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v. 30, n. 1, janeiro a junho de 2022 (publicação contínua), e2230104


Recebido: 13.08.2021   •   Aceito: 08.02.2022   •   Publicado: 23.02.2022

Artigo original / Revisão por pares cega / Acesso aberto

 

 

A Agricultura Natural de Mokiti Okada: uma experimentação moral e política como fonte de inovação de ordem ecológica

Mokichi Okada’s Nature Farming: moral and political experimentation as a source of ecological innovation


orcid_id.png  Julien Blanc [1]    •    orcid_id.png  Paulo Eduardo Moruzzi Marques [2]


DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30n1-4



Resumo: Este artigo[3] veicula uma análise das trajetórias de desenvolvimento da Agricultura Natural no Brasil. Esta última é apoiada por diferentes organizações ligadas à Igreja Messiânica Mundial do Brasil, que consideram seu desenvolvimento como necessário para o advento do “Paraíso na Terra”, ou seja, um mundo “sem doença, sem pobreza e sem conflito”, tal como projetado por Mokiti Okada, fundador deste movimento filosófico religioso nos anos 1930, no Japão. Seguindo os passos da filósofa Emilie Hache, este caso é abordado como uma potencial resposta prática à crise ecológica contemporânea, concebida como sendo simultaneamente de origem moral, política e epistemológica. O artigo destaca as trajetórias evolutivas muito diferentes dos dois principais sistemas de atividade agrícola desenvolvidos pelo movimento (horticultura e avicultura). Com efeito, ambos conhecem o mesmo conjunto de tensões, entre identidade do movimento e exigências religiosas, por um lado, e imperativos de desempenho técnico e financeiro, por outro. Essas tensões são resolvidas de formas muito diferentes em virtude das especificidades da horticultura e da avicultura no seio da Agricultura Natural. A análise permite assim sublinhar as contribuições e os limites desta dinâmica, mas também seu alcance muito além de suas próprias fronteiras, revelando o interesse que uma experimentação moral e política de natureza ecológica deste tipo representa para abordar as questões de desenvolvimento sustentável.

Palavras-chave: transição ecológica; agriculturas emergentes; inovação agropecuária;  filosofia religiosa contemporânea; cosmopolíticas.

Abstract: This text analyses the development of Nature Farming in Brazil; this farming system is espoused by a group of organizations linked to the Brazilian Church of World Messianity which consider it necessary to achieve “Paradise on Earth,” a world "free of disease, poverty, and conflict” envisioned by Mokichi Okada, the Japanese founder of this movement. Following in the footsteps of the philosopher Emilie Hache, this case is considered as a potentially practical response to the contemporary ecological crisis, and understood to be simultaneously moral, political, and epistemological in origin. The text highlights how the two main agricultural activity systems supported by the movement (market gardening and poultry farming) have followed very different evolutionary paths. Both systems are subject to the same group of tensions: the movement's identity and religious requirements on the one hand, and technical and financial performance requirements on the other. These tensions are resolved very differently due to the distinct constraints on gardening and poultry raising within the Nature Farming philosophy. This analysis highlights the contributions and limitations of this dynamic as well as its reach, which extends well beyond its own borders, revealing how a moral and political experiment of this type can be relevant in addressing the challenges of sustainable development.

Keywords: ecological transition; contemporary religious philosophy; agricultural innovation; cosmopolitics.

 

Résumé: Ce texte propose une analyse des trajectoires de développement de l’Agriculture Naturelle au Brésil.  Cette agriculture est portée par différentes organisations liées à l’Igreja Messianica Mundial do Brasil et son développement est considéré comme nécessaire à l’avènement du Paradis sur Terre, un monde “sem doença”, sem pobreza e sem conflito » tel que projeté par Mokiti Okada, fondateur du mouvement dans les années 1930 au Japon. En suivant les traces de la philosophe Emilie Hache, ce cas est abordé comme une potentielle réponse pratique d’ordre à la fois morale, politique et épistémologique à la crise écologique contemporaine. Le texte souligne comment les deux principaux systèmes d’activité agricole supportés par le mouvement (maraichage et aviculture) ont suivi des trajectoires d’évolution très différentes. Il montre que si les deux systèmes d’activité sont pris dans les mêmes jeux de tension, entre exigence identitaire et religieuse du mouvement d’un côté, et exigence de performance de l’autre, ces tensions se résolvent de manières très différentes en raison de contraintes spécifiques très distinctes. L’analyse permet ainsi de souligner les apports et les limites de cette dynamique mais aussi sa portée qui va bien au-delà même de ses frontières propres, révélant l’intérêt qu’une expérimentation morale et politique d’ordre écologique de ce type peut avoir pour les enjeux de développement durable.

Mots-clés: transition écologique; agricultures émergentes; philosophie religieuse contemporaine; innovation agronomique; cosmopolitiques.

 

 

 

Introdução

Fundada em 1955 por dois missionários japoneses, a Igreja Messiânica Mundial do Brasil (IMMB) tem por objetivo desenvolver o projeto iniciado por Mokiti Okada no Japão trinta anos antes: realizar o “Paraíso na Terra”, um mundo “sem doença, sem pobreza e sem conflito, um mundo de paz eterna e de verdade absoluta onde reinam o bom e o belo” (IMMB, 2002). Por um lado, este projeto é movido por uma relação com o mundo profundamente religiosa e fortemente marcada pelo vitalismo.[4] Por outro lado, sua concepção recorre amplamente à experiência negativa que Mokiti Okada vivenciou no Japão de sua época, “um país assolado pela corrupção, pela desonestidade, pela ganância, pelo individualismo, mas também pela desconstrução da natureza, pela poluição e pela feiura” (IMMB, 2002). Assim, Okada construiu seu movimento como uma tentativa de resposta a estes males e à incapacidade das instituições religiosas tradicionais japonesas de enfrentar os desafios individuais e coletivos em torno destas degradações.

Em 2019, a Igreja Messiânica Mundial do Brasil reivindicou mais de 370.000 membros e 2.000.000 simpatizantes e se estruturou em torno de um vasto sistema de atividades. Dispunha, em particular, de 509 centros de culto,[5] de uma propriedade de 260 ha em Ipeúna/SP, qualificada como “protótipo de Paraíso Terrestre”, de uma Faculdade Messiânica,[6] de diversos Centros Culturais de Promoção Artística, assim como de uma série de organizações dedicadas à Agricultura Natural,[7] concebida como um dos pilares da produção do “Paraíso na Terra”. É sobre esta última e, em particular, sobre seu desenvolvimento em solo brasileiro que este artigo se dedica.

Visto do prisma de nossa época e dos desafios de uma crise ambiental hoje considerada como de amplitude global, o projeto de Mokiti Okada pode ser assimilado ao que Émilie Hache (2019) identifica como “experimentação moral e política”. É dessa forma que esta autora qualifica os diferentes movimentos que postulam a moralização da política e da economia como forma de responder a esta crise ecológica. Em razão de ser marcado pelo vitalismo, de conter influências do budismo, do xintoísmo e de religiões populares, particularmente de ascendência animista, o projeto de Mokiti Okada se distingue fortemente daqueles que procedem diretamente do referencial modernista. Com este sentido, a Agricultura Natural, tal como concebida por Mokiti Okada, propõe uma transformação cosmopolítica (STENGERS, 2013) bastante radical. Mas como esta agricultura encontra um lugar no mundo moderno e onde se situa exatamente? Estas questões são pertinentes na medida em que se associam a um projeto mais global que leva a interrogações sobre o potencial de inovação das agriculturas emergentes e sobre sua capacidade de traçar caminhos de uma modernidade alternativa. No entanto, não se trata de produzir aqui uma avaliação normativa, ou ainda menos de julgar a pertinência da Agricultura Natural diante dos desafios econômicos, ambientais ou sociais. A ideia consiste em oferecer elementos suplementares para a compreensão das formas pelas quais se negociam as mudanças de modelos de desenvolvimento, a partir de situações concretas, nas quais as utopias, quaisquer que sejam, são confrontadas com o mundo real.

