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v. 29, n. 3, outubro de 2021 a janeiro de 2020, p. 545-573
Recebido em 18 jun. 2021. Aceito em 30 ago. 2021.



O agronegócio e agricultura familiar no planejamento setorial nos governos FHC, Lula e Dilma: continuidades e descontinuidades

Family farming and the agribusiness sector planning in the FHC, Lula, and Dilma administrations: continuities and discontinuities

 

DOI: 10.36920/esa-v29n3-3


orcid_id.png  Catia Grisa[1]


Resumo: O planejamento e os planos de ação consistem em momentos que os governos e as sociedades refletem sobre seus contextos e configurações, elaboram análises, projetam ações e agem a partir de representações e expectativas construídas. Particularmente, os Planos Agrícola e Pecuário (PAP) e os Planos Safra da Agricultura Familiar (PSAF) expressam as interpretações construídas sobre o meio rural e a agricultura; projetam os grandes temas e as preocupações da “agenda governamental”; apontam dispositivos legais e financeiros das políticas agrícolas na perspectiva de fazer frente aos desafios conjunturais, aos problemas identificados e às interpretações e expectativas construídas; e sinalizam aos agricultores e aos mercados as expectativas sobre a produção agrícola e pecuária. Analisados em uma perspectiva de longo prazo, estes documentos são importantes instrumentos para compreender o modo como a agricultura, o meio rural e os atores que dele fazem parte foram interpretados. O objetivo deste artigo consiste em analisar esses documentos durante três períodos específicos: governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) (gestões 1995-1998/1999-2002), primeiro e segundo mandato do governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) e primeiro governo de Dilma Rousseff (2011-2014). Procura-se compreender o modo como os segmentos do agronegócio e da agricultura familiar foram compreendidos, que instrumentos e ações foram direcionados para estes grupos sociais, e as continuidades e mudanças entre os diferentes governos. Os resultados apontam continuidades importantes em termos de ações e políticas públicas para o agronegócio entre os governos, sendo as descontinuidades mais expressivas no tratamento da agricultura familiar, a qual ganhou proeminência a partir do primeiro governo Lula. As considerações finais salientam a desigualdade no tratamento do Estado ao agronegócio e da agricultura familiar e a ausência de coerência entre os instrumentos de planejamento setorial.

Palavras-chave: política agrícola; planejamento; agronegócio; agricultura familiar.

 

Abstract: Planning consists of moments when governments and societies think about their contexts, conduct analyses, design actions and act based on representations and expectations. In particular, the Agriculture and Livestock Plans (PAP) and the Family Farming Crop Year Plans (PSAF) express interpretations of rural development and major issues in the policy agenda, indicate to farmers and markets expectations about agricultural and livestock production, and define the legal and financial provisions of agricultural policies. Analyzed from a long-term perspective, these documents are important for understanding the way in which agriculture, rural areas, and actors have been interpreted by governments. This article analyzes these documents over three specific periods - Fernando Henrique Cardoso’s terms (1995-1998/1999-2002), Lula da Silva’s terms (2003-2010) and Dilma Rousseff’s first term (2011-2014) – seeking understand how the agribusiness sector and family farming were understood, which instruments and actions were aimed at these groups, and what were the continuities and changes between different governments. The results emphasize important continuities in terms of policies for agribusiness among governments, with the most significant discontinuities in the treatment of family farming, which gained in prominence after the first Lula government. The final considerations highlight the inequality in the State's treatment of agribusiness and family farming and the lack of coherence between sector planning instruments.

Keywords: agricultural policy; planning; agribusiness; family farming.

 

 

 

 

 

Introdução

Uma definição recorrente de planejamento refere-se ao conjunto de ações que orientam “onde se pretende chegar, o que deve ser feito, quando, como e em que sequência” (DRUCKER, 1969). Ainda que o planejamento e os planos sejam “uma grande aposta sustentada em apostas parciais” (MATUS, 2006, p. 141), eles sinalizam e orientam uma trajetória almejada. Com efeito, um plano compreende “objetivos, metas e ações escolhidas, avaliadas e implementadas de acordo com certos critérios, a serem cumpridas, atingidas e executadas dentro de determinado número de anos” (CARDOSO JR.; MELO, 2011, p. 13).

Dialogando com a abordagem cognitiva de política pública,[2] poderíamos dizer também que o planejamento e os planos consistem em momentos que os governos e as sociedades refletem sobre seus contextos e configurações, elaboram análises, projetam ações e agem a partir de representações e expectativas construídas (MULLER, 2015). Trata-se de ideias, interpretações e projeções de ações para resoluções de problemas específicos (planos setoriais) e tentativas de ajustar e de colocar em coerência o conjunto do sistema social (plano nacional, plano governamental) de acordo com interpretações e representações que os governos e sociedades fazem deles mesmos (MULLER, 2015). Mesmo que o planejamento governamental brasileiro tenha passado por mudanças expressivas ao longo do século XX e início do século XXI (PARES; VALLE, 2006; CARDOSO JR., 2011; CARDOSO JR.; NAVARRO, 2016; LIMA et al., 2020), e seja ele orientado ao conjunto da sociedade (planos nacionais de desenvolvimento ou planos plurianuais) ou para setores específicos, essas dimensões de construção de representações e de trajetória almejada (ainda que incerta) continuam presentes.

Nessa perspectiva, o Plano Agrícola e Pecuário (PAP) e o Plano Safra da Agricultura Familiar (PSAF) expressam as interpretações construídas sobre o meio rural e a agricultura; projetam os grandes temas e as preocupações da “agenda governamental” (KINGDON, 1984); apontam dispositivos legais e financeiros das políticas agrícolas na perspectiva de fazer frente aos desafios conjunturais, problemas identificados e expectativas construídas; e sinalizam aos agricultores e aos mercados as expectativas sobre a produção agrícola e pecuária. Diferente dos Planos de Desenvolvimento dos anos 1950-80 ou dos Planos Plurianuais das últimas décadas, os planos setoriais (PAP e PSAF) são elaborados anualmente (ano agrícola – julho/junho), muito sensíveis à conjuntura política, social e econômica nacional e internacional, e com importante influência das ideias e representações de grupos de interesse e movimentos sociais. Trata-se de instrumentos importantes que deixam transparecer temas e questões prioritárias que entram na agendado Governo Federal (e, de certo modo, das organizações que participam de sua construção) e passam a orientar a construção de trajetórias almejadas. 

O PAP tem suas origens vinculadas ao Conselho Nacional do Café e ao Instituto do Açúcar e do Álcool, quando era denominado Plano Anual de Safra. O PAP aponta as principais questões e temas em debate e apresenta os instrumentos de política agrícola para resolução dos problemas da “agricultura comercial” (assim denominada nos documentos governamentais). A elaboração do PAP é protagonizada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e representantes da categoria política do agronegócio (SAUER, 2008; DELGADO, 2012; BRUNO, 2014; POMPEIA, 2021), envolvendo consultas (formais e informais) a diversos atores vinculados ao setor agropecuário e a órgãos responsáveis pelas questões financeiras da União. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), representantes da Bancada Ruralista no Congresso Nacional, das 31 Câmaras Setoriais e Temáticas do Mapa, da Companhia Nacional de Abastecimento, do Ministério da Fazenda, do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional são alguns dos atores envolvidos nesse processo (BIANCHINI, 2012).

Elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) no período de 2003 a 2016,[3] o PSAF sinalizava as perspectivas e orientações em termos de política agrícola para a categoria social e política da agricultura familiar (SCHNEIDER, 2006; SAUER, 2008). O PSAF era construído pelo MDA em diálogo com as principais organizações sindicais dos trabalhadores rurais e movimentos sociais rurais, considerando as suas pautas de reivindicações. Neste processo destacavam-se as reivindicações da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), da Confederação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf), da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes), do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Discussões realizadas no âmbito do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) e do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) também contribuíam para sua elaboração e aperfeiçoamentos.

Analisados em uma perspectiva de longo prazo, os planos setoriais (PAPs e PSAFs) são importantes instrumentos para compreender o modo como a agricultura e o meio rural foram e são interpretados pelos governos e pelas organizações que participam da sua construção, os problemas identificados e a projeção de ações para sua resolução. Este artigo visa justamente analisar estes instrumentos de planejamento direcionados ao setor agrícola durante três períodos específicos: governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) (gestões 1995-1998/1999-2002), primeiro e segundo mandato do governo Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), e primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014).[4] Procurou-se compreender o modo como os segmentos do agronegócio e da agricultura familiar foram interpretados nesses documentos, os problemas e temas abordados, os instrumentos e ações direcionados para estes grupos sociais e as continuidades e mudanças entre os diferentes governos.[5]

Cabe salientar que, por diversas razões, algumas das ações anunciadas pelos instrumentos de planejamento setorial nunca foram institucionalizadas.[6] Ao mesmo tempo, diversas ações e políticas públicas institucionalizadas e em execução no país não foram mencionadas nos PSAFs e PAPs. Com efeito, os PAPs e os PSAFs são análogos a “fotografias”, ou seja, são retratos da agricultura e do meio rural realizados pelo Estado (com mais ou menos diálogo com as organizações da sociedade civil) entre os meses de março a junho (período de suas construções). Mesmo que não deixem transparecer as intensas disputas políticas no momento de suas construções, tais instrumentos permitem visualizar interpretações sobre o agronegócio e a agricultura familiar no planejamento setorial, expectativas delineadas e as continuidades e descontinuidades entre diferentes governos.

