ESA_logo.png

v. 29, n. 2, junho a setembro de 2021, p. 304-331
Recebido em 10 de fevereiro de 2021. Aceito em 30 de abril de 2021.



Políticas de desenvolvimento e da natureza:

a pesca artesanal no processo de ambientalização da política pesqueira no Brasil

Development and nature’s policies: artisanal fishing in the environmentalization of fishery policy in Brazil

 

DOI: 10.36920/esa-v29n2-3

 

orcid_id.png  Carolina Cyrino [1]    |    orcid_id.png  Aline Trigueiro[2]




Resumo: O artigo discute o processo de ambientalização da política pesqueira executado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), entre 1989 e 1998, e problematiza as suas repercussões, incluindo as penalizações dirigidas à atividade da pesca artesanal. Por ambientalização entendemos o modo como os ideais do desenvolvimento sustentável (DS) foram incorporados ao corpo da política ambiental brasileira, nesse período, e seus modos de reverberação na política regulatória da pesca artesanal, por meio de uma justificativa tecnicista (em moldes ecológicos) à modernização do referido setor. Todavia, mostramos que esse anseio modernizador já havia tido início com a criação das colônias de pesca pela Marinha do Brasil, na década de 1920, assumindo, contudo, um novo direcionamento com a atuação do Ibama. Como resultado, houve o aprofundamento da estigmatização dessas populações pescadoras e a instituição de formas de controle dos seus modos de vida, das suas técnicas e do saber artesanal.

Palavras-chave: política pesqueira; pesca artesanal; processo de ambientalização; desenvolvimento sustentável; Ibama.

 

Abstract: This article approaches the environmentalization of fisheries policy carried out by the Brazilian Institute of the Environment and Renewable Natural Resources (IBAMA), between 1989 and 1998, and outlines its repercussions, including the penalization that this brought to artisanal fishing. We consider as environmentalization the way in which sustainable development (SD) ideals were incorporated into the body of Brazilian environmental policy (during the 1990’s), promoting deep consequences in the regulatory policy toward artisanal fishing, by means of a technical justification (in ecological terms) to the modernization of the sector. However, this demand for modernization had already started in the 1920's, when fishing colonies were created by Brazilian Navy, but it gained a new direction with IBAMA’s performance. As a result the fishing population was stigmatized, instituting an increase in the means of control over their lives, techniques and artisanal knowledge.

Keywords: fishery policy; artisanal fishing; environmentalization; sustainable development;  IBAMA.

 

 

 

 

 

Introdução

A política voltada para a pesca artesanal no Brasil carregou sempre um caráter de espólio. Ela tem suas raízes na ideia de modernização já desde os seus primeiros atos regulatórios, os quais resultaram na criação das colônias de pesca, ainda no início do século XX. Naquela época, a proposta era transformar esse contingente de pessoas, os pescadores, em uma possível reserva naval para a Marinha brasileira e, posteriormente, como mão de obra dirigida à indústria da pesca (RAMALHO, 2014; CYRINO, 2018). Na ordem do dia havia um clamor pelo progresso do país, materializado nas primeiras décadas do século XX nas ações modernizadoras voltadas às atividades econômicas, como também às formas de trabalho. Esse ideal foi amalgamado pelo projeto nacional-desenvolvimentista durante a Era Vargas, com interesses claros de controle e tutela da atividade pesqueira. Desde então, os enfoques dados à industrialização (via expansão da pesca de grande escala) e à exploração dos recursos ambientais foram preterindo a atividade artesanal dentro de um projeto de desenvolvimento nacional, que se intensificou, sobremaneira, na década de 1970, com os grandes empreendimentos industriais.

De outro lado, havia a problemática ambiental que passou a ser incorporada na política pesqueira – de forma mais contundente e sistemática – a partir da década de 1990, sob o enfoque conservacionista. Foi esse o período em que ocorreu a criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (Ibama), no ano de 1989, órgão responsável pela gestão do setor pesqueiro até 1998. Nessa época, a atividade pesqueira enfrentava uma crise de escassez dos recursos marinhos, proveniente, dentre outros fatores, da expansão da industrialização do setor e da superexploração da pesca. Todavia, no correr desse processo continuaram a se intensificar as ações em prol do controle e modernização da pesca e tecnificação do setor, em concomitância, agora, com os regulamentos restritivos à própria atividade (que incidiam de forma mais direta sobre o pequeno pescador).

O presente artigo tem por objetivo discutir, especificamente, o processo de ambientalização da política pesqueira, que consideramos ter ocorrido de 1989 a 1998, sob o protagonismo do Ibama. O termo em questão – ambientalização –, embora seja um neologismo, não é propriamente novo no campo acadêmico, pois já havia sido apresentado nos estudos de Leite Lopes (2004, 2006) quando ele tratou de entender os modos como a questão ambiental se tornava uma “nova fonte de legitimidade e de argumentação nos conflitos” (LEITE LOPES, 2006, p. 36). O autor havia acenado para um processo histórico de amplo espectro ganhando corpo desde os anos de 1970, “implica[ndo] simultaneamente transformações no Estado e no comportamento das pessoas (no trabalho, na vida cotidiana e no lazer)” (LEITE LOPES, 2006, p. 36). Ou seja, um processo de incorporação da temática ambiental como questão pública, abarcando o âmbito da intimidade até as esferas institucionais, incluindo a criação de novas políticas ambientais. Essa abordagem de Lopes é deveras significativa para o que aqui estamos apresentando.

No caso do recorte direcionado à política pesqueira artesanal, consideramos que o processo de ambientalização diz respeito à interiorização dos ideais do desenvolvimento sustentável (DS) no corpo da política ambiental brasileira, já na década de 1990, trazendo reverberações à política regulatória da própria pesca artesanal, por meio de uma justificativa tecnicista (em moldes ecológicos) à modernização[3] do referido setor. Segundo propomos, isso teria iniciado majoritariamente durante a gestão do Ibama (1989-1998), conforme abordaremos. Sabemos, entretanto, que esse processo analisado não se esgota na década em questão – anos 1990 –, todavia, consideramos que o recorte histórico selecionado revela apontamentos importantes para se compreender as ações políticas voltadas à pesca artesanal e aos processos de desenvolvimento e/ou exclusão das populações pesqueiras.

A escolha metodológica foi dirigida à análise de conteúdo de documentos de caráter legislativo e institucional da política ambiental pesqueira: a Política Nacional do Meio Ambiente, o Plano Nacional de Recurso do Mar, a Lei de Crime Ambiental, além de outros dispositivos legais. Serão analisados também alguns estudos – por meio de revisão bibliográfica – com populações pesqueiras, a partir dos quais identificamos elementos amiúde desse processo de ambientalização e seus desdobramentos para a atividade artesanal ainda hoje.

Considerando que este trabalho não tem a perspectiva de analisar a trajetória da política ambiental na sua amplitude histórica, o que demandaria uma análise específica e aprofundada que foge ao escopo pretendido, optamos por destacar como a problemática ambiental foi sendo incorporada e interpretada nas ações e na agenda da política dirigida à pesca, sobretudo a artesanal. Deste modo, o artigo está dividido em três seções. A primeira, buscou apresentar um breve histórico das trajetórias da política pesqueira no país, destacando os períodos que, em que pese suas diferentes estratégias, foram marcados pela modernização da atividade. Na segunda seção, apresentamos uma revisão sobre a questão ambiental no Brasil durante os anos 1990 (sem descuidar de apontar outros momentos importantes). Na terceira, destacamos a inserção da regulação ambiental no período de gestão do Ibama, discutindo estudos convergentes que apontam para a marginalização da atividade pesqueira artesanal.

 

Trajetórias da política pesqueira no Brasil: modernização e desenvolvimentismo

A política pesqueira no Brasil foi marcada, desde o seu início, por estratégias de modernização, sustentadas pelo ideário desenvolvimentista. Essas ações, assumidas pelo Estado, têm reverberado não somente na produção pesqueira e sua organização – incluindo os modos de vida e trabalho dos pescadores –, mas também na parca política de reconhecimento dirigida a esse grupo, sobretudo os artesanais, preteridos em prol da indústria pesqueira. Vários são os estudos que apontam para essa questão da modernização como enfoque principal da política pesqueira (DIEGUES, 1983, 1995; LOUREIRO, 1985; MALDONADO, 1986, 1994; RAMALHO, 2012, 2014) e para os modos como, neste curso, a atividade artesanal ora foi tratada como obsoleta, ora negligenciada. Abordaremos aqui aspectos desse processo.

Desde os primeiros atos regulatórios com a criação das colônias de pesca pela Marinha do Brasil, em 1919, até o momento atual,[4] conta-se um século de política pesqueira num quadro de dez órgãos responsáveis por sua gestão. Essas instituições deixaram marcas que se alastraram ao longo do tempo nas ações dirigidas à pesca, construindo trajetórias que, embora não lineares, podem ser entendidas como articuladas por meio dos seus direcionamentos – a modernização e a tecnificação do setor. Propomos uma interpretação desse processo a partir de quatro movimentos:[5] 1) modernização da pesca; 2) expansão das indústrias pesqueiras; 3) ênfase nas políticas de conservação dos recursos naturais; 4) fomento à produtividade industrial e aquicultura.