Assim, nossa abordagem se orienta por uma perspectiva pragmática, apoiando-se em quadros de análise provenientes dos Science and Technologies Studies (STS), em particular dos conceitos desenvolvidos pelos teóricos do ator-rede (Actor-Network Theory – ANT), tais como Callon (1986) e Latour (1999). Convém lembrar que estas abordagens pragmáticas da inovação focalizam antes de tudo a ação em curso, atribuindo a esta última uma função analítica decisiva. Nesta ótica, o conceito de “prova” é central. Com seu emprego, torna-se muito forte o interesse pelos modos emergentes de sua resolução e pelas associações entre actantes (quer dizer, combinando humanos e não humanos) que se constituem neste quadro. Igualmente conceito central no âmbito dos STS, a “tradução” pode ser concebida como toda atividade que visa tornar comensurável universos de sentidos e práticas distintas, principalmente com o objetivo de envolver parceiros suplementares no seio das redes de inovação. Trata-se com efeito de um trabalho de fronteiras (STAR; GRIESEMER, 1989; GALISON; STUMP, 1996), essencial para assegurar o desenvolvimento de redes e sua estabilização ao longo do tempo. Neste sentido, as interpretações apresentadas aqui são produzidas em grande medida a partir de uma descrição dos desdobramentos progressivos da rede de actantes em torno do projeto de Agricultura Natural, encabeçado pela IMMB, da análise conjunta das provas-chave que governam estes desdobramentos, permitindo sua estabilização, e da maneira pela qual a organização e seus atores atuam para manter unidos mundos distintos. Nesta linha, nosso interesse pelas ideias e representações dos promotores da Agricultura Natural (em primeiro lugar, de Mokiti Okada) se justifica sobretudo na medida em que permitem identificar o que produzem no encontro com o mundo tal como é.

A análise proposta se apoia em pesquisa realizada entre julho e novembro de 2015, fundada em estudo de documentos, entrevistas semiestruturadas, visitas a áreas produtivas e acompanhamento em suas atividades cotidianas de técnicos e agrônomos ligados às organizações da IMMB. Os documentos consultados são essencialmente produzidos por uma destas últimas, encarregadas de questões agrícolas, seja sob forma impressa, inclusive os textos escritos por Mokiti Okada traduzidos para o português e editados na coleção Alicerce do Paraíso, seja por via de sites da internet.[8] As entrevistas semiestruturadas, acompanhadas das visitas às áreas de produção, foram efetuadas a 15 agricultores implicados nas redes da IMMB (6 horticultores, 5 produtores de ovos e 4 de frango de corte) e a 10 profissionais de organizações ligadas à IMMB (FMO, CPMO e Korin), em particular os responsáveis pelos departamentos de pesquisa e de extensão. O acompanhamento das atividades de dois técnicos ocorreu, cada um, durante vários dias sucessivos. É a partir deste conjunto de dados obtidos que foi possível reconstruir as trajetórias de desenvolvimento da Agricultura Natural no Brasil. Convém também realçar que as análises desenvolvidas aqui revelam um quadro de dinâmicas com recorte final no início de 2016. Se existem referências a datas posteriores podendo aparecer no artigo, trata-se de atualizações que nos pareceram necessárias quando da redação do texto, o que é, contudo, muito pontual.

O texto está organizado em duas volumosas partes. A primeira apresenta o projeto de Mokiti Okada, em termos de ideias, concepções de mundo e de representações associadas essencialmente às questões em torno da Agricultura Natural. A segunda se inspira em grande medida nos métodos descritivos dos STS para identificar as provas-chave as quais a Agricultura Natural confronta, desde sua implantação no Brasil, as resoluções associadas, além de, mais amplamente, toda a atividade tendo contribuído ao desenvolvimento e estabilização de suas redes. Neste propósito, trata-se de focalizar as trajetórias dos dois grandes setores de produção promovidos a partir da origem, ou seja, a horticultura e a avicultura. A análise se completa com a identificação de determinantes e dinâmicas das trajetórias de desenvolvimento da Agricultura Natural no Brasil desde sua implantação no início dos anos 1970. 

 

A Agricultura Natural como projeto

As considerações de Mokiti Okada sobre a agricultura, assim como a importância que lhe atribui para a salvação (na Terra) da Humanidade, estão em consonância com as posições de toda uma sequência de pensadores do começo do século XX, hoje identificados como pioneiros da agroecologia[9] no mundo moderno. Entre eles, o inglês Sir Albert Howard, o austríaco Rudolf Steiner, o suíço Hans Müller, o alemão Hans Peter Rusch, ou ainda o japonês Masanobu Fukuoka. Contemporâneos de Mokiti Okada, todos são críticos fervorosos tanto da modernização agrícola quanto da própria Modernidade na medida em que provocam uma ruptura com o sentimento de pertencimento a um mundo comum (humano e não humano) e uma fragilização dos princípios de interdependência e de responsabilidade generalizada que lhe deveriam estar associados. Todos estes pensadores têm igualmente em comum a concepção das primeiras respostas críticas diante da agroquímica. Esta última, vale lembrar, nasceu no final do século XVIII (JAS, 2011). Ao focalizar o funcionamento das plantas, eruditos da época deslocaram a maneira usual de abordar os problemas agrícolas, cuja centralidade era, até então, a fertilidade dos solos e o húmus. Desta maneira, a problemática principal se tornou a nutrição vegetal com nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), identificados como elementos essenciais ao desenvolvimento das plantas. Assim, os adubos minerais sintéticos conheceram grande triunfo e o solo foi relegado a simples suporte da agricultura. Os pioneiros da agroecologia compartilham assim a preocupação em restituir ao solo um lugar situado no cerne das problemáticas agrícolas, insistindo sobre seu papel fundamental no equilíbrio ambiental, na conservação dos agroecossistemas e na saúde das plantas cultivadas, assim como daquela dos humanos que as consomem.

 

Pureza do solo, vitalismo e autorrealização

Para Mokiti Okada, o elemento central da Agricultura Natural é o respeito à “pureza do solo”, tratando-se de uma condição necessária à plena expressão da “força vital”. A referência vitalista aqui é clara e ilustra um componente fundamental da relação com o mundo de Mokiti Okada: todo ser vivo e todo elemento “natural” (o solo, as pedras, o vento etc.) dispõem de intencionalidades e cada um deles é sede de uma força vital (unificadora do espírito e da matéria). Mokiti Okada confere assim claramente um status de sujeito aos seres não humanos e a outros actantes que povoam os campos,[10] a autorrealização destes seres constituindo uma das condições à salvação, na Terra, da Humanidade. Esta dimensão é fundamental e é importante levá-la a sério, pois marca fortemente a identidade da Agricultura Natural e suas trajetórias de desenvolvimento. A propósito, a própria expressão “agricultura natural” é uma tradução latina da expressão shizen nôhô, na qual o termo shizen (natural) tem um valor sobretudo adjetivo e se relaciona a noções como “em sua própria espontaneidade”, “ser de si mesmo” ou “sem agir”. Neste sentido, o vocábulo “natural” da agricultura de Mokiti Okada  remete a um processo de autorrealização (BERQUE, 1986; BOUTRY-STADELMANN, 2006; ROBERT, 2018) e não a um estado particular (aquele da natureza). Deste modo, praticar uma agricultura “natural” significa, antes de tudo, possibilitar às diferentes entidades que participam da produção dos alimentos de se autorrealizarem em suas próprias trajetórias. A intervenção do homem no solo acrescentando moléculas “poluentes”, por exemplo, contraria estas autorrealizações e altera suas possibilidades.