 

Temas, questões e interpretações nos PAPs nos governos de FHC

Iniciada com o governo Collor e continuada pelo governo FHC, a primeira metade da década de 1990 foi permeada por iniciativas de combate à inflação (já realizadas, de modo mais intenso, desde meados dos anos 1980), pela busca da estabilização econômica, pela liberalização da política de comércio exterior, sobrevalorização da taxa de câmbio (a partir da criação do Real), redução das tarifas de importação, e pela desregulamentação das políticas de fomento industrial e agrícola.[7] Nesse contexto, prevalecia a interpretação – ou “referencial global”,[8] nos termos de Muller (2008, 2015) – de que o crescimento e a estabilidade econômica passavam pela redução da intervenção do Estado e liberalização dos mercados. Buainain e Souza Filho ratificam esta interpretação ao afirmar que:

orientação da política econômica adotada desde o início dos anos 90 rejeita, pelo menos em teoria, a utilização de instrumentos que interfiram no funcionamento do mercado e sejam controlados pelo Estado. A proposta é exatamente reduzir o papel do Estado e atribuir ao mercado, em toda a extensão, um papel mais relevante para orientar os movimentos da economia. As intervenções, quando necessárias, não devem ser contra ou em substituição ao mercado; ao contrário, devem procurar reduzir as chamadas falhas de mercado e desenvolver e ampliar o alcance dos mecanismos de mercado. (2001, p. 373)

Confluente com esta interpretação e visando colocar o setor (agricultura) em coerência com o “global”, em toda a década, as principais ações de política agrícola utilizados basearam-se no crédito rural (de forma bem diminuta em relação às décadas anteriores e privilegiando fontes não públicas de recursos), na securitização das dívidas do setor, na política de garantia de preços mínimos, e em novos instrumentos que articulam parcerias entre o governo e a iniciativa privada (como a Cédula do Produtor Rural, o Contrato de Opção de Venda, e o Prêmio para Escoamento de Produto) (LEITE, 2001; REZENDE, 2001; BUAINAIN; SOUZA FILHO, 2001; DELGADO, 2012 – também ver Quadro 1). Como afirma Delgado (2012), foi um período de reformas na política agrícola no sentido de “desconstrução do “modelo” anterior” que orientou o projeto de modernização da agricultura, marcado pela forte intervenção do Estado na agricultura e na integração desta com a indústria”. Políticas públicas foram sendo minimizadas, apostando na estabilidade econômica e na competitividade do setor.

Em decorrência das medidas neoliberais, não tardou para a crise na agricultura e no rural ser notada e ser objeto de reflexões e de disputas interpretativas. Como relata Coelho, a valorização cambial e a concorrência com produtos importados foram elementos apontados como impactantes na renda da agricultura:

Recentemente, tanto na imprensa especializada, como nos meios acadêmicos e empresariais, tem havido muita discussão acerca do desempenho da agricultura nos últimos dez anos e notadamente após a implantação do plano de estabilização, em 1994. Alguns defendem o ponto de vista de que nesse período o setor agrícola foi prejudicado por um decréscimo significativo na renda agrícola, provocado por uma queda generalizada nos preços, importações predatórias e aumentos na produtividade, muito aquém dos obtidos nos grandes blocos agrícolas mundiais. Particularmente após o Plano Real, visto que foi a “âncora verde” do plano, o setor sofreu uma brutal transferência de renda para os consumidores, na forma de preços mais baixos para os produtos da cesta básica. Ademais, a produção interna não foi suficiente para garantir a estabilização ou queda (em termos reais) dos preços agrícolas, os quais teriam sido garantidos, nos níveis praticados, após a introdução da nova moeda, por um crescimento substancial nas importações. O resultado líquido teria sido uma crise na economia agrícola brasileira de grandes proporções, sintetizada na desestruturação da produção nacional de algodão e trigo, no baixo nível de capitalização do setor e no aumento no nível de desemprego. Segundo os defensores desse ponto de vista, o quadro se agravara mais ainda por uma política cambial equivocada, que levou a uma grande sobrevalorização do Real, prejudicando sobremaneira o desempenho das exportações agrícolas, facilitando as importações e em última instância sendo responsável pela queda nos superávits da balança comercial agrícola. Alguns economistas chegaram a estabelecer uma correlação direta entre a taxa cambial e a queda na renda da agricultura. (1997, p. 17)

Além da crise na agricultura, o desempenho da Balança Comercial Brasileira também começou a ser questionado. A partir de 1995, o saldo da balança comercial tornou-se negativo, agravando-se nos três anos seguintes. Segundo Delgado (2012, p. 88), “a crise econômica do final de 1998 obriga o governo a mudar o regime cambial”, sendo que ideias e interpretações vinculadas ao “referencial global” desenvolvimentista[9] passaram a disputar o espaço político (COELHO, 1999; BASTOS, 2012). E de forma similar Coelho afirma que,

antes de adotar, a partir de janeiro, o sistema conhecido como câmbio livre, existiam duas correntes exercendo pressão sobre o governo no tocante à política cambial. A primeira, chamada desenvolvimentista, defendia a desvalorização imediata do real, dentro do pressuposto de que a moeda nacional estava sobrevalorizada. A outra sustentava a ideia de que o real precisava ser defendido a qualquer preço, mesmo considerando o elevado grau de exposição do Brasil ao risco devido ao problema do déficit público. (1999)

Adotado o “referencial global” desenvolvimentista – que ganharia mais espaço político e institucional e novos contornos nos anos 2000 –, “no 2o mandato de FHC se organiza uma tentativa de reedição do modelo de ajustamento externo pelo setor primário, cujas características somente ficarão visíveis no final deste governo e início do seguinte” (DELGADO, 2012, p. 88). Neste contexto, para o autor, “relança-se a estratégia externa do agronegócio, reeditando em parte a política externa do período 1983/93”, pautada na expansão das exportações de produtos básicos e agroprocessados, e na geração de saldos comerciais expressivos (DELGADO, 2012, p. 88). A agropecuária, as exportações do setor e a ampliação no mercado internacional passariam a ser interpretados e projetados como eixos fundamentais de sustentação da economia nacional. Pautando-se por esta interpretação, Francisco Turra – ministro do Mapa na época, em artigo publicado na Revista de Política Agrícola referente ao Plano Safra 1998/1999 – conclamava e projetava as duas funções cruciais da agricultura: “abastecer o mercado interno e gerar divisas nas exportações”. Em análise afirmou que

os próximos cinco anos serão cruciais para a agricultura brasileira tanto no âmbito doméstico como no âmbito internacional. No âmbito doméstico para garantir a manutenção dos ganhos socais e econômicos da estabilização e no âmbito externo para aproveitar a abertura do comércio internacional. Com seu imenso potencial agrícola, o Brasil tem condições técnicas de aumentar, significativamente, as exportações agrícolas, firmar novas posições no mercado internacional e tornar-se um dos grandes líderes no comércio mundial de alimentos e fibras. (TURRA, 1998, p. 57)

Similarmente, no discurso de lançamento do PAP 1999/2000, FHC referendava as expectativas em torno do crescimento das exportações agropecuárias, afirmando “Vamos avançar na exportação, precisamos avançar na exportação. No ano que vem, e esse avanço tem que ser preparado desde já, vamos precisar ter recursos ainda maiores e a agricultura tem sido a âncora, como assim se chamava, do real” (BRASIL, 1999a). Se a agropecuária foi a âncora verde da estabilidade econômica no Plano Real, nesse momento o setor do agronegócio foi convocado a ser a âncora verde do crescimento econômico. Confluente com esta orientação e expressando a retomada da intervenção do Estado, o PAP 2000/2001 apresentou como uma de suas estratégias a “prioridade para segmentos e as culturas mais competitivas e importantes para a geração de renda, emprego, abastecimento interno e exportações, em função da evolução estrutural e conjuntural do agronegócio”, e como metas: a) aumento dos recursos programados para aplicação na agricultura; b) recuperação da participação governamental no total do financiamento agropecuário (de 22% para 32%); e c) incentivo à produção e ao incremento de produtividade para culturas estratégicas e/ou regiões específicas, com linhas de crédito favorecido (PAP 2001/2002. BRASIL, 2000). De forma mais evidente, as metas do PAP 2001/2002 eram “elevar as exportações do agronegócio de U$$ 19,7 exportados em 2000, para U$$ 20,9 bilhões em 2001 e U$$ 22 bilhões em 2002; elevar o saldo da balança comercial do agronegócio de U$$ 12,8 milhões, observados em 2000, para U$$ 15 bilhões no ano de 2001 e U$$ 17 bilhões no ano de 2002.” (PAP 2001/2002. BRASIL, 2001). Por sua vez, o PAP 2002/2003 já avaliava positivamente o desempenho da política agrícola no crescimento da agropecuária e das exportações.

