS e sobre a mobilização coletiva dos movimentos negros e quilombolas pela vacinação. Concluímos, a partir do observado, que as dimensões sociais mais afetadas pela crise sanitária são as da segurança alimentar, de atendimentos em saúde, postos de trabalho e demandas jurídicas e administrativas das comunidades. Estas dimensões foram consideradas a partir de sua conexão com o histórico de desmonte de políticas públicas e de sistemáticas violações de direitos quilombolas, refletidos com base em estudos sobre saúde da população negra e dos conceitos de necropolítica e estado de exceção.

Palavras-chave: quilombolas; territórios negros; pandemia; Covid-19; necropolíticas.

 

Abstract: This article maps the main conflicts involved in access to social protection rights by the quilombola population during the health crisis caused by Covid-19 in the Brazilian state of Rio Grande do Sul, based on the monitoring of three communities. We investigated the literature and government guidelines related to laws and social programs targeting this population which were created during the pandemic period. Excerpts from interviews conducted via videoconference or messaging application with leaders from territories in two regions of the state are presented; we also gathered information from research platforms on epidemiological data for the quilombola population in Brazil and RS and on the collective mobilization of Black and quilombola movements for vaccination. We conclude that food security, health care, jobs, and the legal and administrative needs of the communities were the social aspects most affected by the health crisis. These dimensions were considered due to their links to the historical dismantling of public policies and systematic violations of the rights of quilombola communities, reflected in studies on the health of the Black population and the concepts of necropolitics and the state of exception.

Keywords: quilombolas; Black territories; pandemic; Covid-19; necropolitics.

 

 

 

Introdução

Os diversos processos de mudança social, econômica e ambiental, advindos da pandemia do Sars-Cov-2 (coronavírus), ou revelados por ela, desde o ano de 2020, e que prosseguiram no ano de 2021, exacerbam um cenário nacional de dessemelhança socioeconômica estrutural, tendo em vista os altos índices de desigualdade relacional que afetam o Brasil – a diferença entre ricos e pobres (OLIVEIRA et al., 2020).

Estudo recente, desenvolvido por pesquisadoras da Fundação Oswaldo Cruz e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) (OLIVEIRA et al., 2020), demonstrou que a desigualdade racial, e a forma como o racismo institucional opera na gestão das vidas, se intensificou durante o período de pandemia. O país apresenta uma configuração em que “os marcadores sociais das diferenças têm profunda ancoragem na demarcação racial, sobre a qual agem as dinâmicas e os processos político-sociais fundados no racismo estrutural” (OLIVEIRA et al., 2020, p. 2). Tais dados desconstituem a falácia de uma “pandemia democrática”.[4] A crise sanitária revelou inúmeras desigualdades no acesso a direitos básicos como saúde, saneamento e emprego, e tornou a população negra e periférica mais vulnerável. Esta situação torna insustentável a ideia de que as consequências do vírus seriam igualmente distribuídas na sociedade brasileira (LISBOA, 2021).

Neste contexto, as comunidades quilombolas foram duramente atingidas pelo aumento dos índices relacionados à fome e de pessoas em situação de dificuldade de acesso ao trabalho, ao emprego e à rede de proteção social, ora fragilizada pelas medidas de isolamento social. De acordo com dados divulgados nos sites da Confederação Nacional de Comunidades Quilombolas (Conaq), da Fundação Cultural Palmares (FCP) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), estima-se que existam, respectivamente, 2.847 comunidades quilombolas distribuídas por todo o território nacional e 1.533 processos administrativos de regularização fundiária de territórios quilombolas instaurados e, desses, apenas 154 territórios titulados.

A política pública de regularização fundiária dos territórios quilombolas é um direito estabelecido constitucionalmente, conforme prevê o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal de 1988: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” (BRASIL, 1988). Essa garantia é uma conquista que advém das lutas dos movimentos negros, que promoveram um amplo processo de mobilização no período pré-constituinte. Em 2003, o Decreto no 4.887 regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos (BRASIL, 2003).

No entanto, em análise recente da organização Terra de Direitos, os dados demonstram que, a julgar pelo ritmo e dinâmica das atividades de regularização territorial, o Estado brasileiro levará cerca de mil anos para concluir a titulação de todos os processos administrativos instaurados (SCHRAMM, 2019). Destacamos a importância da garantia de território para as populações quilombolas, não só no sentido deste direito se configurar como base para acesso a outras políticas públicas e atividades produtivas das mais diversas, mas para a reprodução identitária e cultural destes grupos, que possuem relações distintas com os ambientes onde vivem, em seus processos de reprodução social.  

É nesta conjuntura de resistência coletiva, diante da não conclusão da titulação dos territórios e de inúmeras omissões da sociedade e do Estado, que as comunidades enfrentam o recrudescimento de vulnerabilidades de distintas ordens causadas pela pandemia da Covid-19. Conforme demonstramos neste artigo, mesmo que a situação de vulnerabilidade das populações quilombolas tenha sido reconhecida no Plano de Enfrentamento à Covid-19 e de proteção às populações tradicionais, as ações previstas foram tangenciadas, vetadas e não desenvolvidas devidamente. Considerações acerca das dimensões sociais mais afetadas pela crise sanitária, como as de segurança alimentar, de atendimentos em saúde, postos de trabalho e demandas jurídicas e administrativas das comunidades foram salientadas, em conexão com reflexões a respeito do histórico de desmonte de políticas públicas, das sistemáticas violações de direitos e dos conceitos de necropolítica e estado de exceção.

 

Caminhos da pesquisa social em tempos de pandemia

Considerando a dificuldade de inserção em campo no contexto de isolamento social, as fontes para a construção deste artigo foram informações disponibilizadas na internet, a partir das seguintes palavras-chave: quilombolas, pandemia, Covid-19 e quilombolas e vacinação quilombola. Além disso, realizamos entrevistas semiestruturadas, em modalidade a distância, por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp e por videoconferência, com três lideranças quilombolas com as quais possuíamos contato prévio, originado de fóruns de debate, mobilizações pela titulação dos territórios tradicionais e trabalhos de pesquisa acadêmica.

Perante a excepcionalidade do momento, seguimos Miller (2020), que ressalta a especificidade dos envolvimentos pessoais nas pesquisas da área das ciências humanas. O autor sugere que tanto métodos on-line (entrevistas a distância, busca de informações e diálogos em espaços virtuais, por exemplo), como off-line, apresentam uma diversidade de situações e a experiência em cada um é intrinsecamente diferente. A razão é que, nas ciências sociais, o método também é algo que se aprende no curso das investigações, já que a sensibilidade necessária para a compreensão do modo como uma população em particular funciona exige a adaptação ao contexto temporal e local. Dessa maneira, ao nos adaptarmos às formas pelas quais se criam condições para a sociabilidade, recorremos às entrevistas por aplicativo de mensagens, por tratar-se de uma situação em que muitas pessoas estão “realmente ficando on-line em um nível sem precedentes” (MILLER, 2020, p. 4), e nós, como pesquisadoras, compartilhamos desse problema.

A interação on-line, ou nas redes sociais, é a maneira pela qual as próprias lideranças quilombolas entrevistadas estão se comunicando. Assim, participamos de um engajamento que não acontece apenas conosco, mas que os interlocutores vivenciam entre si para diversos fins, desde a troca de informações até a organização de atividades de mobilização por direitos. Por fim, Miller (2020) nos alerta do óbvio: “Há uma razão para você fazer sua investigação on-line: é justamente por causa dessa crise que estamos passando atualmente”. “Então, você pode esperar que haja ansiedade. [...] O ético é realmente buscar ter certeza de que você se porta de modo sensível a isso no seu envolvimento com as pessoas” (MILLER, 2020, p. 6).