Desta proposição resulta a ideia segundo a qual se deve tratar de outra maneira as entidades da “Grande Natureza”, com vistas ao estabelecimento de relações cuidadosas. Decorre então uma forma de respeito por estas entidades, sem que se tornem instrumentos dos fins humanos, mas participantes, sob orquestração humana, da produção do grande destino comum, de um mundo sem doença, sem miséria etc. Embora tênue, a nuance é importante, pois implica não apenas humildade, mas também reconhecimento de uma certa fragilidade da humanidade imposta por uma necessária e permanente negociação com os outros seres.

 

Um tratado elementar de agronomia e a responsabilidade da ciência

Para Mokiti Okada, o solo deve, antes de tudo, ser “vivificado”. Esta “vivificação” passa por “seu aquecimento”, pela “manutenção da sua humidade” e pela prevenção contra “seu endurecimento”. Na prática, a regra consiste em “não acrescentar nada ao solo”, a não ser “compostos naturais”, capazes de contribuir com a vivificação do solo, sem bloquear sua força vital. Uma de suas referências é o funcionamento dos solos florestais, o que reenvia ao papel fundamental do húmus: “dirijam seu olhar para a superfície do solo das matas e atentem para a abundância de vegetais secos e folhas caídas (...). Eles representam o trabalho da Natureza para enriquecer o solo, que nos ensina que devemos utilizá-los” (IMMB, 2008, p. 32). Desta forma, Okada qualifica como “compostos naturais” apenas estritamente a esfera do vegetal. Os adubos de origem animal (como esterco de cavalo, cama de galinha ou resíduos de peixe), assim como aqueles de síntese química, são considerados antinaturais: “não caem do céu, nem brotam da terra: são transportados pelo homem” (IMMB, 2008, p. 18). Transposta para um registro agronômico, a Agricultura Natural pode, assim, ser considerada como uma abordagem fundada em regras relativamente simples, mas bastante restritivas: interdição de todo recurso à química, ao uso de esterco ou de qualquer contribuição de origem animal e mesmo de tudo que seria “transportado” pelo homem. O conjunto desta orientação visa manter a pureza do solo, de forma a não entravar os mecanismos que ocorrem em seu seio. A aposta é que, ao potencializar a atividade do solo desta maneira, o sistema estará suficientemente “vivificado” para prescindir de qualquer produto químico visando controlar agentes patogênicos: conviver com as pragas constitui, de fato, outro dos lemas de Mokiti Okada, o que é cada vez mais compartilhado nos mundos da agroecologia. 

Por outro lado, a combinação de interdições, conselhos e prescrições não produz, de forma alguma, um manual de Agricultura Natural. Este conjunto apenas limita as possibilidades, ao mesmo tempo que aponta para perspectivas a serem exploradas. O próprio Mokiti Okada assume que seu legado é oriundo, sobretudo, da intuição, não propondo nenhuma solução técnica real para enfrentar as limitações decorrentes do seu quadro normativo. Seus conselhos práticos são baseados em observações e experimentações realizadas por ele mesmo em sua horta ou por seus vizinhos agricultores. Seus textos apresentam, assim, generalizações um tanto apressadas,[11] mas mostram de modo simultâneo que Mokiti Okada tem consciência destes limites. Assim, afirma que apenas experimentações metódicas permitirão descobrir soluções reais aos problemas encontrados, confiando esta missão aos agricultores e à ciência. Esta última é concebida por Okada como o conjunto de atividades que têm por objetivo inspecionar e produzir conhecimentos sobre as dimensões “materiais” do universo. Este líder espiritual confere então um papel essencial para a atividade científica na realização de suas esperanças. Contudo, a ciência tal qual observa em sua época se engana, pois não levanta as boas questões: “(...) no que concerne à agricultura, ela não tem nenhuma força, ou melhor, está muito equivocada, negligenciando o Poder da Natureza” (IMMB, 2008, p. 25). Nesta linha de raciocínio, a ciência formula falsos problemas e indica soluções ilusórias. Aliás, o cientificismo dos Modernos é central para tal falsidade uma vez que, para Okada, a formulação de questões corretas passa pela articulação, quando não subordinação, da atividade científica aos processos “espirituais” que, com a matéria, (co)regem o universo.

 

Para além da agronomia, uma agricultura do espírito e da prosperidade

A Agricultura Natural não é, portanto, apenas uma história de materialidade, mas também de espiritualidade. Como visto, não há separação, para Mokiti Okada, entre a matéria e o espírito, que se codeterminam, de modo que as diretrizes agronômicas deveriam responder a um enquadramento de ordem “espiritual”. Podendo também ser qualificada como intencional ou moral, esta impregnação espiritual não é específica à vertente “agrícola” do projeto de Mokiti Okada, mas constitui uma abordagem geral, incitando os humanos a se fundirem em ethos particular que combina honestidade, responsabilidade, devoção ao coletivo e ao trabalho, além da cultura do belo. Este ethos constitui a garantia de uma prosperidade econômica compartilhada, única capaz de combater a pobreza e a feiura, além de ser condição para que posturas empreendedoras éticas assegurem o bem-estar de todos (inclusive dos agricultores), sem reproduzir os efeitos prejudiciais do capitalismo, tais quais identificados por Mokiti Okada.[12]

Se é esperado que as ações dos agricultores sejam guiadas por este ethos, de forma mais ampla, é o conjunto da produção e da circulação de alimentos que deve ser orientado por este enquadramento. Tal norte permitiria que a circulação generalizada de “intencionalidades positivas” se estabelecesse na cadeia de relações, não somente entre as entidades que contribuem para a produção de alimentos (agricultores/agricultoras, solos, plantas, animais etc.), mas também entre os indivíduos que consomem estes alimentos. Deste modo, seria possível que estas intencionalidades positivas se propagassem no mundo todo. Oportuno esclarecer ainda que este princípio de “circulação generalizada” se estende para além da ordem moral, respondendo à necessidade de difusão da “força vital”: de origem divina, o fluxo desta última está, para Mokiti Okada, no fundamento de tudo e, como visto, a questão fundamental da Agricultura Natural consiste em não entravá-lo. Desta forma, é como se toda atividade – inclusive a Agricultura Natural – fosse concebida a partir da conexão de três níveis de existência (matéria, intenção e força vital), tratando-se de mantê-los unidos.

 

Trajetórias de desenvolvimento da Agricultura Natural

No Brasil, o desenvolvimento da Agricultura Natural se baseava, no momento de nossas pesquisas de campo em 2015, em diversas organizações, as três mais primordiais sendo o Centro de Pesquisa Mokiti Okada (CPMO),[13] a empresa Korin agropecuária e a “consultoria agrícola” da Fundação Mokiti Okada (FMO).[14] Esta última foi criada no começo dos anos 1970 como emanação operacional da Igreja Messiânica. Graças a seus fundos, foram financiados, entre outros estabelecimentos, a Faculdade Messiânica, centros de promoção de arte e o centro de pesquisa. A Fundação também desenvolve há anos diversos projetos de cunho educacional e ambiental, voltados à alimentação ou ao fomento de hortas domésticas.