Para atender as expectativas e trajetória almejadas, as principais ações anunciadas no planejamento setorial durante os anos 1999-2003 foram: incremento dos recursos do crédito rural (custeio, investimento e comercialização); criação do Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota) no ano 2000 e contínuos aperfeiçoamentos em seus normativos; modificações no Programa de Geração de Emprego e Renda Rural (Proger Rural)[10] visando ampliar o acesso a ele; continuidade e aperfeiçoamento nos instrumentos de comercialização (reajuste nos preços, criação da Cédula de Produto Rural – CPR com liquidação financeira); e criação dos Programas de Plantio Comercial de Florestas (Propflora) (2000) e de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária (Prodecoop) (2000) (Quadro 1).

É importante notar que os PAPs sinalizavam ações de política agrícola para o conjunto dos agricultores brasileiros, explicitando no instrumento (quando fosse o caso) as especificidades direcionadas para a agricultura familiar, os minis e pequenos produtores rurais, e demais agricultores. No PAP 1994/1995, o Programa de Valorização da Pequena Produção Rural (Provape) – marco importante na história das políticas para a agricultura familiar (SCHNEIDER, CAZELLA; MATTEI, 2021 – já apareceu incorporado ao documento, anunciando as condições creditícias para a categoria social. Os Planos 1996/1997, 1998/1999 e 1999/2000 igualmente dedicaram espaço, ainda que marginalmente, à apresentação das inovações direcionadas à agricultura familiar (Quadro 1). Nesse período, os discursos de FHC acentuaram a ampliação da capilaridade e as melhorias nas condições de financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), visando incorporar produtiva e economicamente a agricultura familiar.

Cabe destacar que, no PAP 1999/2000, as ações para a agricultura familiar foram interpretadas no contexto do “Novo Mundo Rural”, o qual buscou integrar as ações para os assentamentos de reforma agrária (Procera) e a agricultura familiar (Pronaf) e promover novos mecanismos de acesso a terra e o desenvolvimento de atividades não agrícolas. Contestado por parte de estudiosos do mundo rural e de movimentos sociais (BRUNO; DIAS, 2004; MEDEIROS; LEITE, 2004; PEREIRA, 2005),[11] o PAP interpretava que a extinção do Procera e a incorporação dos assentados da reforma agrária no Pronaf, o fortalecimento do Programa Banco da Terra e o financiamento de atividades não agrícolas promoveriam a emancipação dos assentados da reforma agrária e o fortalecimento da agricultura familiar de acordo com as interpretações do que seria o novo mundo rural.

Ainda que presente nos discursos presidenciais de lançamento dos PAPs, a agricultura familiar e o Pronaf foram raramente citados nos documentos dos Planos 2000/2001, 2001/2002 e 2002/2003, estando ausente a descrição das condições creditícias que orientariam o Programa. O fato do MDA ter sido criado em 1999 – cabendo a este as ações para a agricultura familiar (incluído o Pronaf) –, provavelmente é o elemento explicativo para tal ocorrência. No entanto, a omissão da agricultura familiar no planejamento setorial deixa transparecer que os problemas públicos relativos à categoria social e à própria categoria social não eram prioridades para o Mapa e para o governo. A dualidade da agricultura brasileira viria a ser manifesta de maneira mais evidente (ainda que sempre desigual) nos anos seguintes.

 

Quadro 1 – Quadro-síntese das principais medidas presentes nos PAPs no primeiro e segundo mandato do Presidente FHC

Ano
Agrícola

Recursos e condições
do crédito rural

Principais novidades, acompanhadas de
aperfeiçoamento nos demais instrumentos

1995-1996[12]

R$ 5,65
bilhões

Criação do Contrato de Opção de Venda e Prêmio de Escoamento do Produto.

Securitização das dívidas agrícolas.

1996-1997

Recursos para crédito de
custeio R$ 5,6 bilhões

São destacadas medidas relacionadas à PGPM, ao crédito de custeio e ao Proagro. Referência ao Pronaf, que neste ano anunciou taxa de juros do crédito de custeio de 9% e do crédito de investimento de TJLP (taxa de juros de longo prazo) + 6%.

1997-1998[13]

Crédito de custeio:
R$ 8,5 bilhões

1998-1999

Mais de R$ 10 bilhões;
taxa de juros 8,75% a.a.

Redução de alíquotas no Proagro; manutenção e ampliação dos instrumentos de apoio à comercialização, como o Contrato de Opção, Prêmio de Escoamento da Produção (PEP), EGF/SOB e Cédula de Produto Rural (CPR). Pronaf: R$ 2,05 bilhões, com taxa de juros de 5,75% a.a. no crédito de custeio e TJLP + 6% a.a. no crédito de investimento (TURRA, 1998).

1999-2000

R$ 13,1 bilhões;
taxa de juros
custeio e investimento 8,75a.a.

Criação do Proleite destinado a investimento em máquinas, equipamentos e outras tecnologias de ponta para os produtores de leite. Anúncio de ações para a agricultura familiar no contexto do “Novo Mundo Rural”: a) Pronaf: taxa de juros do crédito de custeio 5,75% a.a., taxa de juros do crédito de investimento 9,8% a.a.; b) integração do Pronaf e do Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (Procera).

2000-2001

Recursos anunciados
R$ 11,3 bilhões; maior taxa de juros 8,75%

Financiamento do Prêmio do Seguro Rural; criação do Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota); criação do Programa de Sistematização de Várzeas, Programa Nacional de Recuperação de Pastagens Degradadas, Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Produção de Tilápias, Camarões Marinhos e Moluscos, Programa de Apoio à Fruticultura, Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Vitivinicultura, Programa de Desenvolvimento da Ovinocaprinocultura, Programa de Desenvolvimento da Cajucultura, e Programa de Desenvolvimento da Apicultura.

2001-2002

Recursos anunciados
R$ 14,7 bilhões

Criação do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Aquicultura, Programa de Desenvolvimento Sustentado da Floricultura, Programa de Incentivo à Construção e Modernização de Unidades Armazenadoras em Propriedade Rurais; Proger Rural Rotativo.

2002-2003

Recursos anunciados
R$ 21,7 bilhões

Criação do Programa de Apoio à Agricultura Irrigada, Programa de Plantio Comercial de Florestas, Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária; Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Cacauicultura, Programa de Erradicação da Brucelose e Tuberculose Animal; Alteração dos critérios para enquadramento dos produtores aos Proger Rural (módulos fiscais e renda bruta anual).

Fonte: Elaborado pela autora.

 

Temas, questões e interpretações nos PAPs e PSAFs nos governos Lula

A partir da vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002, um novo “referencial global” (que já apresentava elementos no final do segundo mandato do Presidente FHC) ganhou espaço político e institucional (GRISA, 2018). Diferente do neoliberalismo dos anos 1990, retomou-se o papel do Estado na orientação do desenvolvimento, cabendo a ele atribuições como: manter a estabilidade macroeconômica; promover ações de crescimento econômico orientadas para o mercado interno e para a inserção no mercado internacional; criar políticas que estimulassem a competitividade industrial (sobretudo via isenções fiscais); promover políticas de crédito para produção e para o consumo;atuar na área social com os objetivos de reduzir a pobreza e as desigualdades; e promover o consumo de massa, ganhando importância, neste sentido, o estímulo ao emprego formalizado, a valorização do salário mínimo e a intensificação de programas de transferência e geração de renda (BOITO JR., 2012; BASTOS, 2012, 2015; BRESSER-PEREIRA, 2016).

Esse novo referencial modificou e inseriu novos elementos no planejamento setorial e na política agrícola, mas igualmente significou continuidades na forma de intervenção do Estado no setor. Coerente com as orientações e demandas do neodesenvolvimentismo (BASTOS, 2015; BRESSER-PEREIRA, 2016), a principal continuidade foi o fortalecimento da “economia do agronegócio” (DELGADO, 2012), centrada na expansão produtiva e na exportação de produtos primários. A agropecuária foi tornando-se cada vez mais central na economia brasileira e foi delineada uma trajetória de crescimento para os anos vindouros. No discurso de lançamento do PAP 2003/2004, o Presidente Lula afirmou:

Neste Plano, (...) estão definidos os mecanismos para que o Brasil tenha, no ano que vem, uma safra ainda maior do que a deste ano. (...) Hoje o agronegócio é responsável por 29% do PIB brasileiro, por 41% de nossas exportações e por 37% dos empregos gerados no nosso país. No que depender do Governo, esses percentuais serão ainda maiores nos próximos anos. (...) e as medidas que eu vou anunciar agora vão levar a agricultura brasileira a ampliar a oferta de alimentos no país e a conquistar cada vez mais mercados no mundo. (BRASIL, 2003b)

A importância do setor do agronegócio na economia nacional também foi enaltecida no lançamento do PAP 2009/2010, ainda em um contexto de crise internacional dos alimentos:

 (...) este país finalmente vai ser o celeiro do mundo, é inexorável. Porque tem mais chinês comendo, tem mais africano comendo, mais brasileiro comendo. E quando você olha o mapa do mundo, você percebe que não tem um país que tem a quantidade de terra pronta para a agricultura como tem o Brasil, que tem sol o ano inteiro, que tem chuva, que tem uma série de coisas, tecnologia de ponta. (...) Portanto, o que eu quero é o seguinte: pelo amor de Deus, gente, plantem, plantem, plantem, porque o Brasil vai precisar e muito, da nossa agricultura, para que a gente saia desta crise mais forte e muito mais robusto. (BRASIL, 2009)

Para o fortalecimento desta “economia do agronegócio”, anunciava-se como medidas fundamentais: a) a preservação da estabilidade econômica; b) a continuidade e a ampliação da oferta de crédito rural, com condições creditícias cada vez mais favoráveis (Quadro 2); c) a continuidade e o incremento nas ações de infraestrutura, notadamente com as ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a partir de 2007, quando mudanças em termos de rodovias, ferrovias, hidrovias e portos passaram a receber ênfase e ganhar mais espaço nos documentos; e d) a criação de novos instrumentos com a participação da iniciativa privada, como o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Certificado de Depósito Agropecuário e Warrant Agropecuário, Contrato de Opção de Venda de Produto Agrícola pelo Setor Privado, Contratos de Opção de Compra dos Estoques Públicos e Letras de Crédito do Agronegócio (Quadro 2).

