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v. 29, n. 3, outubro de 2021 a janeiro de 2020, p. 574-596
Recebido em 23 jun. 2021. Aceito em 2 set. 2021.



Gestores e burocracias nas políticas públicas da agricultura familiar

Managers and bureaucracies in public policies for family farming

 

DOI: 10.36920/esa-v29n3-4


orcid_id.png  José Renato Sant’Anna Porto[1]


Resumo: Este artigo tem como objetivo realizar uma análise acerca do contexto institucional e burocrático em que estão inseridos os gestores das políticas para agricultura familiar. A partir de um conjunto de entrevistas semi-estruturadas realizadas com gestores e tendo como referência teórica uma interpretação crítica da burocracia, o artigo discute desafios vivenciados pelos gestores na construção de um aparato burocrático específico para a agricultura familiar no governo federal. Traz também para discussão o papel exercido pelos órgãos de controle no contexto recente e seus efeitos sobre as políticas públicas estudadas, em especial no que se refere aos instrumentos de promoção da participação. Por fim, juntamente com alguns apontamentos finais, o artigo analisa questões sobre a linguagem administrativa do Estado e o processo de “burocratização” que se impõe aos atores sociais nas relações com as políticas públicas para a agricultura familiar.

Palavras-chave: burocracia; gestores; agricultura familiar.

 

Abstract: This article analyses the institutional and bureaucratic context in which family farming policy managers are inserted. Based on a set of semi-structured interviews carried out with managers and having as theoretical reference a critical interpretation of bureaucracy, the article discusses some challenges experienced by managers in the construction of a specific bureaucratic apparatus for family farming in the Federal government. It also introduces a discussion on the role played by audit policy in the recent context and its effects on the public policies studied, especially with regard to instruments to promote participation. Finally, in addition to some final considerations, the article examines questions about the administrative language of the State and the process of “bureaucratization” imposed on social actors in relation to public policies for family farming.

Keywords: bureaucracy; managers; family farming.

 

 

 

 

 

Introdução

Este artigo tem como objetivo empreender uma análise acerca do contexto institucional e burocrático em que estão inseridos os gestores das políticas públicas voltadas para o campo da agricultura familiar, através da sistematização de conteúdo de entrevistas realizadas com os mesmos. Tomando como referência algumas reflexões sobre a ideia de burocracia organizadas no campo dos estudos críticos em administração (PRESTES MOTTA, 1981; TRAGTENBERG, 1980) e também na sociologia (WEBER, 1971), são propostos aqui debates sobre um conjunto de dispositivos jurídicos e administrativos ligados à burocracia que configuram o ambiente de atuação no contexto das políticas públicas estudadas.

Nesse sentido, o artigo tem como proposta trazer à tona a percepção dos próprios gestores a respeito do contexto político, institucional e burocrático que conforma o trabalho cotidiano com as políticas públicas para agricultura familiar. Por vezes negligenciada, a burocracia consiste em um elemento central para uma reflexão sobre o ambiente institucional, uma vez que organiza relações de poder, hierarquia e controle sobre os processos administrativos fundamentais para a implementação de qualquer programa ou política pública no aparato do Estado.

Trata-se, portanto, de uma reflexão a respeito da burocracia e do papel que esta exerceu no período recente no que tange à conformação do processo de implementação e do próprio conjunto de políticas públicas para o público da agricultura familiar. Tal discussão terá como ponto de partida os depoimentos dos gestores, que serão aqui apresentados textualmente afim de exemplificar as discussões a partir de casos concretos. As entrevistas que deram fruto a tais depoimentos foram viabilizadas a partir de uma pesquisa mais ampla,[2] que teve como objetivo estudar continuidades e descontinuidades no âmbito das políticas para agricultura familiar, tendo a perspectiva dos gestores como um dos principais elementos para as análises. Nesse sentido, foram convidados para o diálogo gestores com ampla experiência no campo das políticas para agricultura familiar, com vinculação a diferentes instâncias do governo federal (secretarias, ministérios, comissões, autarquias etc.) que direta ou indiretamente mantêm relação com o processo político de implementação dessas políticas públicas.

Tendo como referência, tanto a base teórica relacionada a uma interpretação crítica da burocracia, quanto esta perspectiva metodológica de trazer à tona os depoimentos e as percepções dos gestores com relação aos limites e possibilidades configuradas pelas estruturas e práticas burocráticas,[3] as seções de debate tratam sobre os seguintes temas: (i) uma breve contextualização do referencial teórico e metodológico que auxiliou nas análises aqui organizadas; (ii) alguns desafios vivenciados pelos gestores na construção de um aparato burocrático específico para a agricultura familiar; (iii) o papel exercido pelos órgãos de controle no contexto recente e seus efeitos sobre as políticas públicas estudadas, em especial no que se refere aos instrumentos de promoção da participação e gestão social; e, por fim, juntamente com alguns apontamentos finais, tratamos (iv) sobre a linguagem administrativa instituída no Estado e o processo de “burocratização” que se impõe aos atores sociais nas relações estabelecidas a partir das políticas públicas para a agricultura familiar.

Breve discussão teórico-metodológica

Embora a administração pública seja um campo com expressão importante nos estudos sobre políticas públicas, a maior parte do debate contemporâneo ligado a esse campo de conhecimento tem centrado atenção a temas associados sobretudo ao debate da nova gestão pública. As discussões sobre burocracia no Brasil (em particular, com base em uma abordagem crítica) parecem ter perdido espaço nas agendas de pesquisa desde e, em meados dos anos 1990, observou-se o advento da Reforma Gerencial da Administração Pública. Essa reforma implicou não só uma reestruturação administrativa do Estado, mas também influenciou a agenda de pesquisa no campo dos estudos de administração pública que, desde então, centraram mais atenção a esse tema, a “reforma do estado” (BRASIL; CAPELLA, 2016).

A ideia fundamental da Reforma Gerencial é que a burocracia tradicional é ineficiente, morosa, insulada e que, portanto, seria necessária uma profunda revisão do serviço público a fim de conferir mais agilidade no atendimento ao cidadão (BRESSER-PEREIRA, 2001, 2008). Tem como principais referências os desdobramentos acumulados na área da gestão empresarial que, durante os anos 1970 e 1980, particularmente, na Inglaterra, de Thatcher, e nos Estados Unidos, de Reagan, foram apropriados como modelo de gestão pública no contexto do Estado neoliberal que ali se formara. Esse movimento, também chamado de “nova gestão pública” culminou em uma intensa reorganização nas estruturas administrativas, as quais foram drasticamente reduzidas, resultando em uma transferência de vários serviços públicos para o setor privado. Trata-se de um fenômeno que se espraiou pelo mundo todo, estreitamente vinculado à agenda de reformas neoliberais das economias nacionais (MORAES, 2002) e que também foi conduzida como um pré-requisito imposto pelo Banco Mundial aos países chamados subdesenvolvidos.