 O Centro de Pesquisa Mokiti Okada (CPMO) foi fundado no começo dos anos 2000. Ocupando mais de 140 hectares em Ipeúna, no estado de São Paulo, é herdeiro – reorganizado e com infraestruturas ampliadas – do Centro de Desenvolvimento da Agricultura Natural (Cdan), uma estrutura de pesquisa erigida em 1992 que substituíra a Estação Experimental de Atibaia, instituição pioneira criada em 1974. Como seu predecessor, o CPMO emprega cerca de cinquenta funcionários. Estes centros desenvolveram progressivamente infraestruturas consequentes: laboratórios foram construídos e equipados para conduzir pesquisas sobre solo, vegetais, alimentação e saúde animal, áreas de investigação diretamente ligadas às atividades agrícolas fomentadas pelo movimento. Hoje, o CPMO engloba quatro departamentos (setores de pesquisa em manejo de solo e planta, em desenvolvimento de sementes, em animais de produção e em microbiologia aplicada à agropecuária) e possui numerosas parcerias com os meios acadêmicos brasileiro e internacional.

A empresa Korin Agropecuária é um dos ramos da empresa Korin Empreendimentos e Participações. Criada em 1994 para responder ao desenvolvimento de atividades lucrativas no setor agrícola, em 2015 empregava mais de 100 pessoas; gerava um volume de negócios de 108 milhões de reais, apresentando um crescimento anual de cerca de 15%. Até 2015, a Korin se desenvolveu essencialmente a partir do crescimento da avicultura, uma atividade iniciada pela Fundação em 1992 que, ainda hoje, constitui sua ponta de lança. A partir de 2013, uma estratégia de diversificação foi iniciada. Durante nossa pesquisa de campo, a empresa comercializava com sua própria marca uma variedade cada vez maior de alimentos, tais como frango, ovos, carne bovina, peixe, arroz, café, feijões, milho em grãos, farinha de mandioca e mel. O conjunto da sua linha de produtos mais ou menos transformados totaliza 200 itens registrados, que são vendidos de forma crescente em lojas franqueadas, mas também através de grandes supermercados e mercearias de produtos alimentares diferenciados (orgânicos, naturais, saudáveis). A Korin ambiciona “tornar-se uma empresa líder no Brasil” para o benefício do “desenvolvimento socioeconômico do país, através da oferta de produtos originários da tecnologia da Agricultura Natural”.[15]

Desde o começo dos anos 1990, estas estruturas apoiaram[16] o desenvolvimento das duas principais atividades agrícolas implementadas pelo movimento, a avicultura e a horticultura, ainda que, em 2018, a Korin comercializasse, com sua própria marca, muitos produtos alimentares diferentes, como mencionado anteriormente. No entanto, esta diversificação é bastante recente, tendo sido essencialmente a produção avícola que permitiu que a empresa crescesse e se tornasse conhecida em todo o Brasil.

Com cerca de 380.000 frangos abatidos mensalmente em 2013 (DEMATTÊ FILHO, 2014), 450.000 em 2015, segundo nossos interlocutores, e mais de cem empregados divididos entre polos logísticos, comerciais, de acompanhamento técnico e de pesquisa, a avicultura constituía, em 2015, o carro-chefe da empresa. Trinta e oito produtores independentes, um abatedouro, meios de transporte significativos e uma marca comercial com três linhas distintas de produtos (frango sem antibiótico, frango orgânico e frango caipira) estavam envolvidos nesta atividade que gerava lucros importantes, reinvestidos em grande parte nos trabalhos de Pesquisa-Desenvolvimento conduzidos no CPMO. A imprensa escrita, especializada e destinada ao público geral,[17] exaltava regularmente o sucesso da Korin, apresentada como uma referência nacional em matéria de avicultura sustentável.

Em comparação, a horticultura não aparece numa situação muito favorável. No momento da nossa pesquisa, três funcionários (dois engenheiros agrônomos e um técnico) acompanhavam uma dúzia de agricultores cujos volumes de produção eram desconhecidos. Este acompanhamento, ainda que pago, apresentava um saldo negativo, obrigando um apoio financeiro permanente por parte da organização. Não havia marca nem estrutura comercial, nem mesmo uma rede formalizada em torno desta atividade. Entretanto, tal não fora sempre o caso. No final dos anos 1990, a Associação dos Produtores em Agricultura Natural (Apan) reunia quase 350 horticultores, oriundos de seis estados das regiões Sul e Sudeste do Brasil.[18] Grandes encontros eram organizados regularmente e grupos de trabalho funcionavam por estado. Efetivamente, vários horticultores de São Paulo conheciam a Fundação Mokiti Okada.

Assim, a dinâmica em torno da horticultura havia conhecido na década de 1990 seus dias de glória, o que contrasta com o estado anômico em que a atividade se encontrava em 2015. A situação pode ainda parecer mais surpreendente dado que a horticultura constituía, como foi realçado, a referência central de Mokiti Okada. Para compreender tal fenômeno, convém retomar o fio da meada seguindo os caminhos sinuosos tomados pela Agricultura Natural desde sua emergência no Brasil.

 

As conturbações da horticultura

As primeiras tentativas de estabelecimento da Agricultura Natural no Brasil datam de meados dos anos 1970, quando o movimento ganha um terreno de 17 ha destinado, sobretudo, à experimentação hortícola. O desafio, tal como relatado pelos entrevistados, consistia em conseguir produzir alimentos com preços acessíveis e, ao mesmo tempo, fornecer uma renda decente aos agricultores. Segundo suas palavras, buscava-se então respeitar “ao pé da letra” os preceitos de Mokiti Okada, quer dizer, conseguir produzir “sem acrescentar ao solo nada”, exceto adubos de origem vegetal.

Seriam necessários 15 anos de esforços para que um primeiro documento de referência sobre a prática da horticultura em Agricultura Natural fosse publicado, em 1984. Com 20 páginas de considerações técnicas, este documento detalha diferentes modalidades do uso de compostos de origem vegetal, técnicas de controle “natural” de doenças e ervas daninhas, práticas de rotação e associação de culturas, assim como empregos diversos de adubos verdes. No entanto, apesar destes resultados serem julgados encorajadores, não eram suficientes no que diz respeito à produtividade do trabalho: a venda da produção (nas comunidades messiânicas de São Paulo) estava longe de permitir remunerar os trabalhadores agrícolas. Portanto, a atividade permanecia deficitária, o modelo ainda não tendo se tornado viável.

Para os entrevistados em 2015, a introdução de micro-organismos eficientes (EM) permitiu um avanço importante. Vindo do Japão pelas mãos de Teruo Higa, conhecido por ser seu “inventor”, os EM consistem em combinação equilibrada de micro-organismos[19] cuja atividade aumenta a fertilidade do solo, melhora a retenção de água e reforça as capacidades de defesa natural das plantas (HIGA; WIDIDANA, 1991).[20] No Japão, testes conduzidos com os EM mostraram que seu uso permitiria um aumento de quase 30% dos rendimentos, em comparação com uma agricultura orgânica mais clássica (LIN, 1991; ARAKAWA, 2007).[21] Introduzidos na estação de Atibaia no final dos anos 1980, com o bokashi[22] que lhes é estreitamente ligado, os EM mostram-se igualmente eficazes e, do ponto de vista de nossos interlocutores, exerceram um papel fundamental para a expansão da horticultura natural, além de sua estação experimental.

De fato, a partir do começo dos anos 1990, a Agricultura Natural ganha espaço no universo da horticultura brasileira (irradiando-se a partir do estado de São Paulo). Para tal expansão, ela se apoiou na criação de uma célula de acompanhamento agrícola e na Apan, mencionada anteriormente. Sessões de formação e encontros entre produtores foram organizadas. Seu sucesso permitiu a construção de uma importante rede colaborativa apoiada num poderoso dispositivo de pesquisa-extensão implementado pela Fundação, com a criação do Cdan e das colaborações que teceu com o meio universitário brasileiro. Um “conselho científico” que acolheu universitários renomados[23] foi, notadamente, criado em torno da problemática da horticultura e, até meados dos anos 2000, seus membros participaram regularmente das formações e do acompanhamento das práticas de certos produtores, mobilizando os laboratórios do centro de pesquisa e das diferentes instituições de pesquisa-desenvolvimento com os quais laços foram estabelecidos (Esalq/USP, Universidade Federal de Lavras, Ufla).