A questão das ferramentas para pesquisa que surgem em resposta a eventos críticos, como o da atual crise sanitária, também é trabalhada por Segata (2020). O autor analisa a pandemia de coronavírus: “Em termos mais próximos daqueles de Annemarie Mol (2002), são as materialidades, os discursos e as práticas particulares que atuam múltiplas vulnerabilidades e riscos, mas também as formas de cuidado e a própria experiência de saúde […]” (SEGATA, 2020, p. 9). Neste sentido, o conceito de pandemia é um tipo ideal, quase abstrato, que precisa ser materializado, situado, a partir da percepção dos próprios sujeitos que vivem nos contextos de risco; no nosso caso, este é o objetivo das entrevistas com as lideranças.

Estas percepções e outras informações apresentadas buscam tensionar as narrativas generalizantes, como as que compõem a ideia de democratização dos efeitos do contágio por Covid-19. “Uma pandemia é, então, um evento múltiplo. Os surtos que o constituem nunca são iguais. Cada um deles pode ter intensidades, qualidades, formas de agravo, prevalência e de contenção que são muito particulares” (SEGATA, 2020, p. 9).

As distinções socioeconômicas, culturais, políticas e ambientais tensionam a homogeneidade do risco, da doença e do cuidado (SEGATA, 2020). Atentar para os diversos elementos que compõem a vulnerabilidade que a pandemia revelou, entre a população quilombola do RS, é um desafio contínuo, do qual este artigo busca fazer parte. No caso das comunidades quilombolas que pesquisamos, duas delas estão situadas em área rural e uma em contexto urbano. Nenhuma das três foram tituladas até então. Aliás, das mais de cem comunidades com processos instaurados no Incra/RS, apenas cinco possuem títulos parciais.  No que diz respeito à nossa interlocutora e aos interlocutores, nos remetemos aqui a lideranças políticas que participam ativamente dos esforços de manutenção da organização das comunidades, na luta por seus direitos, e que vivenciam o cotidiano dos espaços onde residem. Pelo papel de sujeitos políticos atuantes, efetuam diálogos permanentes com a população quilombola e atuam nas redes sociotécnicas onde os direitos quilombolas são disputados. Neste sentido, suas falas são reconhecidas por nós, autoras, como legítimas por si sós – extraindo sua autoridade de análise de um campo (que é, justamente, o que habitam) de anos de experiências, negociações e acompanhamento do contexto quilombola do Rio Grande do Sul. Com isso, afirmamos que antes de pretender que as entrevistas sejam representativas da percepção da população quilombola do estado – que, por sua diversidade, não se presta a reduções homogeneizantes –, apresentamos os excertos no texto a partir de um convite (às lideranças) para uma espécie de coautoria. Suas visões a respeito da situação das comunidades nos interessam por advirem de sujeitos que efetuam análises críticas do contexto em estudo cotidianamente, não como representação de objetos de pesquisa.

 

A constante ‘batalha de papéis’[5]

Somente em julho de 2020, quatro meses após o início da pandemia do coronavírus no Brasil, foi aprovada a Lei no 14.021, que dispõe sobre medidas de proteção social para prevenção do contágio e da disseminação da Covid-19, cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos Territórios Indígenas e estipula medidas de apoio às comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais. No entanto, foram interpostos 22 vetos presidenciais a incisos e artigos do texto legal; justamente os que preconizavam garantia de direitos básicos. Dentre estes, destacamos: o “acesso universal à água potável” e a “distribuição de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas diretamente ao público ora referido”. A justificativa governamental para tais impedimentos foi a de que as medidas onerariam o orçamento federal e que já existiam outras políticas semelhantes. Contudo, mobilizações indígenas e quilombolas garantiram que o Congresso Nacional derrubasse 16 dos 22 vetos do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei (PL) (14.021/2020).

A seguir, apresentamos a relação dos vetos que foram derrubados em defesa dos direitos de proteção às populações indígenas e quilombolas, enquanto perdurar a pandemia e a calamidade pública (SPEZIA, 2020):

 

      ·          Disponibilização de água potável, materiais de higiene, limpeza e desinfecção, leitos hospitalares, UTIs, ventiladores e máquinas de oxigenação, materiais informativos e internet; planos de contingência para indígenas isolados e de recente contato.

      ·          Criação de planos emergenciais para quilombolas, pescadores e outras comunidades tradicionais.

      ·          Inclusão dos povos indígenas nos planos emergenciais para atendimento dos pacientes graves das Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde.

      ·          Registro e notificação da declaração de raça ou cor pelo Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo a identificação de todos os indígenas atendidos nos sistemas públicos de saúde.

      ·          Adoção, em áreas remotas, de mecanismos que facilitem o acesso ao auxílio emergencial, benefícios sociais e previdenciários, de modo a possibilitar a permanência de povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e de demais povos tradicionais em suas próprias comunidades.

      ·          Inclusão das comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares como beneficiárias do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), assegurando o cadastramento das famílias na Relação de Beneficiários (RB) para acesso às políticas públicas.

Todavia, foram mantidos os vetos à distribuição de cestas básicas, sementes e ferramentas agrícolas para indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais comunidades tradicionais, sob a alegação da existência de programas em andamento que atendem estas necessidades. Da mesma forma, foram mantidos os vetos à criação de um programa específico de crédito para povos indígenas e quilombolas e à dotação orçamentária para ações previstas no Projeto de Lei. O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) destacou que “os vetos são alarmantes, pois negam direitos e garantias fundamentais” (SPEZIA, 2020). Outro aspecto sublinhado pela entidade indigenista é o fato de que o PL no 14.021/2020 foi o projeto de lei com o maior número de vetos, por parte do presidente da República, da história do país.

          Diante do aumento do número de mortes entre a população quilombola pela Covid-19, em setembro de 2020, a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) e cinco partidos políticos (Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Rede Sustentabilidade e o Partido dos Trabalhadores (PT)) ingressaram no Supremo Tribunal Federal (STF) com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742.[6] O documento solicitava que fosse determinado à União a elaboração e implementação de um plano nacional de combate aos efeitos da pandemia nas comunidades quilombolas, no prazo de, no máximo, 30 dias. A Ação apontava “atos comissivos e omissivos do Poder Executivo Federal no enfrentamento do coronavírus nessas comunidades”. Segundo os proponentes da arguição, as omissões das autoridades públicas contribuem de forma substancial para ampliar o número de casos de contágio e de óbitos pela Covid-19 nos territórios quilombolas, o que enseja riscos iminentes de desagregação e desestruturação comunitária, em razão da morte de seus integrantes e da perda de suas referências culturais (STF, 2020).