Sem entrar em minúcias desse processo histórico, o que fugiria aos objetivos deste artigo, cabe aqui ressaltar que, no Brasil, essa orientação de reforma do Estado ganhou escala a partir de 1995 e mantém-se viva até os dias atuais, conforme veremos em alguns exemplos debatidos nas seções seguintes, a partir dos depoimentos dos gestores. Também é facilmente observável no âmbito do discurso privatizante que avança no Brasil a passos largos nos últimos anos, e que resgata uma narrativa associada diretamente a essa agenda, o que pode ser visto particularmente desde o processo de impeachment de Dilma Rousseff e com a eleição de governantes mais diretamente alinhados a uma “lógica de mercado”, que defendem a drástica retração das estruturas do Estado e uma maior inserção de entes privados na área da gestão pública. Um exemplo bastante claro nesse sentido são as transformações na gestão das políticas públicas na cidade e no estado de São Paulo, sob o governo de João Dória, bem como os inúmeros retrocessos nas agendas de participação social e de diálogo com movimentos sociais em curso no governo federal, desde Temer e, agora, mais incisivamente com Bolsonaro.

Aqui é importante destacar que, embora os governos petistas tenham fortalecido a gramática da participação social e um amplo leque de interações entre Estado e sociedade no âmbito da organização da administração pública (ABERS; SERAFIM; TATAGIBA, 2014), sobretudo na esfera federal, a implementação da agenda da reforma gerencial iniciada ainda na segunda metade dos anos 1990 foi cumprida a rigor. Isso acarretou efeitos na operação dos programas e políticas públicas e, inclusive, uma contradição, um confronto de interesses entre a gramática da participação social e a ideia do gerencialismo administrativo, algo que se expressou, por exemplo, na dificuldade de fazer avançar (ou radicalizar) os instrumentos e a ideia da democracia participativa.

A agenda da nova gestão pública, enraizada nesta matriz privatizante, tem como discurso fundamental a eficiência supostamente atribuída aos entes privados. Tem como horizonte “extirpar o mal” da ineficiência da burocracia tradicional. Mas cabe aqui recorrer mais uma vez, brevemente, à história. O ideal da administração burocrática foi implantada no Brasil ainda na década de 1930, no governo de Getúlio Vargas. Calcado no objetivo de erradicar o clientelismo do setor público, em 1938, foi fundado o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), que encabeçou intensas reformas a fim de organizar racionalmente as atividades do setor público.

O fato a atentarmos aqui é que nem a reforma burocrática, com o Dasp de Vargas, nem a reforma gerencial, com o Ministério da Administração Federal e de Reforma do Estado de Bresser Pereira e Fernando Henrique Cardoso, lograram êxito completo. Ou seja, são as práticas clientelistas e as práticas burocráticas elementos ainda existentes e que influenciam a organização administrativa do Estado no Brasil. Como bem ressalta Edson Nunes (1997), há que se atentar para uma gama heterogênea de práticas ou gramáticas políticas que se sobrepõem e que convivem, por vezes, mutuamente. Ou seja, examinar a gestão de políticas públicas no contexto atual significa se debruçar sobre um emaranhado de práticas políticas que associam clientelismos, novos privatismos, lógicas (nem sempre eficientes) de gestão racional-burocráticas, elementos de participação social e outros tantos arranjos e discursos específicos que se cristalizaram sobre as diversas e muito variadas instituições que compõem aquilo que chamamos de Estado.

Sendo assim, não temos o fenômeno “burocracia” superado no âmbito da nossa administração pública, e, seja na esfera federal, estadual ou municipal, a burocracia deve ser considerada, sempre que possível, no campo das análises que objetivam interpretar a concepção, o funcionamento e os efeitos desencadeados a partir das políticas públicas. Mais que isso, há que se buscar entender como as associações entre essas diferentes gramáticas conformam dispositivos de poder heterogêneos, em que práticas clientelísticas e burocráticas são parte nada desprezíveis de uma configuração hoje hegemônica que se organiza através do discurso da eficiência privada, propalado pelos novos defensores da (nem tão) nova gestão pública.

Apesar de algumas abordagens mais recentes, como é o caso das pesquisas que focam os estudos nos “burocratas de nível de rua”[4]street-level-burocracy (LIPSKY, 1980; LOTTA, 2010) –, lançarem mão de metodologias que colocam os gestores ou implementadores de políticas como parte do objeto de análise,discussões sociológicas sobre o conceito de burocracia ainda permanecem ausentes nos estudos sobre políticas públicas. A burocracia, no senso comum (e também, muitas vezes, no campo acadêmico) é sinônimo de morosidade e ineficiência. Na sua origem, como retratado por Max Weber, tem outras conotações, relacionadas, sobretudo, ao processo de racionalização e desencantamento do mundo na modernidade contemporânea, que, no “âmbito administrativo”, digamos assim, se refletiu em uma forma racional de organizar os processos de trabalho, seja na empresa privada, seja no processo de transformação dos Estados.

Max Weber em várias de suas obras e, em especial, em Ensaios de sociologia (1971) discorre amplamente sobre o surgimento do fenômeno “burocracia” na sociedade moderna. Apesar de fazer uma incursão histórica, afim de compreender as formas tradicionais de organização administrativa, como no contexto do sistema de produção asiático, é sobre a racionalidade instrumental-legal, que emerge na organização do sistema capitalista, em particular no continente europeu, que Weber se detém mais profundamente. Nesse sentido, para o autor, o ideal burocrático moderno é indissociável de suas origens e, portanto, a burocracia deve ser interpretada a partir das relações sociais que lhes dão sustentação e que ela própria reproduz.

Não raro encontramos estudos que, muito apressadamente, anunciam Weber como ideólogo e defensor da burocracia, desconsiderando a perspectiva crítica que o autor alemão empreende ao identificar elementos fundamentais para a compreensão do fenômeno burocrático. Em Weber, a burocracia é uma expressão das relações de poder, de dominação, que se organizam a partir de técnicas, discursos e procedimentos que legitimam esta forma de organização em comparação a todas as outras existentes:

a superioridade puramente técnica sobre qualquer outra forma de organização. O mecanismo burocrático plenamente desenvolvido compara-se às outras organizações exatamente da mesma forma pela qual a máquina se compara aos modos não-mecânicos de produção. (WEBER, 1971, p. 249)

É no âmbito dessa organização social, estruturada hierarquicamente e fundada em procedimentos de divisão do trabalho (típicos do capitalismo), que se estabelecem relações de poder em que os burocratas são alçados a posições de dominação e controle, escorados no saber técnico e no discurso da eficiência que é intrínseco à máquina que operam.