Entretanto, para além de sua estação experimental, a Agricultura Natural se confrontou com um universo hortícola bastante difuso do ponto de vista de sua organização e de suas práticas. Assim, acomodou seus estreitos princípios originais neste universo. Como nossos interlocutores da Fundação revelam, nunca se tratou, naquela época, de impor de forma intransigente as premissas da Agricultura Natural, mas, antes, de concebê-la como horizonte a ser atingido, numa perspectiva mais ampla da transição agroecológica, em expansão. Em outras palavras, as práticas que se desenvolveram, sob orientação dos técnicos agrícolas e dos grupos de pares, permaneceram, finalmente, bastante afastadas da Agricultura Natural almejada por Mokiti Okada. Seu enquadramento original é muito exigente e, de toda evidência, difícil de ser implantado.

Esta construção em torno da horticultura natural desmoronou subitamente em meados dos anos 2000. Uma reformulação imposta pela Fundação em 2007 separa as atividades de assistência técnica agrícola e de pesquisa até então administradas conjuntamente pelos membros do Centro de Pesquisa. A assistência técnica torna-se paga e estritamente individualizada, bem como as atividades coletivas (formações, encontros) deixam de ocorrer. Mais tarde, o “conselho científico” foi dissolvido, marcando uma interrupção definitiva do diálogo entre os técnicos agrícolas da Fundação e os pesquisadores do CPMO. Estes últimos, aliás, reorientaram em grande parte suas atividades para pesquisas mais fundamentais e para outros setores de aplicação, principalmente a fruticultura. Até mesmo os profissionais que se dedicavam, no CPMO, às experimentações hortícolas foram progressivamente deslocados para outras atividades, principalmente a produção, ainda embrionária no país, de sementes orgânicas, cujo mercado é potencialmente imenso.

Em 2015, as visitas efetuadas nas produções hortícolas nos mostraram que, de fato, apesar de serem o objeto de um acompanhamento intenso, uma importante flexibilidade constituía a regra. Diversos agricultores utilizavam, por exemplo, a fertilização de origem animal para seus cultivos. Outros recorriam a detergentes neutros ou à calda bordalesa para controlar – em certos períodos do ano e em certas culturas – um ataque de pragas ou doenças, julgado excessivo. Da mesma forma, vários horticultores recuperavam resíduos vegetais, cuja natureza por vezes deixava dúvidas, para adubar seus solos: por uma questão de oportunidade, um produtor aproveitava, por exemplo, a palha da cultura de cana-de-açúcar proveniente de uma fazenda vizinha, sob agricultura industrial. Difícil agir de maneira diferente, comentavam os agrônomos da Fundação. No nível das escolhas produtivas, de fato, as regras não são ditadas, mas negociadas com as exigências práticas e vitais daqueles que povoam os campos, humanos ou não humanos, mas também das trocas comerciais e, mais amplamente, dos elos que compõem a cadeia agroalimentar. É, portanto, toda uma rede, com suas modalidades particulares de relacionamento, que deve ser transformada, a partir do campo até o consumidor, para uma adequação ao enquadramento normativo proposto por Mokiti Okada.

 

O desenvolvimento fluido da avicultura

A história da avicultura natural, em comparação, é ao mesmo tempo mais curta e mais fluida. Suas primeiras experimentações foram conduzidas em 1993, visando produzir frangos em massa, mas sem recorrer aos antibióticos. O desafio era considerável, pois, até então, a avicultura industrial brasileira não contava com tal procedimento. O sucesso não tardou e, desde 1994, a Fundação consegue produzir contingentes de 10.000 frangos sem antibióticos por ciclo de dois meses no seu próprio galpão. Consequência direta de uma oferta antes inexistente, os frangos colocados no mercado foram objeto de uma forte demanda, para muito além do círculo formado pelos membros da Igreja Messiânica, a priori os primeiros interessados em consumir produtos identificados como oriundos da Agricultura Natural. Neste contexto, a Fundação decidiu investir massivamente na avicultura, com a construção de seu próprio abatedouro e, a partir de 1996, com o desenvolvimento de uma estratégia de integração de avicultores em atividade na região, propondo parceria segundo seus padrões de produção.

Deste modo, trata-se de potencializar vantagens de um setor fortemente integrado, com a introdução de modelo produtivo específico em cadeia de produção bastante estruturada: os pintinhos são fornecidos com a alimentação aos avicultores integrados, que os engordam até o abate, beneficiando-se de um acompanhamento técnico rigoroso. Quando atingem o ponto de abate, quer dizer, depois de cerca de 42 dias (DEMATTÊ FILHO, 2014), os frangos são recolhidos pela empresa e encaminhados ao abatedouro. Após o abate, são condicionados para a distribuição, no início, especialmente supermercados. Convém esclarecer que a Korin está implantada em território de produção avícola, o que lhe permite beneficiar-se de um elevado número de produtores potenciais. A questão consiste em convencê-los a integrar um sistema com métodos particulares de produção, que já demonstraram na prática sua viabilidade.

No início, as dificuldades foram particularmente numerosas, a atividade apresentando uma insuficiente rentabilidade econômica. Com efeito, durante quase dez anos foi deficitária, obrigando as estruturas em seu entorno (FMO, Igreja Messiânica, Korin) a manter uma sustentação financeira considerável (DEMATTÊ FILHO, 2014). Para tentar remediar esta situação, a empresa aposta, notadamente, no crescimento (impulsionado pela demanda) e nos ganhos de escala. Mas aqui, também, cada mudança impacta toda a cadeia, representando desafios importantes a enfrentar. Após anos de investimento em pesquisa-desenvolvimento, no começo dos anos 2000, a avicultura “natural” se torna lucrativa. Foram então desenvolvidas novas bases técnicas para a produção de frangos “orgânicos” e “caipiras”, além do conjunto da atividade se configurar para responder às exigências da certificação de bem-estar animal (Humane Farm Animal Care – HFAC). Estas inovações, assim como o conjunto da progressão técnico-econômica, estão associadas a um poderoso dispositivo de pesquisa-desenvolvimento e com uma forte conexão entre este último e o acompanhamento técnico avícola. Ademais, diferente da horticultura, a reformulação do dispositivo de extensão iniciado em 2007 não provocou impacto na atividade avícola. Desde então sob responsabilidade da empresa Korin, o acompanhamento técnico dos criadores manteve-se em nível elevado e em vínculo estreito com as pesquisas conduzidas no CPMO. Em 2015, o conjunto destes dispositivos continuava apoiando um forte crescimento da atividade. Como os próprios produtores atestam, se o trabalho é mais exigente do que quando integrados com empresas concorrentes, os benefícios obtidos graças à parceria com a Korin são mais consequentes, tanto no plano financeiro (melhor remuneração) quanto na qualidade da relação que tecem com a empresa (acompanhamento contínuo, respeito dos contratos, diálogo e confiança).

 

Um pragmatismo tanto econômico quanto religioso?

A maior parte de nossos interlocutores afirma que as causas do desengajamento da Fundação na atividade hortícola e sua forte implicação na avicultura são de ordem econômica. No primeiro caso, tratar-se-ia de uma resposta ao custo do dispositivo de extensão implementado nos anos 1990 e 2000, extremamente elevado em relação ao seu frágil retorno do investimento. Na ausência de um selo específico, de uma marca própria e de um sistema estruturado de comercialização, a Fundação contava apenas com a venda de soluções à base de EM aos agricultores para equilibrar suas contas. 

