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v. 29, n. 2, junho a setembro de 2021, p. 253-277
Recebido em 19 de dezembro de 2020. Aceito em 13 de abril de 2021.



Feminismo camponês e popular e pós-modernismo

Peasant and popular feminism and postmodernism

 

DOI: 10.36920/esa-v29n2-1

 

orcid_id.png  Maria Ignez Silveira Paulilo[1]


Resumo: O objetivo deste artigo é situar o feminismo camponês no debate atual que ocorre, dentro das correntes feministas, sobre a importância ou a falácia do pós-modernismo para os estudos de gênero. Para isso, utilizamos, entre outras fontes, principalmente os trabalhos acadêmicos produzidos pelas militantes do Movimento de Mulheres Camponesas que optaram por se dedicar aos estudos de pós-graduação, elaborando dissertações de mestrado e teses de doutorado e se tornando professoras universitárias. Nossa opção foi mostrar que, apesar da contundência das argumentações contra as influências do pensamento pós-modernos e suas derivações, e daquelas a favor delas, existe a possibilidade de um diálogo que, se observarmos o campo em disputa sem tomada prévia de posição, veremos que já vem acontecendo mesmo que nem sempre de maneira explícita.

Palavras-chave: feminismo; campesinato; pós-modernismo; gênero; classes sociais.

 

Abstract: The purpose of this paper is to situate peasant feminism within the current debate in feminist research strands on the importance, or the fallacy, of postmodernism for gender studies. We draw, among other sources, on academic work produced by activists of the Peasant Women's Movement who have chosen to pursue graduate studies, producing MA dissertations and Ph.D theses and moving on to become university professors. Our contention is that, despite the force of arguments against the influence of postmodern thought and its derivatives in favor of these women, there is room for a dialogue which, if we look at the field without assuming an a priori stance, has been taking place, albeit not explicitly.

Keywords: feminism; peasantry; postmodernism; gender; social classes.

 

 

 

 

 

Introdução

As mulheres estejam caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar, mas devem estar sujeitas, como também o diz a lei. E se querem ser instruídas sobre algum ponto, interroguem em casa o marido, porque é vergonhoso para uma mulher o falar na Igreja. (São Paulo, Epístola aos Coríntios I, 14:34-35)

Um dos objetivos da pesquisa da qual resultou este texto foi mapear as principais possibilidades de impasse entre o feminismo das agricultoras e as correntes atuais mais hegemônicas.

Já há vasta bibliografia sobre o Movimento de Mulheres Camponesas – MMC (GASPARETO, 2017; ZARZAR, 2017, entre outras obras), a partir do qual surge o feminismo camponês e popular, mas algumas breves informações são necessárias. Esse Movimento surgiu em 1983 e, antes de 2004, quando mudou seu nome para o atual, era conhecido, primeiro, por Organização de Mulheres Agricultoras (OMA) e, logo depois, por Movimento de Mulheres Agricultoras (MMA). Embora tenha mantido a denominação MMA, estava articulado nacionalmente, desde 1995, com o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), presente na grande maioria dos estados brasileiros (PAULILO; BONI, 2016). Ao longo dos anos, o MMC sempre manteve acesa a luta pelos direitos e bem-estar das mulheres agricultoras, porém suas bandeiras foram se modificando até que o projeto de uma agricultura ecológica tomou vulto. Em suas próprias palavras:

A história de luta do MMA/SC, marcada pela existência das mulheres agricultoras organizadas, vai desde a conquista de sair de casa e pensar sobre o seu destino, o reconhecimento da Profissão de Trabalhadora Rural, formação e capacitação das dirigentes e das mulheres sobre seus direitos, lutas pelo direito à Saúde Pública e de qualidade, Direitos Previdenciários (aposentadoria, auxílio doença, auxílio acidente de trabalho, auxílio invalidez, pensão de viúva (o), salário maternidade), e a luta por um novo projeto de agricultura agroecológica, recuperando as sementes e sabedoria popular buscando a preservação da biodiversidade. (MMC, 2004)

Porém, as mudanças não param por aí. Em 2010, as militantes do MMC assumem publicamente uma postura feminista, o que não havia acontecido antes, durante um encontro realizado na cidade de Xaxim (Santa Catarina), cujo lema foi “Mulher camponesa e feminismo”. Com esse ponto de partida, as discussões sobre o que é ser camponesa e feminista foram crescendo e se aprofundando, o que resultou em textos militantes e também acadêmicos, pois mulheres oriundas do Movimento começaram a ingressar nas universidades, tanto para se graduarem como para se pós-graduarem. Na elaboração do presente artigo, fizemos uso de vasto material produzido por essas mulheres. Vamos enfatizar, logo a princípio, três teses de doutorado elaboradas por Isaura Conte (2014), Catiana Cinelli (2016) e Sirlei Gaspareto (2017).[2] A tese de Valdete Boni (2012) foge um pouco desse perfil, embora a autora seja filha de agricultores e ligada ao MMC, porque sua dedicação à vida acadêmica foi mais intensa. Duas outras teses, escritas por pesquisadoras com ampla experiência institucional relativa às agricultoras, suas organizações e movimentos, foram fundamentais: a de Vilênia Porto Aguiar (2015) e a de Andrea Lorena Butto Zarzar (2017). Inspiradora também foi a cartilha Feminismo camponês e popular, produzida pelo Movimento de Mulheres Camponesas em 2018.