De acordo, ainda, com as informações publicadas no site do STF, reproduzidas a seguir, as principais providências solicitadas na ocasião de ingresso da ADFP eram as seguintes: distribuição imediata de equipamentos de proteção individual, água potável e materiais de higiene e desinfecção, medidas de segurança alimentar e nutricional, como a distribuição de cestas básicas, e acesso regular a leitos hospitalares, com ambulâncias disponíveis para transferência de doentes. Também houve a demanda pelo fortalecimento dos programas de saúde da família nas áreas remanescentes de quilombos, pela testagem regular e periódica e pelo apoio às comunidades que adotassem ações ou protocolos de isolamento social comunitário. Como podemos constatar na seção anterior deste artigo, o Congresso Nacional derrubou os vetos do presidente da República a várias das medidas solicitadas na ADFP. No entanto, isto não garantiu que as medidas “entrassem na agenda”[7] do governo federal, convertendo-as em políticas públicas efetivas.

 

Vulnerabilidades sociais e resistências quilombolas

Buscando retratar a situação de vulnerabilidade das populações indígenas, quilombolas e demais povos tradicionais, e de seus direitos no contexto da pandemia, a 6a Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, do Ministério Público Federal (MPF), produziu o dossiê “Perícia em Antropologia no MPF: Primeiras contribuições no combate à Pandemia da Covid-19”. O documento busca demonstrar e sustentar as razões “epidemiológicas, sociais e econômicas” (MPF, 2021, p. 602) que caracterizam tais populações como vulneráveis, destacando as deficiências no acesso à saúde, diante da gravidade da situação sanitária que o Brasil enfrenta, desde março de 2020. Para tanto, a pesquisa detalha a composição do indicador de vulnerabilidade social, a partir do Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil.[8]

A conclusão da análise, no que concerne aos quesitos periciais, é a de que as condições de vulnerabilidade instaladas antes da pandemia foram enormemente agravadas, com destaque para a situação dos territórios ainda não titulados. Aliás, uma pesquisa amostral realizada por estudantes da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), em parceria com a Frente Quilombola, divulgada no Informe da Saúde de setembro de 2020, apontou os impactos da pandemia nas comunidades quilombolas da capital do Rio Grande do Sul. De acordo com o estudo, 77% dos moradores dos quilombos de Porto Alegre tiveram que sair de casa para trabalhar em meio à pandemia; 50% não têm condições de praticar o isolamento social em caso de contaminação; 70% não têm mais de um banheiro em casa para dedicar exclusivamente à pessoa infectada; e 40% perderam o emprego durante a pandemia do coronavírus (PORTO..., 2021).

Um de nossos interlocutores, da comunidade quilombola da Armada, que também é dirigente da Conaq, deixou nítido que a pandemia potencializou e agravou várias situações que já não estavam bem, pois

o aumento da fome, desemprego, despejos, mais de 253 quilombolas mortos pelo Covid e mais de 5 mil pessoas contaminadas. Um caos na saúde pública foi revelado. (Entrevista concedida por José Alex, por modalidade remota, em 15 de abril de 2021)

Diante da ausência de políticas públicas efetivas para a proteção da população quilombola e da invisibilização das consequências da pandemia nos territórios das comunidades, uma parceria entre a Conaq e o Instituto Socioambiental (ISA) criou a plataforma “Quilombos Sem Covid-19”, com o objetivo de monitorar os casos de contaminação. Segundo os proponentes da iniciativa, os dados de contaminação da doença nessas populações são subnotificados, pois “muitas secretarias municipais deixam de informar quando a transmissão da doença e a morte ocorrem entre pessoas quilombolas” (CONAQ; ISA, 2021). Além da precariedade de dados epidemiológicos, as entidades apontam as dificuldades de acesso aos testes e exames clínicos pertinentes.

Conforme a última atualização do site Quilombos Sem Covid-19, do dia 9 de novembro de 2021, os dados nacionais da Covid-19 relativos à população quilombola compreendem: 5.658 casos confirmados, 1.492 casos monitorados e 301 óbitos. Na plataforma não há discriminação de casos confirmados ou monitorados por Unidade da Federação, somente de óbitos. Em relação ao estado do RS não foi identificado óbito de quilombolas até o momento.

No que concerne aos dados de vacinação da população quilombola, a Secretaria de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul estipula em sua plataforma on-line Monitoramento da Imunização Covid-19 (SES/RS, 2021), com última atualização na data de 13 de novembro de 2021, para o grupo vacinável “Povos e Comunidades Tradicionais”: um total de 11.232 pessoas vacinadas com a 1a dose da vacina; 10.909 pessoas vacinadas com a 2a dose da vacina; 19 pessoas vacinadas com dose única da vacina; e 197 pessoas vacinadas com dose de reforço.

Considerando as pesquisas prévias, realizadas em plataformas de busca, sites de notícias e publicações da área de humanidades acerca do tema, identificamos algumas esferas em que são apontadas descontinuidades e ineficiências nas políticas públicas voltadas às comunidades quilombolas, neste grave contexto de crise sanitária que atravessamos. Ao final de nossa reflexão, destacaremos alguns pontos de convergência entre os dados apresentados e as avaliações deste cenário por parte das lideranças comunitárias com as quais estivemos em diálogo.

Em relação ao tema da segurança alimentar e produtiva, ressaltamos a preocupação com a alimentação nas comunidades, neste período, em face das limitações de autonomia a partir de cultivos próprios – levando-se em conta as precariedades no acesso a terra e às políticas de desenvolvimento agrário para o público quilombola. Assim, o problema se estende para além da preocupação com a segurança alimentar e nutricional, desvelando, igualmente, a falta de efetividade de políticas de fomento à produção e comercialização de gêneros alimentícios (CAMPOS, 2020). A limitação do benefício concedido pela Fundação Cultural Palmares,[9] no que tange à distribuição de cestas básicas entre famílias quilombolas, é evidente diante do aumento significativo no preço de itens básicos de alimentação e higiene. Observa-se que, no período de abril de 2020 a abril de 2021, conforme dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o preço do conjunto de alimentos básicos aumentou na maioria das capitais do país, com alta em torno de 18% em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (BOEHM, 2021).

Quanto aos serviços de saúde, destaca-se a questão da distância dos territórios rurais da maior parte dos postos de atendimento, que se concentram majoritariamente em áreas urbanas dos municípios. Foi possível observar em sites de notícias declarações de especialistas em saúde alertando para a má condução da pandemia pelo governo federal (VEIGA, 2021), inclusive em relação ao fluxo de informações e orientações repassadas aos estados e municípios, o que contribuiu para o aumento de informações conflitantes sobre as medidas de enfrentamento à pandemia de Covid-19 que chegaram “na ponta”, ou seja, até os usuários do sistema público de saúde, como é o caso das comunidades quilombolas.

No relato de uma das lideranças com quem estivemos em diálogo, exposto adiante, fica evidente que a falta de informações ou orientações claras, a impossibilidade das visitas e conversas presenciais com parentes e vizinhos e as dificuldades no acesso a serviços de saúde configuraram fatores estressores para as coletividades quilombolas. Essas novas preocupações somaram-se, assim, a uma série de agruras já existentes para as coletividades, o que delineia o destaque dado por nossa interlocutora, mais à frente no texto, para o tema da saúde mental nos quilombos.