 

Figura 1 Movimentos da política pesqueira

ESA29-2_03_figura01.jpg

Fonte: Cyrino (2018).

 

No primeiro movimento, entre os anos de 1919 e 1960, a política pesqueira movimentou-se a partir de um projeto de nacionalização da pesca e controle dos territórios pesqueiros e dos pescadores. Neste período são criadas as primeiras colônias pela Marinha do Brasil, por meio da Missão do Cruzador José Bonifácio, comandada pelo capitão de mar e guerra Frederico Villar. Com a premissa de instruir e sanear os pescadores (VILLAR, 1945), a instituição naval percorreu o Brasil criando escolas primárias e postos de saneamento, cadastrando mais de cem mil pescadores, durante os quatro anos da expedição. Havia o intento militar de transformar os pescadores em reserva naval para a segurança nacional, entretanto, esse argumento tornou-se uma grande falácia. O processo de nacionalização da pesca, por meio da Missão do Cruzador, revelou-se um projeto de controle dos modos de vida dos pescadores e suas comunidades, produziu estereótipos sobre essa população, tratando-as como pessoas distantes da civilização e da pátria, que precisavam ser instruídas e saneadas da corrupção de suas práticas tradicionais atrasadas e de seus corpos doentios. A Missão foi previamente elaborada a partir das viagens de Villar pelos continentes europeu e asiático, na primeira década do século XX, quando o capitão Villar dedicou tempo a estudar e investigar como funcionavam as colônias de pesca estrangeiras, a fim de reproduzir no Brasil o modelo e fomentar a modernização do setor, assim como a construção de indústrias pesqueiras.

Constituiu-se um pensamento de que os pescadores eram incapazes de contribuir para o desenvolvimento do país, devendo ser subordinados à tutela do Estado, por meio das colônias. Nesse movimento, as ações partilhadas pela Marinha do Brasil e pelo Ministério da Agricultura, entre 1933 e 1962, no ordenamento da política pesqueira (com o controle das colônias e formulação de dispositivos legais), promoveram a abertura para o desenvolvimento da indústria da pesca em âmbito nacional, fato que culminou na criação da Superintendência de Desenvolvimento da Pesca – Sudepe, próximo movimento[6] a ser caracterizado.

Responsável pela gestão da pesca por vinte e oito anos, no período de 1961 a 1989, a Sudepe reforçou a pauta da modernização, da tecnificação e industrialização do setor, sobretudo através de subsídios e créditos para as indústrias de pesca, orientados pelo modelo nacional-desenvolvimentista. Nesse segundo movimento analisado, fomentou-se a apropriação tanto dos territórios e recursos pesqueiros como da força de trabalho dos pescadores. Foi um período que marcou o processo de proletarização dos pequenos pescadores por meio da penetração das relações capitalista no setor pesqueiro artesanal (DIEGUES, 1983), o que engendrou não apenas mudanças nas técnicas de captura, mas principalmente nas formas de organização social deste grupo (outras formas de divisão do trabalho, agora entre patrão e empregado assalariado, passaram a vigorar). Esses direcionamentos, além de priorizarem a pesca industrial como propulsora de desenvolvimento e crescimento econômico, preteriram a atividade artesanal, a qual não dispôs de incentivos ou de valorização do seu saber-fazer, aprofundando as condições de pobreza, estigmatização e desigualdade social em muitas comunidades pesqueiras. Os benefícios da modernidade não as alcançavam. Em xeque, portanto, estavam a base familiar e comunitária de produção, assim como “a utilização de técnicas e tecnologias de trabalho ancestrais e artesanais (...)” (RAMALHO; MELO, 2015, p. 54). Em 1989, imersa em uma grave crise de gestão, a Sudepe foi extinta.

Com o fim da autarquia e a consequente baixa dos recursos pesqueiros por conta da alta exploração provocada na época, o Estado passou a promover a redução dos incentivos fiscais no mesmo período em que foi engendrada uma política voltada às questões ambientais. Nesse terceiro movimento o debate sobre a proteção ambiental já ganhava importância e legitimidade no cenário internacional – cabe lembrar de eventos emblemáticos como a Conferência de Estocolmo (1972) e a publicação do Relatório Brundtland (1987), este último trazendo em seu bojo a ideia de desenvolvimento sustentável, mobilizando discussões sobre a escassez dos recursos naturais também no Brasil. Esse será o período em que o Ibama vai assumir a gestão da pesca (1989 a 1998), sobretudo no aspecto regulatório dirigido à proteção ambiental. As ações voltadas para o controle da produção pesqueira no país passam a ter maior rigidez, principalmente em relação à regulação sobre pesca predatória. Nesse momento, intensifica-se o discurso tecnológico – dirigido à modernização ecológica – como saída sustentável à utilização dos recursos naturais. Não obstante, emergem conflitos entre o órgão gestor e as populações pesqueiras, em virtude da aplicação de sanções e restrição à atividade, como será destacado na segunda seção deste artigo. Esse processo acirrou a marginalização da atividade artesanal, inserindo os pescadores em um processo desigual de regulação em relação à pesca industrial, bem como no fomento de políticas públicas que valorizassem esse grupo.

No quarto movimento, no entanto, após o ano de 1998, com o fim da gestão do Ibama, a pesca passou a ser regulada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária – Mapa, através do Departamento de Pesca e Aquicultura. Nessa época, o debate ambiental já estava consolidado como agenda pública global. No Brasil, a Eco-92 tinha feito repercutir a ideia de sustentabilidade e acenou para a criação das Agendas 21 (nacional e locais) e para a importância da normatização de políticas de proteção ambiental, vide, por exemplo, a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), nos anos 2000.

Não obstante, neste período também houve a promoção de políticas sociais que atentaram para os mais pobres do país e, no caso dos pescadores, políticas que pela primeira vez trouxeram a possibilidade de direitos sociais e valorização dos povos tradicionais, como a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (do ano de 2007), a criação do Ministério da Pesca, em 2009, no curso dos governos do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011).[7] Todavia, não se enfrentou, de fato, a lógica economicista. No que tange à pesca, acabou por fomentar a atividade de grande escala e a manter as apostas na aquicultura, bem como intensificou a expansão de grandes empreendimentos nas comunidades e territórios pesqueiros, sob o prisma de uma política neodesenvolvimentista e neoextrativista (RAMALHO, 2014; SILVA 2015; CYRINO, 2018).

Os últimos anos de gestão do setor pesqueiro foram atravessados por grandes mudanças institucionais. Em outubro de 2015, o Ministério da Pesca foi extinto[8] e retornado ao Mapa em 2016. No ano seguinte, 2017, a gestão passou a ser do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços – MDIC, durante o governo do presidente Michel Temer, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Dado o que foi apresentado, entendemos que se faz necessário atentar para esse período de ambientalização da política pesqueira, iniciado em 1989 com o Ibama, órgão este que, mesmo não sendo diretamente responsável pelo fomento à atividade produtiva da pesca, passou a atuar nas comunidades pesqueiras sob o viés da fiscalização e controle dos recursos naturais. Por ambientalização, conforme já aludimos, entendemos o modo como a temática ambiental foi sendo incorporada, e acionada como um discurso, no plano da política ambiental, como um tipo de justificativa aos ideais modernizadores. Não se tratou de investir numa política de valorização dos saberes tradicionais, ou na construção de formas de diálogo com as populações pescadoras, mas antes o que passou a vigorar foi uma prática de controle sob novos alicerces: a racionalidade científica (e técnica) da modernização ecológica. Ou seja, a pesca artesanal ainda era reconhecida como uma atividade atrasada, que precisava ser modernizada, pois não dispunha de maneiras “sustentáveis” de produção. Essa concepção de atraso da pesca artesanal em relação ao que se almejava como desenvolvimento para o país – herança desenvolvimentista ainda presente – contribuiu para intensificar o estigma dirigido aos pescadores artesanais, que continuavam a ser vistos como uma ameaça aos recursos pesqueiros, conforme abordaremos mais adiante.

 

Cenários para ambientalização da política pesqueira

A década de 1990, período em que houve a atuação direta do Ibama na gestão da pesca, foi marcada pela discussão das implicações da crise ecológica, interpretada principalmente como escassez de recursos naturais. Nesse contexto, uma questão se destacava: como integrar o meio ambiente às ações políticas? Para Viola (1998), essa problemática tinha emergência a partir de um processo de globalização da política ambiental, ou seja, quando os problemas ambientais passaram a ultrapassar as fronteiras nacionais.

Segundo McCormick (1992), o século XX presenciou uma transformação conceitual de proporções universais, capaz de engendrar mudanças nos valores humanos: a revolução ambientalista. Sua expressão social ganhou destaque a partir dos anos 1960, desdobrando-se numa crescente politização iniciada nos anos 1970, por meio de movimentos e debates, escritos acadêmicos, conferências, encontros e pela criação de acordos e órgãos reguladores na esfera transnacional. Um dos encontros mais emblemáticos, a Conferência de Estocolmo (1972), possibilitou pela “primeira vez que os problemas políticos, sociais e econômicos do meio ambiente global [fossem] discutidos num fórum intergovernamental com uma perspectiva de realmente empreender ações corretivas” (MCCORMICK, 1992, p. 97). Na América Latina o debate chegaria de forma mais contundente na década de 1980, movimentando uma configuração específica no que se convencionou chamar de ambientalismo brasileiro.