Como todos sabem, houve uma mudança significativa no regime político brasileiro com o impedimento da presidenta Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016. Grande parte das obras que lemos, mesmo as publicadas depois de fato tão marcante, baseou-se em informações colhidas antes, quando havia esperança de que se pudesse ampliar a democracia participativa no Brasil por meio de um governo popular. Essa esperança fez com que os movimentos sociais se aproximassem e suas lideranças participassem ativamente do Legislativo e do Executivo. A guinada política depois de mais de uma década de abertura com relação às classes populares, incluindo aí os pequenos agricultores, criou a necessidade de se repensar atitudes e práticas, o que ainda está sendo feito. Portanto, não é de se admirar que os documentos e as práticas do MMC possam apresentar contradições, aparentes ou não, e dificuldades quanto a uma unificação de sua visão de futuro do feminismo e suas metas. Está correta Sirlei Gaspareto (2017), liderança do Movimento, quando afirma repetidas vezes em sua tese que o feminismo das mulheres rurais “está em construção”.

Como foi dito, nosso objetivo era situar o feminismo camponês e popular entre algumas das principais correntes dos feminismos atuais, mas o que mais nos chamou a atenção foi a retomada, pelo MMC, do feminismo marxista dos anos 1970 e a forte oposição a qualquer forma de pós-modernismo. Como muito dos feminismos atuais se baseiam em posturas pós-modernas, decidimos focar nesta última perspectiva.

 

Um pouco da história do feminismo brasileiro

 Constância Lima Duarte (2019) divide o feminismo no Brasil em quatro momentos. Chama o primeiro de “As letras iniciais” e situa seu início na primeira metade do século XIX, quando surge a primeira legislação permitindo a abertura de escolas públicas femininas em 1827, e sua duração vai até 1870. Considera que as primeiras mulheres que se dedicaram à literatura eram feministas, porque já mostravam o desejo de saírem do círculo doméstico. Ressalta os nomes de Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), nascida no Rio Grande do Norte, mas que residiu em Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro, mudando-se depois para a Europa. Ainda segundo Constância, nosso primeiro movimento feminista vem de fora, e foi Nísia Floresta que colocou em língua portuguesa as reivindicações das mulheres do Velho Mundo. Ela menciona outras pioneiras como a mineira Beatriz Francisca de Assis Brandão (1779-1860) e as gaúchas Clarinda da Costa Siqueira (1818-1867), Delfina Benigna da Cunha (1791-1857) e Ana Eurídice Eufrosina de Barandas (1806-1863). Em meados do século XIX surgem os primeiros jornais dirigidos por mulheres, sendo um deles o Jornal das Senhoras, lançado no Rio de Janeiro em 1852, por Joana Paula Manso de Noronha (1819-1875), nascida na Argentina. Uma importante escritora da época foi Júlia de Albuquerque Sandy Aguiar (século XIX), que fundou no Rio de Janeiro, em 1862, o periódico O Belo Sexo

Citar algumas mulheres é sempre esquecer outras, mas no espaço de um artigo não se pode fazer justiça a todas. Apenas para registrar a importância delas, segundo Thereza Caiuby Crescenti Bernardes, em seu livro Mulheres de ontem? Rio de Janeiro – século XIX (1989), cerca de 99 escritoras e tradutoras teriam vivido no Rio de Janeiro no período de 1840 a 1890.

O segundo momento, intitulado “Ampliando a educação e sonhando com o voto”, vai de 1870 até o início das lutas pela conquista do voto pelas mulheres nas duas primeiras décadas do século XX. Caracteriza-se pela ampliação das possibilidades de educação para as mulheres e pela luta a favor do voto feminino. Por volta de 1870 surge um número muito grande de jornais e revistas de cunho feminista. Um dos periódicos mais importantes, publicado entre 1873 e 1896, foi O Sexo Feminino, dirigido por Francisca Senhorinha da Mota Diniz (século XIX). Outros periódicos da época são O Domingo e o Jornal das Damas, que já criticavam a dominação econômica feminina e, por isso, defendiam o estudo e o trabalho remunerado para as mulheres. Havia também o jornal O Corimbo e a revista A Mensageira. Segundo Constância Lima Duarte, é preciso destacar, nesse período, a jornalista Josefina Álvares de Azevedo (1851-1905) pela exigência que fazia de mudanças radicais na sociedade em seu jornal A Família, que foi publicado de 1888 a 1897, primeiro em São Paulo e depois no Rio de Janeiro. Em 1878, a jornalista encenou a peça O voto feminino que, posteriormente, foi publicada em livro.

Vale salientar que nesse momento as primeiras brasileiras se formaram em cursos universitários no exterior, fato que a imprensa feminista dava bastante destaque. A literatura sobre esse tema é unânime em dizer que a primeira brasileira a conseguir um diploma de ensino superior foi Maria Augusta Generoso Estrela, graduada em medicina em 1882 nos Estados Unidos.