No que tange à realidade de trabalhadores e trabalhadoras rurais quilombolas, análises recentes (MPF, 2021; OLIVEIRA et al., 2020) apontam que houve prejuízo em relação aos trabalhadores e às trabalhadoras que ocupam postos de trabalho formais, por conta das medidas de isolamento social. De igual maneira, observou-se crescimento da ocupação de subempregos e trabalhos informais no campo neste período, fato que pode acarretar mais exposição a acidentes no ambiente de trabalho, falta de acesso a equipamentos de proteção e higiene adequados e fragilidade no acesso à Previdência Social. Salientamos que, tratando-se especificamente das populações quilombolas do Rio Grande do Sul, a informalidade nos postos de trabalho é uma situação que afeta os grupos desde sua formação. Principalmente nas comunidades rurais, as relações dos quilombolas com o entorno sempre foram estabelecidas a partir de mecanismos de exploração da mão de obra negra. Apesar da possibilidade da pandemia ter agravado a situação, a precariedade e troca frequente de postos laborais é uma constante, assim como o fluxo de moradores das comunidades – indivíduos e famílias migram em busca de melhores condições de vida ou de oportunidades específicas, retornando à comunidade quando necessário. A relação dos quilombolas com seu território pressupõe, em vários casos, a noção de que por mais que as pessoas saiam do local continuam com seus espaços garantidos – isso faz com que a configuração dos moradores se modifique com relativa rapidez. As relações comunitárias e familiares servem de base mesmo para os que vivem longe dos quilombos, e situações de crise podem servir como aglutinadoras das pessoas em torno do grupo, não somente pelo suporte familiar mas por serviços e acessos que as associações locais proporcionam – como indicado no relato de Antônio Gomes, apresentado mais adiante neste texto.

Quanto às demandas jurídicas e administrativas das comunidades remanescentes de quilombos diante do Estado brasileiro, citamos as ameaças de despejo em alguns estados, apesar de decisão do STF que suspendeu ordens ou medidas de despejo de áreas habitadas antes de 20 de março de 2020,[10] quando foi decretado o estado de calamidade pública, em razão da pandemia. A lentidão no andamento de processos administrativos de regularização fundiária é ainda maior, no momento, por conta das medidas de isolamento social. Além disso, as mesmas medidas dificultam ainda mais a comunicação entre lideranças comunitárias e representantes de órgãos públicos que prestam assistência jurídica às coletividades.

 

A luta pela vacinação da população quilombola

A situação de desproteção social às comunidades quilombolas repercutiu no Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação Contra a Covid-19, lançado em dezembro de 2020, pelo Ministério da Saúde. Logo após o lançamento, porém, o Plano passou por modificações, dentre as quais a retirada da vacinação da população quilombola na primeira fase – a despeito do previsto na Lei Federal no 14.021 (de 7 de julho de 2020). No mesmo mês, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) solicitou ao STF a inclusão da população quilombola no Plano Nacional de Imunização (PNI) (CRUZ, 2020). No entanto, quando foi anunciado o início da vacinação, após a aprovação, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), dos usos emergenciais dos imunizantes CoronaVac e da empresa Astrazeneca, em 17 de janeiro, os quilombolas não constavam como grupo prioritário.

Embora a pesquisa realizada e a análise versem sobre a situação do Rio Grande do Sul, a seguir, apresentamos um quadro elaborado com manchetes de notícias sobre o atraso das vacinas para comunidades de outros estados. O propósito é ilustrar o quanto essa é uma problemática generalizada para as populações quilombolas no Brasil. A primeira matéria selecionada é de 19 de janeiro e, a última, de junho de 2021, o que demonstra que a vacinação da população quilombola, que havia sido definida como prioritária, segue inconclusa:

 

Quadro 1 – Atraso na vacinação quilombola

Título

Data

Fonte

Após o Ministério da Saúde excluir da vacinação,
 governo de São Paulo mantém no grupo prioritário

19/1/2021

Nexo

Como o caso dos quilombolas expõe brechas de vacinação.
Grupo é excluído da primeira leva em São Paulo e depois é reincluído. Plano Nacional não tem cronograma definido para as populações vulneráveis mesmo depois do início das imunizações.

20/1/2021

Portal R7 Notícias

Isolados, quilombolas da ilha da Maré,
em Salvador, têm vacinação em massa

26/3/2021

Terra de Direitos

Atrasa a vacinação contra a Covid-19 de quilombolas do
grupo prioritário em São Paulo. Comunidades do Vale
do Ribeira só receberão a primeira dose esta semana.

30/3/2021

Folha de S.Paulo

Governo de Alagoas exclui povos quilombolas
do grupo prioritário da vacinação.

14/4/2021

Yahoo Notícias

Fachin estabelece o prazo de 15 dias para a
União estender a vacinação a quilombolas
fora das comunidades.

29/6/ 2021

Supremo Tribunal Federal

Fonte: Elaborado pelas autoras com base em notícias de ampla divulgação na internet e acesso aos sites de notícias (PELLEGRINI, 2021; ENTENDA..., 2021; ZANON, 2021; AMÂNCIO, 2021; LACERDA, 2021; FACHIN..., 2021).

 

No caso do Rio Grande do Sul, a situação seguiu o contexto federal – como demonstrou matéria jornalística apresentada no site do Gaúcha ZH: “Governos do RS e de Porto Alegre deixam quilombolas de fora da primeira leva de vacinação, acompanhando Ministério da Saúde.” De acordo com a reportagem, os governos do estado e de Porto Alegre acataram a “recomendação do Ministério da Saúde que, em nota técnica, retirou os quilombolas da primeira destinação das doses” (JACOBSEN, 2021). Diante da situação, algumas comunidades quilombolas recorreram ao Ministério Público Federal (MPF) para reivindicar a prioridade de vacinação, por meio do ingresso de Ações Civis Públicas. Exemplo deste movimento foi o caso da mobilização das comunidades de Porto Alegre, mediante a representação protagonizada pelos quilombos em contexto urbano da capital gaúcha. A representação solicitou providências urgentes para “reservar, manter e proceder imediatamente à vacinação nos territórios” (FQ/RS, 2021).

O resultado da mobilização e da representação no Núcleo de Comunidades Tradicionais e Direitos Humanos, do MPF de Porto Alegre, foi o início da imunização nos territórios em 25 de janeiro de 2021 (PORTO..., 2021). Tal ação foi viabilizada a partir da auto-organização das sete comunidades que assinaram a petição: Quilombo dos Machado, Quilombo dos Flores, Quilombo Lemos, Quilombo dos Silva, Quilombo Fidélix, Quilombo dos Alpes e Quilombo Família Ouro; juntamente com a Frente Quilombola. Estas organizações, com o apoio da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), realizaram o cadastramento dos quilombolas nos territórios.

O STF julgou a ADPF 742/2020 somente em fevereiro de 2021 – proposta pela Conaq, como apontamos, em setembro de 2020. Na decisão, o colegiado superior determinou a ação do Estado para combater os efeitos da pandemia nos quilombos (CONAQ; ISA, 2021). Determinou, igualmente, a suspensão de despejos e remoções nos territórios quilombolas. Em seu voto, o ministro Marco Aurélio de Mello estabeleceu o prazo de 72 horas para que o governo criasse um grupo de trabalho interdisciplinar, responsável por desenvolver, em até 30 dias, um Plano Nacional de Enfrentamento da Pandemia de Covid-19 entre a população quilombola, com a participação da Conaq. O ministro concedeu também 72 horas para que o governo federal incluísse dados relativos à raça e à etnia entre os registros de casos de Covid-19 e para a retomada de plataformas públicas de acesso à informação, como os sites que antes contemplavam o Programa Brasil Quilombola e o monitoramento feito pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). Estas plataformas publicavam periodicamente informações importantes sobre a população quilombola e seu acesso a políticas públicas.