A década de 70 marca o despertar da consciência ecológica no mundo: Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente em Estocolmo (1972); relatório Meadows (1972) sobre os limites do crescimento e relatórios subseqüentes (...); surgimento do paradigma teórico da ecologia política; proliferação de movimentos sociais ecologistas no mundo ocidental (...). Pela primeira vez os problemas de degradação do meio ambiente provocados pelo crescimento econômico são percebidos como um problema global que supera amplamente diversas questões pontuais que eram arroladas nas décadas de 50 e 60 pelas agências estatais de meio ambiente dos países do 1º Mundo. (VIOLA, 1987, p. 2)

Com a globalização do debate ambiental, vários atores ganharam a cena, desde organizações não governamentais, agências estatais, comunidade científica, setores econômicos e consumidores, cada qual com suas pautas ou percepções acerca da proteção do ambiente e do uso dos recursos naturais. A temática tendeu a se disseminar e a ser incorporada de diferentes modos, mobilizando ações e práticas no âmbito da vida cotidiana.

Esse é também o contexto em que o antagonismo marcante do debate ecológico-ambiental dos anos 1960-1970 (marcado pela tensão entre preservação ambiental e desenvolvimento) vai dar vez às formas mais conciliadas. No Brasil, Viola vai chamar esse movimento de multissetorialização, processo que estaria marcado pela

institucionalização dos grupos ambientalistas (com capacidade crescente de implementação de projetos específicos de conservação ou restauração ambiental) e pelos esforços por articular a problemática da proteção ambiental com a do desenvolvimento econômico, no rumo do desenvolvimento sustentável. (1992, p. 49)

 A premissa do desenvolvimento sustentável vai assumir então a cena a partir da década de 1990 como um tipo de saída discursiva, ou, ainda, como uma ideologia, no sentido tratado por Ribeiro (1992), capaz de reunir em um mesmo projeto (sem revelar, de fato, as inconsistências dessa relação) ambientalistas, empresários, formuladores de políticas públicas, entre outros. É um momento em que as ações ambientais se multiplicam em diferentes esferas e abordagens, assumindo um caráter reformista e/ou tecnicista, na maioria das vezes. Com isso, diminuem-se os espaços para a problematização da crise ambiental a partir de seus vínculos com o processo de acumulação de base industrial e com a sociedade de consumo, privilegiando-se, antes, a vertente da modernização ecológica (e seus mecanismos de desenvolvimento limpo), no sentido dado por Alier (2007).

Tavolaro (1999) aponta que o processo de internalização da questão ambiental no Brasil se deu, em grande parte, por traços artificiais, com vistas a atender exigências e pressões externas. Um exemplo disso foi a criação, em 1974, da Secretaria de Meio Ambiente – Sema, após a repercussão negativa da posição brasileira na Conferência de Estocolmo.[9] Assim, a articulação da questão ambiental no Brasil ocorreu num contexto em que se destacava a primazia do crescimento econômico, que envolvia a consideração dos problemas ambientais de acordo com os preceitos de soberania e segurança nacional e a compartimentação do gerenciamento ambiental através da perícia burocrática. Do mesmo modo se deu no governo Sarney, em 1989, quando foi criado o Ibama como resposta às exacerbadas queimadas na Amazônia, diante do tensionado cenário internacional de discussão das mudanças climáticas, agravadas pelo aumento das emissões de dióxido de carbono.

Em 1992 ocorreu um evento emblemático, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), na cidade do Rio de Janeiro. Conhecida como Eco-92, a conferência envolveu grande esforço de participação do movimento ambientalista mundial, com 105 chefes de Estado e cerca de 14 mil ONGs (FERREIRA, 2003). Era o período do governo Collor de Mello (de 1990 até o impeachment em 1992), que de modo intencional ou não, teve seu papel na globalização da agenda ambiental brasileira, permitindo o fortalecimento das ONGs e do movimento ambientalista. Ferreira (2003) salienta que essa movimentação, do ponto de vista da sociedade civil, foi positiva. Por ter sido o país-sede da Conferência houve um grande esforço a fim de buscar a participação de entidades brasileiras, o que resultou num marco para o aprofundamento da discussão ambiental no país. Entretanto, Ferreira (2003) e Viola (1998) concordam que essa abertura para o debate ambiental era parte do interesse de Collor de atrelar o seu governo à pauta ecológica e com isso ganhar prestígio no exterior. O então presidente viu na escolha do Brasil para sediar a Conferência a sua grande oportunidade de promoção pessoal e política, utilizando a ênfase da proteção ambiental como sua moeda de troca internacional.

De fato, com o impeachment de Collor, a crise de governabilidade do país e a ascensão do governo de Itamar Franco, entre 1992-1994, a preocupação política se voltou para questões emergenciais de curto prazo. Embora se tenha retomado o caráter ministerial do Meio Ambiente,[10] o espaço para as ações ambientalistas estava limitado. Assim se seguiu no governo Fernando Henrique Cardoso, e com a aceleração da globalização e retomada da governabilidade, a questão ambiental passa a ser tratada de forma secundária em virtude do viés economicista da agenda pública do seu governo. Viola (1998) analisa que as políticas públicas na gestão de Cardoso não contemplaram a questão da sustentabilidade, a área ambiental foi fragmentada e marcada por uma gestão incompetente, atuando de forma isolada às políticas de desenvolvimento. Apenas em 1996 o Ministério do Meio Ambiente retoma a discussão acerca dos resultados da Eco-92, empenhando-se no compromisso da elaboração da Agenda 21, a partir dos acordos ambientais firmados na Conferência.

A atuação do Ibama – seu papel diante da regulação da pesca entre os anos 1989 e 1998 – perpassou, portanto, quatro governos federais, Sarney, Collor, Itamar Franco e FHC, e as tensões políticas e governamentais dessas transições. Esse cenário político nacional controverso, ora fechado ao debate ambiental, ora mais receptivo, foi o lastro para a incorporação da ideia de desenvolvimento sustentável como mote para agregar a conservação ambiental e o crescimento econômico, conforme já foi abordado. Essa ideia, usada como um discurso, será mobilizada nacionalmente a partir de projetos políticos contraditórios à própria lógica da sustentabilidade, acirrando com isso os processos excludentes, sobretudo, entre aquelas populações que se utilizam do ambiente para a sua reprodução social e que vão se tornar ainda mais invisíveis na onda da expansão do desenvolvimento brasileiro. Diante de todas essas considerações, destacamos algumas perguntas: quais especificidades estão relacionadas à pesca nesse período, considerando a inserção do princípio da sustentabilidade na regulação da política pesqueira? Como a pesca e os pescadores serão pensados e tratados nessa nova forma de regulação sob a gestão do Ibama? São questionamentos que nortearão as reflexões da próxima seção.

 

Controle dos recursos pesqueiros e a marginalização da pesca artesanal

Cabe lembrar aqui, antes de tudo, o marco importante da criação da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA)[11] – Lei no 6.938 de 31 de agosto de 1981 – que instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), ao qual o Ibama esteve subordinado quando da sua criação em 1989. Esses instrumentos políticos e legais representaram uma vitória dentro do debate ambiental brasileiro.[12] Segundo as letras de seu próprio texto, cabe à PNMA a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana (BRASIL, 1981). Parte da sua função é orientar os entes públicos da Federação, por meio das normas e planos que lhes são destinados (RIOS; ARAÚJO, 2005). No corpo dessa política articulam-se órgãos e entidades da União, dos estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios e fundações instituídas pelo Poder Público.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), também criado em 1981, órgão de caráter consultivo e deliberativo, é responsável pela adoção das medidas que constam no Sisnama, e sua finalidade é assessorar, estudar e propor diretrizes de políticas governamentais, assim como “deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida”. Ao Conama compete ainda estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, mediante proposta do Ibama, e tendo a supervisão dessas ações por esta autarquia federal.

Como já vimos na primeira seção deste artigo, a grande exploração de recursos pesqueiros pelas indústrias de pesca e a desordenada expansão de incentivos fiscais marcaram o fim da Sudepe, em 1989. No mesmo ano foi criado o Ibama, pela Lei no 7.735, autarquia federal com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao então Ministério do Interior, e responsável, entre outras atribuições, pela Secretaria Nacional do Meio Ambiente. 

O Ibama estava ligado ao Ministério da Agricultura com a finalidade de “formular, coordenar, executar e fazer executar a política nacional do meio ambiente e da preservação, conservação e uso racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos naturais renováveis” (BRASIL, 1989). Após a criação do Ministério do Meio Ambiente, em 1992, no governo Itamar Franco, o Ibama vinculou-se a este Ministério direcionando suas ações para a conservação e preservação dos recursos naturais. Para tanto, foram instituídas diretrizes que, não apenas reduziram os incentivos fiscais e creditícios para a pesca, mas também reformularam padrões de utilização dos recursos pesqueiros por meio de políticas normativas com sanções. Neste cenário, a pesca, ao sair da regulação do Ministério da Agricultura e Marinha do Brasil, passa à tutela ambiental do Ministério do Meio Ambiente, cujo objetivo declarado era o controle da pesca predatória, tanto artesanal quanto industrial. Entretanto, o grupo artesanal será preterido em relação ao industrial, não apenas nos documentos normativos, como também nas formas de execução desse controle. Cabe, portanto, uma análise mais atenta aos documentos que foram formulados nesse período e deram sustentação ao ordenamento pesqueiro.