No terceiro momento, que Duarte chama de “Rumo à cidadania”, temos como lutas principais o direito ao voto, ao acesso a cursos superiores e ao trabalho no comércio, nas repartições, nos hospitais e nas indústrias. Apenas a profissão de professora já era bem aceita. Como é sabido, foi a bióloga formada pela Sorbonne, Paris, Bertha Lutz, a figura feminina mais emblemática na luta pelo voto feminino no Brasil. E em 1932 ocorreu a liberação parcial do voto feminino – parcial porque as casadas só podiam votar com autorização do marido e, as solteiras, quando tinham renda própria. Em 1934, a lei ampliou o direito para todas, mas não o tornou obrigatório. A igualdade plena perante o Código Eleitoral só foi alcançada em 1946 (PAULILO, 2016a, p. 190). Não se pode esquecer que os analfabetos, homens ou mulheres, só puderam votar em 1985, na primeira eleição direta após o período ditatorial.

Além da importante conquista do voto, as feministas se destacaram no campo da literatura. Entre elas, Rosalina Coelho Lisboa (1900-1975), Gilka Machado (1893-1980), Mariana Coelho (1857-1952), Rachel de Queiroz (1910-2003) e Adalzira Bittencourt (1904-1976).

O quarto momento são os anos 1970, que Duarte considera o “momento mais exuberante” do feminismo, com sua revolução sexual e literária. Esse período também é bastante conhecido como a “segunda onda” do feminismo, sendo o movimento sufragista considerado a “primeira onda”.[3] Porém há concordâncias e discordâncias sobre isso. Para a maioria das feministas, como mostra Rayza Sarmento (2017), dada a uma certa semelhança de pautas, a primeira fase abarcaria o período de 1921 a 1950. Assim, o grande momento do feminismo, que são os anos 1970, estaria na segunda fase e não na quarta, como aponta Duarte. Dando ênfase a uma segunda fase, temos, por exemplo, feministas de renome como Céli Pinto, que em 2003, escreveu Uma história do feminismo no Brasil

 Lilia Moritz Schwarcz (2019, p. 187) é taxativa quando diz:

Desde o final dos anos 1970, as mulheres definitivamente deixaram o lugar social que lhes era predeterminado em nosso país – o da passividade e do vitimismo – e, a partir de movimentos organizados passaram a reivindicar direitos e oportunidades iguais no trabalho, no lazer, dentro de casa e no espaço público.

Nosso feminismo, obviamente, teve influências do que acontecia em outros países, porém, por estarmos vivendo na época, no Brasil, um período de ditadura, Duarte (2019, p. 42) chama a atenção para nossas especificidades.

Enquanto em outros países as mulheres estavam unidas contra a discriminação sexual e pela igualdade de direitos, no Brasil, o movimento feminista teve marcas distintas e definitivas, pois a conjuntura histórica impôs que as mulheres se posicionassem também contra a ditadura militar e a censura, pela redemocratização do país, pela anistia e por melhores condições de vida.

Heloisa Buarque de Hollanda (2019, p. 10) concorda com Duarte:

Enquanto o feminismo daquela hora na Europa e nos Estados Unidos se alimentava das utopias e dos sonhos de liberdade e transformação da década de 1960, no Brasil a esquerda, incluindo-se aí as mulheres militantes, se manifestava numa frente ampla de oposição ao regime. Nesse quadro, era frequente que as iniciativas do movimento feminista estivessem vinculadas ao Partido Comunista ou à Igreja Católica progressista, instituição particularmente importante enquanto oposição ao regime militar.

Mas acrescenta uma ressalva importante:

Nenhuma dessas alianças se deu sem problemas. O partido reivindicava a prioridade de uma luta ampla e urgente em detrimento das especificidades incômodas das lutas feministas. A Igreja representava um sério conflito em demandas importantes, como a defesa do direito ao aborto e demais temas relativos à sexualidade. (HOLLANDA, 2019, p. 10)

Uma das fortes oposições enfrentadas, naquele período, pelos movimentos de mulheres mais ligados à esquerda era o fato de que se corria o risco de “dividir a luta”, ou seja, a luta de classes deveria ter prioridade. Essa oposição perdurou mesmo depois que as agricultoras de vários estados brasileiros, nas décadas de 1980 e 1990, formaram organizações e movimentos só de mulheres, movimentos esses que foram se unificando até formarem na esfera nacional, primeiro, o Movimento de Trabalhadoras Rurais – MMTR, em 1995 e, depois, o Movimento de Mulheres Camponesas – MMC, em 2004. As críticas surgiram não só da esquerda tradicional, mas também de outros movimentos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra – MST e o movimento sindical, como mostra a entrevista dada por D. Adélia Schmitz, líder nacional do MMC (PAULILO; SILVA, 2007), e as análises de Valdete Boni (2002) sobre o movimento sindical no Oeste de Santa Catarina.

Creio que podemos situar o fim desse momento na década de 1980, quando o regime ditatorial começou a se abrir e surgiram com muita força os movimentos sociais que acabaram com a ideia de uma única luta principal, e partiram para as mais diferentes reivindicações. No que se refere ao momento atual do feminismo brasileiro, intitulado “Revolução sexual e literatura”, Duarte considera que:

Em tempos de globalização selvagem, em que os saberes instituídos parecem ter a textura da areia movediça, tal seu caráter difuso e maleável, feministas continuam assimilando novidades trazidas do exterior, subdivididas em interesses fragmentados das comunidades acadêmicas, e permitem que o feminismo saia dos holofotes e se dilua em meio aos estudos culturais ou estudos gays. (2019, p. 45)

Quanto à fragmentação citada pela autora, há poucas discordâncias. O tema “mulher”, como grupo coeso, foi se deslocando para discussões sobre raça, classe, geração, etnia e sexualidade. Fala-se em feminismo liberal, essencialista, da igualdade, da diferença, radical, socialista, marxista, negro, pós-moderno, pós-colonial, decolonial, ecofeminismo, entre outras denominações. Porém, quanto ao uso do termo pós-feminismo, nem Duarte, nem grande parte das feministas concordam em já estarmos em um pós-feminismo, como se o feminismo em si estivesse ultrapassado, sem que, embora com suas inegáveis conquistas, tivesse sido suficiente para erradicar as desigualdades salariais e de poder entre homens e mulheres ou fazer desaparecer a violência que se pratica cotidianamente contra o sexo feminino. Preferem considerar que esse pode ser um período de amadurecimento e criação de “interseccionalidades”.

