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v. 29, n. 2, junho a setembro de 2021, p. 355-377
Recebido em 22 de janeiro de 2021. Aceito em 28 de abril de 2021.



Lugar de saída e lugar de chegada:
uma análise dos fluxos migratórios em uma comunidade rural no litoral norte do estado da Bahia


Place of exit and place of arrival: an analysis of migratory flows in a rural community on the north coast of the state of Bahia

 

DOI: 10.36920/esa-v29n2-5

 

orcid_id.png  Diana Anunciação [1]


Resumo: A pretensão deste trabalho é compreender como a comunidade rural Curralinho, situada em Mata de São João – Litoral Norte da Bahia tem o movimento migratório como reprodução social, identificando as motivações dos indivíduos migrantes e os sentidos para as suas famílias e o seu grupo. O estudo baseou-se na influência das intervenções do Estado, realizadas a partir de 1970, que objetivava promover o desenvolvimento econômico e turístico local. Metodologicamente, pautou-se na análise qualitativa, utilizando-se da história oral, de entrevistas abertas e da observação participante. Concluímos que a reestruturação dos fluxos migratórios demarcou esta comunidade como lugar de chegada e lugar de saída assinalando as diferenças identitárias entre os “de dentro” e os “de fora”, fortalecendo o sentimento de pertença e impelindo mudanças estruturais no ordenamento socioeconômico e cultural.

Palavras-chave: migração; comunidade rural; pertencimento; identidade social; Litoral Norte Bahia.

 

Abstract: The aim of this work is to understand how the rural community Curralinho, located in Mata de São João – North Coast of Bahia, uses migratory movement as a means of social reproduction, identifying the motivations of migrant individuals and the meanings ascribed to this movement for their families and their group. The analysis was based on the influence of State interventions, carried out since 1970, which aimed to promote local economic and touristic development. Methodologically, it was based on qualitative analysis, using oral history, open response interviews and participant observation. It is concluded that the restructuring of migratory flows marked this community as a place of arrival and a place of departure, marking the differences in identity between the “inside” and the “outside”, strengthening the feeling of belonging and impelling structural changes in the socioeconomic and cultural order.

Keywords: migration; rural community; belonging; social identity; North Coast of Bahia.

 

 

 

 

 

Introdução

A história da humanidade é marcada por contextos históricos que têm o êxodo rural de grande contingente de pessoas como acontecimento marcante. A fuga ao processo de escravidão e das guerras, a necessidade de desbravamento de áreas desconhecidas, os interesses econômicos e políticos, a dominação de outros povos e, até mesmo, a busca por melhores condições de vida e trabalho são alguns fatores que incentivam os homens e as mulheres a deixarem para trás o seu lugar de origem, ou a chamada “terra natal”, em busca da “terra prometida”.

A mobilidade espacial, portanto, constitui-se em estratégias de manutenção e sobrevivência para os mais variados grupos sociais e seus indivíduos, e os fatores socioeconômicos que impulsionam as motivações dos sujeitos são diversos. Trata-se, de fato, de uma construção social, gestada no contexto histórico local e/ou na relação estabelecida entre o local e o global, de acordo com os costumes e práticas do grupo social ao qual o sujeito está inserido.

Este fenômeno ambíguo encontra-se no campo das constantes discussões sobre o que realmente é a migração, os motivos que levam os indivíduos, famílias e/ou grupos a se deslocarem e as suas causas e efeitos. As teorias migratórias contemporâneas consideram estes aspectos importantíssimos para a fundamentação desta questão, e apontam dois elementos como essenciais para o seu entendimento teórico, a saber: i) as causas – a explicação das motivações; e ii) os efeitos – busca demonstrar se a ação ao final atende aos seus objetivos e o conjunto de fatores sociais que estariam diretamente relacionados a este fenômeno (PICHÉ, 2013).

É importante ressaltar que o primeiro elemento, relacionado às causas, ou seja, a explicação das motivações, direciona para duas vias analíticas: a primeira delas concentra-se nas questões pessoais do sujeito migrante que o levam a migrar, a exemplo de um projeto futuro de vida; e a segunda trata das interferências externas, e tem por perspectiva compreender a influência familiar, comunitária e/ou o contexto macrossocial que influencia(m) diretamente na decisão final dos indivíduos ou os obriga a deslocar-se (PICHÉ, 2013).

Sociologicamente, a migração pode ser analisada sobre a ótica das mais distintas abordagens, alternando entre as perspectivas micro e macrossociológicas, priorizando ou não os métodos de abordagem quantitativa, qualitativa ou quali-quanti. No entanto, o que nos interessa neste trabalho, é revelar, dentro da perspectiva microanalítica, de base qualitativa, como a migração se estrutura e qual o seu papel dentro de um contexto local, no qual inserem-se diversas comunidades rurais impactadas por mudanças microestruturais, gestadas por fatores macroestruturais baseados no desenvolvimento econômico e turístico de cunho capitalista.

Assim, analisamos a comunidade rural Curralinho, situada no povoado de mesmo nome, no município de Mata de São João, região do Litoral Norte do estado da Bahia. O objetivo fundamental é compreendermos a relação estabelecida entre as mudanças socioeconômicas ocorridas na região que impactaram diretamente nos fluxos migratórios desta comunidade, promovendo mudanças nos interesses, projetos e motivações dos sujeitos e, sobretudo, nas estratégias familiares relacionadas ao processo migratório.  

Os diversos movimentos migratórios, vislumbrados na região do Litoral Norte, têm acarretado uma ressignificação identitária dos sujeitos moradores de Curralinho, na medida em que se identificam fluxos de mobilidade de dentro para fora (de Curralinho a grandes cidades do país), de fora para dentro (de outras cidades da Bahia e localidades do Brasil, e mesmo do exterior, para Curralinho) e de dentro para dentro (de outras comunidades rurais locais para Curralinho, estas entrelaçadas por relações de vizinhança, parentesco e compadrio).

O desenvolvimento da pesquisa ora apresentada se deu in loco, no período de 2013 a 2015, e esteve calcado numa abordagem qualitativa, de cunho socioetnográfico, tomando-se como estudo de caso a própria comunidade rural Curralinho. Metodologicamente, utilizamos como instrumentos o resgate da memória por meio do uso da história oral,[2] de entrevistas semiestruturadas e da observação participante. Os dados coletados foram sistematizados e examinados a partir do software de análise qualitativa NVivo, versão 9.0.

Os idosos se constituíram o principal eixo de entrevistados para a coleta de dados desta pesquisa. Conforme os dados provenientes dos cadastros e das fichas de acompanhamento da Agente Comunitária de Saúde (ACS) que à época dos trabalhos de campo atuava na comunidade, em setembro de 2011, havia em Curralinho um total de 131 famílias e 470 pessoas. Deste total de moradores foram questionadas vinte e cinco pessoas, sendo: 12 idosos, oito adultos e cinco jovens.