Como dito, há um uso muito superficial e até mesmo irresponsável da teoria de Weber, que procura enaltecer supostas qualidades do método burocrático de organização do trabalho, ancorando no argumento da racionalização dos procedimentos e na negação de todas as outras formas de organização e administração. No Brasil, ao longo da década de 1980, autores como Maurício Tragtenberg (1980) e Guerreiro Ramos (1983) conduziram escolas de pensamento crítico na área dos estudos em administração e tiveram (mesmo que de maneiras distintas) como referência o pensamento weberiano sobre burocracia. Tragtenberg (1980) foi além, e construiu uma matriz de reflexão heterogênea sobre a burocracia. Sem perder de Weber a sua contribuição crítica, foi capaz de associar a ela elementos marxistas e também anarquistas, como em suas contribuições a respeito da ideia de autogestão. Para o autor, que entendia burocracia como o oposto de autonomia, o importante a ser retido da obra de Weber é que a sociedade deve se defender da burocracia, dado o poder acumulado no processo de centralização administrativa.

Outro autor importante nessa linha de reflexão é Fernando Prestes Motta. Conhecido como “sociólogo das organizações”, organizou uma série de trabalhos com o objetivo de problematizar a discussão sobre burocracia, entendendo-a como “uma estrutura social na qual a direção das atividades coletivas fica a cargo de um aparelho impessoal hierarquicamente organizado, que deve agir segundo critérios impessoais e métodos racionais” (PRESTES MOTTA, 1981, p. 7). Como destaca Prestes Motta, associando práticas de subordinação técnica a práticas de subordinação organizacional, a burocracia consiste em um método de organização do trabalho que promove o insulamento das decisões, separando planejamento e execução, e distanciando os burocratas do alcance e do controle da sociedade

Um elemento importante a reter aqui, que está presente tanto para Tragtenberg, quanto para Prestes Motta, é que não devemos restringir a análise da burocracia apenas às estruturas administrativas, aos postos e às rotinas de trabalho, e sim ampliarmos o olhar e a interpretação para os processos de burocratização que, segundo os autores, é universal, um fenômeno que se espraiou desde meados do século XX para todas as formas de organização na sociedade. Ou seja, há que se perceber os efeitos da burocracia não só no Estado e nas empresas, como também no contexto das práticas políticas dos atores sociais. Um exemplo clássico tratado pelos autores diz respeito à burocratização dos partidos políticos, que se organizam de maneira hierárquica, concentram poder de decisão, impedindo o surgimento de mecanismos efetivos de engajamento, politização e participação popular. De maneira similar, podemos refletir sobre os efeitos desencadeados sobre os movimentos e organizações da sociedade civil que operam ou participam da gestão de políticas públicas. Refletindo em consonância com outros trabalhos que se propuseram a debater o que podemos chamar de burocratização dos movimentos sociais (LOPES; HEREDIA, 2014), veremos, a partir dos casos mencionados pelos gestores entrevistados, como esse processo pode ser também observado na esfera das políticas para a agricultura familiar.

Em suma, tendo visto alguns dos principais elementos que conformam a referência dos estudos críticos em administração, cabe então reter, como bem organiza Prestes Motta (1981), que burocracia é, ao mesmo tempo, um mecanismo de poder, de controle e de alienação. Ou seja, mais que uma simples forma de organização racional do trabalho, é preciso apreender as relações sociais que instituem a estrutura burocrática e que são por ela reproduzidas, conferindo atenção não apenas à burocracia em si (observando a sua eficiência, sua estruturação ou a sua morosidade etc.), mas centrando também o olhar para os efeitos decorrentes das práticas burocráticas em relação aos atores sociais que estão implicados na gestão de políticas públicas.

 

Burocracia, ‘ausência de burocracia’ e a fragilidade institucional do Ministério do Desenvolvimento Agrário

Um primeiro ponto de reflexão que surge a partir da análise das entrevistas, diz respeito ao desafio de se constituir um aparato burocrático na Administração Pública Federal para a gestão de um novo conjunto de políticas públicas, voltadas especificamente para o público da agricultura familiar. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi fundado no ano de 1999, no início do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, em um contexto marcado tanto por uma grande pressão dos movimentos sociais rurais quanto pela agenda neoliberal de organismos internacionais. Em 1995 e 1996 ocorreram dois grandes episódios de conflitos agrários, em Corumbiara, no estado de Rondônia, e em Eldorado dos Carajás, no Pará, resultando no assassinato de vários camponeses e integrantes de movimentos sociais. Fruto destes e de outros episódios, como os Gritos da Terra, nesse mesmo período se intensificou o debate sobre a questão agrária e a demanda por políticas específicas para o público dos agricultores familiares (MATTEI, 2010), culminando na criação do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) em 1996 e, como já mencionado, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 1999.

Paralelamente às demandas sociais por políticas públicas específicas para os camponeses, havia, no mesmo período, uma influência não desprezível de organismos internacionais – como o Banco Mundial – que visavam interferir na formulação do projeto institucional e no perfil de políticas públicas para a agricultura familiar (PEREIRA, 2016). Isso teve como consequência um progressivo desgaste das políticas agrárias no contexto deste novo ministério, sendo que esta agenda foi sendo aos poucos substituída (ou secundarizada) pelos programas que assumiam a ideia de desenvolvimento rural como principal referencial.[5] É também o que aponta Montenegro Gómez (2006) ao analisar o relatório Brazil: the management of agriculture, rural development and natural resources, documento do Banco Mundial que influenciou a elaboração do programa “Novo Mundo Rural” (ou “Agricultura Familiar, Reforma Agrária e Desenvolvimento Local para um Novo Mundo Rural. Política de Desenvolvimento Rural com Base na Expansão da Agricultura Familiar e sua Inserção no Mercado”), nome dado ao principal Programa para a agricultura familiar no período FHC.

É nesse complexo ambiente político, conformado por interesses heterogêneos, que o quadro administrativo do Ministério começa a se consolidar. Se é verdade que, especialmente ao longo dos governos petistas, foi possível observar a “permeabilidade do Estado” (MARQUES, 2000), também no âmbito do MDA (MÜLLER, 2007) – não só às demandas dos movimentos sociais, como a sua presença efetiva, enquanto funcionários e quadros administrativos –, é do mesmo modo verdade que outros interesses e influências externas, que não são exatamente alinhadas ao projeto político dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil, incidiram de maneira significativa na formatação das políticas. Um exemplo nesse sentido é a quantidade de consultorias vinculadas a organismos internacionais[6] que, em algumas áreas do MDA, eram tão ou mais representativas que os servidores públicos de carreira ou os quadros políticos. As falas a seguir são de um entrevistado que, antes de ser gestor, foi também consultor no MDA:

Se eu me lembro bem, nós éramos na secretaria toda (Secretaria de Desenvolvimento Territorial - SDT), incluindo o pessoal de apoio, 43 pessoas. Um quadro reduzidíssimo pra cuidar do Brasil inteiro, né? É ridículo. Servidores mesmo, deveríamos ter uns onze apenas. (...) O que ganha um consultor é muito mais do que ganha o concursado pelo MDA, então já começam os atritos; os concursados pelo MDA questionam demais o suposto aparelhamento do MDA pelo partido, né? (...) Então nós tínhamos esse quadro profissional, bastante heterogêneo – consultores, servidores, brigas internas, disputas, animosidades, tudo isso presente, né? (...) Então eu lembro que se falava que o IICA tem muita autonomia; a gente contrata, a SDT repassa, repassa o recurso para o IICA, não sei quantos milhões por ano, e o IICA contrata consultorias, contrata consultores pra trabalhar de fato como funcionários no dia a dia, no cotidiano, mas também contrata entidades e profissionais para as tais consultorias. (Entrevistado 1)