Concomitante à continuidade da “economia do agronegócio”, algumas mudanças apareceram no planejamento setorial com o governo Lula. Coerente com os problemas públicos que o Programa Fome Zero procurava abordar (INSTITUTO CIDADANIA, 2010), o PAP 2003/2004 sinalizou para o “incentivo à produção de alimentos básicos e recomposição dos estoques públicos”. Por meio de um conjunto de medidas – como aumento de crédito para os produtores de arroz, feijão, milho, mandioca e sorgo; maior volume de crédito para pequenos e médios produtores (Pronaf; Proger); fixação de preços mínimos de garantia e execução da PGPM/AGF; e aquisição direta de produtos da agricultura familiar para atender o Programa Fome Zero –, afirmava-se que, “sem qualquer discriminação ou desatenção com os produtos importantes da pauta exportadora do agronegócio – fonte permanente e importante de emprego e renda –, é essencial que o Governo Federal estimule a produção dos alimentos básicos no Plano Agrícola e Pecuário 2003/2004” (PAP 2003/2004. BRASIL, 2003a).

No entanto, nos documentos dos PAPs seguintes, estas dimensões da produção interna de alimentos e da retomada dos estoques públicos foram arrefecidas, retornando com ênfase no planejamento governamental em 2008, com a crise internacional de alimentos, naquele ano interpretada como uma possibilidade de inserção diferenciada do agronegócio no mercado internacional. Neste momento, avaliava-se que:

O crescimento da economia mundial nos últimos anos tem sido acompanhado pelo aumento do consumo de alimentos, principalmente em países como a China, Índia, Rússia, Brasil e outros asiáticos. Além disso, os Estados Unidos tem direcionado parte de sua safra de milho para a produção de etanol. A Europa está substituindo áreas de lavouras por culturas como a canola, utilizada para produzir biocombustível. Em razão dessa conjuntura, as perspectivas são de continuidade da redução dos estoques e de crescimento da produção inferior às necessidades de consumo. (...) O Brasil é um dos poucos países do mundo que produz o suficiente para abastecer a demanda interna, em crescimento e, ao mesmo tempo, é o país que mais cresce no mundo em geração de excedentes. (...) o Brasil ocupa uma posição privilegiada e está preparado para transformar a nova conjuntura de alta demanda por alimentos e maior cotação, em oportunidade. Dar condições ao Brasil de aproveitar esse cenário é propósito da agenda prioritária do Governo Federal e o Plano Agrícola e Pecuário 2008/2009, o suporte para que se atinja essa meta. (PAP 2008/2009. BRASIL, 2008a)

Para responder a esse cenário, o plano contava com medidas gerais, destacando-se, principalmente, a reestruturação da dívida agrícola, a expansão de recursos do crédito rural, o aumento dos recursos destinados ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro rural, e o fortalecimento da média agricultura por meio de alterações no Proger Rural (Quadro 2). Em relação ao abastecimento alimentar interno, destacava-se a proposta de elevar os estoques públicos, passando de 1,5 milhão de toneladas em 2008 para 6 milhões em 2009, superando os 4 milhões de toneladas de 2006 – ano em que houve a maior quantidade de produtos em estoques públicos desde o início do governo Lula (PAP 2008/2009. BRASIL, 2008a).

Outra mudança ocorrida durante os dois mandatos do governo Lula refere-se à inclusão (ou retomada, se considerarmos o Programa Nacional de Álcool – Proálcool, na década de 1970) do tema da agroenergia na política agrícola, anunciada no PAP 2005/2006, mas cujas ações começaram a ser realizadas ainda em 2004. Nesse ano, o Mapa criou o Departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia (readequação do Departamento do Açúcar e do Álcool), elaborou o Plano Nacional da Agroenergia, criou o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, e iniciou ações em relação ao etanol. Em anos agrícolas seguintes, estendendo-se no primeiro governo Dilma, o tema continuou sendo pautado, com crescente atenção governamental. Em 2008, durante a crise internacional de alimentos, o Mapa sustentou que o país “produz energia limpa, por meio do etanol, sem comprometer a produção de alimentos” (PAP 2008/2009. BRASIL, 2008a). A agroenergia era destacada como um setor promissor nos mercados nacional e internacional, sendo que diversas medidas foram anunciadas para promovê-lo: publicação do zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar, lançamento do Programa Nacional de Produção da Palma de Óleo, modificações creditícias em programas para beneficiar este cultivo, cursos de especialização para técnicas agrícolas no apoio a cadeias produtivas oleaginosas, e criação do Programa de Financiamento à Estocagem de Etanol Combustível (PAP 2010/2011. BRASIL, 2010). No governo Dilma, novas medidas foram anunciadas para o segmento da agroenergia, dando sequência à trajetória iniciada nos governos Lula.

A partir do PAP 2005/2006, o tema da integração lavoura-pecuária-floresta também entrou no planejamento setorial como uma estratégia importante para a promoção da “sustentabilidade econômica e ambiental da produção”, sendo que as atividades relacionadas à temática (e ao plantio direto) passaram a contar com tratamento diferenciado em linhas de crédito rural (limites e taxas de juros). O PAP 2005/2206 salientava que:

Diante das vantagens representadas pela integração – para os produtores, meio ambiente e sociedade em geral – do potencial do país como exportador de produtos agropecuários e da necessidade de se criar meios para evitar a expansão do desmatamento na região amazônica, o Mapa está trabalhando para aprovar linhas de crédito específicas para estimular ainda mais a utilização deste sistema de produção. (PAP 2005/2006. BRASIL, 2006, p. 26)

No PAP 2006/2007 as atividades de integração lavoura-pecuária ganharam uma linha de crédito específica, o Programa de Integração Lavoura Pecuária, que, posteriormente, transformou-se em Programa Produção Sustentável do Agronegócio e, em 2011, foi incorporado ao Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC). Como será mencionado a seguir, ao longo dos anos, o planejamento setorial foi demonstrando mais preocupações com a sustentabilidade, manifesta principalmente em algumas noções e perspectivas específicas.

A partir do início do governo Lula, o planejamento governamental começou a voltar-se também aos “médios produtores rurais” – categoria assim denominada pelo poder público –, os quais, em anos seguintes e na Gestão de Dilma Rousseff, ganharam mais atenção do Governo Federal. Dando sequência ao Proger Rural e à expansão do seu público beneficiário (agricultores até 15 módulos fiscais – 2002), o governo de Lula passou a promover a “ascensão econômica dos pequenos e médios produtores, muitos dos quais egressos do Pronaf”, por meio de maior disponibilidade de recursos para este grupo específico e de mudanças creditícias (PAP 2003/2004. BRASIL, 2003a). No PAP 2010/2011, a orientação aos médios produtos ficou ainda mais evidente com a conversão do Proger para o Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), “novo programa [que] coloca o médio produtor rural como prioridade e conta com R$ 5,65 bilhões” (PAP 2010/2011. BRASIL, 2010).                

Se a expansão do agronegócio foi fundamental na estratégia neodesenvolvimentista, também se tornou importante o fortalecimento das políticas para a agricultura familiar ou “pequenos agricultores” – como é referido nos documentos do Mapa com frequência. Além de atender demandas dos movimentos sociais e sindicais da agricultura familiar, construir e implementar políticas para a categoria social significava – em diálogo com o referencial global –, por um lado, estimular a modernização e “consolidação” da agricultura familiar, fortalecendo-a para a competitividade no mercado nacional e internacional; e, por outro, contribuir para a redução da pobreza rural, promoção da cidadania e inserção dessa população no mercado de consumo (GRISA, 2018).

O lançamento dos PSAFs a partir de 2003 foi um marco para essas mudanças. Tendo em vista que a agricultura familiar dispunha de pouco espaço nos PAPs e sendo objeto de atuação principalmente do MDA, a opção política foi por construir, a partir deste Ministério, um instrumento específico de planejamento para a categoria social.[14] Para a agricultura familiar, esta foi uma mudança simbólica e política importante. A partir de 2003, todos os anos os agricultores depararam-se com o lançamento, quase concomitante, de dois Planos setoriais direcionados para grupos sociais específicos, ainda que não exclusivos. No lançamento do PAP 2004/2005, o Presidente Lula assim se manifestou: “Nós estamos conseguindo fazer crescer, e muito, as nossas duas agriculturas, a do agronegócio e a familiar, ambas indispensáveis e complementares ao desenvolvimento do Brasil, gerando cada vez mais trabalho, renda e riqueza” (BRASIL, 2004).