Neste caso, os entrevistados estiveram divididos entre aqueles que migraram no período anterior à chegada dos grandes empreendimentos públicos e privados na região e os indivíduos que estão vivenciando ou vivenciaram o deslocamento posteriormente às mudanças socioeconômicas engendradas no Litoral Norte. Ressaltamos ainda que os familiares dos entrevistados-chave, aqueles que até então nunca tinham migrado, também foram integrados à pesquisa, na medida em que buscamos perceber o significado e os resultados da migração para o conjunto familiar, bem como para a comunidade em análise, por meio da realização de entrevistas semiestruturadas com estes.

 

Entre o pressuposto e o real: os fluxos migratórios de Curralinho

Para além da constituição das laws of migration de Ernest George Ravenstein,[3] formuladas em 1885 e revisadas em 1889, Piché (2013) aponta que as primeiras tentativas de teorização sobre este fenômeno, a rigor, são constituídas pela formulação de typologies migratoires, as quais buscam explicar os aspectos relacionados às microanálises, tendo por perspectiva o aporte individual, e às macroanálises, voltadas para a compreensão das estruturas sociais. Para ele, Alan Simmons (1987) construiu uma das mais fundamentadas definições ao colocar a mudança como o ponto-chave da questão, desde que analisada a partir de três parâmetros fundamentais para se pensar o que venha a ser a migração: i) a residência; ii) o emprego; e iii) as relações sociais.

Todavia, a migração pode ter um papel decisivo de regulação e suporte ao contexto social e histórico vivenciado localmente pelos grupos/sociedades e globalmente pelas nações. Os processos de modernização, urbanização e industrialização transformaram as sociedades ocidentais, de modo geral, de rural em quase eminentemente urbana-industrial. Dentre os diversos fatores, o cercamento e a perda das terras de pequenas unidades domésticas de produção impulsionavam as famílias camponesas para as cidades, e estas se viam obrigadas a buscar novas formas de sobrevivência. Isto era possível porque, embora a migração possuísse, neste caso, efeitos negativos para o campesinato ao materializar o ciclo da desestruturação de sua organização socioeconômica e cultural, era vislumbrada também como elemento positivo para a instalação de uma sociedade dita moderna, ao fornecer os migrantes como mão de obra para as fábricas.

Por isso, é mister considerar que cada período histórico tem o seu conjunto de fatores, os quais conjugados podem ter impactos diretos sobre a decisão ou necessidade real e/ou forçada de migrar, promovendo a passagem das formas de organização social e econômica até então vigentes, para outras formas de organização total.

Mas o que de fato seria a definição de migração? Para Everett S. Lee (2013, p. 105), “La migration est définie au sens large comme un changement permanent ou semi-permanent de résidence”.[4] Contudo, o autor não concorda que deva conter nas análises todos os elementos – como a relação estabelecida entre a mudança de residência e a distância percorrida, o caráter voluntário ou não do deslocamento e o fato de ser internacional ou local – para que se caracterize o fenômeno enquanto tal. Concordando com Florentino (2001), esta definição calcada na mudança de residência, ou seja, de lugar, torna-se problemática, se assim analisada contendo todos os elementos citados, na medida em que pode tornar-se inoperante a um considerável número de situações bem complexas, as quais agregam em si não apenas os fatores econômicos, mas sociais, políticos, culturais e ambientais.

No caso específico da comunidade em análise, ainda que os migrantes mudem de residência no processo de migração rural-urbana, esta se dá para a maioria deles como temporária e não como permanente. Este movimento não é compreendido como uma real mudança de lugar de residência. A migração para este grupo torna-se uma estratégia familiar, vislumbrada como uma viagem de um dos seus membros com a perspectiva de manter a reprodução da unidade doméstica de produção[5] daqueles que ficam e que também fornecerá elementos àquele que viaja para retornar ao seu grupo e permanecer na localidade. Assim, a rota de saída é tacitamente pensada como rota de retorno, inserida numa relação não apenas de complementariedade, mas de unicidade.

De acordo com a abordagem sistémica de Mabogunje (2013), referente à teoria da migração rural-urbana, a população do meio rural possui uma propensão a migrar maior do que aquela que se encontra no meio urbano. A migração seria para a população do campo um elemento de regulação, o qual permitiria à família permanecer ocupando e trabalhando a “terra ancestral”, ou seja, a manutenção e reprodução do grupo campesino como tal. E para além deste fator, é também ordenada pela dinâmica macroestrutural do Estado, fundamentado na perspectiva política e econômica, a qual vislumbra a população do campo como uma mão de obra de fácil manipulação. Exatamente o que percebemos em Curralinho.

Klaas Woortmann (2009), corroborando esta questão trabalhada por Mabogunje,  aponta que no Brasil o meio rural não é apenas um produtor de alimentos, mas, principalmente, de migrantes, sendo, por isso, caracterizado como um “celeiro de mão de obra”. Os fatores sociais externos aos grupos camponeses contribuem para a “expulsão” desta população do campo, assim como a invisibilidade manipulada das suas condições de existência perante o Estado brasileiro. Mas, para ele, o essencial está no fato de que, para além dos fatores externos, a migração “[...] é parte integrante de suas próprias práticas de reprodução. Migrar, de fato, pode ser condição para a permanência camponesa” (WOORTMANN, 2009, p. 218).

Afora considerar a mudança de residência como elemento, é preciso apreciar as mudanças das formas de trabalho e das relações sociais internas estabelecidas (SIMMONS, 2013). A pertinência, então, estaria no fato de que todo ato migratório implicaria a análise de quatro categorias: o lugar de saída (un lieu de départ), o lugar de chegada (un lieu de destination), uma série de obstáculos intermediários entre a saída e a chegada (les obstacles intermédiaires) e os fatores individuais que dão corpo à decisão final do sujeito de migrar (les facteurs individuels) (LEE, 2013).

Nesse sentido, privilegiamos a abordagem sobre a propensão de migrar entre os sujeitos que habitam o meio rural e a influência do fator econômico sobre o contexto. O nosso objetivo tem em si um caráter que compreende as interpretações da migração interna rural-urbana como estratégias da família e/ou do grupo e, portanto, do seu sentido coletivo.[6]

 

De dentro e de fora: o migrante no contexto da migração

A questão das mobilidades espaciais no Brasil, caracterizadas do meio rural para o urbano, traz em pauta, além das motivações individuais, diversos fatores que impulsionam este movimento, a exemplo: das estratégias do trabalho sazonal ou temporário como o corte de cana-de-açúcar, colheita do café etc.; o deslocamento compulsório acarretado pela construção de grandes empreendimentos do Estado, tais quais: rodovias, barragens e hidroelétricas; a falta de acesso a terra de trabalho que atenda a todo o grupo familiar ou mesmo expropriação destas por grandes fazendeiros e áreas de reflorestamento; os conflitos das populações tradicionais com grileiros e fazendeiros; a falta de políticas públicas direcionadas à agricultura familiar de produção agrícola, extrativista, pecuária ou pesca/mariscagem artesanais; as dificuldades de natureza que acometem as regiões, a exemplo dos períodos de seca no Nordeste.