Embora tardia, a decisão representou importante avanço. Contudo, mais uma vez, não abordou expressamente a obrigação do governo de prover itens básicos de proteção, como equipamentos individuais (como máscaras), a distribuição de água potável, cestas básicas e materiais de higiene. Estes instrumentos, imprescindíveis para a prevenção da Covid-19, ficaram de fora das determinações ao Estado feitas pelo ministro (ZANON, 2021). No período de realização das entrevistas, no primeiro semestre de 2021, a falta de vacinas ainda se constituía a maior preocupação das comunidades, além da indefinição quanto à caracterização dos quilombolas como grupo prioritário. As doses disponibilizadas pelo Ministério da Saúde, após o julgamento da ADPF 742/2020, foram garantidas, mas não chegaram a todos os quilombos do Brasil. No Rio Grande do Sul,[11] por exemplo, alguns meses após o início da imunização, nem todas as comunidades (ou seus membros que atualmente residem fora dos territórios) receberam a primeira dose da vacina.[12] Na maioria das comunidades, a vacinação começou a ser efetivada a partir de março de 2021. Embora tenha ocorrido, a partir de abril de 2021, uma ampliação da cobertura vacinal no estado, nem todas as comunidades foram atendidas no primeiro semestre de 2021.

Em âmbito nacional, a Conaq aponta defasagem na previsão do contingente de vacinação quilombola, feita pelo governo federal. De acordo com as dirigentes da organização, estima-se a existência de uma população quilombola de 16 milhões de pessoas. Levando em conta este dado, o previsto pelo governo federal contempla pouco mais de 7% do total. Em documento publicado no ano de 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), considerado investigação de tipo experimental como subsídio para o Ministério da Saúde visando à construção do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra Covid-19, estimou-se dimensionamento da população residente em áreas quilombolas total para o país de 1.133.106 pessoas, e de 54.631 pessoas para a Unidade da Federação de Código 43, do Rio Grande do Sul. O próprio Instituto destaca que: “O uso do dimensionamento da população residente em áreas quilombolas deve levar em conta a limitação fundamental que consiste no fato de não se ter realizado, até o momento, o levantamento censitário desta população” (IBGE, 2021, p. 20).

 Tal situação, de ausência de dados atualizados, de acordo com uma das coordenadoras da Conaq, revela a invisibilização das comunidades quilombolas:

Mesmo com a atualização solicitada pelo Ministério da Saúde, o número de quilombolas a serem vacinados ficará subdimensionado, uma vez que nem todos residem nos territórios, pois precisam trabalhar e estudar fora. Como sabemos, os agentes de saúde só cadastram, em suas fichas, quilombolas residentes no território. Inclusive, filhos que estão estudando ou trabalhando fora do território não são cadastrados. (Reprodução de trecho de entrevista concedida pela liderança quilombola Givânia Silva, disponível em ZANON, 2021)[13]

 

Depoimentos de lideranças quilombolas

Os depoimentos concedidos por nossos interlocutores são compostos pelas percepções de quem vivencia o contexto de falta de políticas de saúde eficazes, de impossibilidade de reuniões presenciais e de organização política, advindas das situações de isolamento, da escassez de informações sobre a efetivação de direitos e de preocupação com a saúde e bem-estar de seus mais velhos – que são fontes de memória fundamentais para a sustentação dos que agora tomam a frente na luta pelos direitos quilombolas.

Observa-se que, mesmo após inúmeras tratativas, negociações e processos judiciais, sustentados pela mobilização quilombola, as comunidades ainda enfrentam um conjunto de imprecisões sobre a efetivação das políticas de proteção social e de garantia de direitos. Tais situações são refletidas nos testemunhos das três lideranças que entrevistamos, que possuem inserção estadual e nacional nas organizações quilombolas e vivenciam a pandemia, juntamente com seus familiares, em territórios do Rio Grande do Sul. Suas percepções demonstram similaridades em relação às preocupações de outros representantes quilombolas do Brasil, a exemplo do trecho da declaração de uma quilombola do Pará, transcrito a seguir: “Para nós, quilombolas, a pandemia foi sinônimo de abandono, racismo e necropolítica” (NETO, 2021).

Entre os critérios elencados para a seleção de quais lideranças quilombolas do RS abordaríamos a respeito de nosso intento de refletir sobre o agravamento do contexto de vulnerabilidade social na pandemia, podemos destacar: contato prévio das(dos) quilombolas com as pesquisadoras, visando ampliar a possibilidade de estabelecimento de diálogos por meio digital; participação frequente das lideranças em fóruns e debates na esfera regional e/ou nacional; representatividade em termos de gênero e geração. Como apontamos anteriormente, a experiência destas lideranças em analisar o contexto quilombola – e, principalmente, em vivenciá-lo – nos leva a considerar suas falas como dados de relevância crucial, sem a intenção de transformá-las em reflexos da percepção de uma população tão diversificada quanto à quilombola no Rio Grande do Sul. 

Iniciamos com o depoimento de Antônio Gomes, presidente da Associação Comunitária da comunidade quilombola Peixoto dos Botinhas. Ele, como muitos quilombolas do estado, saiu cedo da comunidade e passou anos de sua vida trabalhando em fábricas em Porto Alegre. Depois de aposentado, conseguiu realizar o desejo de construir uma casa no território quilombola e voltar a viver perto de seus familiares. Desde o seu retorno participa ativamente da Diretoria da Associação local, exercendo diferentes funções, até chegar, atualmente, à presidência. Seu Antônio, assim como outros membros da Diretoria, se faz presente em reuniões e fóruns de negociação, relacionados a discussões sobre os direitos da comunidade, além de manter diálogos constantes com organizações e instituições que apoiam o grupo (universidades, empresas de assistência técnica e extensão rural, ONGs), executando projetos no quilombo. Esta atividade caracteriza a Associação como uma das mais ativas e organizadas do estado. A comunidade quilombola Peixoto dos Botinhas localiza-se no distrito do Capão da Porteira, no município de Viamão/RS, numa área que pode ser considerada perímetro urbano, onde atividades agrícolas e criação de animais coexistem com comércios e fábricas, pela proximidade do território com grandes centros urbanos (Viamão e Porto Alegre). Alguns moradores exercem atividades tanto no âmbito urbano como no rural, dedicando-se a um emprego fora da comunidade e a pequenas criações e cultivos no território. O Peixoto dos Botinhas recebeu certidão de autorreconhecimento como comunidade remanescente de quilombo, emitida pela Fundação Cultural Palmares, em 2007, e efetuou, no Incra, a abertura de processo de regularização fundiária do território em 2011.

Na fala de seu Antônio Gomes, a preocupação com familiares que se encontram longe dos territórios tradicionais é expressa:

Felizmente, todos já foram vacinados na comunidade e ninguém precisou ir para o hospital. Como a associação é bem organizada, cestas básicas foram distribuídas e isso ajudou bastante. Os mais velhos não se sentiram muito isolados porque a comunidade é  unida, mas é grande a preocupação com os filhos e netos que estão trabalhando na cidade, nas fábricas, e não tiveram como parar. (Entrevista concedida por Antônio Gomes, por modalidade remota, em 3 de julho de 2021)

A caracterização do território tradicional como refúgio em momentos de crise, em trajetórias coletivas e individuais, ganha contornos aqui quando a associação comunitária se torna meio de acesso a elementos que garantem a sobrevivência, como a distribuição de cestas básicas. Como veremos adiante, a pandemia tem criado desafios para as organizações e movimentos quilombolas, exigindo o desenvolvimento de novas formas de resistência, em quea união dos moradores do território, mais uma vez, se coloca como chave de proteção social e garantia de saúde física e mental, principalmente para os idosos.