Outro grande risco da fragmentação desmesurada é um liberalismo sem limites, total individualização dos sujeitos, no sentido de que cada ser humano é único e, portanto, suas ideias, decisões e posturas só dizem respeito a quem as tem ou toma, com base em seu autointeresse. Rayza Sarmento, unindo ideias de Angela McRobbie, Rosalind Gill e Sue Thornham, faz uma síntese interessante:

O pós-feminismo se assenta na reprivatização das conquistas e na sua individualização, tendo na cultura popular um dos seus mais potentes catalisadores. Produções como Sex and the City são ilustrativas de um perigoso discurso de que o feminismo está ultrapassado, dada a liberdade e o ganho já obtido pelas mulheres.(...) o pós-feminismo é, em resumo, a incorporação neoliberal dos papéis de gênero, que opera em uma dinâmica bastante complexa, dado que age incorporando, revisando e despolitizando os ideais feministas, tratando a superação em termos de escolha e esforço pessoal (...). (SARMENTO, 2017, p. 61 – grifos da autora)

Mesmo o uso abusivo do termo “gênero” nos faz sentir, às vezes, falta do termo “mulher” ou “mulheres”. Porque:

É inegável a importância do conceito de gênero na desconstrução das bases biológicas que sustentavam a inferiorização da mulher, por ter mostrado o papel imprescindível da cultura na criação das relações de poder. Porém, o relativismo do conceito levou a uma despolitização do feminismo acadêmico, ao mesmo tempo que uma apropriação do conceito de gênero por parte do Estado e dos órgãos oficiais de desenvolvimento, nacionais e internacionais. Surgem, então, estudos de gênero alheios ao feminismo, cuja falta lhes tira algo de muito importante, seu caráter emancipatório. (PAULILO, 2016b, p. 300)

Cynthia Andersen Sarti traz uma explicação interessante para a sensação de que o termo “gênero” acabou criando um elo mais forte entre os movimentos de mulheres e os órgãos oficiais. Ele se popularizou, enquanto os movimentos de mulheres foram se institucionalizando. Falando sobre os anos 1980, diz:

Muitos grupos (de mulheres) adquiriram a forma de organizações não governamentais (ONGs) e buscaram influenciar as políticas públicas em áreas específicas, utilizando-se dos canais institucionais. A institucionalização do movimento implicou, assim, o seu direcionamento para as questões que respondiam às prioridades das agências financiadoras Foi o caso daquelas relacionadas à saúde da mulher, que causaram impacto na área médica, entre as quais emergiu o campo dos “direitos reprodutivos”. (2004, p. 42)

A preocupação em atender às prioridades das agências financiadoras não anula o fato de que elas também procuravam tornar os movimentos de mulheres menos rebeldes, mais controláveis. Como nem todas as reivindicações e grupos organizados “cabiam” nas esferas governamentais, o que extrapolava tornava-se uma dissidência. Com o aumento das dissidências, começou haver um questionamento sobre o que, afinal, unificava as mulheres, ou mesmo se havia necessidade de unificá-las.

 Não havendo nada em comum entre as mulheres, como sustentar bandeiras de luta em seu nome? O feminismo essencialista foi muito criticado, pois ao estabelecer uma semelhança inata nas mulheres, como a relação com a natureza, provocou certa historicidade nas pesquisas e dificuldades nos estudos das relações de classe, raça e etnia, por isso tem sido pouco utilizado e não serve como instrumento de unificação das lutas. Se algo de comum é preciso, as feministas criaram o termo “essencialismo estratégico”, o que permite que as mulheres se construam, quando necessário, como um coletivo, e que suas lutas avancem (PORTOLÉS, 2007). Podemos encarar esse essencialismo como uma “ficção útil”, nos termos de Rodríguez Magda (2007). Interessante notar que encontramos, pela primeira vez, esse termo “ficção útil” novamente na tese de Sarmento (2017).

As ideias de “ficção útil” e “transmodernidade” de Rodríguez Magda passam por todo este texto. Não vemos os diferentes feminismos por uma ótica evolucionista, no sentido de que os que surgiram por último seriam “melhores” ou “mais completos”. Por isso não está explícita ou implícita qualquer crítica negativa ao descrevermos uma retomada do feminismo dos anos 1970 pelas militantes do MMC.