José de Souza Martins aborda uma questão fundamental em seu livro Exclusão social e a nova desigualdade (2009), no que se refere ao fenômeno da migração inter-regional no país, focando aquelas que se dão no sentido Nordeste/Sudeste. Segundo o autor, desde meados do século XX, a migração tem sido vislumbrada no Brasil como um problema social e o que vem modificando ao longo deste tempo são as maneiras de como este tem sido tratado pelo Estado. Em seus questionamentos a respeito do que consiste essa problemática e para quem, demonstra que toda a construção da migração está pautada na lógica das classes dominantes, tendo ações implantadas a partir dos interesses de dois blocos centrais: os grandes proprietários de terra e as classes médias dos grupos urbanos.

Observando a situação vivenciada pelas comunidades rurais e pesqueiras de áreas litorâneas com praias e de belezas naturais exuberantes, a exemplo da região do Litoral Norte da Bahia, podemos acrescentar que para além destes dois grandes blocos de interesse e poder, há também o bloco de interesse econômico do Estado com o processo de internacionalização dos espaços, por meio da entrada de grupos estrangeiros de grandes redes hoteleiras, sobretudo a partir da década de 1970 (GOMES, 2014).

No caso de Curralinho, por um lado, tem-se o deslocamento como lógica interna do próprio grupo pautada nas regras costumeiras regulatórias e, por outro lado, como resultado da expansão do sistema capitalista com os seus processos de industrialização, modernização e desenvolvimento econômico, com destaque, aqui, para a atividade reflorestadora e a indústria do turismo.

Para o grupo em questão, a migração está permeada pelo constante sentimento de retorno ao seu lugar de origem, como visto anteriormente. No imaginário daquele que migra, o retorno se faz sempre presente, transformando simbolicamente a mobilidade num processo fundamental para a sua comunidade, fundamentada num sentimento de pertença e de identidade social, reverberando na “certeza” de que haverá um começo, um meio e um fim, como acontece nos rituais de passagem.

Porém, na realidade, não há uma temporalidade extremamente deliberada e definida, podendo o meio durar décadas ou o migrante não chegar ao final do processo, isto é, não retornando mais ao seu local de origem, ou ainda permanecendo num processo cíclico de constantes idas e vindas.

Este tipo de migração rural-urbana está pautada também em trocas de comunicação estabelecidas entre quem sai e quem fica. São as trocas subjetivas das mensagens e envio de coisas materiais que favorecem, inclusive, a tomada de decisão para outros indivíduos, dando um caráter ao grupo de grande propensão à migração. “Mandava dinheiro pra cá todo mês e juntei o meu pouquinho pra fazer a minha casa aqui e comprar meu pedacinho de terra que tenho hoje”.[7] Os relatos da vivência na “terra prometida”, e o que ela fornece materialmente para quem fica e para quem vai, criam um imaginário social no qual o lugar de chegada materializa a garantia para a melhoria das condições materiais de existência, fortalecendo a continuidade do ato de migrar comunitário (MABOGUNJE, 2013).

Para o sujeito migrante e seu grupo familiar, a migração, vislumbrada em seus aspectos positivos, funciona como um elemento de equilíbrio interno, oferecendo a oportunidade de facilitar o aumento da renda doméstica, possibilitando a aquisição de produtos que a produção agrícola não mais dá conta de suprir; de transformar-se em comerciante abrindo o próprio negócio em seu lugar de origem (como um mercadinho, bar, restaurante, entre outros); comprar terras para aumentar os espaços de moradia e trabalho familiar, bem como a possibilidade de impedir a fragmentação extrema da terra que será partilhada entre os(as) filhos(as) por meio da herança.

Todavia, em seus aspectos negativos, tem efeitos avassaladores, pois promove intensas mudanças estruturais na unidade doméstica de produção e no próprio grupo social. Em alguns casos, podemos evidenciar: a ruptura do liame familiar e todo o esforço de reordenamento da divisão social do trabalho entre os membros que permanecem; a externalização de toda a miséria, exclusão e desigualdades vivenciada pelo grupo doméstico, o qual percebe em tal ato uma, senão a única, alternativa de amenizar a impossibilidade que o pequeno lote agrícola tem de suprir as necessidades básicas da sua unidade doméstica; e a exposição violenta à exploração do trabalho e de liminaridade social às quais submete-se o sujeito migrante, dentre outros fatores.

O problema, portanto, não está apenas na “duração social” que tem a migração em si, ou seja, no período que o sujeito migrante vivencia a mudança de espaço social e da sua ausência na unidade doméstica de produção, mas, sobretudo, na subjetividade espacializada na migração como parte das relações sociais que permeiam o indivíduo, sua família e seu grupo. Embora possa ser em termos temporais caracterizada como parcial, a exemplo dos deslocamentos destinados aos ciclos de trabalhos temporários nas colheitas de fazendas monocultoras, esta tem efeitos que permanecem de forma duradoura no grupo como um todo (MARTINS, 2009).

A troca sociocultural estabelecida entre os migrantes e o local de chegada, que pode ser ou não acolhedor, é também instituída entre eles e a sua comunidade de origem, fomentando o compartilhamento de outros valores e sentidos. “Na realidade, aquele que migra é sempre um elemento fundamental de reconstrução e reestruturação do seu grupo social; é sempre um novo elo criado e que está a mercê das trilhas e estratégias que serão traçadas por mais um migrante [...]” (CARDEL, 2003, p. 15).

Não é apenas o migrante que tem a sua visão de mundo e o modo de vida e trabalho modificados por conta das trocas culturais realizadas no local de chegada. Mas o seu retorno, ou as idas e vindas, também promove transformações no local de origem. E, em alguns casos, as motivações que a fomentam são reestruturadas em virtude da rede de solidariedade que se forma nesta área externa ao grupo, constituindo-se, muitas vezes, um espaço de extensão deste.

Esses processos modificam as percepções e subjetividades do indivíduo já que é necessário que ele realize constantes trocas culturais no sentido de ganhar espaço nos dois mundos sociais: o de origem e o de chegada. Marcar a diferença não permite ao sujeito migrante inserir-se completamente no espaço de chegada, isto porque seu estilo de vida, cultura, modo de trabalho e visão de mundo são diversos dos praticados no novo local, ainda que ele compartilhe com a rede de solidariedade elementos da nova cultura. Mas, ao retornar a Curralinho, ele já agregou outros valores, noções e experiências e, por conta disso, é visto também com outros “olhares”, pois já não é mais aquele sujeito que era antes de sair de sua terra, não obstante continue sendo um membro ‘nativo’ do seu grupo.

A diferença é latente para aqueles que o recebem, mas também se faz para aqueles que ficam e, essencialmente, para aquele que a vivencia diretamente. O migrante, quando retorna, pode ser completamente aceito ou não por sua comunidade, pois esta pode, de certo modo, realçar os novos elementos que o distinguem daqueles que permaneceram: “Eles apontam para mim: você mudou muito, ficou metido, chato, cheio de coisa...”[8] Neste processo de não ser reconhecido pelos indivíduos do local de chegada e também por ter os seus novos valores e comportamento identificados de forma diferenciada por aqueles do lugar de saída/retorno, o sujeito, na maioria das vezes, não consegue inserir-se totalmente em nenhum dos dois ambientes, vivendo um processo de desconhecimento profundo e constante, o espaço da liminaridade.