Conforme a liderança quilombola José Alex Borges, morador do quilombo da Armada, município de Canguçu, e coordenador da Conaq:

[...] 243 mortes, mais de 5 mil contaminados, mais de mil pessoas sem acesso a testes nos quilombos. Também enfrentamos a subnotificação pelas secretarias de saúde dos estados e municípios. [...] Porque ainda não temos um número acertado. Diz que falta mais da metade da população quilombola ser vacinada e agora a espera é pela segunda dose. [...] Algumas já receberam sua primeira dose de imunização depois que esperamos cinco meses com uma ADPF protocolada no STF. O STF julgou o nosso direito de estar no grupo prioritário, com isso, nós, quilombolas, mobilizamos nossos municípios e estados para exigir que a decisão se cumpra atendendo a ADPF 742/2020. (Entrevista concedida por José Alex, por modalidade remota, em 15 de abril de 2021)

Maica Tainara Soares Ferreira é reconhecida como uma jovem liderança do quilombo Potreiro Grande, território situado na zona rural do município de Canguçu/RS, onde vive desde que nasceu. A comunidade quilombola de Potreiro Grande possui processo de regularização fundiária instaurado no Incra/RS desde novembro de 2008, no entanto, ainda aguarda por condições operacionais da Autarquia para início dos trabalhos técnicos de identificação e delimitação do território tradicionalmente ocupado.

Além de representar a associação quilombola de Potreiro Grande, Maica Tainara é a atual coordenadora do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Canguçu/RS. O município de Canguçu é reconhecido por abranger 16 comunidades quilombolas, configurando-se como o município com maior número de comunidades no estado do Rio Grande do Sul. Todas as comunidades foram vacinadas no mês de março de 2021. Para Maica Tainara:

O nosso ritmo de vida mudou completamente. De uma vida em comunidade, estamos vivendo uma vida de isolamento, onde não conseguimos mais nos reunir, o diálogo tem que ser todo por telefone, e como temos ainda muita dificuldade de acesso à internet, então se torna bem difícil pra tudo. (Entrevista concedida por modalidade remota, em 15 de abril de 2021, transcrita pelas autoras)

A entrevistada descreve os problemas enfrentados por sua comunidade durante a pandemia, afirmando que a dificuldade no acesso à internet, um meio de comunicação bastante utilizado para contato via chamadas por áudio, trocas de mensagens por aplicativo, troca de e-mails, videochamadas, prejudicou a comunicação entre parentes, assim como dos quilombolas com agentes do poder público local. Ademais, o que retrata como uma “vida de isolamento”, contrasta com as dinâmicas sociais e o ritmo de vida em coletividade. No entanto, a entrevistada afirma:

O que mais preocupa, nesse momento, é a saúde e principalmente a dos nossos mais velhos, que nos acalentam na hora da dificuldade e em relação à nossa identidade ancestral. [...] Além de se contaminar com o vírus, é a saúde mental, o psicológico dos nossos mais velhos, dos jovens, enfim, de todas as pessoas, porque ainda se tem muita dificuldade no acesso aos serviços de saúde. (Entrevista concedida por Maica Tainara Soares Ferreira, por modalidade remota, em 15 de abril de 2021, transcrita pelas autoras)

Nesse sentido, podemos vislumbrar que as dificuldades de comunicação durante o período de pandemia e a falta de acesso aos serviços públicos de saúde, somam-se à preocupação da interlocutora com a saúde mental das famílias quilombolas. Em seu ponto de vista, de uma mulher quilombola que demonstra o cuidado e a preocupação com as gerações de seus “mais velhos”, todos foram de alguma forma afetados, quando não pelo vírus da Covid-19, pelo dano ocasionado por esse acúmulo de contrariedades a uma vida em coletividade e com garantia de direitos sociais.

Recentemente, a gestão municipal de Canguçu foi obrigada judicialmente a promover medidas emergenciais para o acesso à água potável, em seis comunidades quilombolas que não contam com esse serviço em suas localidades. A decisão diz respeito à Ação Civil Pública no 5000371-53.2021.8.21.0042/RS, movida pela Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, em favor das cerca de 500 famílias afetadas pelo descaso público com as condições de saneamento (JUSTIÇA..., 2021).

Sublinhe-se que há mais de uma década existe uma rede local de mobilização quilombola em Canguçu, da qual nossa interlocutora participa ativamente, que culminou na criação do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra – fórum de debates e organização com reuniões mensais. Por meio do Fórum, Maica Tainara e representantes das demais comunidades quilombolas do município vêm buscando fomentar a mobilização coletiva em prol de pautas tão urgentes e necessárias como aquelas relativas ao acesso à água potável, acesso à rede de saúde pública, expedição de talão de produtor rural para as famílias agricultoras e regularização fundiária de seus territórios.

Em publicação recente da Conaq e Terra de Direitos, foram analisados dados referentes ao período de 2008 a 2017, relativos à violação de direitos de comunidades quilombolas, em situações de conflito coletivo – que envolvem a luta e permanência nos territórios. As autoras do estudo desenvolveram uma tipologia para caracterizar o espectro de violações que acomete as comunidades (CONAQ; TERRA DE DIREITOS, 2018). A categorização proposta considera diversas escalas de violência, desde a contaminação das fontes hídricas dos quilombos por agrotóxicos, casos de assédio moral, falta de políticas básicas, até perda do território coletivo e assassinatos de lideranças comunitárias. Desta maneira, as formas em que o racismo estrutural e institucional acomete as vidas de comunidades inteiras são analisadas, do ponto de vista dos tipos de violações, mas, também, sob a perspectiva dos agentes que as operam. Se há recorrência de casos de ameaças advindas de proprietários de terras ou grileiros, por exemplo, a omissão do Estado em promover políticas públicas específicas para a população quilombola contribui para a perpetuação desse cenário.

A violência, a insurgência e a resistência são elementos permanentes e historicamente constitutivos do cotidiano das populações negras brasileiras. Este estado de tensão ininterrupta, composto por “ameaças, torturas, prisões ilegais, despejos e negação sistemática de acesso a bens e serviços” (CONAQ; TERRA DE DIREITOS, 2018, p. 19), além do número de assassinatos, é revelado na publicação Racismo e violência contra quilombos no Brasil. Assim como o racismo institucional, o racismo religioso também é apontado pelas autoras como fonte de violência, além de conflitos originários de interesses políticos e econômicos transnacionais, que invadem os territórios tradicionais.

Como referido anteriormente, o contexto de crise sanitária exacerbou a precariedade do acesso das comunidades quilombolas a direitos básicos, previstos pela Constituição Federal – o que acarreta uma verdadeira “batalha de papéis” na esfera jurídica –, assim como acentuou a fragilidade do Estado brasileiro em fazer valer a condição de signatário de tratados internacionais importantes, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Esta Convenção garante o direito coletivo de consulta livre, prévia e informada para povos indígenas e comunidades tradicionais, diante de obras, projetos ou decisões governamentais que venham a impactar suas vidas, territórios e dinâmicas socioculturais. Perante o enfraquecimento destas garantias, o latifúndio e os megaempreendimentos com impactos socioambientais foram associados às ocorrências de violações de direitos em territórios quilombolas no ano de 2017 (CONAQ; TERRA DE DIREITOS, 2018, p. 84).