A partir de interpretações sobre a necessidade de inserir a agricultura familiar nos mercados nacionais e internacionais, bem como melhorar as condições de vida da agricultura familiar, um amplo conjunto de políticas foi delineado e, provavelmente, esta tenha sido uma das mudanças mais importantes no planejamento setorial em relação ao governo FHC. Dentre as principais ações anunciadas para a agricultura familiar (Quadro 2), destacaram-se:

a) seguindo uma “lógica” bastante similar ao PAP (BIANCHINI, 2012), os PSAFs elegeram o crédito rural como o principal instrumento de política agrícola. As “novidades” em relação ao Pronaf sempre ocuparam espaço predominante nos documentos, sendo geralmente o primeiro instrumento a ser apresentado. Esta importância conferida ao Pronaf deve-se ao fato desse ser a principal política agrícola para a agricultura familiar (em termos de recursos aplicados, número de contratos realizados, e capilaridade nacional), contribuir na estruturação econômica de parte da categoria social e ser o foco principal das reivindicações das organizações sindicais e sociais (PICOLOTTO, 2011; GRISA; SEMINOTTI, 2018). As principais mudanças perpassaram ampliação significativa dos recursos do Programa e dos limites de financiamento por agricultor familiar e pessoa jurídica da agricultura familiar, redução das taxas de juros, e criação de novas linhas (Pronaf Agroecologia, Mulher etc.) e Grupos (Grupo E e V). Dentre essas mudanças, é importante destacar a criação, em 2008, da linha Mais Alimentos destinada à aquisição de máquinas, equipamentos e veículos utilitários, em um contexto internacional de crises financeira e dos alimentos. Esta linha contribuiu para gerar alterações tecnológicas expressivas na agricultura familiar, nomeadamente naquela localizada no Sul do Brasil. Sinalizando a expectativa de modernizar a agricultura familiar, o Presidente Lula afirmou: “Essa ideia de cultura apenas de subsistência, em que um cidadão planta uma mandiocazinha (...) isso tem que acabar. Nós temos que dar às pessoas a dimensão de sua capacidade produtiva. (...) A ideia é levar tecnologia e modernização à agricultura familiar” (BRASIL, 2008b).

b) considerando as dificuldades de comercialização e a necessidade de geração de renda para a agricultura familiar, os PSAFs avançaram na criação e aperfeiçoamento de mercados institucionais para a agricultura familiar, por meio de dois instrumentos principais: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), estabelecido em 2003, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar que, em 2009, instituiu que, no mínimo, 30% dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), destinados ao Programa, devem ser aplicados na aquisição de alimentos da agricultura familiar;

c) complementarmente ao Programa Garantia Safra, criado ainda no governo FHC, em 2004 e 2006 o Governo Federal criou dois mecanismos nacionais para proteger a produção familiar contra elementos do clima, doenças e pragas sem método difundido de prevenção e controle, e contra a desvalorização dos preços dos produtos financiados. Trata-se do Seguro da Agricultura Familiar – Seaf (também denominado Programa de Garantia da Atividade Agropecuária Mais – Proagro Mais) e do Programa de Garantia de Preços da Agricultura Familiar – PGPAF;

d) similarmente ao PAP, o tema da agroenergia também “entrou” no PSAF 2005-2006 e seguiu em anos posteriores, seja via linhas de créditos diferenciadas para cultivos direcionados à produção de biodieesel e etanol, seja via selo “combustível social” concedido pelo MDA ao produtor de biodiesel que adquirir matéria-prima e assegurar assistência técnica aos agricultores familiares, beneficiando-se, em contrapartida, de incentivos comerciais, financiamentos e alíquotas diferenciadas de PIS/Pasep e Cofins. Ainda que o PNPB não seja uma política exclusiva da agricultura familiar, ele fornece um tratamento específico à categoria social por meio do selo “combustível social”, privilegiando também regiões mais empobrecidas e determinados cultivos (soja, mamona, dendê, girassol, entre outras);

e) fortalecimento da assistência técnica e extensão rural com a transferência do Departamento de Assistência e Extensão Rural (Dater) do Mapa para o MDA, em 2003; criação, em 2004, da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), cujo principal instrumento é o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pronater); promulgação da Lei Geral de Ater em 2010, definindo os princípios, objetivos e beneficiários, disciplinando o credenciamento e a forma de contratação das entidades executoras de Ater, bem como o acompanhamento, o controle, a fiscalização e a avaliação dos resultados da execução do Pronater; modificação nos instrumentos de contratação das organizações que prestam serviços de Ater; e ampliação dos recursos disponibilizados à política pública;

f) fortalecimento das ações relativas às agroindústrias, com mudanças em linhas específicas do Pronaf (Pronaf Agroindústria), criação do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa), e estabelecimento do Selo da Agricultura Familiar;

g) fortalecimento das ações direcionadas à agroecologia, seja por meio de mudanças recorrentes nas Linhas Pronaf Agroecologia, Semiárido, Floresta e Eco; seja por meio de instrumentos de apoio à comercialização de produtos da sociobiodiversidade; ou ainda por meio dos mercados institucionais e de ações específicas de Ater.

 

Temas, questões e interpretações nos PAPs e PSAFs no governo Dilma

Em grande medida, o primeiro governo da Presidente Dilma deu sequência à política econômica neodesenvolvimentista dos governos Lula e ao viés agrário-exportador, sendo observadas várias continuidades no planejamento setorial. No que se refere aos PAPs, a promoção da “economia do agronegócio” continuou sendo o elemento principal da política agrícola. Um dos objetivos do PAP 2011/2012 consistia em “expandir de 161,5 milhões para 169,5 milhões de toneladas a produção de grãos, fibras e oleaginosas. Esse aumento de 5% vai assegurar o abastecimento interno, contribuindo para maior regularidade nos preços, bem como para ampliar os excedentes exportáveis, com consequente geração de divisas para o país” (PAP 2011/2012. BRASIL, 2011a, p. 11). De forma similar, a política agrícola do PAP 2014/2015 delineava aumento da produção nacional, incremento da inserção da agropecuária no mercado internacional e continuidade da participação do Estado, notadamente em crédito rural e infraestrutura e logística (PAC 2).

No plano externo, a competitividade da agricultura brasileira tem assegurado a crescente inserção do país no mercado agrícola internacional, inclusive nos últimos anos, marcados por um cenário de crise em importantes países consumidores e redução no ritmo de crescimento da demanda mundial. E o Brasil se destaca cada vez mais como um dos principais produtores e exportadores de produtos agropecuários. O desempenho interno e externo da agropecuária, assim como o do agronegócio, cujas exportações em 2013 atingiram a cifra recorde de US$ 100 bilhões, tem contribuído de forma relevante para a estabilidade e crescimento da economia. Esse desempenho pelo setor tem sido reforçado pelo aprimoramento da política agrícola e pelas políticas públicas voltadas notadamente para das áreas de infraestrutura. (PAP 2014/2015. BRASIL, 2014a, p. 1).

 

Quadro 2 Quadro-síntese das principais medidas presentes nos PAPs e PSAFs no primeiro e segundo mandato do Presidente Lula

Ano
Agrícola

Recursos e condições do crédito rural

Principais novidades, acompanhadas de aperfeiçoamento nos demais instrumentos

Recursos e condições do Pronaf

Principais novidades, acompanhadas de aperfeiçoamento nos demais instrumentos

2003-2004

R$ 27,1 bilhões

Anúncio de Novo Programa de Investimento para Pequenos e Médios Produtores; reunião dos programas de armazenagem (Proazem) e irrigação (Proirriga) no Programa Moderinfra; junção dos Programas Prossolo, Propasto e Sisvárzea no Moderagro; reunião dos Programas Profruta, Prodevinho, Procaju e Procacau no Prodefruta; agrupamento dos Programas de Desenvolvimento Prodecap (caprinocultura), Prodamel (apicultura), Prodeflor (floricultura) e Aquicultura no Prodeagro; anúncio da recomposição dos Estoques Públicos.

R$ 5,4 bilhões

Criação Pronaf Alimentos; lançamento das linhas Pronaf Semiárido, Agroecologia, Mulher, Jovem Rural, Máquinas e equipamentos, Turismo da Agricultura Familiar, e Biodiversidade; criação do Grupo E; criação do PAA; anúncio de mecanismos da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) (Empréstimo do Governo Federal – EGF e Aquisição do Governo Federal – AGF) para a agricultura familiar; renegociação das dívidas dos agricultores familiares.

2004-2005

R$ 39,45 bilhões

Linha de crédito da Finame Especial do BNDES para investimentos pelas empresas prestadoras de serviços de armazenagem; criação de novos instrumentos em interação com o setor privado: Certificado de Recebíveis do Agronegócio, Certificado de Depósito Agropecuário e Warrant Agropecuário (CDA e WA), Letra de Comércio Agrícola, Contrato de Opção de Venda de Produto Agrícola pelo Setor Privado (Opção privada), Contratos de Opção de Comprados Estoques Públicos; Programa de Subvenção do Prêmio de Seguro Rural.