Para além de indicar a presença importante dos organismos internacionais, em especial o Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA), o fragmento anterior ressalta o perfil altamente diverso que formava o quadro administrativo do MDA. Cargos políticos, vinculados sobretudo ao Partido dos Trabalhadores (PT) ou aos movimentos e organizações da sociedade civil eram, segundo o gestor entrevistado, o grupo mais numeroso, seguido pelos consultores e pelos funcionários públicos de carreira. Como fica evidente no referido trecho, essa heterogeneidade na burocracia era repleta de disputas, desconfianças e aparentemente não formava um todo coeso, homogêneo, como se esperaria de um quadro burocrático, tal como idealizou Weber. Essa dispersão tem relação direta com a fragilidade institucional do Ministério, que não foi capaz de se fortalecer ao longo do tempo e não aumentou seu quadro permanente, quesito fundamental para garantir estabilidade às suas políticas públicas.[7] As citações a seguir, provenientes de três entrevistas distintas, corroboram essa avaliação:

O MDA era, foi e é uma estrutura muito pequena, muito enxuta. A estrutura do gabinete do ministro é muito pequena e lá, naquele momento, a opção foi você ir deslocando cargos que havia no gabinete do ministro pra fortalecer as áreas que iam sendo constituídas ou iam sendo ampliadas. Então você teve um enxugamento. (Entrevistado 2)

Nós pecamos desde o início, nós estamos aqui, eu estou aqui a oito anos, é meu oitavo ano, e desde que eu cheguei, eu sou servidor de carreira do Ministério, o primeiro e o único concurso. Hoje nós somos pouco mais de 150 servidores no âmbito do MDA em todo o Brasil, incluindo as delegacias estaduais e as sedes (Entrevistado 3)

Acho que o maior erro da gestão da DS[8] foi não ter estruturado o MDA. Preferiu estruturar o Incra, porque acho que deve ter vindo umas três mil pessoas pro Incra, e não estruturou o MDA. Quando foi estruturar já era tarde, não conseguiu mais. Quando se acordou que o MDA não era um Ministério transitório. O MDA tinha que ser estruturado institucionalmente e não foi. (Entrevistado 4)

No âmbito desta pesquisa foram também realizadas entrevistas com gestores do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), do Banco Central e de outros órgãos do governo que, direta ou indiretamente, possuem relação com a gestão das políticas públicas para o campo da agricultura familiar. Quando comparamos, por meio dos depoimentos dos entrevistados, a estrutura administrativa e o volume institucional desses outros órgãos com o MDA, vemos que a diferença é abismal, especialmente quando tomamos como referência o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que possui uma das burocracias mais consolidadas do Governo Federal, sendo um órgão com mais de 150 anos de atuação, com capilaridade no país todo.

É fundamental que você tenha uma estrutura fixa no Executivo que ela possa perpassar por diferentes governantes. Ela que dá continuidade. (...) O que eu acho importante destacar é que você tem o que se chama aí cultura institucional. Cultura institucional é feita, normalmente ela está calcada nesses que permanecem por longos períodos, ou que fazem carreira e tal. Então, mudar isso (...) é como dar um cavalo de pau num transatlântico. Isso não muda. Não muda. Já faz vinte anos que fazem aquele negócio daquele jeito. (...). Eu acho que do ponto de vista de política agrícola, a gente conseguiu manter uma trajetória. Não houve uma ruptura. (Entrevistado 5, grifos do autor)

O Mapa conta hoje com 27 superintendências estaduais, além de todo o quadro técnico do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) que são órgãos públicos que atuam a partir da coordenação deste Ministério. Mas, para além do volume institucional, há ainda a formação histórica de uma burocracia consistente, com uma “cultura institucional”, capaz de defender seus interesses próprios (mesmo que, evidentemente, esses interesses estejam associados a interesses de terceiros, no caso, das grandes empresas do agronegócio). O que é importante destacar é precisamente esta enorme diferença existente entre o corpus burocrático do Mapa em comparação com o do MDA. Enquanto o primeiro é historicamente consolidado, o segundo foi facilmente desmontado com o processo político que culminou no impeachment em maio de 2016.

Como sinalizado anteriormente, outro importante elemento a ser lembrado é o fato de que o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), principal política pública para o segmento da agricultura familiar, teve início em 1996, antes mesmo da criação do MDA, sendo, portanto, gerido inicialmente no âmbito do Mapa. Para além da evidente diferença em termos de volume institucional (já vista anteriormente, mas que caberia ser melhor investigada e, inclusive, quantificada em pesquisas futuras), cabe refletirmos sobre a influência que as políticas para agricultura familiar receberam também desta relação originária que teve com o Ministério da Agricultura. Em que pese a singularidades dos agricultores familiares, suas demandas específicas e o fato de se estar lidando com um público que historicamente foi excluído do acesso ao Estado (os camponeses), a principal política pública promovida desde a criação do MDA foi um programa de crédito agrícola, um instrumento muito distante da realidade socioeconômica desse grupo social e que acarretou, muitas vezes, um enfoque produtivista, em cenários de endividamento e na vinculação a mercados sem condições de autonomia, dentre outros efeitos mais gerais (GRISA; WESZ JUNIOR; BUCHWEITZ, 2014).

Houve, portanto, uma influência significativa do modelo de política agrícola conduzido para os grandes produtores e de suas formas de gestão no processo de elaboração do aparato administrativo e de gestão das políticas para os agricultores familiares. Por mais que em sua concepção original houvesse uma intenção de fazer do Pronaf uma política pública mais abrangente, com o horizonte de promoção do “desenvolvimento rural”, organizando várias linhas de ação, na prática, ele se restringiu a uma política de crédito, desenhada e implementada a partir dos instrumentos da política de crédito agrícola tradicional, que, na medida do possível, foi sendo adaptada à realidade do financiamento para a agricultura familiar. Ou seja, desenhou-se uma política pública que mais se adequava ao status quo administrativo do que propunha uma nova forma de gestão pública, apropriada ao novo público que se pretendia atender (GRISA; WESZ JUNIOR; BUCHWEITZ, 2014). Como mostram os depoimentos a seguir, os desafios para adaptar esse “novo” instrumento são enormes, esbarrando, quase sempre, na visão, nos interesses políticos e nos procedimentos anteriormente estabelecidos pelo staff burocrático que operava a política de crédito para grandes produtores rurais.