Este é o ponto-limite ou a margem que toca de modo contingente o discurso dos outros como sendo próprio, isto é, uma experiência contingente, fronteiriça, aberta no entremeio de dois lugares: o de saída e o de chegada. Nessa perspectiva, Bhabha (2001) dialoga com Lacan e aponta que essa forma de processo se constitui em um novo tipo de espaço marcado por um momento de extemitè – “interior/fora/exterior/dentro”, em torno do qual o discurso simbólico dos grupos sociais vem a se instituir.

A comunidade Curralinho, após as mudanças ocorridas no Litoral Norte, principalmente, a partir da década de 1970, com o reordenamento dos distintos fluxos migratórios, torna evidente a formação deste novo espaço assinalado por uma situação de extemitè: tendo indivíduos do seu interior situados fora e indivíduos do seu exterior posicionados dentro.

É neste novo espaço de extemitè, que se compõe a estratégia de recusa e aceite dentro de Curralinho, estabelecendo a referência do pertencimento diante de um processo discriminatório de ruptura como condição de sujeição de um perante o outro, definindo, portanto: quem é “de dentro” e quem é “de fora” de Curralinho, e mesmo quem é “de fora” e que pode tornar-se um “de dentro” e quem é “de dentro” e que pode tornar-se um “de fora” por conta do seu caráter desviante.

Aqui, a diferença de identidade social entre os indivíduos é realçada, e ter na memória individual o saber cultural tradicional da memória coletiva, construído no espaço e tempo de existência da comunidade, assim como a herança da ancestralidade de seus fundadores, legitima o discurso do saber ancestral da tradição a negar o discurso do saber moderno externo, ou seja, aquele que não possui ligação alguma com o passado de ocupação espacial do grupo, conforme trecho do relato a seguir:

Ei moça, você vai escrever a nossa história, não vai? Desse trabalho aí vai fazer um livro não é? Então coloque aí que na história de Curralinho só existiu cabra valente e que há anos nós ocupa esse lugar e que há anos nós trabalha esta terra aqui. A nossa história do passado é a única coisa que temos de bom e que nos dá a garantia de ficar nesse lugar. Nós pode até não ter o documento de terra, mas tem a história dos mais velho contada na nossa memória. Eu sou o Curralinho, porque o Curralinho também é eu e todo mundo nativo daqui é o Curralinho. Para mim moça... somos um só. Será que vocês da cidade pode entender isso que estou falando? (Entrevistado no 9, 75 anos, novo nativo)

Para tanto, uma análise aprofundada sobre os diversos aspectos que envolvem a migração depende também da compreensão da tríade que a engloba: espaço-tempo-identidade (TARRIUS, 2000). A migração empreende uma troca de espaços, assinalada por uma relação calcada nos tempos, passado-presente-futuro, e nas dimensões social, cultural e econômica. Estas dimensões sofrem constantes modificações ao longo da temporalidade de existência do grupo, fortalecendo ou enfraquecendo a identidade do indivíduo, bem como a sua identidade social.

Segundo Tarrius (2000), a identidade quando baseada no sentimento de pertencimento a um grupo social é gestada nas sequências temporais que imprimem um ritmo próprio de vida e de utilização de um espaço, ou seja, é a relação estabelecida entre o espaço e o tempo que constrói a identidade deste. A migração propõe uma mudança de lugar/espaço, gerando um novo tempo, um novo ritmo de vida e de trabalho, e quase sempre fragmentando a identidade dos indivíduos migrantes sem que se fortaleça uma outra identidade, além de promover mudanças significativas na gestão da pequena propriedade familiar.

A questão em voga é que a identidade é de fato diluída sob a égide da relação estabelecida entre a temporalidade e a espacialidade. A exclusão, repressão e estigmatização do outro, neste caso o migrante, relacionam-se ao fato deste não pertencer ao novo contexto espacial dentro de uma temporalidade definida como a constituidora daquela identidade coletiva de lugar. Como esta é também relacional, é preciso para o grupo/sociedade definir os critérios de pertencimento, marcando a diferença entre os sujeitos.

É por isso que ao migrante é quase que vedado o direito de expor a sua cultura, forçando-o a internalizar os novos códigos e símbolos culturais, mas sempre demarcando o seu traço de distinção, ou seja, contrapondo a diferença que faz as duas identidades coletivas existirem, a de ser “de dentro” e ser “de fora”, vivenciadas tanto no lugar de saída, quanto no lugar de chegada (SILVA, 2009).

 

Sair, chegar, retornar, permanecer

As rotas migratórias da comunidade Curralinho estão intrinsecamente relacionadas a um movimento interno estratégico de regulação da ordem socioeconômica comunitária e, sobretudo, à intervenção do Estado que instituiu mudanças profundas na composição social, ambiental e econômica da região. Neste caso, destacam-se três elementos, os quais promoveram a desapropriação das famílias e comunidades inteiras, expulsando-as de seus territórios tradicionais de uso, suas terras de trabalho e espaços de moradia, são eles: i) a internacionalização do espaço para o desenvolvimento de um mercado consumidor de um turismo de alto padrão de luxo, pautado na construção de grandes empreendimentos hoteleiros como resorts e hotéis; ii) a construção da rodovia estadual BA-099 (estrada do Coco/Linha Verde), que repartiu os territórios tradicionais ao meio; e iii) o cercamento das terras e da expansão das florestas homogêneas de pinus e eucaliptos com a implantação do Distrito Florestal do Litoral Norte da Bahia (DFLN) associada ao crescimento da indústria de celulose.

A comunidade em questão sempre esteve marcada internamente como lieu de départ (LEE, 2013) ou seja, por um constante movimento de saída de seus membros, constituindo estratégia de sua organização socioeconômica. O problema é que o desenvolvimento econômico e turístico, proposto pelo governo estadual a esta região, alterou esta configuração, ampliando os impactos negativos provocados por outras rotas de mobilidade realizadas por indivíduos externos ao grupo. Curralinho torna-se, também, um lieu de destination (LEE, 2013), ou seja, um lugar de chegada, e novas relações sociais são instituídas, nutrindo-se de uma posição defensiva para a manutenção do seu espaço territorial e simbólico e de suas tradições socioeconômicas e culturais, ativando, com isso, as lembranças que compõem a memória coletiva como elemento constituidor de uma identidade social de grupo.

A perda de grandes parcelas do território – terras, matas e rios – tem funcionado como um vetor de expulsão dos moradores locais que se percebem expropriados e sem áreas de trabalho onde possam desenvolver as suas atividades tradicionais de produção econômica, base de sustentação familiar. Neste caso, famílias inteiras se deslocam ou alguns indivíduos se veem obrigados a sair para manter aqueles que permanecem num espaço diminuto.

Todavia, a chegada dos megaempreendimentos hoteleiros e a implantação das florestas homogêneas de pinus e eucaliptos trazem consigo uma demanda de trabalho e emprego que não pode deixar de ser considerada, ainda que não seja o almejado por estas famílias. Este elemento funciona como um vetor de atração promovendo: i) a indução de várias pessoas e famílias inteiras de outras regiões do estado da Bahia e do país a deslocarem-se para o Litoral Norte; e ii) para aqueles que já são desta localidade de abortarem o seu projeto de saída para permanecerem. Mas é preciso ressaltar que o turismo e o reflorestamento são também considerados um vetor de expulsão, na medida em que promovem o deslocamento forçado das populações locais, por motivos de desapropriação das terras de trabalho e moradia para construção de suas instalações.