R$ 7 bilhões; maior taxa de juros 7,15%

Criação da linha Pronaf Cota- Partes; criação de linha do Pronaf para custeio das agroindústrias; criação de uma nova Política de Assistência Técnica e Extensão Rural; regionalização dos Planos Safra.

2005-2006

R$ 44,35 bilhões

Institucionalização das Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e do Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), e criação dos Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), do Agrinorte ou Nota Comercial do Agronegócio (NCA); entrada dos temas de integração lavoura-pecuária-floresta e da agroenergia; criação do Programa de Desenvolvimento da Agricultura Orgânica (Pró-Orgânico)

R$ 9
bilhões

Ações de estímulo à diversificação da produção para produtores de fumo; crédito para oleaginosas destinadas à produção de biodiesel.

2006-2007

R$ 50
bilhões

Criação de uma linha de crédito específica para a integração lavoura-pecuária (ILP); lançamento do Plano Executivo para o Desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal.

R$ 10 bilhões

Renegociação de dívidas dos agricultores familiares; constituição de um Grupo de Trabalho para definição de uma política de comercialização para a agricultura familiar; implantação do Suasa; criação da modalidade Formação de Estoque no PAA; anúncio da criação do Programa de Garantia de Preço da Agricultura Familiar (PGPAF); anúncio da Lei da Agricultura Familiar.

2007-2008

R$ 58
bilhões; maior taxa de juros 6,75%

Medidas de renegociação das dívidas; unificação dos programas Prodefruta, Moderagro e Prodeagro no Modeagro; redução das tarifas de importações de fertilizantes; anúncio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para solucionar “gargalos logísticos” que enfrenta a agropecuária nacional.

R$ 12 bilhões; maior taxa de juro 5,5%

Criação da linha Pronaf Eco.

2008-2009

R$ 65
bilhões

Criação do Programa Produção Sustentável do Agronegócio (Produsa) com o objetivo de estimular a recuperação de áreas degradas e fomentar a adoção de sistemas sustentáveis (incorporou o Prolapec e itens do Moderagro relacionados à conservação e recuperação de solos); linha de financiamento de Incentivo à Armazenagem para Empresas Cerealistas Nacionais; recomposição dos estoques públicos; medidas estruturais para a agropecuária por meio do PAC.

R$ 13 bilhões

Criação da Linha do Pronaf Mais Alimentos; agregação dos Grupos C, D e E no Grupo denominado “agricultura familiar” ou Grupo V (variável); ampliação dos recursos para a fase de instalação de projetos de assentamentos de reforma agrária; anúncio da criação da linha Pronaf Sistêmico (posteriormente denominado Sustentável); produtos da sociobiodiversidade foram incorporados na PGPM por meio do Programa de Apoio à Comercialização de Produtos Extrativistas do Ministério do Meio Ambiente, que conta com a parceria do MDA e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

2009-2010

R$ 92,5 bilhões

Lançamento do Programa de Capitalização das Cooperativas de Produção Agropecuária (Procap-Agro); criação do Plano Nacional de Fertilizantes com medidas direcionadas para a produção de importação desses insumos; anúncio da trajetória da regulamentação da Lei no 10.831/2003, conhecida como Lei da Agricultura Orgânica, que prevê a criação do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (Sisorg).

R$ 15 bilhões

Mudança no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) com a exigência de que, no mínimo, 30% dos recursos repassado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o Programa sejam aplicados na aquisição de alimentos da agricultura familiar; criação do Selo da Agricultura Familiar; institucionalização da Política Nacional de Assistência e Extensão Rural com lei específica; ampliação dos limites de comercialização por agricultor familiar nas modalidades do PAA.

2010-2011

R$ 100 bilhões

Criação do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), incorporando as ações do Proger, e do Programa Agricultura de Baixo Carbono (ABC); anúncio do Programa de Financiamento à Estocagem de Etanol Combustível.

R$ 16 bilhões; maior taxa de juro 4,5%

Duplicação dos limites de financiamento do Programa Nacional de Crédito Fundiário (de R$ 40 mil para R$ 80 mil); início das Chamadas Públicas de Ater.

Fonte: Elaborado pela autora a partir da análise dos PAPs e PSAFs 2003/2010.

 

Neste contexto de fortalecimento do agronegócio, o tema da sustentabilidade passou a ser destacado e incorporado com ênfase no planejamento setorial, em grande medida, também associado às possibilidades do mercado internacional. No discurso de lançamento do PAP 2012/2013, a Presidente Dilma afirmou “(...) eu tenho tido grande orgulho de representar o Brasil internacionalmente, afirmando que nós somos aquele país que produz, que amplia a produção, que usa tecnologia e que respeita o meio ambiente” (BRASIL, 2012b). Três ações merecem ser destacadas neste sentido (Quadro 3):

a) criação (ainda em 2010 e fortalecido em anos posteriores) do Programa Agricultura de Baixo Carbono (Programa ABC) a partir “de compromisso voluntário assumido pelo Brasil na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, realizada em 2009 em Copenhague, como parte do esforço do Governo de estímulo à implantação e ao desenvolvimento de sistemas produtivos agrícolas ambientalmente sustentáveis” (PAP 2012/2013. BRASIL, 2012a, p. 27). Visando fornecer incentivos à adoção de “boas práticas agronômicas para minimizar o impacto da emissão de gases de efeito estufa”, o planejamento setorial afirmava que o Programa ABC “mostra a disposição do Governo Federal de colocar a sustentabilidade no centro estratégico da produção agropecuária nacional” (PAP 2012/2013. BRASIL, 2012a, p. 9). Neste mesmo Plano, o ABC passou a ser organizado em diversas linhas: ABC recuperação, Orgânico, Plantio Direto, Ambiental, Florestas, Integração Lavoura-Floresta-Pecuária etc.

b) continuidade e aprofundamento de ações voltadas para a agroenergia. Um dos objetivos do PAP 2011/2012 era “estimular a renovação e ampliação das áreas cultivadas com cana-de-açúcar. Isso permitirá aumentar a produção e, consequentemente, a estabilização da oferta de etanol” (PAP 2011/2012. BRASIL, 2011a, p. 11). De forma similar, o PAP 2014/2015 avaliava que

o crescimento da produção de bicombustível e das exportações de etanol, ocupando o país posição de destaque internacional nesse mercado – em 2013, o Brasil respondeu por 38,6% das exportações mundiais de etanol – contribuiu para ampliar a participação do setor na matriz energética nacional e reduzir a emissão de gazes de efeito estufa, bem como para elevar a renda do produtor com o aumento da produção de cana-de-açúcar. (PAP 2014/2015. BRASIL, 2014a, p. 9)

c) inserção do tema da agricultura orgânica nos PAPs, notadamente a partir do PAP 2012/2013. Nesse ano foi criada a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) e foram definidas diretrizes para adequar as políticas agrícolas à produção orgânica. No PAP 2014/2015 foram apresentados os eixos, objetivos, metas e iniciativas do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), afirmando que o Mapa “tem papel fundamental na sua implementação, sendo responsável pela execução de políticas públicas fundamentais para o desenvolvimento da agricultura orgânica brasileira” (PAP 2014/2015. BRASIL, 2014a, p. 55).

Dando sequência às ações dos governos Lula, o primeiro mandato da Presidente Dilma acentuou a orientação do planejamento setorial e da política agrícola para os médios produtores rurais, incrementou os recursos disponíveis e melhorou as condições creditícias. Partia-se da interpretação de que este grupo ainda não contava com apoio do Estado. Em sua avaliação,

esse médio produtor que é empresarial, que usa tecnologia e que muitas vezes ficou premido entre o pequeno e o grande, e não teve uma política para ele. Então, o Ministro introduziu essa política e isso tem tudo a ver com o que nós estamos... nós estamos nos transformando em um país de classe média. Tem que ter política para as classes médias deste país, elas têm de ser contempladas”. (BRASIL, 2011b)

No que se refere aos PSAFs, também é possível observar continuidades e aprofundamentos das orientações dos governos Lula no primeiro mandato da Presidente Dilma. A partir de um referencial neodesenvolvimentista, tornava-se importante continuar estimulando econômica e produtivamente parte da agricultura familiar, e melhorar as condições de vida, garantir renda e oportunizar consumo para segmentos em maior vulnerabilidade social. Para atender a finalidade de inserção produtiva e econômica, o Pronaf permaneceu sendo a principal política agrícola direcionada para a agricultura familiar e os recursos anunciados cresceram de R$ 16 bilhões no PSAF 2011/2012 para R$ 24,1 bilhões no PSAF 2014/2015, acompanhados de redução das taxas de juros, ampliação dos limites de financiamento (Quadro 3).

Os mercados institucionais e a assistência técnica e extensão rural também continuaram recebendo importante atenção no planejamento setorial, seja via ampliação dos recursos disponibilizados, seja via a criação de novos instrumentos e institucionalidades, como a criação da modalidade Compra Institucional no PAA e da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). Ações orientadas para a agroecologia também continuaram presentes, principalmente por meio de mudanças no Pronaf, da Rota da Sustentabilidade na Ater (PSAF 2012/2013) e do PGPAF Agroecologia (PSAF 2014/2015).