É verdade que as especificidades da produção hortícola levantam uma equação de difícil resolução para a organização. Em razão da dispersão territorial da produção, das propriedades perecíveis dos produtos, assim como do pouco valor agregado que poderia ser obtido, toda tentativa de integração se torna dificilmente viável no plano econômico.[24] De fato, organizar e assegurar o transporte, como a coordenação e planejamento da produção de múltiplos pequenos produtores, constituem tarefas que implicam custos físicos e transacionais elevados, difíceis de suportar para uma organização não cooperativa, exceto se apropriar da maior parte do valor agregado obtido com os produtos em detrimento da remuneração dos produtores (ver, por exemplo, BLANC; KLEDAL, 2012). Quando a empresa abandonou a opção de produzir por ela mesma em grande escala, em razão de questões ligadas à rentabilidade muito frágil (custos elevados do trabalho, ganhos de escala limitados, dificuldades de obter financiamento, sistema de tributação das grandes empresas desfavorável), o modelo integrativo similar àquele da produção de frangos pareceu ainda muito complexo e inviável. Desta forma, o possível imaginável seria conseguir inventar um modelo que fosse simultaneamente muito descentralizado e remunerador para a organização, o que efetivamente não ocorreu. Ao contrário, como visto, a avicultura dispunha de diversas vantagens (inovação de mercado, pré-organização centralizada do setor, entre outras), o que lhe permitiu, não sem dificuldades e graças a uma grande habilidade, além de investimentos financeiros consideráveis, gerar benefícios significativos e constituir, assim, a ponta de lança agroeconômica da Fundação. Assim, as lógicas econômicas e seu pragmatismo desempenharam, muito provavelmente, um papel central na trajetória do desenvolvimento da Agricultura Natural no Brasil.

No entanto, outra interpretação pode ser sugerida para explicar o desengajamento na horticultura, desta vez de ordem religiosa. Como mencionado, o quadro normativo agrícola legado por Mokiti Okada, enquanto integrado aos textos canônicos, participa das “referências estáveis da conformidade crente e praticante” (HERVIEU-LÉGER, 1999). Como em toda comunidade de crédulos, estas referências constituem uma questão de controle identitário para a instituição. Por consequência, as trajetórias de desenvolvimento da horticultura, objeto explícito de proscrições e prescrições, articulam-se diretamente com esta questão. Deste modo, a orientação para seguir ao “pé da letra” tal enquadramento normativo marcou as ações em torno do dispositivo experimental inicial (em Atibaia, entre 1975 e 1990) e o conteúdo do referencial técnico derivado (1987). Convém igualmente enfatizar a maneira pela qual ocorreu a integração dos EM e do bokashi na caixa de ferramentas da Agricultura Natural, necessitando de uma tradução ad hoc de seu(s) princípio(s) de ação para assegurar sua concordância com o registro vitalista. Nesta linha de raciocínio, a dinâmica de extensão implantada em torno da horticultura nos anos 1990 pôde se tornar, em dado momento, problemática: os trabalhos com os agricultores, sob uma perspectiva mais global de conversão da horticultura à agroecologia, levaram ao afastamento da Agricultura Natural de seus fundamentos. É verdade que os 15 anos de atividades intensas (1990-2005), apoiadas por poderoso dispositivo de pesquisa-ação, não permitiram a emergência de um contingente de agricultores capazes de reivindicar claramente uma prática sob as regras da Agricultura Natural. Como observado, ainda era o caso em 2015, apesar de um acompanhamento que se tornara novamente importante.

Então, parece pertinente considerar a hipótese segundo a qual, para evitar o problema do afastamento perturbador das regras (inerente ao processo de construção da horticultura natural, mas podendo incidir diretamente na identidade do movimento), a instituição preferiu se desengajar das atividades hortícolas in situ, para reorientar seus esforços na produção de sementes, questão certamente capital, mas que permite ao mesmo tempo um retorno ao universo “protegido” da estação experimental. A trajetória da avicultura, como contraponto, tende a reforçar esta hipótese. Aqui, ao contrário, Mokiti Okada não concebeu explicitamente nenhum referencial. Não há, portanto, normas iniciais ou regras a serem respeitadas. Aliás, ninguém na Fundação propõe explicitar o que poderia ser, concretamente, uma produção de frango em adequação com os princípios da Agricultura Natural. É justamente esta ausência de enquadramento que confere à avicultura natural a liberdade de se implantar sem incidentes, a única exigência sendo aquela da progressão: retirar os antibióticos, responder às exigências de bem-estar animal, fornecer uma alimentação orgânica, passar para uma criação com acesso a áreas de pastejo e daí em diante.

 

‘Permanecer juntos’: uma moral ecológica na prática

Retomando a terminologia da sociologia da inovação, uma das forças da Instituição é sua capacidade de manter unidos mundos sociais particularmente heterogêneos a partir de um importante trânsito entre fronteiras (GALISON; STUMP, 1996). Diversos casos podem servir de ilustração e os produtos identificados como provenientes da Agricultura Natural constituem um exemplo: se são em parte consumidos pelos membros da Igreja Messiânica, os consumidores sem laços particulares com esta última, por vezes sem sequer conhecer sua existência, também são numerosos. Neste caso, a “tradução” (CALLON, 1986) passa em grande parte pelos padrões produtivos (garantia e especificação das condições de produção) que retiram toda referência à cosmogonia e à teologia concebida por Mokiti Okada ao mesmo tempo que mobilizam alusões à saúde, ao meio ambiente e ao bem-estar animal. Outro exemplo seria o dispositivo que rege as relações entre a organização e os avicultores. Dentre o grupo considerado na pesquisa, nenhum pertencia à Igreja Messiânica e todos possuíam um escasso – por vezes nenhum – conhecimento do pensamento de Okada. Se nesse caso, também, o translado entre estes dois universos é assegurado pelo padrão produtivo (especificações das condições de produção), tal transposição se apoia igualmente no respeito a normas comportamentais: implicação no trabalho, honestidade, transparência e rigor, principalmente, são esperados tanto dos criadores como da empresa. Estas expectativas comportamentais se remetem diretamente às “intencionalidades positivas” (ou enquadramento moral), mencionadas na primeira parte do artigo, aqui aplicadas à esfera das relações entre humanos. Como último exemplo, o sucesso do CPMO, tão importante que, no momento de nossa pesquisa de campo, seus responsáveis procuravam frear o desenvolvimento das colaborações, pode ser explicado pela capacidade de fomento de trabalhos inovadores. Mas, antes de alcançar este êxito, foi necessário obter reconhecimento como uma instância “normal” de pesquisa cientifica. É neste nível que se efetuam cruzamentos de fronteiras, a partir da conformação dos pesquisadores do Centro às normas do mundo acadêmico. Exemplos deste tipo são múltiplos, o que permite destacar a aptidão notável que a organização possui de operar em grande diversidade de fronteiras, constituindo a chave da construção de um edifício hoje imponente, que pode se orgulhar de ter conseguido criar redes entre atores pertencendo a universos bastante heterogêneos: desde fiéis que constituem o coração do corpo  da Igreja e a financiam; passando por bactérias e fermentos que permitem acelerar a degradação da matéria orgânica, além de  vegetais, insetos e outros animais a serviço do projeto; e agricultores, pesquisadores, consumidores e políticos, na maior parte situados fora da Igreja. Com efeito, como lembra Bruno Latour (2015) e foi salientado ao longo do artigo, o esforço para manter estes mundos unidos, bem como aquele que permite o crescimento da rede, é ininterrupto.