La Transmodernidad prolonga, continúa y transciende la Modernidad, es um retorno de algunas de sus líneas e ideas, acaso las más ingenuas, pero también las más universales. (...). Pero es um retorno distanciado, irónico, que acepta su ficción útil. La Transmodernidad es el retorno, la copia, la pervivencia de una Modernidad débil, rebajada, light. La zona contemporánea transitada por todas las tendencias, los recuerdos, las possibilidades; transcendente e aparencial a la vez, voluntariamente sincrética em su “multicronia”. (...). La Transmodernidad es lo postmoderno sin su inocente rupturismo, (...). Su clave no es el post, la ruptura, sino la transubstanciación vasocomunicada de los paradigmas. (...) Es el abandono de la representación, es el reino de la simulación, de la simulación que se sabe real. (1989, p. 141-142 apud RODRÍGUEZ MAGDA, 2007, p. 151-152)

Retomando a última citação de Duarte, na qual a autora fala em uma “diluição” do feminismo na atualidade, Nalu Faria (2019, p. 17-18), militante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) desde 1986, afirma que foi justamente a resistência ao neoliberalismo que permitiu uma recomposição de campos do movimento feminista, colocando fim a uma hegemonia da institucionalização desse movimento e provocando uma diminuição de suas radicalidades. No início dos anos 2000, houve reação à mercantilização do corpo e da vida das mulheres, e foram retomadas as mobilizações das ruas, a ocupação de espaços públicos, as alianças com outros movimentos sociais, e o surgimento de outras formas de organização. Os anos 2000 fazem uma ruptura com os anos 1990, nos quais houve formação de ONGs e institucionalização por parte dos movimentos de mulheres. Havia uma “agenda propositiva”, visando que os movimentos se legitimassem trabalhando com governos e organismos multilaterais. Os anos 2000 já são anos de reação.

Feminismo camponês e popular e feminismo marxista

Corroborando as afirmações de Nalu Faria, voltamos ao feminismo camponês e popular que se firma na primeira década dos anos 2000, percebendo que suas bandeiras não se harmonizam com as deste último período classificado por Duarte (2019). A semelhança maior é com o feminismo marxista dos anos 1970, principalmente quanto à importância dada ao conceito de “classe social”, que retorna com muita força. Mas não podemos falar apenas em retorno, porque há significativos elementos novos, entre eles, sendo os principais, a defesa da agroecologia e a igualdade em âmbito doméstico.

Nas palavras das próprias agricultoras, expressas na cartilha Feminismo camponês e popular, temos:

É neste momento que afirmamos explicitamente o caráter feminista de nossa luta, a qual anteriormente não assim denominada, mas que hoje sabemos já era a expressão do feminismo das mulheres camponesas. Sendo assim, para nós do MMC o Feminismo Camponês e Popular é respeito a nosso modo de vida, baseado no projeto de agricultura camponesa, agroecologia, mas é também transformação, pois, busca construir as bases para uma sociedade sem classes, a sociedade socialista e feminista. (MMC, 2018, p. 11)[4]

Catiane Cinelli, militante que se doutorou em Educação, afirma em sua tese:

Ao colocarmos as mulheres em evidência, dirigimos o foco para as camponesas empobrecidas, sujeitas desta pesquisa, em luta organizada, valorizando racionalidades não hegemônicas. Para isso, assumimos uma posição de luta feminista numa sociedade de classes, compreendendo (...) que não existe um feminismo autônomo desvinculado de uma perspectiva de classe. (2016, p. 62)

Isaura Conte, outra militante que entrou para a Academia, diz em sua tese que a aceitação do feminismo pelas mulheres que formam a base do MMC não foi muito simples.

Para as pesquisadas do Brasil e do México, as que se assumem feministas acreditam e lutam desde um feminismo classista, senão não teria sentido para elas, enquanto pobres e exploradas. (...)Ao tentar entender o ritmo em que avança o feminismo na luta camponesa das mulheres, fica evidente de um lado, que há de se respeitar o tempo das demais mulheres, suas condições, mas, por outro lado, por vezes é preciso empurrar, insistir, analisando como reagem e até aonde se pode ir. (...) o feminismo não é uma teoria lá nas nuvens, ele é o que eu vivo e faço no meu cotidiano, minhas atitudes feministas, mais do que um discurso revolucionário precisa ser condizente com as práticas. (2014, p. 161)

Esta última citação nos remete à ideia de “experiência” de Joan Scott quando diz que “não são os indivíduos que tem experiências, mas os sujeitos é que são constituídos através da experiência” (SCOTT, 1999, p. 27). Segundo a militante e acadêmica Catiane Cinelli (2016, p. 16): “A partir de suas experiências vividas, (...) as mulheres camponesas constroem outras formas de viver em sociedade, resistindo e enfrentando o sistema capitalista e patriarcal”. Para o MMC, capitalismo e patriarcado se reforçam mutuamente, são sistemas imbricados e não independentes.

Como podemos notar nas citações, o feminismo camponês e popular tem em comum com o feminismo marxista a importância dada à luta de classes.

Poderíamos perguntar se essa semelhança entre os dois feminismos seria decorrente do fato de estarmos vivendo um período que lembra, em muitos aspectos, a ditadura dos anos 1970. Mas essa não parece ser uma explicação convincente, pois desde antes da mudança do regime político no Brasil e de seus primórdios, o feminismo camponês já marcava sua posição de classe, considerando-se sempre um feminismo socialista.

A explicação da SOF é mais convincente, principalmente pela época de surgimento do feminismo camponês e pela oposição constante que suas militantes fazem à exploração capitalista e ao risco para a vida das populações atingidas.