No ano de 1988, com o advento da Constituição Federal, a zona costeira é definida como patrimônio nacional que deve ter atenção especial do Poder Público quanto à sua ocupação e ao uso de seus recursos naturais (Art. 225, § 4o, BRASIL, 1988). A Marinha do Brasil aparece novamente nesse cenário, e embora não seja de sua competência a regulação da pesca, a instituição naval é responsável pelo espaço marítimo. Em 1989, pelo Decreto no 98.479, o Presidente da República sanciona o III Plano Setorial para Recursos do Mar (PSRM), com vigência para 1990-1993, documento que faz parte do conjunto de políticas que compõe o gerenciamento costeiro no país.

Nesse documento era ressaltada a importância de se estabelecer uma definição distinta para quem era o pescador artesanal e quem era o pescador industrial, sobretudo nos quesitos volume de pesca produzido e tipo de embarcação utilizado. Destaca-se, ainda, neste documento, uma referência à ideia de desorganização do setor pesqueiro, que o Estado atribuía tanto à escassez dos recursos quanto ao binômio pescador industrial x pescador artesanal:

É necessária uma reavaliação do conceito das duas categorias reconhecidas dentro dessa organização, quais sejam, pesca artesanal e pesca empresarial/industrial, em função do volume de captura. (...)

É preciso reexaminar a conceituação do binômio pesca artesanal – pesca industrial à luz das transformações socioeconômicas e tecnológicas experimentadas nos últimos anos. Com esse progresso, hoje, a pesca artesanal, em algumas regiões do País, engloba operações com embarcações equipadas de até 20 toneladas. (MARINHA DO BRASIL, 1989 – grifo nosso)

Evidencia-se que a preocupação com a distinção entre as duas categorias estava ligada não ao tipo de reprodução socioeconômica (os saberes constituídos na prática artesanal), mas aos aparatos técnicos (o tamanho das embarcações e as tecnologias utilizadas), principalmente. Na quarta edição do PSRM, conforme quadro a seguir, repetem-se os mesmos argumentos, no entanto, classificando a atividade artesanal como predatória, e a necessidade de reavaliação dos conceitos das categorias pesca artesanal e pesca industrial.

O PSRM foi coordenado pela autoridade de comando da Marinha do Brasil, e neste dispositivo encontramos acentuada a ideia de que a pesca artesanal predatória seria um dos fatores prejudiciais à produtividade de ecossistemas e ao equilíbrio dos estoques pesqueiros. Neste documento, o Estado justificava essa posição salientando a queda expressiva da produtividade de estoques de grande consumo, como o da sardinha, “[...] cuja produção caiu de 120 mil toneladas em 1985/86 para 91 mil toneladas em 1987 e 63 mil em 1988” (MARINHA DO BRASIL, 1989).

Alguns ecossistemas costeiros, como estuários, manguezais, lagunas, baías e enseadas, desempenham papel relevante no ciclo de vida das espécies, constituindo-se em áreas de reprodução, crescimento e/ou alimentação. Em função dessa dependência, problemas de degradação ambiental, pesca artesanal predatória e ocupação desordenada de áreas litorâneas, atuam de modo negativo sobre a produtividade dos ecossistemas e o equilíbrio dos estoques. (MARINHA DO BRASIL, 1989 – grifo nosso)

De fato, o debate ambiental estava em evidência no país, como já discutimos anteriormente, e o setor pesqueiro acabou sendo confrontado com esse discurso no que tange ao seu aspecto predatório de sobrepesca. Mas, se por um lado o volume de captura do pescado é superior na pesca industrial, também são muito maiores os danos causados ao ecossistema marinho por conta das técnicas utilizadas. Basta pensarmos, por exemplo, na pesca de arrasto de fundo que é responsável por varrer profundamente os oceanos, afetando diretamente a fauna e flora que habitam o espaço marinho, e não apenas as espécies que se deseja capturar. Cabe relembrar, ainda, que as indústrias de pesca tiveram elevados subsídios recebidos no período de gestão da Sudepe (1961 a 1989), em detrimento da pesca artesanal. Desse modo, na gestão do Ibama o projeto de modernização da pesca seguiu a mesma lógica da marginalização dos pescadores artesanais: “a competição desigual dos grandes arrastões e parelhas [utilizados pela pesca industrial] não só acarretou um empobrecimento biológico das águas, como também das comunidades humanas que viviam da sua captura” (DIEGUES, 1995, p. 132).

Embora este artigo não tenha por escopo analisar os movimentos sociais que lutaram em defesa da pesca artesanal, é importante essa digressão para acentuar que esse processo de marginalização da pesca artesanal não passou sem resistências. No período de redemocratização do país os pescadores organizaram-se como categoria para apresentar propostas referentes ao exercício da sua profissão na construção da Constituição Federal de 1988. Esse movimento, que ficou conhecido como Constituinte da Pesca, posteriormente deu origem ao Movimento Nacional dos Pescadores (Monape), em 1988, no estado de Pernambuco. A grande conquista desse movimento deu-se com a inclusão, no texto constitucional, da referência à livre organização da categoria, o que gerou a possibilidade de criação de Associações de Pesca pelo país. Entretanto, a tutela das colônias, que foi meticulosamente planejada pelo Estado, vai ainda permanecer no imaginário e no controle, sobretudo no que tange à mediação do acesso dos pescadores às políticas voltadas a este setor, mantendo práticas clientelistas, assistencialistas e eleitoreiras. Para Diegues (1995), um dos maiores ganhos dessa movimentação da constituinte foi o impulso na organização de pescadores e na consciência de que eles representavam uma classe produtiva no país.

É nesse contexto que vai se polarizar o debate entre aqueles que passam a identificar a pesca como atividade extrativa de caráter predatório (apontando sua contribuição à escassez dos recursos pesqueiros e reforçando a necessidade de conservação das espécies e proteção dos biomas), e aqueles que vão se movimentar em prol dos direitos dos povos tradicionais (pescadores artesanais, ribeirinhos, quilombolas e caiçaras), e dos modos de vida e trabalho que historicamente ajudaram a preservar a biodiversidade, executando métodos menos agressivos através de uma atividade de pequena escala e artesanal (SILVA, 2015).

Outro importante acontecimento nesse debate foi a Convenção da Diversidade Biológica, ocorrida durante a Rio 92, que apresentou abertura para discussão da relação do convívio de povos tradicionais com a biodiversidade.

Art. 8o. Cada parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso:

Em conformidade com as legislações nacionais, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas de comunidades indígenas e locais que apresentam estilos de vida relevantes para a conservação e o uso sustentado da diversidade biológica e promover sua aplicação ampla com a aprovação e o envolvimento dos possuidores de tais conhecimentos, inovações e práticas e encorajar a distribuição dos benefícios derivados de tais conhecimentos, inovações e práticas.

Art. 10. Utilização Sustentável de Componentes da Diversidade Biológica

Cada Parte contratante deve, na medida do possível e conforme o caso:

Proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação ou utilização sustentável. (BRASIL, 1994)

O documento construído durante a Convenção foi aprovado e publicado pelo Decreto Legislativo no 2, de 1994, conforme quadro anterior. Em seu texto destaca-se o objetivo de reconhecimento e a manutenção dos conhecimentos e práticas tradicionais. Moreira (2006) reafirma a importância que essa percepção trouxe para a abertura do debate sobre os direitos dos povos tradicionais relacionados aos seus modos de vida e trabalho. No entanto, observa-se que, por outro lado, a Convenção insere também o debate acerca do desenvolvimento sustentável, gerando um novo paradoxo, já que os povos tradicionais, historicamente, estão à margem de modelos de desenvolvimento orientados pela racionalidade instrumental no seu teor puramente econômico.