Transitando agora do registro da sociologia da inovação para voltar ao mundo próprio de Mokiti Okada e à missão específica que o movimento se atribui, a questão fundamental de Okada é manter unidas as dimensões materiais e espirituais do universo segundo uma perspectiva orientada para a produção do “Paraíso na Terra”. Neste campo e em matéria de Agricultura Natural, tal união significa conseguir tecer, no âmbito das atividades em questão (horticultura e avicultura), uma diversidade de fios (entre agronomia, ética, economia, religião, vitalismo) no quadro de uma tensão permanente entre duas exigências: aquela da preservação identitária da Instituição e aquela de conciliação com o mundo tal como é para quem pratica a agricultura no cotidiano. Foi costurando os fios deste tecido que o projeto de Mokiti Okada, elaborado no Japão nos anos 1930, pôde ser implantado no Brasil contemporâneo e é graças a este trabalho que pode continuar se ajustando ao cotidiano, ao mesmo tempo que o transforma. Os seres humanos são os “maestros”, afirma Mokiti Okada, mas regentes humildes que buscam orientar os fluxos para produzir formas. Desse modo, é frequentemente necessário deslocar o movimento, reorientar a tecelagem, cuidando sempre para manter o que aparece, finalmente, como essencial: a circulação de intencionalidades positivas e do fluxo vital.

As denominadas “intencionalidades positivas” parecem, assim, constituir um elemento-chave do quebra-cabeça. Contribuem de maneira consequente a manter os fios e os mundos unidos. Transversais às esferas humanas e não humanas, trata-se de exigências racionais, fundadas na aliança, no respeito e na confiança, inscritas na prática e convocadas a circular no conjunto da rede de protagonistas: solo, plantas, insetos, agricultores, pesquisadores e consumidores (sem citar outros tantos). Foi mencionada sua presença marcante nos textos de Mokiti Okada. Acontece o mesmo no campo, onde a exigência relacional é frequentemente explícita, notadamente no âmbito das interações humanas. Foi também observado como a Fundação e seus técnicos atribuem grande importância às condições de vida dos avicultores com quem trabalham, à qualidade das relações tecidas com estes últimos, assim como à sua própria implicação no trabalho e nas interações profissionais. O mesmo acontece no âmbito da horticultura, em que as exigências de melhorias, de engajamento e de esforço no trabalho orientam as atividades tanto de técnicos quanto de agricultores. Atenção, respeito e zelo parecem assim integrar as relações estabelecidas entre estes atores. Estas qualidades são esperadas no fundamento da atitude dos agricultores vis-à-vis daqueles que consomem seus produtos,[25] bem como integram as relações entre os membros do CPMO e seus colaboradores da academia, o que foi possível constatar na pesquisa de campo. Finalmente, esta intencionalidade positiva deve revestir as relações entre os agricultores e os seres vivos[26] que povoam espaços destinados à produção. Até onde foi possível observar, todos os agricultores possuem em comum a experimentação de novas maneiras de agir, mais cuidadosas, com os seres vivos. Com o empréstimo dos registros da agronomia e da ecologia, seria possível considerar que estão engajados na complexificação de seus agroecossistemas, favorecendo sinergias, desenvolvendo controle biológico, potencializando relações tritróficas entre plantas, insetos predadores e seus inimigos naturais, além de, sobretudo, otimizar relações “simbióticas” entre plantas e micro-organismos da rizosfera. Estas atividades podem ser descritas, então, como uma exploração cotidiana das formas e dos limites que a parceria com a “natureza” poderia tomar (MARIANI; BLANC, no prelo), tendo como base as prescrições de Mokiti Okada, que funciona antes de tudo como horizonte intencional.

 

Conclusão

No início deste artigo, a Agricultura Natural é apresentada como uma “experimentação moral e política” (HACHE, 2019) visando desenvolver uma cosmopolítica (STENGERS, 2013) mais acolhedora em relação ao conjunto dos seres vivos, sejam humanos, sejam outros que humanos (HARAWAY, 2009). Neste plano, nossa análise realça que sua dinâmica permite com efeito uma certa reconfiguração das relações humanas, afastando-se de lógicas puramente utilitaristas para revalorizar o envolvimento (de si), a atenção (ao outro) e a responsabilidade (vis-à-vis de todos). Igualmente, a análise revela que através deste processo no âmbito das redes estabelecidas, todos os seres, humanos ou não, ganham em consideração. Evidentemente, o resultado está longe de ser perfeito, considerando como referencial tanto as esperanças de Mokiti Okada quanto as expectativas mais comuns associadas à produção simultânea de um mundo socialmente mais justo e ecologicamente mais sustentável. Alguns poderiam lançar um olhar crítico sobre o caráter religioso do movimento e sobre suas implicações em matéria de adesão a normas comportamentais. Outros poderiam criticar uma demasiada correspondência das trajetórias trilhadas pela Agricultura Natural com princípios frequentemente descritos como de modernização ecológica (MARDSEN, 2004; BLANC, 2021). Entretanto, o que está em obra aqui não somente materializa soluções interessantes, mas apresenta pistas promissoras, aptas a alimentar a construção de alternativas bem além das fronteiras do movimento, em matéria de produção agroalimentar inovadora com bases agroecológicas, de ética empresarial, de “responsabilidade social da empresa” (QUAIREL-LANOIZELÉE; CAPRON, 2010) e de melhor distribuição do valor agregado nas cadeias agroalimentares. Aliás, esta é provavelmente uma das razões do sucesso da Agricultura Natural, resultado essencial do desenvolvimento e estabilização de suas redes, garantido por sua capacidade de manter juntos mundos muito heterogêneos, envolvendo uma grande diversidade de atores e actantes, para retomar os termos próprios dos STS.

Neste plano, o pragmatismo dos atores vinculados à IMMB nos parece desempenhar papel fundamental. Em tal caso, não se trata de um contraponto da dimensão ideológica do movimento impulsionado por Mokiti Okada, mas uma de suas partes integrantes: este último encarna assim uma filosofia pragmática tanto quanto uma doutrina religiosa. Seria possível então afirmar que a tensão entre duas forças contraditórias – de um lado, aquela aberta aos seres do mundo, com sua diversidade, suas necessidades e reivindicações, e, de outro, aquela normativa, visando produzir homogeneidade e sintonia – resulta num tipo de motor propulsor da inovação do movimento. As dinâmicas inovadoras em termos agropecuários no seio do movimento constituem um bom exemplo: impossível efetivamente não reconhecer que a fecundidade das atividades da organização seja o resultado de sua obrigação de se movimentar no interior de um quadro normativo particularmente restritivo. Mas exatamente o fazer com este quadro exige por vezes o dilatar, na medida do aceitável, para criar um espaço fecundo de ação. Não é, pelo menos em parte, esta normatividade, por meio dos movimentos, que provoca por suas restrições, que estimula, desde meados dos anos 1970, dezenas de pesquisadores, agrônomos, técnicos agrícolas e agricultores (mobilizando entidades naturais absolutamente singulares, tais como os EM) a produzir novas práticas, novas tecnologias, novos conhecimentos dos mais pertinentes na interseção da agronomia e da ecologia?

 

Agradecimentos

Os autores expressam seus agradecimentos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp, que apoiou financeiramente esta pesquisa, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico – CNPq, por sua subvenção, bem como à Fundação Mokiti Okada – FMO e aos agricultores participantes, que tornaram a pesquisa possível.

 

 

Referências

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Como citar

BLANC, Julien; MARQUES, Paulo Eduardo Moruzzi. A Agricultura Natural de Mokiti Okada: uma experimentação moral e política como fonte de inovação de ordem ecológica. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, e2230104, p. 1-26, 23 fev. 2022. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v30n1-4.