Diante deste quadro de interferências, é notório o constante vai e vem de pessoas pertencentes ou não à comunidade em questão, assinalando-a como um lugar de saída e lugar de chegada. Nesse sentido, os diversos tipos de rotas migratórias que circulam entre a saída e a chegada têm uma série de elementos que devem ser considerados na análise, os quais poderíamos classificar de obstacles intermédiaires, isto é, obstáculos intermediários (LEE, 2013). Cada uma destas rotas tem: i) uma direção a seguir; ii) sentidos individuais e coletivos específicos que determinam a ação dos migrantes; iii) impactos diferenciados sobre o grupo se considerado de saída e de chegada; e iv) indivíduos, famílias ou grupos peculiares que se encontram inseridos nos diversos tipos de mobilidade.

Destarte, na medida em que identificamos em campo tal diversidade de movimentos e de situações, tornou-se de suma importância categorizarmos as rotas migratórias. Em Curralinho percebemos, então, quatro tipos de rotas: 1) saída; 2) chegada; 3) retorno; e 4) permanência. Ao avaliá-las de acordo com os obstáculos intermediários que as estruturam, chegamos à seguinte categorização das migrações que influenciam diretamente a sua dinâmica socioeconômica: a) migração das estratégias familiares; b) migração da permanência; c) migração da atratividade; e d) migração às avessas.

 

As rotas migratórias e os tipos de migração

Os eventos externos à comunidade – como o cercamento das terras, a construção da rodovia estadual BA-099, a plantação dos maciços de pinus e eucaliptos pelas empresas reflorestadoras e a implantação de megaempreendimentos hoteleiros – alteraram a sua dinâmica socioeconômica e cultural, acarretando uma luta interna constante entre a tradição e o moderno na perspectiva de permanecer e se reproduzir como um grupo centenário. Esse fator promove também grandes influências nas rotas migratórias e impactam as relações de sociabilidade, reciprocidade e solidariedade entre os distintos grupos que habitam e transitam na região. Assim, a perspectiva é mostrar os fluxos migratórios entre a permanência e a mudança que tem se entrelaçado, ora conservando os antigos traços da tradição, ora inserindo novos elementos.

 

Migração das estratégias familiares

O que viemos a denominar de migração das estratégias familiares, no contexto de Curralinho, diz respeito ao movimento de saída realizado exclusivamente pelos “nativos”. Isto não significa que outras comunidades tradicionais do Litoral Norte não se utilizem desta estratégia, mas aqui, a análise parte da perspectiva interna ao grupo. A situação de extemité vivenciada é marcada pela relação dicotômica entre interior/fora e sua análise inversa de fora/interior.

A migração das estratégias familiares sempre foi realizada pelos curralenses como um movimento de saída, anteriormente praticado com mais intensidade em comparação ao momento atual, mas obviamente pautada pela expectativa de manter a regulação do equilíbrio da unidade doméstica de produção. Esta insere a comunidade na perspectiva de lugar de saída, incitando seus membros a migrarem a partir da ideologia interna e da situação de instabilidade econômica vivenciada e, portanto, funciona como uma estratégia de reprodução e manutenção do modo de vida e trabalho local.

Por mais que a liberdade individual seja valorizada, e obviamente a decisão final de migrar seja do indivíduo, as regras que fundamentam a dinâmica social do grupo mantêm o seu lugar de legitimidade perante o sujeito. “As descontinuidades, as incoerências e as desorganizações fazem parte de qualquer sistema social e o processo migratório, por envolver prioritariamente a mudança, é um elemento demonstrativo sine qua non das transformações do cotidiano [...]” (CARDEL, 2003, p. 16). Por isso, a denominação “estratégias familiares” lhe cai bem, pois, de fato, tratam-se de táticas que a unidade doméstica de produção se vale para sobreviver como tal.

O conceito de estratégia utilizado por Alexander V. Chayanov (1974) pode expressar claramente o significado desta ação para o grupo em questão. “[...] funciona como um conjunto de ações conscientes e planejadas de que a família se utiliza para alcançar seus objetivos [...]” (CHAYANOV, 1974 apud SCHNEIDER, 2003, p. 107-108). Nesse sentido, podemos destacá-la como uma forma de adequação às necessidades impostas por um novo contexto instaurado e que, muitas vezes, não permite uma real satisfação das carências familiares, tornando-se essencial a busca por outras formas de atendimento das novas e antigas demandas. Para superar as dificuldades, os grupos domésticos se utilizam de tais estratégias, tendo por perspectiva superar ao menos a reduzida renda fomentada pela baixa produtividade e a fragmentação extrema da terra de herança, conforme demonstra o trecho do relato a seguir:

Quando eu viajei [migrou] pra São Paulo eu fui trabalhar por lá no ramo da construção civil [...]Eu fui mesmo porque queria me casar e aqui não tinha lugar pra todos os filhos de meu pai; a terra dele era muito pequena. (Entrevistado no 10, 65 anos, nativo de fato – grifo nosso)

Assim, a própria comunidade elencou três principais fatores que ocasionam a migração dentro deste quadro das estratégias familiares, são eles: i) o desequilíbrio na relação consumo-produção;[9] ii) a partilha da terra por herança e iii) a desapropriação dos espaços produtivos.

Esta estratégia da migração incita os sujeitos a entrarem na rota de saída, porém sempre com a expectativa do retorno. É por isso que os indivíduos que se inserem na migração das estratégias familiares não se vislumbram como migrantes, mas como viajantes. Tais fatores elencados não devem ser ponderados separadamente, pois se articulam e cada um possui um significado distinto na composição das motivações do fenômeno.

 

Migração da permanência

O que estamos chamando de migração da permanência diz respeito a um movimento de dentro para dentro, inserido na rota permanecer, ou seja, um ato praticado por indivíduos externos a Curralinho, mas que seguem em direção a este território, buscando estabelecer laços de fixidez. Aqui tem-se uma ação praticada por um sujeito coletivo, isto é, a própria família vislumbrada como uma unidade, a qual determina  Curralinho como um lugar de chegada.

É importante ressaltar que embora estas famílias sejam externas ao grupo ora analisado, são constituídas por “nativos” do Litoral Norte e possuem instituídos previamente algum grau de parentesco e compadrio, ou ainda liames de vizinhança entre si. É, inclusive, esse grau de parentela e reciprocidade instituído, a priori, que impulsiona os deslocados pela desapropriação dos grandes empreendimentos a procurarem estabelecer residência nesta comunidade.

Muitas famílias da região do Litoral Norte foram praticamente forçadas a deixar o seu lugar de origem, cujos espaços de produção e moradia tradicionais foram suplantados pelos maciços de pinus e eucaliptos, pelo arame farpado das grandes fazendas, pelo asfalto da rodovia e pelo concreto dos megaempreendimentos hoteleiros.