Após a crise dos anos 2008, o neoliberalismo se expande como projeto e racionalidade de um capitalismo financeirizado (...) Um neoliberalismo que se conjuga abertamente com o autoritarismo e o conservadorismo que lhe convém (...) enfrentamos um neoliberalismo caracterizado pela agudização do conflito entre o capital e a vida (...). (2017, p. 9-10)

Como já foi dito, a convivência entre reivindicações de “gênero” e de “classe” nunca foi tranquila nos períodos anteriores e também não o é no momento atual. Para entendermos como essa convivência se dá no feminismo camponês, precisamos discutir como essas noções têm aparecido em seus documentos escritos, nos encontros e nas entrevistas com suas militantes e, mais recentemente, nas dissertações e teses acadêmicas. Nem sempre essas noções são colocadas juntas, a não ser na apresentação pública do Movimento, quando ele se identifica como “camponês e feminista”, sendo que a ideia de classe está contida no conceito de camponês e não no de proletariado, como tínhamos no marxismo clássico. 

Como mencionado anteriormente, o feminismo dos anos 1970, que tem influenciado o MMC, lutava contra ditaduras militares, tanto no Brasil como em grande parte da América Latina. Embora acolhesse reivindicações como creche para os filhos das mães trabalhadoras, salário igual para trabalho igual, e outras de cunho democrático, a principal bandeira era a mudança de regime político. A ideia de uma revolução socialista ainda estava bastante presente. E foi nos anos 1980, com o término do governo militar e o advento da Nova República, que muitos marxistas, entre eles as feministas, abriram mão da ideia de mudança revolucionária para a defesa de uma democracia cada vez mais inclusiva. 

Essa mudança de objetivo foi central, mas houve a necessidade de outras. Pouco se discutia a respeito do trabalho doméstico. A aceitação da dicotomia entre “trabalho produtivo e trabalho improdutivo” fazia com que a ênfase recaísse no primeiro polo, e a preocupação era com as mulheres trabalhadoras, principalmente operárias, pois ainda acreditava-se na postura redentora do proletariado industrial. Esperava-se que o Estado, depois de uma mudança radical, reduziria o trabalho doméstico por meio de creches, escolas em tempo integral, refeições fornecidas no local de estudo ou trabalho, entre outras medidas coletivizantes. Já muito se comentou como as brasileiras exiladas durante o regime militar se viram impactadas na França pela não divisão dos afazeres domésticos com os parceiros (COSTA et al., 1980).

O fato de termos empregados domésticos nos trazia, a nós brasileiras, alguma sensação de culpa, agravada, sem dúvida, pelas reprovações com que as feministas norte-americanas e europeias nos brindavam sem pejo. Ainda estávamos longe tanto da profissionalização das domésticas no Brasil como desse momento atual em que o trabalho doméstico mal pago das imigrantes em países desenvolvidos, tanto latino-americanas nos Estados Unidos como latino-americanas provenientes do Leste Europeu na França e outros países vizinhos, está levando a muitos estudos sobre o que se convencionou chamar de care, ou seja, as atividades de cuidado: alimentação, limpeza, cuidado com menores, enfermos e idosos. Autoras de formação marxista, como a brasileira residente na França Helena Hirata (2007), entre outras, sentem-se à vontade para estudar com base nos fundamentos do materialismo histórico essa nova forma de exploração do trabalho feminino pago. Para quem estuda o trabalho doméstico não pago nas cidades e a simbiose entre trabalho doméstico e cuidado com lavouras e animais na agricultura familiar em relação às agricultoras, como é o caso de Karolyna M. Herrera (2016, 2019), é difícil se sentir à vontade segundo os mesmos fundamentos. Por isso, é interessante ver como as intelectuais do MMC “casam” a ideia de luta de classe com as novas reivindicações surgidas no campo no que se refere a cuidados, à reprodução, à valorização do trabalho não pago, à sexualidade, entre outras. Ninguém disse que está sendo fácil.

Como já é sabido e estudado, é mais fácil fazer oposição a um governo autoritário que a um governo popular. Com a chegada de Lula à Presidência da República (em 2003), e sua permanência até 2010, quando Dilma Rousseff foi eleita, em 2011, para o seu primeiro mandato e, em 2014 para o segundo, tendo perdido a condição de chefe de Estado em 2016, houve uma convivência entre os movimentos e as organizações sociais populares e as instâncias governamentais. Muitos militantes assumiram cargos em vários escalões do Executivo e participaram com mais intensidade do Legislativo, e o MMC não foi uma exceção. 

Valmor Schiochet, professor da Universidade Regional de Blumenau (Furb), em palestra durante o I Encontro Pós-Colonial e Descolonial: diálogos sensíveis,[5] descreve com maestria esse momento de participação dos movimentos sociais no governo. Para ele, nos anos 1980, com a volta da democracia, vem a procura por inclusão, pela importância de participar, de ser cidadão, de defender uma democracia substantiva que levasse em conta o direito de sobreviver das populações marginalizadas, a luta por acesso a terra, trabalho, habitação e saúde, entre outras reivindicações. Porém, e isso é muito importante, havia também sementes de uma busca por um modelo alternativo de sociedade, pois não existia garantia quanto às conquistas almejadas, mesmo tendo ocorrido avanços.