 

Julien Blanc

Professor Associado no Département Homme et Environnement do Muséum national d’Histoire naturelle, França. Doutor em Eco-anthropologie (EA) pelo Muséum national d’Histoire naturelle, França.

https://orcid.org/0000-0002-8555-1930
http://lattes.cnpq.br/9201457613194471
julien.blanc@mnhn.fr


Paulo Eduardo Moruzzi Marques

Professor Associado de Sociologia na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), com ênfase em Sociologia Rural. Doutor em Sociologia (étude des sociétés latino-américaines) pelo Institut des Hautes Etudes de l’Amérique Latine, Paris, França. Pós-doutor em Sociologia pelo Laboratoire Dynamiques Sociales et Recomposition des Espaces (LADYSS), França.

https://orcid.org/0000-0002-0514-7568
http://lattes.cnpq.br/2647338058590600
pmarques@usp.br

 

 

 

 

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[1] Professor Associado no Département Homme  et Environnement do Muséum national d’Histoire naturelle, França. Doutor em Eco-anthropologie (EA) pelo Muséum national d’Histoire naturelle, França. E-mail: julien.blanc@mnhn.fr.

[2] Professor Associado de Sociologia na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), com ênfase em Sociologia Rural. Doutor em Sociologia (étude des sociétés latino-américaines) pelo Institut des Hautes Etudes de l’Amérique Latine, Paris, França. Pós-doutor em Sociologia pelo Laboratoire Dynamiques Sociales et Recomposition des Espaces (LADYSS), França. E-mail: pmarques@usp.br.

[3] Texto escrito em francês e traduzido para o português por Amanda de Souza Araujo Dias, com revisão e ajustes pelos autores.

[4] Na medida em que confere uma força vital e uma intencionalidade aos seres vivos e aos elementos “naturais” (o solo, as pedras, o vento etc.), através dos quais se unificam o espírito e a matéria.

[5] Dispersos pelo Brasil, apesar da maioria estar implantada no estado de São Paulo.

[6] Situada na Vila Mariana, na capital do estado de São Paulo, oferece formações, notadamente, em teologia, pedagogia e, mais recentemente, Agricultura Natural:  https://www.faculdademessianica.edu.br/.

[7] Principalmente, a Fundação Mokiti Okada – FMO, o Centro de Pesquisa Mokiti Okada – CPMO e a empresa Korin agropecuária.

[8] Por exemplo, aqueles da empresa Korin: https://www.korin.com.br; da Fundação Mokiti Okada: https://www.fmo.org.br; da IMMB: https://www.messianica.org.br ou do CPMO: http://www.cpmo.org.br.

[9] Convém aqui destacar que as experiências em Agricultura Natural contribuem para o efervescente debate em torno da agroecologia, em particular no que se refere ao seu papel como disciplina científica, movimento social ou prática agrícola (DORÉ; BELLON, 2019). No entanto, este artigo não integra esta questão em seu escopo.

[10] Em diversas passagens de seus textos, Okada se refere às qualidades e às competências dos seres outros que humanos que contribuem para a produção dos alimentos: “Certamente, as árvores também possuem espírito. [...] Não há erro em lidarmos com qualquer elemento da Grande Natureza acreditando que ele possui espírito” (IMMB, 2008, p. 82). Ou ainda, “o homem, até agora, pensava que a vontade-pensamento, assim como a razão e o sentimento limitavam-se aos animais. Entretanto, eles existem também nos corpos inorgânicos. [...] A única diferença é que a vontade-pensamento nos seres animados é mais livre e móvel, ao passo que o solo e as plantas não têm liberdade nem movimento” (IMMB, 2008, p. 83).

[11] Por exemplo, a propósito dos compostos vegetais, apresenta a ideia de que “tudo isso refere-se ao arroz, mas aplica-se a qualquer tipo de produção agrícola” (IMMB, 2008, p. 29), sem nenhuma demonstração; ou “no caso da batata-doce, por exemplo, obter-se-ão batatas enormes, de causar espanto; nas leguminosas, os grãos serão grandes e a quantidade maior (...)” (IMMB, 2008, p. 29), sem nenhuma referência aos protocolos experimentais.

[12] Nos seus textos, Mokiti Okada escreve muitas páginas fundindo questões econômicas, dispositivos empresariais e ética do trabalho. Assim, entrelaça estes três pontos de tal maneira que é impossível não perceber os traços da cultura japonesa e, como afirma Yoneyama (2008), os valores veiculados pelas duas religiões predominantes no país, o budismo e o xintoísmo: no lugar de valorizar a afirmação de si, estas orientações religiosas teriam favorecido o desenvolvimento do espírito de grupo e da harmonia, assim como o sentido do pragmatismo.

[13] Disponível em: http://www.cpmo.org.br/.

[14] Disponível em: http://www.cpmo.org.br/.

[15] Ver “Relatório 2015 Ações socioambientais da Korin agropecuária” em: http://www.korin.com.br/wp-content/uploads/2017/05/relatorio-2015.pdf e http://www.korin.com.br/empresa/nossa-visao.

[16] Na Fundação e na Empresa Korin operam equipes dedicadas ao acompanhamento agrícola (o que será tratado posteriormente), com suas organizações se inserindo em sistema de atividades extremamente complexo no plano jurídico e de governança. A Igreja e a Fundação, em particular, desempenham aqui um papel-chave. Contudo, para os propósitos deste artigo, suas diferentes estruturas são apenas apresentadas como interligadas.

[17] Por exemplo, o artigo intitulado “Por dentro da produção da Korin: a saga do frango continua”, publicado em 2015 na revista Gastrolândia, faz referência, justamente, ao fato de que Alex Atala, prestigioso chef de cozinha brasileiro, adquira frangos exclusivamente na Korin (http://gastrolandia.com.br/reportagem/por-dentro-da-producao-da-korin-a-saga-do-frango-continua/). Outro exemplo, a revista econômica Exame, no dia 7 de junho de 2019, acolhe positivamente o investimento de vários milhões de reais realizado pela Korin para construir uma usina de produção de rações alimentares sem transgênico. Ver: https://exame.com/blog/primeiro-lugar/korin-investe-r-16-milhoes-em-fabrica-para-ter-frango-sem-transgenico/.

[18] São Paulo estava amplamente representado, seguido pela ordem de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná,  Rio de Janeiro e Minas Gerais.

[19] Micro-organismos fotossintéticos, ácido láctico, fixadores de nitrogênio, actinomicetos e decompositores (filamentosos e fermentadores).

[20] São igualmente conhecidos pelo seu poder oxidante que facilita a decomposição da matéria orgânica e limita o desenvolvimento de doenças no solo.

[21] É desta forma que os autores a qualificam em seus escritos de 1987 e 1991, que veiculavam, todavia, a observação de que tais resultados eram inferiores àqueles da agricultura convencional.

[22] Bokashi em japonês significa “matéria orgânica fermentada” ou “fertilizante orgânico fermentado”. É obtido pela degradação da matéria vegetal segundo um processo aeróbico ou anaeróbico. No âmbito da Agricultura Natural, a fermentação anaeróbica é preconizada. Os EM aceleram a preparação do bokashi, enriquecendo-os com equilíbrio. 

[23] Tais como Ana Primavesi, especialista do solo e considerada como uma das pioneiras da agroecologia no Brasil, ou Hasime Tokeshi, especialista em fitopatologia, associado à USP via sua unidade agronômica, a Escola Superior de Agricultura Luiz Queiroz (Esalq). Os dois autores publicaram diversas obras referenciais em suas áreas, notadamente em termos de manejo do solo (PRIMAVESI, 2002).

[24] Sem contar os impactos ambientais que tal modo de operação pode representar. 

[25] Em todo caso, tal expectativa em relação à postura dos agricultores foi mencionada por nossos interlocutores. De fato, nossas pesquisas não tiveram o objetivo de focalizar interfaces das trocas mercantis.

[26] Como actantes dotados de uma vitalidade.