É mister elucidar que a escolha do termo permanência não diz respeito apenas a continuar morando na região do Litoral Norte, mas, e sobretudo, à tentativa de manter um modo de vida sociocultural, pautado pelas práticas de trabalho tradicionais desenvolvidas por aqueles que sempre trabalharam a terra, as matas e os rios e que herdaram esse “saber-fazer” de seus antepassados e receberam como missão a perpetuação deste conhecimento. Migrar para Curralinho significa continuar roçando a terra, extraindo a palha de piaçava das matas, elaborando os artesanatos e utilizando o rio Sauípe para pescar sempre que necessário e possível, conforme trecho de relato a seguir:

Eu vim pro Curralinho porque a terra era mais barata e mais perto de onde morei. Nós já tinha parente aqui, aí tudo ficou mais facinho. Lá em Sauípe, nós pescava, fazia artesanato e trabalhava na roça. Aqui nós tem a possibilidade de continuar com a vida parecida, fazendo artesanato pros hotel e trabalhando na roça também. (Entrevistado no 4, 39 anos, nova nativa)

Esse nativo que chegou a Curralinho como um “de fora” foi incorporado como um “de dentro”, justamente por manter relações de solidariedade, sociabilidade e confiança anteriormente constituídas entre si. O fato de serem parentes por consanguinidade (parentesco) ou por afinidade (compadrio) deu àquele que chegou, inserido na rota da permanência, o privilégio de compartilhar uma descendência que está vinculada às famílias fundadoras e de uso tradicional da terra e das matas nativas locais, legitimando-o a tornar-se um membro interno. A situação de extemité exterior/dentro, inicialmente vivenciada por esse migrante, foi consumada e o sujeito saiu desta condição, sendo incorporado definitivamente como um membro dentro/dentro. É assim que nasce a categoria do “novo nativo”, pois ainda que seja um “nativo” da região ele não é nato de Curralinho, mas passou a ter todos os direitos que o “nativo de fato”, na medida em que outros elementos e indivíduos externos à região também adentram a localidade e tornam-se um inimigo muito maior de combate.

Para Bourdieu (1998), esse sistema de trocas se processa e constitui-se por meio do (re)conhecimento dos atores envolvidos. Este fato reforça a dominação simbólica, sem que esta seja percebida como um ato de submissão deste outro. Não se trata apenas de se perceber como um “morador de dentro”, mas, principalmente, de ser reconhecido pelos “nativos de fato” como tal, pois são estes que possuem a legitimidade de lugar para determinar quem realmente poderá assim ser incorporado ao grupo, conforme verificamos no relato seguinte:

A terra que já tá pouco para os nativos daqui, fica menor ainda quando chega os nativo de lá e a gente tem que dividir com eles. Não tem como não dividir, né minha filha? Eles é parente nosso, é daqui da região, sabe trabalhar a terra como nós e tá precisando desse espaço aí, né? (Entrevistado no 10, 65 anos, nativo de fato)

A esse sujeito que se encontra no deslocamento forçado lhe é negada a capacidade de racionalizar os códigos ambivalentes instituídos por meio das relações sociais, porque está inserido em uma situação de perdas profundas que o caracteriza, ainda que temporariamente, como um migrante no lugar de chegada.

 

Migração da atratividade

Por sua vez, a migração da atratividade só reforça o caráter distintivo entre os indivíduos que atualmente residem no território de Curralinho, fortalecendo o sentimento de pertença dos ‘nativos’ e “novos nativos” e da identidade social do grupo. Está inserida na rota de chegada e assinala a comunidade como lugar de chegada daqueles indivíduos externos à região e que não possuem nenhuma ligação de parentesco consanguíneo ou espiritual, ou qualquer outro tipo de relação com o território local. Sendo assim, está na situação de extemitè exterior/dentro.

Os “chegantes” são aqueles que não pertencem ao grupo, haja vista terem fixado residência na localidade. Estes foram demarcados em duas categorias êmicas: i) “novos moradores”, reconhecido como “invasores” – aqueles que deslocaram a família inteira, e ocuparam sem permissão, conforme os relatos, a terra ancestral de Curralinho; e ii) “moradores de fora” também denominados “veranistas” – os quais possuem, de fato, uma propriedade na localidade. Todavia, não há uma pretensão da sua parte de tornar-se um morador, não obstante a população local o enquadre como tal, mas pertencente à categoria dos “de fora”. “Esse povo aí tem gente que é de Salvador. Eles veraneia, comprou terreno, fizeram casa e só vem no final de semana”.[10]

Na perspectiva de atender à proposição conceitual da migração da atratividade, enfatizamos como migrante a figura do “novo morador”, o qual compõe a categoria do “morador de fora”. Este sim é ocupante permanente da área denominada Novo Curralinho ou, para os “nativos”, da “área da invasão”. Embora ao fixar moradia este ganhe status de membro de Curralinho, não é vislumbrado e reconhecido por seus integrantes “nativos” como pertencente ao grupo. Ser membro/morador não significa necessariamente ser residente, pois para pertencer, de fato, é preciso ter a memória coletiva da ancestralidade e temporalidade de existência do grupo e das formas de utilização das diversas atividades tradicionais diluídas na concepção de espacialidade, as quais legitimam os “nativos” como “originais”.

Nessa área da invasão [Novo Curralinho], o pessoal trabalha com a terra e tem criação também. Eles é pessoal de fora e tem uns anos que invadiram aqui. [...] Nós não se mistura com esse povo de fora não. É eles lá e nós cá. (Entrevistado no 8, 29 anos, nativa de fato)

Para integrar o grupo é preciso compartilhar conhecimentos, impressões, recordações e formas de representações sociais e simbólicas desde o início do processo de socialização do indivíduo, herdados outrora dos antepassados e difundidos no presente pelos descendentes. É de suma importância compreender que é este sentimento de pertença que define quem são os sujeitos que devem ou podem ser incorporados como “de dentro” em oposição àqueles considerados “de fora”.

A chegada desse “novo morador” também está condicionada ao desenvolvimento econômico e turístico do Litoral Norte. A maioria desta população integrava o quadro de recursos humanos que trabalhou diretamente na construção do trecho Linha Verde da rodovia BA-099 e daqueles absorvidos para a construção dos empreendimentos hoteleiros. Com a finalização das obras, os canteiros foram suspensos e os trabalhadores dispensados, tendo que deixar os alojamentos. Alguns, então, com o dinheiro recebido na rescisão contratual de trabalho, compraram pequenos lotes de terra em áreas das comunidades locais e fixaram residência.

Essa decisão de algumas famílias se deslocarem para Curralinho tem a ver também com as características convergentes do modo de vida e trabalho executados no lugar de origem desses migrantes em relação ao lugar de chegada. O fato de já trabalharem a terra anteriormente ao processo de migração os induziu a ocupar espaços em que pudessem retomar as suas atividades, afinal a migração da atratividade funcionou para eles como uma estratégia familiar e, posteriormente, como um movimento definitivo de reprodução (LEE, 2013).