Quando foi criado o Pronaf, se você for lá ver, ele tinha um objetivo. Atender a uma categoria de produtor rural, que, num período de 5, 10 anos, ele evoluísse, tecnicamente e financeiramente, dado às políticas diferenciadas que ele teve apoio. Aí ele deixaria de ser um beneficiário do Pronaf, outros entrariam na base e esse público viria talvez pra um Pronamp, pra um médio produtor rural, e chegaria um momento que seria atendido como um produtor normal. Essa é a lógica. Então você pega pra ver se existe algum produtor pronafiano que deixou de ser pronafiano? São vinte anos. Eu acho que uma avaliação de uma política é essa: quanto que você tirou de uma situação e colocou em outra situação. (Entrevistado 5)

E foi a época que surgiu o Pronaf também, que era um desafio porque como é que você ia viabilizar operações de pequeno valor, naquela situação? Uma operação tem um custo. Se ela é de valor pequeno ou grande, ela tem um custo. E com o custo que tinha as operações naquela época o Pronaf era inviável. Então teve que desenvolver toda uma mecânica de automatização, de simplificação, etc., e tal pra reduzir o custo das operações pra viabilizar o Pronaf. Mudança de sistemas de procedimentos, uma porção de coisas. (Entrevistado 6)

O exemplo do crédito rural é bastante ilustrativo do modo como os formatos assumidos pelos dispositivos de ação governamental – no que diz respeito aos seus aspectos normativos, componentes técnicos e mecanismos de coordenação – afetam as dinâmicas de incorporação de novas ideias à formulação e implementação de políticas públicas. Os instrumentos de políticas públicas (no caso, o crédito rural) estão associados intrinsecamente ao que Lascoumes e Le Galès (2012) denominaram efeitos de inércia, relacionados ao status quo que orienta o como fazer política pública. Mais que isso, são forjados e estão relacionados a interesses por vezes poderosos, que determinam a força de permanência de determinado instrumento, independentemente de seu sucesso ou fracasso. A citação seguinte, por exemplo, mostra como os bancos representam interesses fortemente envolvidos no formato e nos instrumentos mobilizados pela política de crédito para os agricultores familiares.

Todos os alunos de vocês, sejam extensionistas, mexam com crédito ou não, têm que ser orientados a visitar agências de banco, conversar com gerente, se aproximar; coisa que eu digo aqui é o cafezinho, né? Se tem técnico que funciona em crédito, é aquele que é amigo do gerente; que conhece o lado bom do cara, as fortalezas, e conhece as fraquezas, né? O secretário diz aqui, né, “não, o fator gerente (...) Aí fica o fator gerente preponderante, porque eles são treinados, são capacitados, tem metas; quem é que nesse processo tem metas?”. (Entrevistado 7, grifo do autor)

E, por fim, cabe salientar que, para além do desafio de organizar um aparato administrativo e também jurídico novo e adequado para a gestão de políticas públicas para este novo segmento, os agricultores familiares, há ainda uma competição de competência por quem de fato deveria fazê-lo. Conforme salientado nos depoimentos anteriores, enquanto havia para o governo uma expectativa de que as políticas para a agricultura familiar demandariam uma nova estrutura governamental, a qual seria (como de fato foi) ocupada e permeada pelos próprios movimentos sociais e organizações ligadas ao campo da agricultura familiar, por outro lado, esse movimento enfrentou resistências dentro da burocracia governamental, que ainda via esse objeto, os agricultores familiares, como parte não desprezível do público do Mapa.

Mais recentemente, essa disputa pelo público da agricultura familiar se faz evidente e ganha cena, quando vemos emergir uma série de iniciativas e políticas públicas do Mapa que visam “(re)capturar” esse público para dentro do arcabouço deste Ministério, direcionando ações, em particular, para os “agricultores médios” (como o Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural, o Pronamp), mais capitalizados e com tradição de uso de tecnologias agrícolas ligadas ao setor da agricultura patronal. Como salientou o depoimento anterior, a intenção desse movimento do Mapa é torná-los futuros “grandes agricultores” (mesmo que a questão de aquisição de novas terras não esteja assim tão bem resolvida). Vemos que, para além de toda a fragilidade em se constituir um corpus burocrático interno no MDA, há ainda uma clara intencionalidade da burocracia do Mapa em se apropriar e “gerir” (controlar, tutelar) as políticas para agricultura familiar.

 

Órgãos de controle e os entraves para a implementação das políticas públicas com gestão social

Outro elemento interessante de se pensar à luz da burocracia e que dialoga diretamente com a questão da necessidade de se constituir um aparato administrativo para a agricultura familiar, diz respeito aos limites que o aparelho burocrático e todo o sistema de controle dele derivado parecem impor a adaptação e a inovação criativa na gestão e implementação de políticas públicas. Para iniciar esse debate, vejamos o depoimento a seguir:

A inovação, por exemplo, é proibida. Porque todo burocrata do Estado, às vezes, ele tá lá numa portaria do secretário e ele diz que não pode fazer tal coisa, porque tá assim na portaria. (...) então a concepção fiscalista, de fiscalização, fiscal, né, de ficar fiscalizando e sempre desconfiar dos executores, os órgãos de controle foram formados na nossa, no nosso governo, contra nós, né, não sei o porquê, mas TCU [Tribunal de Contas da União], CGU [Controladoria-Geral da União], é, visão desconectada do objeto, né? Então, eu acho que essa parte, pra mim, foi um dos maiores entraves pras coisas acontecerem, a falta de empreendedorismo do gestor, de marcos legais impróprios, a cultura do Estado, né, imprópria; o preconceito contra os pobres também é uma desgraça. No Estado, é tudo filho de classe média alta, né? Quanto mais alto o cargo burocrático, concursado, mais distante é da realidade que ele tem que trabalhar; então, por exemplo, quando eu cheguei no PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], em termos de adesão lá do MDS [Ministério do Desenvolvimento Social], aquilo ali era engenharia do mal; tudo, software, sistema, tudo sistematizado, mas com tantos passos pra você executar uma coisa e passos que são dados em função de desconfiança, né? Você burocratiza, né? Então, eu acho que essa é a cultura do Estado, a origem social dos gestores, é, os marcos legais feitos pelo Congresso, etc.; acho que atrapalharam mais do que qualquer coisa”. (Entrevistado 2, grifo do autor)

A citação anterior aponta vários elementos interessantes para uma discussão sobre burocracia. Em primeiro lugar, vemos que “a cultura do Estado”, como denomina nosso interlocutor, consiste em um limite muito evidente para a inovação ou para o “empreendedorismo do gestor”. É o entrave burocrático, que nega a mudança procurando se apoiar em regras, normas, leis, nem sempre absolutas, ou seja, que podem e devem ser transformadas caso se queira qualificar a prestação de determinado serviço público. Segundo o entrevistado, outro agravante que compõe essa “cultura do Estado” é o distanciamento dos funcionários públicos para com a realidade do público beneficiário das políticas públicas, em especial quando se tratam de políticas para grupos e segmentos mais desfavorecidos, como é o caso dos agricultores familiares.