Os dados apresentados sublinham uma relação entre modelo de desenvolvimento socioeconômico e racismo estrutural, presente em instituições públicas e privadas. Aqui, nos remetemos ao conceito de necropolítica (MBEMBE, 2018), ao atentarmos para o corte que o racismo efetua, sistematicamente, ao longo da história brasileira, permitindo que a população negra se constitua como alvo de extermínio, por ação ou negligência estatal. Apesar de ser considerado um país multiétnico, a história brasileira é formada por uma estrutura que circunscreve o corpo negro às margens das políticas públicas, inclusive as de saúde. Esta dinâmica ganha contornos na pandemia, na qual a sobreposição das desigualdades sociais e raciais se desvelam.

Mbembe (2018) cunhou o termo necropolítica, a partir dos estudos de Foucault sobre biopoder (2010, 2012, 2015), destacando a questão da raça como elemento na construção de mecanismos de exclusão baseados na ideia de inimigo social – o Estado elege os grupos considerados úteis e descartáveis, os atendidos por políticas de cuidado e cidadania e os que não acessam esses serviços (a população negra, dentre outras, no caso do Brasil).

Nesse sentido, o racismo, como destaca Mbembe (2018), é o motor do princípio necropolítico:

[...] racismo é acima de tudo uma tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder, “este velho direito soberano de matar”. Na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição da morte e tornar possíveis as funções assassinas do Estado. Segundo Foucault, essa é “a condição para aceitabilidade do fazer morrer”. (p. 18)

 Aqui, a necropolítica é entendida como paradigma da divisão entre segmentos sociais, que regulamenta e regulariza o poder de gestão sobre as vidas, selecionando quem pode viver e quem deve morrer na sociedade capitalista contemporânea. Na gestão da pandemia no Brasil, este paradigma encontrou impressionante representação na frase proferida pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, em 27 de março de 2020: “Alguns vão morrer.” Nesta declaração, em que relativiza a gravidade dos contágios por Covid-19, a maior autoridade do país evidencia a naturalização com que o funcionamento da necropolítica é encarado na gestão das políticas de saúde no período.

Se somos uma sociedade estruturalmente fundada no racismo, evidentemente as formas contemporâneas que subjugam a vida ao poder da morte se definem a partir da ideia de que: 1) existem diferentes raças humanas; e 2) existem raças humanas que são inferiores às outras. Estas últimas são as que se deixa morrer. Disto deriva que os brasileiros não estão expostos aos mesmos riscos diante da Covid-19, já que, como em outras situações, o pertencimento étnico-racial dos sujeitos condiciona as consequências do contágio pelo vírus. Assim como em outros países, o racismo estrutural à brasileira produz ativamente uma condição de negligência estatal.

Destacamos que uma das manifestações de negligência na pandemia, apontada por organizações e atores do movimento negro, é o não preenchimento da variável raça/cor nos formulários de atendimento em saúde, apesar de sua obrigatoriedade. A falta de dados prejudica os diagnósticos no que se refere às consequências diferenciais da doença segundo pertencimento racial. Invisibilizar raça/cor (assim como outras variáveis de análise), nos formulários dos sistemas de vigilância epidemiológica, endossa a estrutura necropolítica, ocultando as mortes de parte da população, justamente porque suas vidas podem ser ceifadas a qualquer momento sem que haja nenhuma responsabilização do Estado.

As consequências desta política de morte também caracterizam o cenário de estado de exceção (SELIGMANN-SILVA, 2009), em que o povo negro não usufrui de plenos direitos, podendo conformar-se como inimigo do Estado, que o assassina, o deixa morrer ou o encarcera.

O conceito de estado de exceção é utilizado para caracterizar brechas na Constituição, que permitem que o Executivo suspenda prerrogativas para enfrentar situações anômalas. Como observamos por meio dos dados expostos na publicação da Conaq e Terra de Direitos, e pelas informações trabalhadas ao longo deste texto, o conceito se transfigura em experiência. As populações negras o experienciam cotidianamente, sentindo em seus corpos e territórios o poder de morte do racismo.

Em relação às comunidades quilombolas, o estado de exceção pode ser considerado como experiência histórica: quando porções expressivas da população são privadas dos efeitos da norma constitucional, quando seus direitos são suspensos sistematicamente. Nesse sentido, estamos próximos àquilo que, “[...] segundo Walter Benjamin, é a maior lição da ‘tradição dos oprimidos’: a de que o estado de exceção é na verdade a regra geral” (FARHAT, 2018).

 

Considerações finais

Constata-se que, reiteradamente, as comunidades quilombolas precisam lutar para reafirmar as suas existências e direitos coletivos, mesmo que existam leis, relatórios técnicos e pareceres oficiais a respeito (BRUSTOLIN, 2009). Tal situação é elucidativa do passivo de direitos das populações negras e quilombolas no Brasil, e, igualmente, demonstra o quanto a sociedade brasileira necessita avançar para superar o racismo estrutural (ALMEIDA, 2019) no qual se assentou a formação de nossas instituições sociais. Como destaca Grada Kilomba, no prefácio da edição recente do livro Pele negra, máscaras brancas, de Frantz Fanon, há um “princípio de ausência” (KILOMBA, 2021, p. 12) que torna as vidas e historicidades negras ausentes, como se não existissem. O racismo é elemento estruturante dessas violências: seja o racismo institucional – presente na história de negação do acesso aterra ao povo negro escravizado e seus descendentes –, seja o racismo epistêmico e econômico, que considera a vida negra descartável e, portanto, não humana.

A importância da regularização fundiária para os territórios quilombolas, ressaltada ao longo deste texto, se expressa nos seguintes dados, expostos pela Conaq e Terra de Direitos (2018), referentes ao ano de 2017: “Os quilombos que se encontram em fase inicial de regularização fundiária (33,8%) foram os territórios que indicaram maior ocorrência de violações de direitos. Em seguida, destacam-se as comunidades que possuem o RTID [Relatório Técnico de Identificação e Delimitação] (23,8%)” (CONAQ; TERRA DE DIREITOS, 2018, p. 89).

Estas informações evidenciam que territórios que estão no início do processo de titulação concentram a maioria (60%) dos casos mapeados de violência, o que aponta para a função político-institucional da regularização do território para a proteção das comunidades quilombolas. Considerando que a insegurança jurídico-fundiária agrava a vulnerabilidade dos quilombos, podemos afirmar que a demora nos processos administrativos, agravada pela pandemia, é um fator de risco para as comunidades.

Aqui nos remetemos novamente à necropolítica, que deixa morrer as comunidades e territórios quilombolas, através de vários mecanismos, dentre eles os que “desmobilizam e desestruturam a regulação, os órgãos e os processos de titulação das terras” (CONAQ; TERRA DE DIREITOS, 2018, p. 90). Dificultar o acesso aterra a esta população, para além de impossibilitar acesso a políticas atreladas aos territórios, ameaça seu direito de existir e manter sua identidade étnica, que deveria, segundo a Constituição Federal, ser reconhecido e protegido como patrimônio.