Já os “veranistas” se veem como um turista que busca regiões mais distantes, tranquilas, geralmente de exuberante beleza cênica natural para aproveitar o seu tempo do não trabalho, descansando e “fugindo” da sua rotina diária de atividades desgastantes e estressantes. O local de chegada para ele nada mais é do que a possibilidade de esvaziar a sua mente das questões e problemas laborais. Essa fuga da rotina torna-se a responsável por estruturar a sua tranquilidade e o seu (re)equilíbrio quando do retorno à sua vida cotidiana.

A ligação estabelecida entre os “veranistas” e os “nativos” não é de proximidade, mas de distanciamento, definida apenas pela dual relação de trabalho patrão-empregado firmada entre eles. Alguns “nativos” são empregados dos “veranistas”, tendo a função de cuidar e guardar as residências destes, ou de manter a limpeza dos imóveis para o seu retorno. Há também uma relação baseada na dualidade de forma êmica citada como cliente/freguês, com a venda dos artesanatos e dos produtos provenientes dos quintais e roçados dos nativos para os veranistas.

Segundo Jost Krippendorf (2009), esse movimento pendular de idas e vindas assume o papel das múltiplas interações entre o cotidiano e o anticotidiano. Nesse sentido, essa estrutura pautada no “trabalho-moradia-lazer-viagem” produz efeitos positivos e negativos sobre o local que o recebem, assim como sobre a sua população.

Por este motivo, os “veranistas” não são aqui tratados como migrantes/viajantes dentro desta rota de chegada da migração de atratividade, mas como elementos circulantes nela inseridos. Por um lado, é preciso destacar que a sua presença provém, em grande parte, de motivações que foram constituídas a partir dos fatores externos inscritos na proposta de desenvolvimento turístico direcionada ao Litoral Norte. Por outro lado, cabe salientar que ela também é responsável por gestar modificações na estrutura socioeconômica local, na medida em que a população “nativa” se vê obrigada, até certo ponto, a estabelecer novas formas de convívio com este grupo totalmente diverso do seu.

 

Migração às avessas

O que temos de distinto entre os três primeiros tipos de migração e o que descrevemos agora, ou seja, a migração às avessas, é algo que já se dava em um ambiente de retorno daqueles que migravam pelas estratégias familiares, mas que por ação de um novo contexto socioeconômico instaurado na região do Litoral Norte reestrutura o sentido da ação e as suas consequências para o grupo em questão.

Portanto, a migração às avessas está contida na rota migratória do retorno, imputando a Curralinho o título de lugar de chegada. Os indivíduos que nela se inserem são os “novos nativos” e os “nativos de fato” que já se encontravam no movimento de migração das estratégias familiares, em razão de qualquer um dos fatores supramencionados, e que retornam ao seu lugar de origem, atraídos pela força centrípeta espargida pela perspectiva do desenvolvimento econômico e turístico local, mesmo que ainda não tenham alcançado o objetivo que os levou a migrar. O retorno aqui é antecipado.

Pela rede de parentesco já estabelecida nas cidades como Salvador e São Paulo, estas constituíam-se os principais locais de chegada dos “nativos” de Curralinho. Mas, cabe salientar, como bem mostra Woortmann (2009), que a referência a São Paulo não é necessariamente esta cidade em si, mas pode ser qualquer outro lugar. Percebemos nas narrativas que o que era chamado de São Paulo poderia ser também Curitiba, Sergipe, Maceió, Belo Horizonte e Florianópolis. Estas cidades juntas representavam o duplo sentido da palavra saída: seja deixando para trás seu lugar de origem e tornando-se, mesmo que temporariamente, o novo espaço social dos migrantes, seja como solução dos problemas mais emergênciais das famílias. Mas, à época dos trabalhos de campo, São Paulo passou da representação de “terra prometida” para a “terra do nunca”, por conta de toda dificuldade de moradia e emprego que os migrantes curralenses vinham enfrentando em seus processos migratórios.

No contexto atual, o desenvolvimento do turismo na região transformou a situação local aos olhos dos migrantes, colocando o Litoral Norte como a própria São Paulo por ofertar o que eles próprios buscavam com esse deslocamento, isto é, o trabalho. O lugar de origem agora tem fornecido, ainda que não seja de maneira adequada nem com acesso a todos os “nativos”, a possibilidade de tornar-se um trabalhador de fato, de assinar a carteira de trabalho, ou seja, tornar-se “fichado”. Por isso, a oferta dos novos postos de trabalho das empreiteiras da construção civil, dos empreendimentos hoteleiros e das empresas reflorestadoras insere esses já migrantes para além da rota de saída/retorno, isto é, no novo sentido da rota migratória de retorno. Eles saem da condição de extemité interior/fora e retornam ao local de origem pela condição de extemité exterior/dentro, como aponta o relato a seguir:

Eu fui pra lá por conta dos pinus que tiraram nossa terra e eu precisava encontrar uma forma de manter a minha família aqui. Aí eu fui pra lá e fiquei por lá uns oito anos e depois retornei pra minha família de novo, porque já se tava fazendo o Costa do Sauípe aqui. E como lá eu era fichado como pintor, vim tentar essa boquinha aqui perto de casa mesmo. (Entrevistado no 13, 72 anos, nativo de fato)

Nesta perspectiva, a migração de retorno tem ocorrido antes do tempo previsto, não apenas porque não se alcançou os objetivos a que se propunha com esta ação, mas, sobretudo, porque se pretende transferir o local de concretude deste. Assim, o que se faz em outro estado para angariar recursos financeiros pessoais e aumentar a renda familiar agora pode ser realizado em seu próprio lugar de origem, reduzindo, com isso, custos e problemas com a viagem. O retorno aqui baseia-se em tais elementos externos e no momento da decisão diz respeito mais a um desejo do indivíduo do que necessariamente do seu próprio grupo familiar.

Na concepção daqueles que migraram, as narrativas revelaram que Curralinho tornou-se o próprio “Jardim do Éden”, na medida em que puderam retornar ao seu local de origem, voltando a morar com seus familiares, dando um tempo do seu trabalho na unidade doméstica de produção e ainda sendo “fichado” nas empresas que atuam na região, sem necessariamente precisar residir fora da sua localidade de origem, ou seja, de estar inserido na migração.

“São Paulo” era representada como a capital da realização, da admiração e dos sonhos. Era o ponto de encontro, o destino final desta população, mesmo que o ideal de retorno fosse latente na mente do migrante e ele quase sempre se processasse. Em contrapartida, atualmente é também vislumbrada como a capital do horror, da violência, do desemprego, da miséria, do tempo célere desgarrado da relação tempo-espaço-identidade. É o lugar onde filho chora e mãe não vê”. Verifica-se, portanto, a convivência, em um mesmo espaço, de representações dúbias e excludentes entre si. Este processo gesta e intensifica o conflito interno instaurado entre os desejos do indivíduo e a lógica de reprodução familiar, facilitando o retorno antecipado.