Não nos faltam exemplos de políticas públicas que são desenhadas com base em normas técnicas e marcos legais absolutamente inapropriados à realidade na qual procuram intervir. O Pronaf, debatido anteriormente, é um caso nesse sentido, mas poderíamos ainda elencar outros, como as normas de vigilância sanitária, estritamente vinculadas ao padrão produtivo dos grandes agricultores e que não se adéquam ao contexto dos agricultores familiares (CINTRÃO, 2017); os critérios de compras públicas operados na esfera de estados e municípios (no âmbito do PAA ou do Pnae), também inadequados à realidade dos produtos ofertados pelos agricultores familiares, dentre outros tantos exemplos possíveis. O fato é que, para além dos limites instituídos no âmbito das normativas e dos dispositivos jurídicos que orientam a implementação das políticas públicas, há ainda um distanciamento social entre a burocracia e o público beneficiário das políticas públicas, o que agrava ainda mais a situação e configura uma dificuldade para que mudanças necessárias sejam realizadas.

O papel do gestor de políticas públicas, que em tese deve aliar habilidades técnicas e políticas, está relacionado justamente à melhoria da administração pública através da promoção de modificações necessárias para o bom funcionamento administrativo, com a finalidade de alcançar e potencializar o bem público. Há, portanto, que se fazer o embate jurídico e caminhar na construção de marcos legais que permitam o funcionamento adequado das políticas públicas, não apenas em termos de agilidade processual e administrativa, mas também (e principalmente) no que diz respeito à construção de legislações que de fato garantam a estabilidade e o êxito dos programas.

No depoimento anterior, observamos também outro elemento central, relacionado à pratica da fiscalização e ao papel desempenhado pelos órgãos de controle. Interessante notar que o entrevistado menciona que esses órgãos (Tribunal de Contas da União, Controladoria-Geral da União etc.) tiveram um grande incentivo durante os governos do Partido dos Trabalhadores, aumentando sua capacidade de monitoramento e auditoria das políticas públicas. Porém, como ressalta o gestor entrevistado, acabaram por se insular em demasia, enaltecendo o rigor técnico (típico da burocracia) e perdendo de vista os efeitos e os objetivos da fiscalização, organizando assim uma “visão desconectada do objeto”.

No campo da agricultura familiar, a política de desenvolvimento territorial é um exemplo bastante ilustrativo neste sentido. Em 2011, em função de questionamentos sistemáticos do TCU, o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (Pronat) foi paralisado, comprometendo diversas ações em curso por todo Brasil. Essa política pública foi pensada com base na vinculação de organizações da sociedade civil e movimentos sociais para a operacionalização das ações, em particular, na organização dos Colegiados Territoriais, peça-chave na proposta do Programa. Ocorre que, em 2011, o Tribunal de Contas da União exerceu uma forte pressão sobre esses convênios estabelecidos pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o que, como dito, resultou na paralisação quase que total do Programa e no rompimento dos convênios (PORTO, 2016).

A questão posta aqui tem relação com os objetivos do Pronat. Sendo esta uma política pública que tinha como principal objetivo organizar espaços públicos para a gestão social dos programas para a agricultura familiar e para o desenvolvimento territorial, era fundamental que o arranjo administrativo estabelecesse vínculos com organizações da sociedade civil, o que, obviamente, previa o repasse de recursos financeiros, fundamentais para o funcionamento dos Colegiados. O que se observou foi uma política de fiscalização que negligenciou completamente os objetivos da política pública, vetando qualquer forma de contratação ou vinculação com as organizações da sociedade civil no âmbito do Pronat. A solução recomendada e posteriormente acatada pela SDT/MDA foi modificar completamente a estrutura organizacional e administrativa do Pronat, na forma de atender as ações de fortalecimento dos colegiados territoriais, substituindo as organizações da sociedade civil pelas universidades, que passariam então a assumir o papel de articulação territorial por meio dos Núcleos de Extensão em Desenvolvimento Territorial (Nedet).

Sem entrar no mérito da pertinência ou dos resultados dessa alteração no desenho da política de desenvolvimento territorial, o que cabe destacar é o poder de influência da burocracia ligada aos órgãos de controle. Trata-se de uma expressão bastante clara do distanciamento existente entre a auditoria e as políticas públicas e, mais que isso, um exemplo muito contundente da assimetria de forças dentro do Governo Federal, mostrando, mais uma vez, a fragilidade política do campo da agricultura familiar. O trecho a seguir, retirado da entrevista com um gestor ligado diretamente à implementação do Pronat, mostra precisamente os efeitos negativos da política de fiscalização exacerbada e desmedida promovida pelos órgãos de controle.

Então, as ações de infraestrutura eram uma pauta muito negativa. Era o tempo todo respondendo matéria de jornal; de rádio; e nota de Ministério Público; confusões com prefeitura – especialmente prefeitura – de uso inadequado de recursos. Então, o que é que a gente assistiu no último período; no período em que eu estive lá? Era um Ministério Público entrando pesado. Então era aquilo: determinando a devolução de equipamentos de organizações. Eu lembro bem, por exemplo, da Fetraf. A Fetrafnosul? Nossa! Foi algo assim... imagina: a Fetrafusou... enfim, não era porque era Fetraf; era porque todo mundo fazia. Esse era o padrão. Então se valia, usava carros, transportes, para as coisas, para ações, de habitação, enfim, para os programas; as ações do movimento. O Ministério Público mandou devolver. E o movimento queria, porque queria, que a gente contestasse o Ministério Público. O que você faz nessa hora? Então você tem que explicar, você tem que dizer, você tem que sensibilizar, você tem que mostrar os problemas, os impasses. (Entrevistado 8)

Há, portanto, uma enorme tensão entre o universo da gestão e a atuação dos órgãos de controle, os quais mantêm uma dimensão fiscalista absolutamente exacerbada e míope com relação aos propósitos e fins aos quais estão orientadas as políticas públicas. Mais que isso, o que o trecho anterior descreve (e o que pode também ser verificado em vários outros contextos e espaços de políticas públicas) é uma espécie de patrulha dos órgãos de auditória aos arranjos de cogestão ou de gestão social estabelecidos entre sociedade civil e Estado. Essas estratégias de gestão que conferem protagonismo às organizações da sociedade civil foram gestadas e vêm sendo aperfeiçoadas desde o período democrático, se consolidando no período dos governos petistas, em particular entre 2003 e 2010. O cenário atual, porém, parece desconsiderar todo esse importante acúmulo sociopolítico, sendo marcado, de um lado, por essa repressão dos órgãos de controle e, de outro, pelo fortalecimento do discurso privatizante na gestão pública que, por sua vez, propõe outro arranjo de parcerias, não com a sociedade civil, mas com empresas do setor privado.