Com o objetivo de reduzir a vulnerabilidade social – e esta foi uma mudança notável no planejamento setorial no primeiro governo Dilma –, houve o direcionamento de ações para a população rural em situação de pobreza e pobreza extrema, acompanhando as orientações do Plano Brasil sem Miséria. Explicitando elementos neodesenvolvimentistas, a Presidente Dilma afirmou que “nós somos um país que tem obrigação de, por meio da agricultura familiar, transformar e levar milhões de brasileiros que ainda estão à margem da riqueza, levá-los a serem consumidores, produtores e, sobretudo, acabar com a miséria extrema em nosso país” (BRASIL, 2011b). Dentre as ações anunciadas, destacavam-se o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais – que incluía a transferência de até R$ 2.400,00 para famílias em situação de extrema pobreza, condicionada à adesão a um projeto de estruturação produtiva, elaborado e desenvolvido com orientação das equipes de assistência técnica e extensão rural – e o Programa Bolsa Verde.

No governo Dilma, a associação entre agricultura familiar, produção de alimentos para o mercado interno e produção de alimentos saudáveis também começou a ganhar mais visibilidade, sendo mais proeminente em seu segundo mandato (não abordado neste texto). No lançamento do PSAF 2011/2012, a Presidente Dilma afirmou que “nosso país se caracteriza pelo fato de ser um grande produtor e um grande exportador de alimentos, mas se caracteriza também por ser um país que tem uma agricultura familiar que, a cada dia que passa se expande mais e se transforma em uma verdadeira sustentação da qualidade da alimentação que vai para a mesa do nosso povo” (BRASIL, 2011b). De forma similar, no lançamento do PSAF 2014/2015, o discurso ressaltava a importância da agricultura familiar na alimentação dos brasileiros e a perspectiva de fortalecimento da agroecologia:

(...) todos nós, para não dizer o Brasil inteiro, conhecemos a capacidade da produção da agricultura familiar. Ela está nas nossas mesas, ela nos alimenta e nós consumimos essa produção todos os dias. Eu tenho certeza que vai ser importante no futuro (...) que a marca da agricultura familiar seja uma marca diferenciada, marca pautada pela qualidade dos produtos. Já é diferenciada, mas eu acho que o Brasil vai ter no futuro, (...), um compromisso, um casamento entre agricultura familiar e agroecologia. Eu acho que esse é o caminho. (BRASIL, 2014b)

Se o agronegócio assumia grande importância para as exportações brasileiras, a agricultura familiar despontava no planejamento setorial e discursivamente como produtora de alimentos saudáveis para o mercado interno.

 

O agronegócio e a agricultura familiar no planejamento setorial: considerações finais

Como observado anteriormente, ao longo dos 20 anos analisados, o planejamento setorial delineou um conjunto de ações, metas, instrumentos e trajetórias almejadas no sentido de colocar o setor em coerência com a política econômica nacional (ou referencial global). Observou-se inicialmente que, em um contexto de ideário neoliberal, de busca da estabilidade macroeconômica e de construção/implementação do Plano Real, cabia ao setor da agropecuária servir como “âncora verde”. Mesmo que prejudicado em virtude das políticas cambial e comercial e da redução de instrumentos tradicionais de políticas públicas, cabia à agropecuária contribuir para o “fortalecimento da moeda” (BRASIL, 1995). As metas, objetivos e trajetória almejada para a agropecuária “caminhavam” no sentido da estabilidade econômica do país a partir de interpretações neoliberais.

 

 

Quadro 3 Quadro-síntese das principais medidas presentes nos PAPs e PSAFs no primeiro mandato da Presidente Dilma Roussef

Ano Agrícola

Recursos anunciados e condições do crédito rural

Principais novidades, acompanhadas de aperfeiçoamento nos demais instrumentos

Recursos anunciados e condições do Pronaf

Principais novidades, acompanhadas de aperfeiçoamento nos demais instrumentos

2011-2012

R$ 107,2
bilhões

Incorporação do Produsa e do Propflora no Programa ABC; anúncio do Programa de Produção Sustentável da Palma de Óleo; continuidade nas políticas de infraestrutura.

R$ 16
bilhões

Redução das taxas de juros das linhas de investimento do Pronaf de 4% para 2% ao ano; anúncio da criação da Política de Garantia de Preços Mínimos para a Agricultura Familiar (PGPAF); criação de ações vinculadas ao Plano Brasil Sem Miséria, como o Programa de Fomento a Atividade Produtivas Rurais e o Bolsa Verde.

2012-2013

R$ 115,25 bilhões;
maior taxa de juros 5,5%

Ações visando à promoção de Indicações Geográficas (IGs); anúncio de medidas relativas à agricultura orgânica (Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – Pnapo).

R$ 18
bilhões;
maior taxa de juros 4,0%

Aumento do limite de comercialização do Pnaepor agricultor/ano para R$ 20 mil (anteriormente era R$ 9 mil); criação da modalidade Compra Institucional no PAA; Rota da sustentabilidade na Ater.

2013-2014

R$ 136
bilhões

Criação do Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA); anúncio do Programa de Sustentação de Investimento Rural (PSI Rural) e PSI Cerealistas; estabelecimento do Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária (Inovagro) que visa apoiar o investimento necessário à incorporação de inovação tecnológica nas propriedade rurais, à automação e adequação de instalações, máquinas e equipamentos na avicultura, suinocultura e pecuária de leite, e cultivo protegido de hortifrutigranjeiros; criação da Política de Apoio à Renovação e Implantação de Novos Canaviais.

R$ 21
bilhões;
maior taxa de juros 3,5%

Anúncio da criação do Plano Safra Territorial; criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater); manifestação de que os agricultores familiares poderiam acessar recursos para formalização de sua agroindústria e projetos de turismo rural, sem perder a condição de segurados especiais.

2014-2015

R$ 156,1
bilhões;
 maior taxa de juros 6,5%

Reativação do Moderfrota; anúncio do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo).

R$ 24,1
bilhões

Criação da linha Pronaf Produção Orientada, direcionada para a produção sustentável de alimentos, com foco nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e com garantia de assistência técnica financiada pelo crédito; renegociação de dívidas de assentados da reforma agrária; nova sistemática de crédito para a reforma agrária; criação do PGPAF agroecologia e outras medidas para contribuir para a efetividade do Plano Brasil Agroecológico; anúncio da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural.

Fonte: Elaborado pela autora a partir da análise dos PAPs e PSAFs 2011/2015.

 

No segundo mandato do governo FHC, tais orientações começaram a explicitar limitações, culminando nas crises do setor e cambial de 1998. Novas interpretações relativas ao papel do Estado na economia e no desenvolvimento, e do agronegócio na sustentação econômica do país passaram a ganhar espaço. Uma economia dependente do agronegócio começou a ser construída, resgatando orientações políticas anteriores (DELGADO, 2012). Em termos de planejamento, o agronegócio passou a ser a “âncora verde” do crescimento econômico, notadamente por meio do aumento da produção e das exportações. A cada PAP, novas metas de aumento da produção, de inserção no mercado internacional e de saldos na balança comercial foram estabelecidas. Alteraram-se as interpretações sobre o papel da agricultura no desenvolvimento econômico do país e, para isto, dentre outras ações, foram retomados o crédito rural, a modernização tecnológica e as infraestruturas para o meio rural.

Neste período também se observaram mudanças expressivas em relação à interpretação e ao tratamento da agricultura familiar. O reconhecimento político e institucional da agricultura familiar ocorreu ainda nos governos FHC, com a criação do Pronaf e do Programa Garantia Safra. As ações delineadas no planejamento setorial (ainda que muito marginalmente) buscavam a inserção produtiva e econômica da agricultura familiar nos mercados, sendo, para isto, importantes os instrumentos de crédito e de seguro.

Ainda que novas interpretações políticas e econômicas tenham orientado os governos Lula e Dilma – notadamente o ideário neodesenvolvimentista, com a retomada da intervenção do Estado no desenvolvimento, com orientações de dinamização econômica pela produção e pelo consumo, e com preocupações com a redução da desigualdade social –, diversas continuidades no planejamento setorial foram observadas em relação ao último governo FHC. A principal delas diz respeito ao fortalecimento da economia do agronegócio. A importância que o setor angariou na economia nacional e nos mercados internacionais refletiu na construção de uma trajetória que almejava tornar o país o “celeiro do mundo”. Para isto, diversos instrumentos foram fortalecidos (crédito rural, estímulo à modernização tecnológica, políticas de infraestrutura etc.) e novas ações foram estabelecidas, várias delas associadas aos temas da produção de agroenergia e da sustentabilidade (igualmente acionadas como diferenciadoras no mercado internacional). Na perspectiva de estimular a produção e de fortalecer a classe média, e a partir da interpretação da inexistência de políticas públicas para este público, os médios produtores rurais também passaram a ser contemplados com as ações do Estado.