Com o impedimento da presidenta Dilma Rousseff, em agosto de 2016, passamos para um regime político bem mais conservador e menos propenso ao diálogo, por isso essa convivência “entremeada” foi drasticamente rompida e a atitude de oposição também mudou. As sementes da busca por modelos alternativos ganham relevância. Se a ideia de “classes trabalhadoras e elite dominante” nunca desapareceu das atividades políticas no Brasil, agora retomamos a atualidade da ideia de classe, não no sentido clássico de proletariado, mas no sentido cunhado pelos movimentos sociais de “classes trabalhadoras” ou “classes populares”.

Se compararmos o feminismo camponês presente nas obras estudadas, vemos que há impasses significativos com a descrição que Duarte (2019) faz do momento atual do feminismo brasileiro. Impasses que não são novos, mas nem por isso menos polêmicos. Se quisermos resumi-los em poucas palavras, podemos dizer que derivam basicamente da influência do pós-modernismo nas ciências em geral e nas sociais em particular.

 

Feminismo e a ‘virada linguística’

Por “virada linguística” entendemos que ela ocorre quando a linguagem deixa de ser considerada algo dado, transparente, universal. O que é dito é preciso ser não apenas “ouvido” mas “compreendido”. É necessário apreender o “sentido” que quem fala dá aos termos que usa, procurando suas raízes, ou seja, a matriz valorativa que embasa o conceito (ver GIDDENS, 1978; GEERTZ, 1989, entre outros).

Uma das marcas fortes da concepção de gênero entre as militantes do MMC é que toda a desconstrução das ideias de gênero e sexo, toda a procura de suas raízes tão presentes na academia, não encontra eco entre as agricultoras. Eco nenhum. Ao participar do Instituto de Estudos de Gênero (IEG), ligado à UFSC, em Florianópolis,[6] percebemos a grande importância conferida ao feminismo posterior à “virada linguística”, quando a ideia de “desconstrução” toma força, e à teoria queer, que defende que não só o conceito de gênero, mas também o de sexo, são construídos (BUTLER, 1990). Vemos pouca influência do feminismo marxista que foi tão forte no Brasil nas décadas 1960 e 1970. Desconhecer o trabalho de Judith Butler e as implicações de sua teoria é quase impensável dentro do IEG. Usar esse Instituto como parâmetro para o momento atual do feminismo brasileiro não é uma escolha aleatória, pois ele é responsável pela publicação da Revista de Estudos Feministas, o periódico mais importante sobre o tema no Brasil. Por isso vale a pena a leitura da tradução do livro de Seyla Benhabib et al. (2018), Debates feministas: um intercâmbio filosófico, escrito nos anos 1990. A obra, de autoria de quatro consagradas feministas norte-americanas, Seyla Benhabib, Judith Buttler, Drucila Cornell e Nancy Fraser, com introdução de Linda Niccholson, também bastante reconhecida, mostra que a aceitação do pós-modernismo não é unânime, apesar de sua forte influência não apenas sobre os feminismos como sobre as Ciências Sociais em geral. Enquanto, por exemplo, Benhabib é enfática em contestar a aliança entre feminismo e pós-modernidade, Butler já considera essa aliança estratégica para questionar reflexões e conceitos que entravavam o avanço do feminismo.

Quando realizamos nosso pós-doutorado na The London School of Enonomics and Political Science, entre os anos 1996 e 1997, a aceitação ou não do pós-modernismo entre as feministas inglesas era uma discussão muito presente. O ponto mais polêmico quanto à aceitação tem a ver com a mesma ressalva que faz Gaspareto (2017): a possibilidade de que uma desconstrução sem fim pudesse levar a uma postura niilista com relação ao decréscimo das desigualdades sociais entre homens e mulheres, porque essa desconstrução não ofereceria suporte para quaisquer programas de ação. Harding (1987, p. 10) é enfática quando diz que se o relativismo chegar ao ponto de aceitarmos que as mulheres têm seus pontos de vista e os homens, os deles, a pesquisa feminista tem que abdicar do objetivo de provocar mudanças sociais.

Apesar das ressalvas mais ou menos fortes quanto ao pós-modernismo feitas por muitas feministas, em contraposição a outras que têm nele um novo parâmetro de estudos, não se pode negar algumas de suas contribuições ao pensamento crítico. Em primeiro lugar, questiona a pressuposição de que a razão e as ciências trazem conhecimentos neutros e puramente objetivos e, mais que isso, denuncia que o “sujeito universal” é masculino, ou seja, os padrões científicos de normatividade baseiam-se em valores associados ao homem, à masculinidade. Em segundo, o poder é visto como estando difundido por toda a sociedade e não concentrado no Estado ou numa elite hegemônica, o que permite a análise do controle em microesferas como a família, ponto importante no debate feminista. Em terceiro e último lugar, enfatiza as diferenças, e isso questiona uma certa “marca de origem” do feminismo, movimento que nasceu nas classes médias ocidentais urbanas e, em consequência, alguns grupos de mulheres se sentiam dele excluídas (negras, mulheres do Terceiro Mundo, lésbicas etc.). Entre rejeição total e aceitação total, há várias formas de apropriação seletiva. Vale ressaltar a postura interessante de Janice McLaughlin (1997, p. 8) que, apesar de aceitar as ideias pós-modernas de maneira bastante crítica, de certa forma aponta uma possibilidade de amenizar a polêmica, por meio de mais diálogos, indicando que o feminismo, como pensamento crítico, é um colaborador ativo e não um receptor passivo do pós-modernismo (PAULILO, 1999). O pós-modernismo não é um momento histórico, é uma corrente de pensamento que surge na alta modernidade e que tem uma visão crítica sobre muitos dos “princípios universais” que essa mesma modernidade defendeu, priorizando a visão de mundo hegemônica nas sociedades industriais, baseada na firme crença na racionalidade econômica, na verdade científica e na eficiência tecnológica. Esse padrão era considerado o “correto” para todos os povos e nações, apesar das diferenças de valores, conhecimento e possibilidades técnicas existentes entre eles (ver GIDDENS, 1991, entre outros).