‘Burocratização’ dos atores sociais

Para além da dimensão fiscalista da burocracia, expressa basicamente na ação dos órgãos de controle, cabe também salientar outro fator importante de burocratização que pode ser observado no que tange às relações estabelecidas entre sociedade e Estado. O aumento do diálogo e da presença de movimentos e organizações da sociedade civil nas instâncias e espaços públicos relacionados às políticas públicas (em especial após 2003), é um fato razoavelmente consensual, sobretudo nas ciências sociais que se detiveram ao estudo desse processo (ABERS; SERAFIM; TATAGIBA, 2014). Apesar de outras tantas bandeiras políticas terem sido deixadas ao longo do caminho, o Partido dos Trabalhadores encampou um denso processo de estímulo à participação social, logrando resultados importantes no que diz respeito à constituição de instrumentos de democracia participativa, seja na organização e fortalecimentos de instâncias colegiadas (como os diversos conselhos, conferências, colegiados hoje existentes), seja na construção de arranjos institucionais que promoveram relações sinérgicas na própria implementação das políticas públicas.

Porém, está também posto (embora com bem menos consenso) que o fomento à participação da sociedade civil foi limitado e que as experiências que assistimos nos últimos quinze anos apresentaram também muitas falhas e resultados, por vezes, indesejados. Tratarei aqui de um desses efeitos relacionados ao envolvimento progressivo dos movimentos sociais com as políticas públicas e a consequente “burocratização” daí decorrente. Esse tema já vem sendo objeto de pesquisas, principalmente por aqueles que estudam e acompanham os movimentos sociais e que perceberam mudanças significativas na agenda política desses grupos. O trecho a seguir, retirado da introdução do livro Movimentos sociais e esfera pública. O mundo da participação, organizado por José Sergio Leite Lopes e Beatriz Heredia, ajuda a balizar as discussões.

De fato, pode-se observar que essa inclusão crescente através do Estado, se toma tempo dos representantes de movimentos, com novas exigências técnicas próprias, fazendo-os aparentemente “afastarem-se de suas bases”, traz também novas necessidades de afirmação identitária no interior do aparelho estatal, com repercussões sobre a construção permanente da relação com as “bases”. Nesse sentido, a relação com o Estado, longe de ser “neutra”, em referência a uma suposta pureza das bases, afeta o conjunto das relações no interior do(s) próprio(s) movimento(s). Dentre tais repercussões, estão reivindicações transformadas em linguagens de Estado e em demandas de políticas públicas. (2014, p. 24, grifo do autor)

Ou seja, há uma importante discussão no que diz respeito à presença dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil no âmbito da gestão de políticas públicas e do ambiente burocrático intrínseco a elas. Essa aproximação exigiu uma nova seara de competências a esses atores que, mais que receber, passaram também a operar determinadas etapas das políticas públicas, tendo, portanto, que lidar com toda uma carga burocrática e de gestão implicada neste envolvimento direto com o Estado.

Se, anteriormente, os programas tinham esses atores como “público-alvo”, agora, em de algumas políticas para a agricultura familiar, como o PAA, o Pnae e o Pronat, é esperado que estes mesmos atores passem a formular, gerir e avaliar projetos. Isso se enquadra em um processo mais amplo de reestruturação das políticas públicas que obedece não apenas a um movimento de descentralização da administração do Estado, mas implica, também, novas relações com agentes não estatais, na medida em que são os atores da sociedade civil que passam agora a conduzir (ou a participar) as políticas públicas, juntamente com os representantes do Estado. Obviamente isso requer habilidades específicas que, na maioria das vezes, não são do cotidiano desses grupos sociais.

Sem desconsiderar o importante papel que essa proposta cumpre em termos de democratização das políticas públicas ao envolver segmentos da sociedade civil, o que quero chamar atenção aqui é que, juntamente com esse interessante processo, ocorre uma incorporação das ideias e dos conceitos propostos nas políticas públicas pelos atores sociais, conformando aquilo que Shore, Wright e Però (2011) chamaram de “mundo da política pública”. Quero dizer com isso que os atores passam, cada vez mais, a se envolver com esse ambiente específico (a burocracia) e a centrar seus esforços no acesso às políticas de fortalecimento da agricultura familiar, o que acarreta mudanças em suas estratégias e táticas de atuação.

Eu sei que essas exigências têm um impacto muito grande nas organizações, no cotidiano de trabalho dessas entidades, né? Então a necessidade de um contador, de um setor de administração, de uma secretaria, é, habilidades específicas competências que vão sendo geradas a partir das exigências, né? (...) um processo de prestação de contas, de maneira rígida, né? Quando eles usam a palavra burocracia é sempre uma conotação muito negativa, né? (Entrevistado 1)

Qual que é a maior dificuldade que a gente enfrenta nessas áreas? Mudança de cultura. Não só do banco. É mudança de cultura de técnicos de Ater, do próprio agricultor, dos movimentos sociais e do banco. Então assim, a norma costuma estar muito na frente da realidade das pessoas. Primeiro a gente muda a norma e depois vai brigar pra que a cultura mude. Isso tem uma defasagem. Agora se você não mudar a norma a cultura não vai mudar nunca. Mudança de cultura. (Entrevistado 10)

O fato é que, apesar dos esforços por parte do MDA de fazer a “mudança de cultura” (o que se expressou, por exemplo, nos vários cursos de capacitação em gestão e formações similares ofertados), o nível de relacionamento e familiaridade com a linguagem e com o modo de funcionamento do Estado mostrou-se ainda insuficiente para lidar com a burocracia das políticas públicas. Operar equipamentos e infraestruturas públicas, lidar com recursos públicos e prestar contas, não é uma tarefa simples. Quero chamar a atenção (sem nenhuma pretensão de esgotamento) para um processo complexo em que, de uma hora para outra, atores sociais, não necessariamente familiarizados com a linguagem e as exigências do Estado, são convidados a operar políticas públicas. Isso implica algo como um “empoderamento perverso”, uma descentralização administrativa e gerencial que não leva em conta capacidades, papéis e habilidades distintas.

Não se pode, por exemplo, esperar que os órgãos do Estado façam articulação política de base com a mesma qualidade dos sindicatos. Então, da mesma maneira, não se pode exigir que os sindicatos e outros movimentos sociais tenham as habilidades esperadas de um gestor público para lidar com a burocracia. Como disseram Delgado e Leite (2011), não podemos “confundir aumento de participação e controle social dos atores com desresponsabilização das funções que deveriam ser típicas de Estado”.

O formato da política pública dos dois governos do Lula, que foi ali que a gente estruturou isso, ele não foi amigável à sociedade civil como parceira executora. Estava dizendo que o Estado tinha que executar e a sociedade era uma parceira pontual e não estratégica, e aí os marcos legais são inimigos da sociedade. (...) Então eu acho que a visão de organização da sociedade precisava mudar e a visão do Estado em relação à sociedade também precisava mudar; que também não dá pra ser do jeito que a organização quer, que é de qualquer jeito, muitas vezes; e nem tão pouco do jeito burocrático, impossível de ser do Estado. (Entrevistado 2)

Há ainda um enorme desafio em fazer com que as organizações da sociedade civil (independentemente do perfil que possuam) dialoguem com os instrumentos de gestão burocrática típicos do Estado. Se anteriormente as críticas acusavam os atores sociais de se relacionarem com o Estado a partir de uma “lógica de balcão”, o que vemos hoje é a emergência de uma “lógica de gestão”, muito pouco afeita à experiência e às práticas políticas dos grupos e organizações populares. Mas, de uma forma ou de outra, sabendo ou não lidar bem com a burocracia do Estado, a impressão é que ela, a burocracia, organiza e pauta a ação e a reflexão sobre o que os atores fazem no âmbito da política pública e também fora dela.