É importante observar que o Decreto Legislativo no 2 revela um caráter mais de orientação do que a efetivação dos direitos dos povos tradicionais. De todo modo, essa discussão colaborou para a construção de um arcabouço normativo que, segundo Moreira (2006), possibilitou às sociedades tradicionais o exercício de direitos vinculados aos seus conhecimentos sobre a biodiversidade. Ainda como resultado da Convenção ocorrida em 1992, pautou-se como meta a criação de unidades de conservação respaldadas no disposto no art. 225, § 1o, inciso III, da Constituição Federal de 1988, que determina:

Definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. (BRASIL, 1988)

A regulamentação das Unidades de Conservação somente ocorreu no ano de 2000, pela Lei no 9.985, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc),[13] estabelecida no art. 2o inciso I. Essa política gerará imenso problema para as chamadas populações tradicionais, por conta da criação de áreas naturais protegidas, sobretudo as de cunho integral, que impedem a presença humana em suas imediações. Muitos povos tradicionais passarão a ser expropriados de seus territórios, por conta da vigência desta política, inclusive os pescadores. Outros terão de aprender a viver sob novas regras de uso (no caso das unidades de conservação de uso sustentável, que permitem a presença humana), ditadas pela lógica científica dos planos de manejo que vão delimitar e controlar o uso dos recursos.[14] No corpo do Snuc as unidades de conservação são definidas como:

Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. (BRASIL, 2000)

Esse dispositivo legal (o Snuc) vai classificar as Reservas Extrativistas (Resex) como categorias das unidades de conservação de uso sustentável, estabelecendo que elas são as áreas de vida e de trabalho das populações extrativistas tradicionais, definindo seu uso conforme disposto no art. 18 do dispositivo legal:

Art. 18. A Reserva Extrativista é uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. (BRASIL, 2000)

Importa ressaltar que, ainda no ano de 1990, o Decreto no 98.897 já dispunha sobre as reservas extrativistas[15] como espaços territoriais destinados à exploração autossustentável e conservação dos recursos naturais renováveis por população extrativista. A referência também é encontrada no art. 9o, inciso VI, da Política Nacional de Meio Ambiente (de 1981), que estabelece “a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como as áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas”. O referido decreto atribui ao Ibama a aprovação do plano de utilização desses espaços e estabelece que:

Art. 3o Do ato de criação constarão os limites geográficos, a população destinatária e as medidas a serem tomadas pelo Poder Executivo para a sua implantação, ficando a cargo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), as desapropriações que se fizerem necessárias. (BRASIL, 1990 – grifo nosso)

Considerando que já em 1988 a Constituição Federal estabelecia a criação de espaços a serem especialmente protegidos, e analisando a repercussão no caso da pesca artesanal, Diegues (1995, 1996) faz uma crítica ao modo como se deu essa implantação, considerando aqui especificamente a década de 1990. Segundo o autor, várias reservas ecológicas vão ser criadas sem consultar os pescadores artesanais, em espaços tradicionalmente de uso de suas comunidades, além das áreas de mangues que, pela especulação imobiliária, são devastadas para a implantação de complexos urbanísticos seguindo a lógica capitalista.

Vários parques e reservas ecológicas no litoral brasileiro foram criados sem consulta aos pescadores que vivem do uso de seus recursos naturais. Na verdade, se eles estavam preservados, era precisamente pelo respeito que os pescadores têm pelos mesmos, dos quais dependem para viver. A criação dessas unidades de conservação tem levado sistematicamente à proibição das atividades pesqueiras e até a expulsão desses pequenos produtores de suas praias. (DIEGUES, 1995, p. 133)

A despeito dos muitos problemas que foram gerados por conta dessa política ambiental conservacionista, as Resex, pelo seu caráter de utilização por populações extrativistas tradicionais, têm sido uma das possibilidades de reivindicação dos pescadores artesanais para terem sua atividade tradicional reconhecida, bem como a sua atividade preservada da exploração da pesca industrial predatória. Di Ciommo (2007) ressalta a importância dessa luta dos pescadores artesanais mediante estudo da Reserva Extrativista Marinha de Ponta do Corumbau, no sul do estado da Bahia. A autora destaca que a Resex Corumbau foi criada a partir da reivindicação de grupos de pescadores artesanais de nove comunidades dos municípios de Prado e Porto Seguro, no ano de 1998. Com a criação da Resex, o uso do espaço costeiro por meio da organização das populações de pescadores “[...] delimitou área até então consideradas de livre acesso, demarcando espaços marinhos onde os recursos são explorados de forma comunitária” (DI CIOMMO, 2007, p. 152). O Sistema Nacional de Unidades de Conservação garante a participação das populações locais na gestão das Resex, de modo que seja considerada a realidade dos contextos locais. Di Ciommo (2007) revela, ainda, em seu estudo alguns entraves que os pescadores e pescadoras atravessaram, como a distância até os locais de reunião, já que a região é afastada do centro do município, e a falta de informação e acessibilidade aos ordenamentos legais. Ressalta também a participação local para assegurar a gestão compartilhada e a valorização do saber artesanal. Assim, concordando com Diegues (1995), a pesquisadora afirma que:

Essas comunidades litorâneas mantêm um sistema de saberes e gestão tradicional dos recursos costeiros que significa não somente o reconhecimento da importância e a proteção de seu conhecimento, mas a manutenção da diversidade cultural. (DI CIOMMO 2007, p. 151)

Avançando no curso da política pesqueira, no período ora analisado, no que tange à questão da regulamentação do defeso e proibição da pesca de certos espécimes em períodos específicos do ano, foi promulgada, em 1998, a Lei no 7.689. Nesta, atribuía-se ao órgão competente, no caso o Ibama, fixar por meio de atos normativos as fases de interdição, incluindo a relação das espécies, considerando os períodos de desova e reprodução, bem como as especificidades de cada região. Ficam estabelecidas também as punições ao não cumprimento das determinações, que variam entre a apreensão dos aparelhos e apetrechos, perda do produto, suspensão dos serviços de pesca, multa, até reclusão de três meses a um ano. As proibições dispostas na lei estão direcionadas a pescadores profissionais (incluindo aqui os chamados artesanais que são registrados com carteira de pesca), empresas de pesca e pescadores amadores, guardada a sua proporção de volume de pesca. A norma determina ainda que a fiscalização compreende todas as fases da atividade pesqueira, da captura à comercialização. Em 1991, é promulgada a lei de seguro-desemprego para os pescadores nos períodos de defeso, concedendo 1 (um) salário mínimo mensal durante a proibição (BRASIL, 1991).

A partir de 1998 as penalizações se dão de forma ainda mais severa. A Lei no 9.605, conhecida como “A Lei de Crime Ambiental”, vigente até hoje, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. As penalidades estabelecidas nessa lei para a atividade pesqueira são de multa a reclusão, conforme a seguir. 

Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente

Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:

I – pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;

II – pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos;

III – transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas.

Art. 35. Pescar mediante a utilização de

I – explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante;

II – substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente:

Pena – reclusão de um ano a cinco anos.

Art. 36. Para os efeitos desta Lei, considera-se pesca todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas oficiais da fauna e da flora. (BRASIL, 1998b – grifo nosso)

Ao passo que o Estado reforça a perspectiva conservacionista dos recursos naturais com atos normativos quanto às práticas que ameacem o ecossistema, a pesca artesanal vai sendo reafirmada como prática predatória. Para Diegues (1995), a fiscalização rigorosa sobre os pequenos pescadores passou a classificá-los como “vilões da história”, responsabilizando-os pela destruição ecológica. Diversos estudiosos da pesca artesanal[16] relatam como o Estado, na figura do Ibama, acaba por impor uma postura coercitiva aos pescadores artesanais, atribuindo o caráter predatório de forma mais incisiva a esse grupo. Esse direcionamento reforça a marginalização sócio-histórica da pesca de pequena escala ao longo da política pesqueira, sob um ideário de criminalização da atividade. O que então vai sendo forjada é uma política sem compromisso com as comunidades tradicionais, com o intuito de promover ações normativas marcadas pela justificativa de mostrar-se protetora dos recursos naturais, mas ausente na valorização da vida e trabalho de pescadores e, por extensão, de agricultores, ribeirinhos, indígenas, entre outros.

Interessante trazer à cena a representação simbólica que o Ibama vai exercer sobre os pescadores artesanais na atuação que faz do controle desses recursos pesqueiros. Curiosamente, essa tensão é identificada pela própria autarquia federal, que trata de justificar a reação estranha às suas ações. A instituição fundamenta esse estranhamento em virtude do desconhecimento de parte significativa de atores quanto aos conceitos de conservação e uso sustentável. Assim, ao contar sua própria história, o Ibama (2017) ressalta que sua gestão não foi recebida de forma harmônica por parte dos atores envolvidos nas atividades, o que causou estranhamento às suas ações.

É importante destacar que, antes do Ibama, a atuação da Sudepe se dava, predominantemente, no âmbito econômico e social. Após a criação do novo órgão, o foco se voltou para ações de conservação e uso sustentável – conceitos novos e estranhos para uma parte significativa dos atores envolvidos nas atividades até então. Essa mudança não aconteceu sem resistências, tanto externas quanto internas ao Ibama. (IBAMA, 2017, p. 1 – grifo nosso)

Essa apreensão do próprio Ibama acerca da incapacidade dos atores-alvo, que poderiam vir a sofrer sanções, em entender a política de conservação ambiental e a ideia de sustentabilidade, aponta para o processo de ambientalização que estamos discutindo. O referido órgão, a despeito de formular, coordenar e pôr em prática a política ambiental brasileira, sendo incumbido da preservação, conservação, fiscalização e controle sobre os usos dos recursos naturais (sem dúvida um avanço inegável à consolidação dessa política), vai passar a justificar as suas ações instituindo um grande fosso entre o saber técnico-racional e científico, do qual o próprio Ibama é o representante, e os outros saberes das populações que vivem de fato próximas (e inseridas) nos diferentes biomas e ecossistemas que devem ser protegidos. O discurso da sustentabilidade, defendido pelo órgão governamental, passa a servir, portanto, para afastar qualquer possibilidade de diálogo com esses povos no sentido da elaboração de uma política ambiental participativa. Inclusive, nega o saber ambiental ancestral que esses povos carregam. A saída do Ibama, diante da incapacidade dessas populações de se adequarem “ao que se espera delas”, será a intensificação do controle, ou ainda a defesa de práticas de modernização ecológica dirigidas ao trabalho pesqueiro, práticas estas consideradas mais apropriadas ao ideal da sustentabilidade. A pesca artesanal sofrerá com esse tipo de avaliação, conforme já demonstramos. Todavia, os pescadores vão responder – por meio de formulações simbólicas e táticas concretas – às pressões sofridas, desenvolvendo modos de lidar com a presença do fantasma Ibama em suas vidas cotidianas.