Destacamos, também, outros retrocessos recentes, como nas iniciativas de igualdade racial, de ações afirmativas e de reforma agrária, que se acumulam e expandem o racismo institucional. Ao desmantelamento do aparato de proteção às comunidades somamos o avanço de iniciativas econômicas que aniquilam corpos, territórios e elementos naturais, amparados por um cenário de insegurança jurídico-institucional que incide na credibilidade do regime democrático brasileiro. É este o trágico panorama a partir do qual as comunidades quilombolas enfrentam a pior crise sanitária da história do país.

Por fim, observamos que a pandemia acrescenta, terrivelmente, o vírus da Covid-19 como mais um elemento num cenário de extermínio que já vinha se intensificando nos últimos anos. Desde sua origem, cada comunidade quilombola é vítima da desigualdade social, do não reconhecimento, da não efetivação de direitos garantidos por lei. Durante a crise sanitária, o agravo da condição de precariedade econômica de muitas famílias quilombolas teve por efeito a impossibilidade do isolamento, com deslocamentos e exposição ao vírus, de grande parte da população brasileira em situação de trabalho informal.

Quanto à especificidade de territórios quilombolas que se situam em zonas rurais dos respectivos municípios, como é o caso dos territórios onde vivem os interlocutores com quem estivemos em diálogo, cabe considerar as longas distâncias percorridas diariamente por trabalhadores rurais, a baixa oferta de transporte público nas localidades, a baixa qualidade de serviços de internet disponível para a comunicação por meio de aplicativos de mensagens eletrônicas ou realização de videochamadas, além de dificuldades no acesso a serviços de saúde, que passam a compor um conjunto de situações que acelerou, nos últimos meses, o estado de exceção a que esta população é submetida, diariamente, desde a fundação do país.

A despeito disso, é salutar destacar o aprendizado e as experiências de organização política que são construídas nos processos de resistência negra quilombola, a exemplo – como vimos neste artigo – do ineditismo da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 742, proposta pela Conaq ao STF. Pela primeira vez a Conaq valeu-se da proposição de tal instrumento jurídico com a alegação de violação aos direitos da população quilombola, assim como violação aos preceitos fundamentais da Constituição Federal de 1988. Igualmente, considerando as experiências locais abordadas por meio dos relatos de lideranças quilombolas, ganha destaque o exemplo de mobilização das comunidades em contexto urbano de Porto Alegre que, mesmo perante as dificuldades impostas pela condição de isolamento social, reivindicaram o cumprimento do enquadramento delas como grupo prioritário para ações de vacinação por parte da gestão municipal em saúde.

Pesquisas futuras, em melhores condições para a imersão em campo, poderão aprofundar a análise de iniciativas locais e regionais de organização política e processos mobilizatórios quilombolas, a exemplo da existência do Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra de Canguçu, do Fórum das Comunidades Quilombolas do Litoral Médio do Rio Grande do Sul e da organização das comunidades quilombolas em contexto urbano de Porto Alegre. Aprendizados e experiências locais, que têm em comum a luta por reconhecimento étnico e direitos quilombolas, os quais denotam a pluralidade de formas de mobilização nos territórios, seja por regularização fundiária, acesso à água potável, obras de saneamento e políticas de saúde, ou no acompanhamento de demandas judiciais, tais como as Ações Civis Públicas, merecem atenção dos pesquisadores nos próximos meses – além do constante enfrentamento à poluição dos territórios e suas fontes de recursos hídricos por agrotóxicos ou projetos de mineração.

 Trata-se, assim, de lutas cotidianas permanentes contra inúmeras ameaças à posse das terras tradicionalmente ocupadas e à própria existência das vidas quilombolas. Como abordamos ao longo do texto, os riscos a esta população se agravam em períodos de crise, como o da atual pandemia. No entanto, restam e afloram novas formas de solidariedade, organização e aprendizados coletivos. Como observamos, mesmo que as inúmeras vulnerabilidades enfrentadas pelos grupos quilombolas tenham se agravado, as comunidades – em diferentes contextos regionais e por meio de suas organizações políticas – seguem em luta e movimento.

 

 

Referências

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Como citar

DEL , Mégui Fernanda; SANTOS, Vanessa Flores dos; KOCH, Eleandra Raquel da Silva. Comunidades quilombolas no Rio Grande do Sul, pandemia e necropolíticas. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, e2230107, p. 1-30, 7 abr. 2022. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30n1-7.

 

Mégui Fernanda Del Ré

Doutora em Desenvolvimento Rural pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/UFRGS). Pesquisadora membro do GT Economias Alternativas e Bem Viver do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO).
megui_delre@yahoo.com.br
https://orcid.org/0000-0003-3719-6740
http://lattes.cnpq.br/5770251605185259


Vanessa Flores dos Santos

Mestre e Doutoranda em Antropologia Social pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAS/UFRGS).

vaneflorsantos@gmail.com
https://orcid.org/0000-0003-2744-2426
http://lattes.cnpq.br/3753545976145530


Eleandra Raquel da Silva Koch

Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutoranda em Desenvolvimento Rural pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/UFRGS).

eleandraraquel@gmail.com
https://orcid.org/0000-0002-6882-5987
http://lattes.cnpq.br/2299263755360157

 

 

 

 

 

 

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[1] Doutora em Desenvolvimento Rural pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/UFRGS). Pesquisadora membro do GT Economias Alternativas e Bem Viver do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO). E-mail: megui_delre@yahoo.com.br.

[2] Mestre e Doutoranda em Antropologia Social pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGAS/UFRGS). E-mail: vaneflorsantos@gmail.com.

[3] Mestre em Sociologia pela UFRGS. Doutoranda em Desenvolvimento Rural pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/UFRGS). E-mail: eleandraraquel@gmail.com.

[4] Beghin (2021) destaca que o auxílio emergencial representou um meio significativo de diminuição da fome entre a população pobre, durante a pandemia; entretanto, a sua interrupção penalizou mais incisivamente as mulheres, em especial as mulheres negras.

[5] Esta expressão foi empregada por Salaini e Jardim (2015) num artigo no qual os autores refletem sobre os processos de regularização fundiária quilombola e seus desdobramentos em rotinas administrativas e judiciais. De acordo com a autora e o autor, o termo “batalha de papéis” é evocado para referir-se às negociações travadas durante a realização dos procedimentos estatais cartoriais (SALAINI; JARDIM, 2015, p. 190), o que possui diversas implicações no cotidiano das comunidades.

[6] Esta iniciativa é inédita, pois, pela primeira vez na história, a Conaq propôs uma Ação no STF.

[7] De acordo com a policy analysis, a agenda refere-se àquelas políticas que ganham a atenção dos governantes (policymakers) como um problema que necessita de solução (KINGDON, 1984).

[8] Plataforma on-line que possibilita gerar gráficos e relatórios com os principais indicadores das dimensões do desenvolvimento humano a partir da perspectiva territorial (PNUD; IPEA, 2021).

[9] Ação de distribuição de alimentos a grupos populacionais específicos, conforme Portaria no 527/2017 (BRASIL, 2017).

[10] Trata-se de Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 828/2021, Distrito Federal.

[11] Na Superintendência Regional do Incra/RS existem 106 processos de titulação de territórios abertos. No entanto, há mais de 150 comunidades reconhecidas como remanescentes de quilombos pela Fundação Cultural Palmares no estado.

[12] Como vimos no Quadro 1, em 29 de junho o ministro Edson Fachin estabeleceu o prazo de 5 dias para que o Ministério da Saúde completasse a vacinação quilombola.

[13] Este trecho foi reproduzido da matéria publicada no site da organização Terra de Direitos, conforme Zanon (2021).