O alto grau de influência que esses mecanismos burocráticos têm na relação com os atores que se envolvem na gestão de políticas públicas é algo a ser considerado e que merece reflexão. James Ferguson (1990) já indicava o avanço da burocracia como uma consequência inerente aos projetos e programas de desenvolvimento, que tinham ainda como efeito um processo (direto ou indireto) de despolitização. Por mais que não caiba generalizar a ideia de Ferguson para todos os contextos, penso ser importante manter em vista a possibilidade de as políticas públicas desencadearem, sim, efeitos de despolitização, mesmo que não totalizantes. Ou seja, estou aqui argumentando em consonância com Ferguson, mas reiterando a necessidade de ponderação dos efeitos desencadeados pelo binômio burocratização-despolitização, os quais devem ser observados e interpretados a partir dos contextos empíricos e não com base em um modelo ou uma narrativa geral.

 

Considerações finais

Este texto teve como objetivo propor um conjunto de reflexões partindo da observação do fenômeno burocracia, no campo das políticas para agricultura familiar. Em primeiro lugar, cabe destacar que procurei observar as burocracias, no plural, em seus diversos significados e expressões, percorrendo a percepção dos gestores com relação às suas práticas cotidianas. É evidente que a burocracia tem uma expressão fundamental em sua dimensão estrutural, no aparato administrativo que a institui e que é preenchido pelos funcionários que operam e dão funcionamento à organização. Mas, mais que isso, há todo um conjunto de práticas, discursos e relações que emanam da estrutura burocrática e que configuram limites e possibilidades de ação, em particular nos espaços de intersecção entre Estado e sociedade.

Lançar mão da literatura ligada aos estudos críticos em administração e correlacioná-la à perspectiva analítica de cunho antropológico que se volta para o estudo do Estado e das políticas públicas, permite justamente um olhar mais abrangente para a burocracia e para a instituição de práticas burocráticas que se fundam a partir de relações hierárquicas e de poder. A incursão feita neste artigo, a partir deste referencial analítico, embora tenha sido apenas um sobrevoo, indica que avançar na compreensão do exercício do poder burocrático é uma tarefa ainda por fazer.

O mesmo pode ser dito sobre os temas destacados das entrevistas e que foram apresentados como guia para a problematização e debate. Os assuntos apresentados ensejam, cada um deles, mais aprofundamento e pesquisa. Por exemplo, no que diz respeito ao papel crescente dos órgãos de controle na cena política brasileira, há que se compreender com maior nível de detalhamento os processos políticos que favoreceram essa emergência e os caminhos percorridos que autorizaram uma verdadeira “caça às bruxas” na administração pública brasileira.

Outro tema que merece ser esmiuçado com rigor a partir dos casos concretos é o que chamei aqui de burocratização dos atores sociais. É inegável que os espaços oportunizados pelas políticas públicas oferecem canais efetivos para o exercício da cidadania, quando organizações da sociedade civil e movimentos sociais passam a pautar suas agendas e transformá-las em políticas públicas. Mas é inegável também que esse processo acontece em uma via de mão dupla, sendo que na via oposta está toda a institucionalidade e o peso da linguagem do Estado, através das quais essa relação é mediada, o que implica um elemento com o qual os atores sociais necessitam lidar. Se é possível afirmar que, em alguns contextos, é possível observar processos de despolitização, tal como descreveu James Ferguson (1990), também é possível afirmar que essa não é uma situação inescapável, uma vez que a burocracia pode ser apropriada, contornada e ressignificada pelos atores sociais, a depender da sua própria capacidade política para fazê-lo. Enfim, cabe analisar cada um desses elementos aqui destacados em pesquisas futuras, no intuito de compreender os diferentes contornos que as burocracias assumem e os efeitos que imprimem no processo de implementação de políticas públicas.

 

 

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Como citar

PORTO, José Renato Sant’Anna. Gestores e burocracias nas políticas públicas da agricultura familiar. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 29, n. 3, p. 574-596, out. 2021. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v29n3-4.

 

 

 

 

José Renato Sant’Anna Porto

Professor do Departamento de Geografia e Políticas Públicas do Instituto de Educação de Angra dos Reis, da Universidade Federal Fluminense (IEAR/UFF). Doutor pelo Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). 
https://orcid.org/0000-0001-9085-8606
http://lattes.cnpq.br/7581001152372839
joseporto@id.uff.br

 

 

 

 

 

 

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[1] Professor do Departamento de Geografia e Políticas Públicas do Instituto de Educação de Angra dos Reis, da Universidade Federal Fluminense (IEAR/UFF). Doutor pelo Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). E-mail: joseporto@id.uff.br.

[2] As entrevistas foram realizadas no âmbito da pesquisa “Entre continuidades, mudanças e novas institucionalidades: políticas públicas e meio rural brasileiro (2003-2013)”, coordenada por Leonilde Servolo de Medeiros e Sergio Pereira Leite, no Observatório de Políticas Públicas para Agricultura (OPPA), do CPDA/UFRRJ.

[3] É importante salientar aqui que estamos trabalhando a ideia de burocracias (propositadamente, no plural) tanto em sua acepção estrutural, relacionada, por exemplo, às leis, decretos e aparatos jurídicos, como também no que diz respeito à incorporação de determinadas práticas de ação dentro de organizações administrativas que constrangem e configuram relações.

[4] Os burocratas de nível de rua são aqueles que mantêm suas funções ligadas ao processo operacional, à atividade-fim, na implementação de uma política pública, e que, por essa posição, fazem o diálogo direto entre o Estado e a população, intermediando e traduzindo os instrumentos das políticas públicas.

[5] Esse debate é feito também por Bernardo Mançano Fernandes (2010), quando o autor apresenta uma análise acerca da substituição do debate agrário com o advento, ao final da década de 1990, do que denomina “paradigma do desenvolvimento rural”.

[6] Particularmente àqueles com atuação no campo da agricultura, como a Organizações das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura (IICA).

[7] A primeira reforma ministerial realizada pelo governo de Michel Temer, logo após o golpe em maio de 2016, extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Isso demonstra a fragilidade e a pouca resistência que o quadro efetivo do Ministério foi capaz de encampar contra esse retrocesso que prejudicou de maneira significativa as políticas públicas para a agricultura familiar.

[8] Democracia Socialista, tendência do Partido dos Trabalhadores que manteve influência histórica no Ministério do Desenvolvimento Agrário.