Encontramos nos trabalhos de Dias Neto (2015), Trigueiro e Knox (2013), e Knox (2009) narrativas de pescadores e pescadoras sobre a atuação do Ibama em diferentes localidades do Brasil, revelando o caráter coercitivo do Estado na execução das suas ações ambientais. Sob a ótica dos pescadores, o Ibama passa a ser percebido como a encarnação do medo, o que faz com que sejam criadas estratégias locais a fim de fugir desse “novo oponente”. No trabalho de José Colaço Dias Neto (2015), esse imaginário é muito bem relatado, revelando que essa dualidade persiste. Em sua obra Quanto custa ser pescador artesanal?, o antropólogo vivencia a experiência etnográfica em uma comunidade pesqueira no interior do estado do Rio de Janeiro, e traz importantes considerações sobre a relação dos pescadores com o Ibama. O autor identifica uma representação fantasmagórica em que “[...] o órgão muitas vezes é representado como um ente que habita as águas, embora nem sempre possa ser observado” (DIAS NETO, 2015, p. 279). Assim, lidar com as exigências dessa instituição ambiental é ao mesmo tempo lutar contra as dificuldades presentes no cotidiano da pesca artesanal, já bastante afetada.

O antropólogo verificou que a captura do pescado não cessava totalmente nos períodos de defeso, e os pescadores buscavam estratégias para vencer essa “assombração”, chamada Ibama, que ameaçava a sua atividade e o seu “ganha-pão”. Evidencia-se uma situação de medo e sobrevivência, em virtude principalmente do poder coercitivo imputado, pois com a falta de agentes de fiscalização, o Ibama passa a contar com o apoio do corpo militar e da polícia ambiental.

Abaixo alguns relatos dos pescadores, junto aos quais Dias Neto (2015) fez o seu estudo, por vezes acompanhando-os na condição de embarcado, durante essas situações:

Eu, por exemplo, nestas épocas [de novembro a fevereiro ou quando há alguma outra proibição sazonal por qualquer motivo], prefiro sair para pescar ainda de noite. Eles não sabem andar nesta Lagoa de noite, não! Só nos pescadores é que sabemos.

Já me escondi várias vezes (risos). É escutar o barulho do motor do Ibama e ir direto para as tábuas! Esperar eles passarem e voltar ao trabalho. Porque eu tô trabalhando, não tô fazendo nada errado. Errado é roubar! Eu sou pescador! Medo deles, todo mundo tem. Mas não dá pra ficar parado em casa.

É como se fosse uma coisa que tá lá. Que ninguém conhece direito, mas ta lá. Alguns já viram, outros só ouviram. Todo mundo sabe que eles tão por aqui. Por isso o cuidado para pescar por agora. De repente alguém chega gritando em Ponta Grossa “os Ibambas tão na Lagoa” Aí as mulheres ficam todas desesperadas, achando que os homens vão ser pegos ou presos.

Eu sei o que pode acontecer se eles me pegam. Vão tomar minhas redes e até meus peixes.

Os barcos são quase todos verdes. Isto dificulta que nos vejam de longe. Ficam tudo sumido na Lagoa. Ninguém enxerga ninguém de longe com a tinta verde. Nem meu vizinho os Imbama!

Todo pescador que vem pescar sabe o que pode encontrar aqui. Sabe que pode morrer sozinho sem ninguém ver. Sabe que pode encontrar os homens.

Pescador que é pescador enfrenta até o diabo, como é que não vai enfrentar o Ibama? (DIAS NETO, 2015, p. 279-283 – grifos nossos)

Em Imagens da pesca artesanal, Trigueiro e Knox (2013) apresentam resultados de uma pesquisa realizada em comunidades pesqueiras no litoral metropolitano e norte do Espírito Santo. Ao promoverem diálogos com pescadores dessas regiões, as autoras puderam revelar o processo de invisibilidade desses grupos, acirrado pelo desenvolvimento econômico no litoral, por conta da expansão da produção de commodities e da pesca industrial, bem como por políticas que se distanciam do diálogo participativo com as comunidades e desvalorizam seus saberes. Destacamos, a seguir, algumas das narrativas de pescadores que participaram desse trabalho:

O que acaba com o pescador? A falta de peixe? A falta de mercado? O descaso foi total: desde embarcações lá do Rio Grande do Sul vindo aqui (as traineiras que eles chamam) e acabando com tudo! Você acha ‘Ah, só pega o peixe’; não, eles vão arrastando corais, berços de pescado e vão destruindo tudo e a gente que ta em terra, ta comendo e não tá sabendo.

Quando o progresso veio a gente já existia, o progresso que tem que se adequar e não a gente ao progresso, só que não é isso que ta acontecendo. [...] O mar era bom de pegar lagosta, aí chegaram [Ibama], e ah não pode e tal, ([...] o pessoal proíbe a nós, pescadores de baixa renda, por exemplo, a trainera vai lá fora e pega 5 mil quilos por hora de peixe, nós os pescadores aqui quem dera pegasse pelo menos 1000 kg (...) mas eles não proíbem as traineiras, só proíbem a gente. (TRIGUEIRO; KNOX, 2013, p. 49 – trechos de entrevistas realizadas com pescadores/as)

Percebemos, ainda, por meio das narrativas citadas, como a pesca industrial predatória vai apropriando-se dos recursos pesqueiros. As falas revelam a condição desigual dos pescadores diante da pesca de grande escala, não só no volume de pesca, mas na relação com a fiscalização da atividade considerada predatória. Esse processo de invisibilidade para o qual as autoras chamam a atenção é recorrente quando analisamos a política pesqueira e o modo como é acentuada a desvalorização dos pescadores artesanais no processo de construção de políticas públicas.

Em Vivendo do mar: modos de vida e de pesca, Knox (2009) apresenta um trabalho de pesquisa sobre a atividade pesqueira da praia de Pitangui, município de Extremoz, no Rio Grande do Norte. A experiência da pesquisadora nessa comunidade traz considerações que nos ajudam a refletir sobre essa relação de conflito entre pescadores e o Estado. Knox relata que o Ibama mantém posturas que não priorizam o caráter preventivo e dialógico sobre o uso dos recursos naturais, assumindo antes um direcionamento mais punitivo, o qual vai refletir na resistência dos pescadores à legislação, por julgarem autoritária dado o modo como é executada:

As reclamações, por isso são muitas. Segundo o senhor Neco, presidente da Colônia, a esposa de um pescador dono de um barco nessa situação de conflito com o IBAMA chegou a escrever uma carta ao Presidente da República, pois de modo como foram feitas as apreensões e as multas ao barco do seu marido, este acabou falindo e tendo que vender o barco. (KNOX, p. 2009, p. 117)

Como vimos também no trabalho de Dias Neto (2015), no trabalho de Knox (2009) os pescadores elaboraram estratégias para fugir da aproximação do Ibama, a fim de preservarem seus barcos e pescados. Corroborando essas pesquisas, fica evidente que a exacerbação da proibição de práticas de pesca (consideradas predatórias, pelo órgão regulador) visa à conservação e ao controle dos recursos naturais, no entanto, é preciso atentar para os elementos que envolvem essa questão, os quais abrangem as populações que vivem do mar, assim como outros agentes exploratórios e suas diferentes práticas perante a capacidade dos recursos naturais se renovarem.

Por fim, diante do que aqui foi discutido, pode-se entender como a história da política dirigida às populações pescadoras manteve-se desde o início devedora de formas de controle que sempre incidiram sobre os modos de vida desses povos. O horizonte almejado foi marcado pela modernização da atividade, aliada à busca da produtividade e da tecnificação. A incorporação dos ideais da sustentabilidade no corpo da política pesqueira, nos anos 1990, coroa esse processo, ao que aqui chamamos de ambientalização, pois que as ações de controle passam a ter agora um tipo de justificativa eficaz, legitimando as penalizações e mantendo a tendência de perpetuar uma postura desqualificadora das práticas artesanais.

 

Considerações finais

Tratamos neste artigo de aspectos que marcaram a história da política pesqueira no Brasil e de como seus direcionamentos repercutiram no processo de exclusão dos pescadores artesanais, prejudicando os meios de sua reprodução social. Mostramos como as ações do Estado, no direcionamento da conservação dos recursos naturais, incidiram mais sobre esse grupo, tentando imputar-lhes a responsabilidade pela crise decorrente da sobrepesca ou pesca predatória. Nesse processo, a prática artesanal passa a ser compreendida pelos órgãos que regulam e ordenam a pesca (o Ibama incluído) como alheia ao desenvolvimento econômico, sendo deixada muitas vezes à margem das garantias e do exercício legal.