A principal mudança no planejamento setorial entre os governos FHC e Lula diz respeito ao tratamento dado à agricultura familiar. Coerente com o referencial neodesenvolvimentista pautado na dinamização da produção nacional e para o mercado externo, na redução da desigualdade social e na inserção da população na dinâmica do consumo (repercutindo, por sua vez, no próprio aquecimento econômico), a partir de 2003 diversas políticas públicas foram direcionadas para a agricultura familiar, contemplando crédito rural, comercialização, seguro, assistência técnica e extensão rural, e melhoria nas condições de vida da população. A própria emergência dos PSAFs é emblemática do tratamento diferenciado direcionado à categoria social. Com este conjunto de ações, o objetivo consistia em fortalecer produtiva e economicamente a agricultura familiar e dar oportunidade de cidadania e consumo para outra parte dela. O primeiro governo de Dilma deu sequência a diversas destas ações (ainda que com alterações em seus instrumentos ou formatos), e conferiu maior importância ao tratamento da miséria e da pobreza presentes no meio rural. Esta foi a principal mudança observada no planejamento setorial no primeiro mandato da Presidente Dilma.

Deste modo, continuidades e mudanças no planejamento setorial em termos de temas, políticas públicas e instrumentos foram observadas entre os governos FHC, Lula e Dilma. Contudo, duas observações importantes cabem ainda ser realizadas. A primeira chama a atenção para o fato de que, apesar de todas as mudanças realizadas no que concerne à construção de políticas públicas para a agricultura familiar nos 20 anos analisados, uma continuidade expressiva diz respeito à desigualdade de recursos econômicos e políticos entre as categorias políticas do agronegócio e agricultura familiar. As diferenças em termos de recursos disponibilizados para os programas e linhas de crédito são emblemáticas do tratamento desigual conferido pelo Estado (Quadros 1, 2 e 3). Não restritas apenas ao crédito rural, tais desigualdades ganham amplitude ao considerarmos as diferenças em relação às estruturas e capacidades estatais dos dois ministérios (MDA e Mapa) e ao espaço político ocupado por ambos e pelas organizações representativas das categoriais sociais e políticas na Esplanada dos Ministérios e no Congresso Nacional.

A segunda observação diz respeito à forma como os dois instrumentos de planejamento setorial foram conduzidos. Ainda que ajustados aos “referenciais globais”, diversos estudos apontam para conflitos e contradições na atuação dos dois ministérios no planejamento setorial, políticas públicas e instrumentos (FAVARETO, 2017). Em diversos territórios, a materialização do planejamento setorial para o agronegócio comprometeu a reprodução social de grupos da agricultura familiar e comunidades tradicionais, e colocou em risco recursos naturais e a biodiversidade (DELGADO, 2012; FAVARETO, 2019). A falta de coerência em torno de um projeto de desenvolvimento para o Brasil Rural (FAVARETO, 2017) fez com que ambos os instrumentos de planejamento seguissem – cada qual ao seu modo e permeados por conflitos, contradições e disputas – aportando interpretações e expectativas e “resolvendo problemas” delineados por seus respectivos órgãos governamentais e organizações representativas envolvidas. Em anos seguintes, os conflitos e as disputas entre as categoriais sociais e políticas se acentuaram e mudanças nas relações de poder levaram à extinção do MDA e, posteriormente, do Plano Safra da Agricultura Familiar.

 

 

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Como citar

GRISA, Catia. O agronegócio e agricultura familiar no planejamento setorial nos governos FHC, Lula e Dilma: continuidades e descontinuidades. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 29, n. 3, p. 545-573, out. 2021. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v29n3-3.

 

 

 

 

Catia Grisa

Professora nos Programas de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) e em Dinâmicas Regionais e Desenvolvimento (PGDREDES), ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

https://orcid.org/0000-0001-6685-4875
http://lattes.cnpq.br/0234023827856266
catiagrisaufrgs@gmail.com

 

 

 

 

 

 

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[1] Professora nos Programas de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) e em Dinâmicas Regionais e Desenvolvimento (PGDREDES), ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: catiagrisaufrgs@gmail.com.

[2] A abordagem cognitiva de análise de políticas públicas enfatiza o papel das ideias, interpretações e crenças sociais na construção e implementação das ações do Estado. Tal abordagem analisa o modo como diferentes atores interpretam os problemas públicos e delineiam instrumentos a partir dessas interpretações (MULLER, 2008).

[3] Em maio de 2016, em meio a um conjunto de mudanças na estrutura política brasileira, o MDA foi extinto, e suas atribuições incorporadas ao então Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário e, posteriormente, à Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, vinculada diretamente à Presidência da República. Mudanças políticas em 2019 alteraram novamente esses arranjos institucionais e as políticas para a agricultura familiar passaram, em grande medida, para a responsabilidade do Mapa. A partir de então, o meio rural e a agricultura brasileiros passaram a contar novamente apenas com um Plano setorial, o PAP.

[4] Este artigo é fruto do Projeto “Entre continuidades, mudanças e novas institucionalidades: políticas públicas e meio rural brasileiro (2003-2013)”, desenvolvido no período 2013-2015, com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O recorte temporal da análise foi delimitado considerando o período de emergência das políticas para a agricultura familiar (governo FHC) e o período enfatizado no projeto.

[5] Em termos metodológicos, o texto envolveu ampla pesquisa documental nos PAPs e Psafs, análise dos discursos dos Presidentes da República nos eventos de lançamento dos documentos, e diálogo com a literatura especializada.

[6] O artigo não teve como objetivo analisar as razões para a não institucionalização de certas políticas públicas e instrumentos. De todo modo, podemos apontar como elementos importantes as restrições financeiras impostas ao longo do ano agrícola; a emergência de dificuldades administrativas e resistências políticas; as mudanças nas prioridades governamentais, seja em decorrência de eventos inesperados que demandam maior atenção ou abrem “janelas de oportunidades” (KINGDON, 1984) para outras ações, seja por mudanças nas pautas dos próprios grupos de interesse e movimentos sociais.

[7] Para ilustrar estas medidas, cita-se a extinção da Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater); a criação da Companhia Nacional de Abastecimento, a partir da fusão da Comissão de Financiamento da Produção (CFP), da Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal) e da Companhia Brasileira de Armazenagem (Cibrazem); e a extinção do Empréstimo do Governo Federal (EGF) com opção de venda.

[8] O referencial global refere-se ao quadro geral de interpretação do mundo, superando os limites de um setor, de um domínio ou de uma política. É “(...) a representação que uma sociedade faz da sua relação com o mundo em um momento dado” (MULLER, 2008, p. 65), e é em torno desta representação geral que vão se hierarquizar as diferentes representações setoriais.

[9] Bastos (2012) identificou duas perspectivas desenvolvimentistas que ganharam espaço a partir da “falência da experiência neoliberal com FHC”, sendo elas, o desenvolvimentismo exportador do setor privado (novo desenvolvimentismo) e o desenvolvimentismo distributivo orientado pelo Estado (social desenvolvimentismo). A primeira tem origens vinculadas ao grupo partidário de FHC e defendia uma taxa de câmbio competitiva para o equilíbrio de transações correntes e o equilíbrio industrial. Essa corrente desenvolvimentista “partilha com o neoliberalismo, em tom menor, a valorização do setor privado e das exportações como motores do crescimento e a desvalorização do papel do Estado como banqueiro e investidor, embora não desvalorize o papel do Estado como condutor da estratégia de desenvolvimento” (BASTOS, 2012, p. 788). A perspectiva social desenvolvimentista encontrou mais diálogo nos governos Lula e Dilma, e sua ênfase foi no “mercado interno e no papel do Estado para influenciar a distribuição de renda e a alocação de investimentos” (BASTOS, 2012, p. 793).

 

[10] Enquanto uma linha de crédito, o Proger Rural foi criado ainda em 1995 e estava direcionado a agricultores que utilizassem predominantemente mão de obra familiar, não tivessem área superior a quatro ou seis módulos fiscais, apresentassem, no mínimo, 80% da renda originária da atividade agropecuária ou extrativa vegetal, residissem na propriedade ou em aglomerado urbano próximo, e possuíssem renda bruta anual de até 48 mil reais.

[11] Conforme Pereira (2005), as famílias assentadas argumentaram em torno de suas peculiaridades, as quais não seriam contempladas caso os assentados fossem integrados ao Pronaf. “(...) enquanto no Procera [os assentados] tinham uma linha de crédito especial, uma metodologia e recursos assegurados, agora, estariam em comum com todos os pequenos agricultores e assim, aumentariam as dificuldades para obtenção de crédito rural, pois teriam que disputar os mesmos recursos” (PEREIRA, 2005, p. 53). Ademais, os movimentos sociais interpretavam que a incorporação dos assentados ao Pronaf seria uma forma de enfraquecer a reforma agrária.

[12] Fonte das informações sobre o Plano 1995/1996: Rezende (2001).

[13] Fonte das informações sobre o Plano Agrícola e Pecuário 1997/1998: Ipea (1997).

[14] Além da trajetória de fortalecimento da categoria social iniciada com o Pronaf, contribuíram para esta ruptura no planejamento setorial as discussões realizadas no Consea. Recém restabelecido, o Consea começou a discutir diretrizes para as áreas de alimentação, nutrição e agricultura familiar, sendo um dos seus primeiros trabalhos o documento “Diretrizes de Segurança Alimentar e do Desenvolvimento Agrário para o Plano Safra – 2003/2004”. Influenciado pelo documento, o governo brasileiro iniciou o lançamento do “Plano Safra da Agricultura Familiar”.