Por isso, é preciso considerar que, para além deste contexto de desenvolvimento local, há o fato de que ir para o centro urbano, mesmo para este grupo que já possui uma rede de segurança e solidariedade no lugar de chegada, nem sempre tem se traduzido em benefícios ou soluções para os problemas imediatos do sujeito migrante e/ou da sua família. As dificuldades que vinham enfrentando estavam descaracterizando os objetivos iniciais, pois havia aqueles que nada conseguiam e ainda contraíam dívidas.[11] Assim, no local de chegada, esse migrante percebia que o “Jardim do Éden” se transformou na “terra do nunca”, e se via como Eva após comer a maçã: sem caminho, sem rumo e destinado a vivenciar o sofrimento da mortalidade das suas motivações. Nestes casos, retornar era preciso e os empreendimentos do Litoral Norte transformaram-se na solução para os seus fracassos.

Com o retorno destes migrantes à comunidade, novas percepções são inseridas no grupo e os/as jovens, a despeito de todo embate entre tradição e modernidade, passam a vislumbrar como trabalho apenas as funções desempenhadas nas grandes empresas capitalistas, deixando de lado o trabalho tradicional. “Lá eu sou fichado, tenho a carteira de trabalho registrada, tenho meus direitos, eu sou alguém na vida. E na roça não. Na roça eu não tinha nada disso. Eu trabalhava para minha família e não tinha garantia nenhuma”.[12] Em oposição ao passado, eles/as têm construído no presente um tempo futuro direcionado pela busca do acerto e da inclusão social relacionado à ideia de inserção no mundo do trabalho “fichado”, ou seja, assalariado.

 

Considerações finais

Vimos que, de fato, o desenvolvimento econômico e turístico vem se estruturando na região do Litoral Norte e acarretando novas concepções nas ocupações e usos do território comunal, nas relações de sociabilidade, na percepção cultural, bem como na (re)estruturação de antigas e novas rotas migratórias. No caso da comunidade ora analisada, a coexistência das práticas de atividades tradicionais com novos modelos de trabalho constitui-se estratégia de sobrevivência e permanência das famílias em seu local de origem, buscando manter a centralidade das normas e regras costumeiras próprias ao grupo.

O espaço comunal reconfigura-se e a importância de ser aquele destinado às práticas de trabalho tradicionais de reprodução das unidades domésticas tem se tornado o lugar das novas relações sociais conflituosas, constituídas entre os indivíduos internos e externos ao grupo. A chegada dos estranhos eventos, sobretudo da rodagem e do turismo, forçou as famílias locais a entrarem na rota de migração da permanência, a qual não se fazia como estratégia do grupo e cujo ato de deslocar tornou-se obrigação e única forma de sobrevivência. Por isso, tem assinalado e aprofundado as diferenças socioeconômicas e culturais entre os estabelecidos, ou seja, os “moradores de dentro”: “nativos de fato” e “novos nativos”, e os distintos níveis de outsiders: a) os “moradores de fora”: “novos moradores” e “veranistas” (ELIAS; SCOTSON, 2000).

Entretanto, este mesmo espaço que distingue também proporciona o sentimento de coesão àqueles que dele fazem parte. Esta identidade social gestada nas fissuras deste conflito da legitimidade, calcada no pertencimento, tem dedicado uma importância profunda à memória coletiva como o seu principal ingrediente aglutinador. As lembranças trazem a temporalidade de vivência em comum no território socioeconômico, firmadas nos saberes tradicionais, na sociabilidade, nas relações de parentesco, compadrio e vizinhança.

Este fluxo de deslocamento intenso tem demarcado Curralinho como lugar de chegada (lieu de destination) e saída (lieu de départ) inserindo novos elementos na organização interna, no direito consuetudinário e na percepção do grupo, que se vê ameaçado pelas famílias externas. Essa situação de extemitè dá o tom das novas dualidades vivenciadas e a discussão constante de como superá-las. Assim, pensar o local com uma função de promoção da “saída”, mas também de “chegada” é a forma que o grupo interno definiu para estabelecer quem é “de dentro” em contraste com o externo, utilizado para demarcar quem é “de fora”. Pelo processo da migração, quem é “de dentro” torna-se “de fora” e quem é “de fora” pode tornar-se ou não “de dentro”. Desse modo, a relação “interior-fora/exterior-dentro” traduz toda a circunstância de um único lugar vivenciar a contradição de ser visivelmente demarcado de maneira duplamente extrema como um lieu de départ e um lieu de destination.

 

 

Referências

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Como citar

ANUNCIAÇÃO, Diana. Lugar de saída e lugar de chegada: uma análise dos fluxos migratórios em uma comunidade rural no litoral norte do estado da Bahia. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 355-377, jun. 2021. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v29n2-5.

 

 

 

 

Diana Anunciação

Professora Adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Doutorado em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (PPGCS/UFBA).
diana.anunciacao@ufrb.edu.br
https://orcid.org/0000-0002-7579-1674
http://lattes.cnpq.br/1283988190583054

 

 

 

 

 

 

 

 

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[1] Professora Adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Doutorado em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia (PPGCS/UFBA). E-mail: diana.anunciacao@ufrb.edu.br.

[2] A escolha pela técnica da história oral partiu do fato de que pretendíamos compreender o contexto comunitário e não as histórias de vida. Assim, as narrativas sobre os acontecimentos históricos nos permitiu elaborar um quadro teórico e de categorias dos “eventos” e de seus significados históricos em sua relação com o tempo e o espaço da comunidade em questão (CALDAS, 1999; DEBERT, 2004; SILVEIRA, 2007).

[3] As leis da migração de Ravenstein determinam sete fatores como essenciais para caracterizar e definir a migração como tal (PICHÉ, 2013).

[4] “A migração é definida, em sua grande maioria, como uma mudança permanente ou semipermanente de residência” (LEE, 2013, p. 105. Tradução nossa).

[5] A unidade doméstica de produção é um conceito cunhado por Alexander V. Chayanov (1974), que busca compreender o cálculo do trabalho da família camponesa. Ele agrega o somatório do trabalho da família nas atividades agrícolas e nas atividades não agrícolas destinadas à manutenção do consumo interno, suprindo as necessidades básicas, ou seja, o mínimo vital.

[6] Para fins metodológicos, discutimos a noção de migração interna rural-urbana-rural, apontando-a como estratégia e elemento de regulação da sobrevivência e manutenção dos grupos e comunidades rurais. Portanto, não priorizamos uma discussão sobre o direito humano a migrar, conforme previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, porque, a rigor, os trabalhos que se fundamentam nesta discussão, bem como a própria Lei federal no 13.445 de 24 de maio de 2017, a qual institui a Lei de Migração no Brasil, estão centradas na discussão sobre uma migração em âmbito internacional, abordando a imigração e a emigração.

 

[7] Entrevistado no 10, 65 anos, nativo de fato.

[8] Entrevistado no 10, 65 anos, nativo de fato.

 

[9] Aqui analisado na perspectiva teórica de Alexander Chayanov (1974).

[10] Entrevistado no 1, 64 anos, nativa de fato.

 

[11] Obviamente não podemos negar que há também sujeitos que não retornaram mais e ainda aqueles que não se comprometiam com o envio dos recursos para os seus familiares. 

[12] Entrevistado no 14, 25 anos, novo nativo.