É preciso atentar à formação desse discurso e ao seu poder simbólico, considerando que o ônus vai recair sobre os pescadores artesanais sem que seja posta em xeque, de verdade, a pesca de grande escala. Queremos dizer que as ações do Ibama no período à frente da regulação da pesca – cumprindo orientações prescritivas e normativas – direcionaram-se mais para uma lógica da ecoeficiência da modernização ecológica (ALIER, 2007), do que para o reconhecimento da atividade artesanal e suas formas de saber. Houve, assim, uma aposta na tecnificação como resposta aos problemas ambientais, dirigida por um discurso da sustentabilidade que procurou compatibilizar desenvolvimento econômico e conservação ambiental, sem agudizar as críticas aos limites dessa aproximação. Desse modo, ficou ausente na gestão do Ibama, assim como nas gestões anteriores e posteriores, uma perspectiva participativa capaz de promover a inclusão e a valorização da atividade artesanal e de seus saberes, tendo, ao contrário, prevalecido ações coercitivas a fim de gerar obediência e subordinação.

Apontamos que os estoques pesqueiros eram explorados em demasia no período da gestão da Sudepe (1961 a 1989) pelas indústrias de pesca em expansão, todavia nos parece sui generis que isso tenha sido esquecido e, em contrapartida, os pescadores artesanais passassem a ser apontados, inclusive num momento de publicização do discurso ambiental (nos anos 1990), como responsáveis pela atividade predatória. Isso nos permite entender como são reforçados os estereótipos e suas funções ideológicas, cujo propósito nos parece ser desqualificar o característico saber-fazer e o modo de vida dos pescadores artesanais, agora sob uma abordagem política e institucionalmente legitimada.

A partir do recorte histórico da década de 1990, procuramos discutir a incorporação e mobilização da ideia de desenvolvimento sustentável na política ambiental brasileira, ainda que isso tenha se dado muito mais no plano discursivo. No caso da pesca, essa ideia foi utilizada como estratégia política para a promoção de novas técnicas, o que possibilitou um giro no processo de modernização da atividade, que posteriormente se dará sob a batuta da aquicultura – após o fim da gestão da pesca pelo Ibama (em 1998) –, apontada como promessa tanto de sustentabilidade quanto de crescimento econômico. Com o fim da gestão do Ibama, em 1998, e com a entrada em cena do Ministério da Agricultura e Abastecimento, que assume o controle da pesca no Brasil (por meio da criação do Departamento da Pesca e Aquicultura – DPA, a partir do Decreto no 2.681/1998), a preponderância da aquicultura passou a ser vista como um incentivo político para o setor pesqueiro. O processo de ambientalização alcançará o seu auge neste período. Apostava-se nesse tipo de produção, considerada menos danosa ao ambiente, como responsável pelo aumento da produtividade do setor. As ações da política pesqueira serão dirigidas a este enfoque, por meio de financiamentos e créditos. Não obstante, os desdobramentos dessas ações continuarão a repercutir no crescente processo de vulnerabilidade e exclusão social dos pescadores artesanais.

Em suma, o que podemos perceber é que ao longo do período analisado a pesca artesanal não foi contemplada por nenhuma ação política que de fato a incluísse como protagonista. Ao contrário, estereótipos vão colocando-a à margem, reforçando a ideia de que ela estaria impossibilitada de contribuir para o desenvolvimento do país e para a construção de ações políticas dentro do próprio campo da pesca. Por fim, esse processo acaba por revelar que, ao movimentar-se em suas trajetórias, a política pesqueira apresentou diferentes modus operandi, mas manteve o mesmo telos: alcançar um “mundo moderno” de vida e trabalho que fosse capaz de contribuir para o desenvolvimento do país, do qual a pesca artesanal, os pescadores artesanais e suas comunidades apresentavam-se ora distantes, ora obsoletos, ora como entraves ao seu alcance.

 

 

Referências

ALIER, Joan Martínez. O Ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração. São Paulo: Contexto, 2007.

AZEVEDO, Natália Tavares; PIERRI, Naína. A política pesqueira no Brasil (2003-2011): a escolha pelo crescimento produtivo e o lugar da pesca artesanal. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, v. 32, p 61-80, 2014. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/made/article/view/35547. Acesso em: 9 set. 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 8 nov. 2020.

BRASIL. Decreto Legislativo no 2, de 1994. Aprova o texto da Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada na cidade do Rio de Janeiro, no período de 5 a 14 de junho de 1992. Brasília: Câmara dos Deputados, 1994. Acesso em: 15 set. 2020. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/1994/decretolegislativo-2-3-fevereiro-1994-358280-publicacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 30 set. 2020.

BRASIL. Decreto no 2.681, de 21 de julho de 1998. Cria o Departamento de Pesca e Aquicultura. Brasília: Presidência da República, 1998a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2681.htm. Acesso em: 9 nov. 2020.

BRASIL. Decreto no 98.897, de 30 de janeiro de 1990. Dispõe sobre as reservas extrativistas e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d98897.htm. Acesso em: 2 dez. 2020.

BRASIL. Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a criação da Política Nacional do Meio Ambiente. Brasília: Presidência da República, 1981. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm. Acesso em: 20 nov. 2020.

BRASIL. Lei no 7.735, de 22 de fevereiro de 1989. Dispõe sobre a extinção de órgão e de entidade autárquica, cria o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1989. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7735.htm. Acesso em: 11 nov. 2020.

BRASIL. Lei no 8.287, de 20 de dezembro de 1991. Dispõe sobre a concessão de seguro desemprego a pescadores artesanais durante o período de defeso. Brasília: Presidência da República, 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8287.htm. Acesso em: 8 set. 2020.

BRASIL. Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 1998b. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm. Acesso em: 13 nov. 2020.

BRASIL. Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000. Institui o Sistema Nacional de Unidade Conservação da Natureza. Brasília: Presidência da República, 2000.  Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm. Acesso em: 15 set. 2020.

CNS – Conselho Nacional dos Seringueiros. Reservas Extrativistas. [S.d.]. Disponível em: http://memorialchicomendes.org/reservas-extrativistas. Acesso em: 5 dez. 2020.

CYRINO, Carolina de Oliveira e Silva. “Aos pescadores, a modernidade!”: trajetórias da política pesqueira na regulação da pesca artesanal. 2018. 162 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2018. Disponível em: http://repositorio.ufes.br/handle/10/9900. Acesso em: 13 set. 2020.

CYRINO, Carolina de Oliveira e Silva. Modernização e segregação: a pesca artesanal no projeto nacional-desenvolvimentista. Simbiótica, Vitória, v. 8, n. 1, p. 110-132, 2021 . Disponível em: https://www.periodicos.ufes.br/simbiotica/article/download/35435/23418. Acesso em: 30 jan. 2021.

DI CIOMMO, Regina Célia. Pescadoras e pescadores: a questão da equidade de gênero em uma reserva extrativista marinha. Ambiente & Sociedade, Campinas, v. 10, n. 1, p.151-163, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-753X2007000100010. Acesso em: 29 out. 2020.

DIAS NETO, José Colaço. Quanto Custa ser um pescador artesanal? Etnografia, relato e comparação entre dois povoados pesqueiros no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Garamond; Faperj, 2015.

DIEGUES, Antonio Carlos. Pescadores, camponeses e trabalhadores do mar. São Paulo: Ática, 1983.

DIEGUES, Antonio Carlos. Povos e Mares: leituras em socio-antropologia marítima. São Paulo: Nupaub/USP, 1995.

DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec; Nupaub/USP, 1996.

DIEGUES, Antonio Carlos; NOGARA, Paulo José Navajas. O nosso lugar virou parque: estudo socioambiental do Saco de Mamanguá – Parati, Rio de Janeiro. São Paulo: Nupaub/USP, 2005.

FERREIRA, Leila da Costa.  A questão ambiental: sustentabilidade e políticas públicas no Brasil. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2003.

IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais. Gestão pesqueira no Brasil. 13 jan. 2017. Disponível em: http://ibama.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=948. Acesso em: 12 set. 2017.

KNOX, Winifred. Vivendo do mar: modos de vida e de pesca. Natal: EDUFRN, 2009.

LEITE LOPES, José Sérgio (Coord.). A ambientalização dos conflitos sociais. Rio de Janeiro: Relume Dumará; NuAP, 2004.

LEITE LOPES, José Sérgio. Sobre processos de "ambientalização" dos conflitos e sobre dilemas da participação. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 12, n. 25, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-71832006000100003. Acesso em: 23 set. 2020.

LOUREIRO, Violeta Refkalefsk. Os parceiros do mar: natureza e conflito social na pesca da Amazônia. Belém: CNPq/MPEG, 1985.

MALDONADO, Simone Carneiro. Mestres & mares: espaço e indivisão na pesca marítima. São Paulo: Annablume, 1994.

MALDONADO, Simone Carneiro. Pescadores do mar. São Paulo: Ática, 1986.

MARINHA DO BRASIL.  III Plano Setorial para os Recursos do Mar (1990-1993). 1989. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1989/decreto-98479-7-dezembro-1989-448840-anexo1-pe.doc. Acesso em: 19. ago. 2020.

MARINHA DO BRASIL. IV Plano Setorial para os Recursos do Mar (1994-1997). 1994. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1994/decreto-1203-28-julho-1994-449479-anexo1-pe.doc. Acesso em: 19 ago. 2020.

MCCORMICK, John. Rumo ao paraíso – a história do movimento ambientalista. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992.

MOREIRA, Eliane Cristina Pinto. Os direitos dos povos tradicionais sobre seu conhecimento associado à biodiversidade. In: BARROS, Benedita da Silva Barros; GARCÉS, Claudia Leonor López; MOREIRA, Eliane Cristina Pinto; PINHEIRO, Antônio do Socorro Ferreira (Orgs.). Proteção aos conhecimentos das sociedades tradicionais. Belém: Cesupa, 2006.

RAMALHO, Cristiano Wellington Noberto. Sentimento de coorporação, cultura do trabalho e conhecimento patrimonial pesqueiro: expressões socioculturais da pesca artesanal. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 43, n. 1, 2012. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.br/revcienso/article/view/417. Acesso em: 9 set. 2020.

RAMALHO, Cristiano Wellington Noberto. Pescadores, Estado e desenvolvimento Nacional: da reserva naval à aquícola. 2014. Ruris, Campinas, v. 8, n. 1, p.31-62, 2014. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/ruris/article/view/1740. Acesso em: 3 set. 2020.

RAMALHO, Cristiano Wellington Noberto; MELO, Andrezza Andrade de. 2015. Uma etnografia dos mestres da pesca artesanal da Praia de Carne de Vaca, Goiana, PE. Revista Cadernos de Ciências Sociais da UFRPE, Recife, v. 1, n. 6, 2015. Disponível em: http://www.journals.ufrpe.br/index.php/cadernosdecienciassociais/article/view/436. Acesso em 13 set. 2020.

RIBEIRO, Gustavo Lins. Ambientalismo e desenvolvimento sustentado: ideologia e utopia no final do século XX. Ciência da Informação, Brasília, v. 21, n. 1, p. 23-31,  1992. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/460. Acesso em: 21 set. 2020.

RIOS, Aurélio Virgílio Veiga;  ARAÚJO, Ubiracy. Política Nacional do Meio Ambiente. In: RIOS, Aurélio Virgílio Veiga; IRIGARAY, Carlos Teodoro Hugueney (Orgs.). O direito e o desenvolvimento sustentável: curso de direito ambiental. São Paulo: IEB; Peirópolis, 2005.

SILVA, Cátia Antônia da. Política Pública e território: passado e presente da efetivação de direitos dos pecadores artesanais no Brasil. Rio de Janeiro: Consequência, 2015.

TAVOLARO. Sérgio Barreira de Faria. A questão ambiental: sustentabilidade e políticas públicas no Brasil. Resenha. Ambiente & Sociedade, Campinas, n. 5, 1999. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1414-753X1999000200017. Acesso em: 11 out. 2020.

TRIGUEIRO, Aline; KNOX, Winifred. Imagens da pesca artesanal no Espírito Santo. Vitória: GM, 2013.

VILLAR, Frederico. A Missão do Cruzador José Bonifácio: os pescadores na defesa nacional, a nacionalização da pesca e a organização dos seus serviços (1919-1923). Rio de Janeiro: Biblioteca Militar, 1945.

VIOLA, Eduardo. A globalização da Política Ambiental no Brasil, 1990-1998. In: INTERNATIONAL CONGRESS OF THE LATIN AMERICAN STUDIES ASSOCIATION, 21., 1998, Chicago. Panel ENV 24 – Social and environmental change in the Brazilian Amazon. Chicago: LASA, 1998. Disponível em: http://lasa.international.pitt.edu/lasa98/Viola.pdf. Acesso em: 5 out. 2020.

VIOLA, Eduardo. Movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica. Working Paper #93. Notre Dame: Kellogg Institute For International Studies, 1987. Acessado em outubro de 2020.

VIOLA, Eduardo. O movimento ambientalista no Brasil (1971-1991): da denúncia e conscientização pública para a institucionalização e o desenvolvimento sustentável. In: GOLDENBERG, Mirian (Coord.). Economia, ciência e política. Rio de Janeiro: Revan, 1992.

 

 

Como citar

CYRINO, Carolina ; TRIGUEIRO, Aline. Políticas de desenvolvimento e da natureza: a pesca artesanal no processo de ambientalização da política pesqueira no Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 304-331, jun. 2021. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v29n2-3.

 

 

 

 

Carolina Cyrino

Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora colaboradora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento da Universidade Federal do Espírito Santo (Geppedes/Ufes). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

carolinacyrino.ufes@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-6951-581X
http://lattes.cnpq.br/9789255278580577


Aline Trigueiro

Professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento (Geppedes/Ufes). Doutorado em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ).
aline_trigueiro@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0002-3955-6431
http://lattes.cnpq.br/2213815691625304

 

 

 

 

ccby.png

Creative Commons License. This is an Open Acess article, distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License CC BY 4.0 which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium. You must give appropriate credit, provide a link to the license, and indicate if changes were made.

 



[1] Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisadora colaboradora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento da Universidade Federal do Espírito Santo (Geppedes/Ufes). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). E-mail: carolinacyrino.ufes@gmail.com.

[2] Professora do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Populações Pesqueiras e Desenvolvimento (Geppedes/Ufes). Doutorado em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGSA/UFRJ). E-mail: aline_trigueiro@hotmail.com.

[3] Cabe acrescentar que tanto o desenvolvimento sustentável (DS) quanto a modernização ecológica (ME) trazem a mesma premissa da ecoeficiência como ideia de boa gestão dos recursos naturais, em prol do desenvolvimento econômico. O discurso se assenta na ideia de que é possível garantir o equilíbrio entre crescimento econômico e a proteção ambiental, investindo na prescrição de medidas para o uso sustentável dos recursos naturais. Ou seja, as ações políticas sob este escopo vão se preocupar em atender a eficiência técnica da produção de bens (aliando a ideia de sustentabilidade à racionalidade econômica) (CYRINO, 2018).

[4] A gestão pesqueira é realizada pela Secretaria de Aquicultura e Pesca desde 2018, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

[5] Considera-se aqui a palavra movimento no sentido lato. Ou seja, são movimentos os diferentes períodos de regulação da pesca, Denominados assim em razão da articulação que são capazes de estabelecer entre si, considerando que seus desdobramentos não se esgotam com o findar de cada data. A primeira autora deste artigo, em seu estudo dissertativo, defendido em 2018, estudou transformações da política pesqueira ao longo de noventa anos e reuniu trabalhos de diversos autores que se dedicaram a estudar a política pesqueira, além de vários documentos históricos. A partir do arcabouço conceitual da Sociologia Histórica, denominou movimentos as fases (ou períodos) históricas da política pesqueira, considerando que, assim como a história, elas não são estáticas, não se findaram em suas épocas, permaneciam interligadas entre si, iam e vinham, movimentavam-se (CYRINO, 2018).

[6] Sobre esse segundo movimento da política pesqueira que envolve a gestão da Sudepe durante o projeto nacional-desenvolvimentista, ver Cyrino (2021).

[7] Além de outros dispositivos legais, foi promulgada a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Pesca e Aquicultura, conhecida como a “Lei da Pesca”, no 11.959, de 2009. Dentre várias medidas, define a distinção entre a pesca artesanal e industrial e possibilita o acesso do pescador artesanal a benefícios do Programa Nacional de Agricultura Familiar, Seguro Defeso e cadastro no Registro Geral de Atividade Pesqueira – RGP, através das Superintendências de Pesca.

[8] O Ministério da Pesca foi extinto em 2 de outubro de 2015, pela Medida Provisória no 696/2015, que foi convertida na Lei no 13.266, em 5 de abril de 2016.

[9] Sobre a participação do Brasil na Conferência, considerada hostil, ver Ferreira (2003, p. 81).

[10] Em 1985, no governo de José Sarney, foi criado o Ministério do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente, assumindo atribuições que eram do então Ministério do Interior durante o período da ditadura militar. Em 1990, o presidente Fernando Collor converteu o Ministério em Secretaria do Meio Ambiente, situação revertida no governo Itamar Franco.

[11] Em atenção ao disposto na Constituição Federal de 1988, art. 225, § 1: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

[12]  “Em resposta ao clamor público provocado pelos efeitos nefastos da poluição industrial [ressaltando-se o caso emblemático de Cubatão], o Congresso Nacional aprovou a Lei no 6.938, em 1981, estabelecendo a Política Nacional do Meio Ambiente” (RIOS; ARAÚJO, 2005, p. 149).

[13] Com a criação no ano de 2007 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, ficou estabelecido este órgão para a execução do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, sem prejudicar o poder de polícia ambiental do Ibama (BRASIL, 2000).

[14] Para mais esclarecimentos, consultar Diegues (1996) e Diegues e Nogara (2005).

[15] Ressaltamos que a criação das reservas extrativistas tem história particular atrelada à luta dos seringueiros, mas depois se torna modelo a ser multiplicado em outras regiões que desenvolvem diferentes práticas extrativistas tradicionais, como a pesca artesanal. Sobre a criação das Resex, ver CNS, 2017.

[16] Fazemos referência aos trabalhos de Diegues (1995), Knox (2009), Ramalho (2012), Dias Neto (2015) e Azevedo e Pierri (2014), dentre tantos outros.