Um exemplo conspícuo da postura de que a modernidade é algo bom e que deve ser levada a todos os povos aconteceu durante a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, convocada pela ONU, em Beijing, em 1995, quando foi assinada uma declaração pública contra o fundamentalismo islâmico. Sarti (2004) ressalta que o ideal de liberdade que motivou a declaração era alheio às mulheres islâmicas, ou seja, não fazia parte de seus valores morais e, portanto, houve um desrespeito às diferenças culturais. Margot Badran (2012, p. 13), especialista em sociedades islâmicas, diz no livro Feminismo en el Islan: “Durante mucho tiempo, una gran parte de los occidentales consideraba que en el Islan no había tenido lugar el movimiento feminista, destacando que ‘feminismo e Islan’ era un oxímoron.”

Badran afirma que não só houve como há feminismo entre as mulheres islâmicas e que elas não formam um grupo homogêneo, como querem fazer crer no Ocidente. Se o feminismo ocidental é laico, expulsando a religião de sua construção de modernidade, existem feminismos religiosos, aqueles que vão buscar nos livros sagrados princípios de igualdade entre homens e mulheres. No Islã, existe tanto o feminismo laico como o feminismo religioso, segundo a autora. No Brasil, há também feministas religiosas como, por exemplo, a teóloga Ivone Gebara, que distingue as afirmações da Bíblia das interpretações mais machistas de pensadores como Santo Agostinho, São Paulo e São Tomás de Aquino (GEBARA, 2000).

Os países islâmicos que sofreram a dominação de potências ocidentais, como o Egito, tiveram seus princípios religiosos muito combatidos. O próprio Atatürk (1881-1938),[7] para distanciar-se do antigo Império Otomano de base religiosa impôs, entre outras medidas, o abandono do uso do véu. Badran faz uma análise muito interessante no que diz respeito a esse uso, tão condenado pelas feministas brancas, mostrando que o costume tem muitos significados. Pode ser resultado de imposição e significar submissão, mas pode, também, denotar reação ao domínio ocidental, uma retomada do nacionalismo em uma postura anticolonialista. Sua utilização foi inclusive uma estratégia feminista que permitiu às mulheres mais participação pública (BADRAN, 2012, p. 121), embora esse comportamento reforçasse implicitamente a ideologia sexual dominante. Não é possível, em apenas alguns parágrafos, expor a complexidade do livro de Badran, mencionado anteriormente, mas vale a pena citar um trecho que mostra a polissemia do uso do véu.

Huda al-Sha’rawi y SaizaNabarawi anunciaron el comienzo del movimiento feminista descubriendo sus rostros en 1923 para simbolizar su rechazo a una cultura de segregación femenina y de reclusión doméstica. Cubriendo únicamente sus cabezas “modernizaban” el hiyab, mientras mantenían la prescripción islámica. Mientras Sh’rawi, al igual que la mayoría de las mujeres de la elite, acabó por quitarse también el velo que le cubría la cabeza, resulta significativo que llevase puesto el hiyab, en la forma de cubrirse la cabeza, para su retrato “oficial” como líder feminista. (BADRAN, 2012, p. 356)

Essa digressão pelo feminismo islâmico teve como intuito mostrar que a falta de relativização pode ser tão perigosa como seu excesso e, ainda, leva-nos ao texto de Maria José Guerra Palmero (2000), Servirá el multiculturalismo para revigorizar al patriarcado? Uma apuesta por el feminismo global, no qual a autora fala também sobre o Islã e outras culturas diferentes das ocidentais. Nesse texto, ela mostra seu temor de que o multiculturalismo possa levar a um respeito e a uma passividade acrítica diante das discriminações de gênero presentes tanto nas culturas ocidentais como nas asiáticas e muçulmanas, enfim, no mundo todo. Por isso, a autora defende que o feminismo busque algumas bandeiras de lutas comuns às mulheres de diferentes países como sobreviver, trabalhar, ter acesso à educação, ter controle sobre sua própria reprodução, ter liberdade de movimentos, não sofrer violência etc. Também é preciso conter certa vocação “missionária” das feministas brancas e deixar que as mulheres oprimidas falem por si mesmas e não tentar “catequizá-las”, ou seja, “ocidentalizá-las”. Mas em nenhum momento Palmero diz que este é um objetivo fácil.

Esse mesmo temor leva feministas como Maria Lygia Quartim de Moraes (2018, p. 1) a dizer que a adesão maciça aos postulados dos pós-modernismos, juntamente com o avanço do neoliberalismo, tem levado a uma deserção, por parte dos intelectuais, do exercício da crítica, tendo como objetivo a transformação radical da sociedade, ou seja,  vem provocando aquela passividade acrítica que Guerra Palmero teme, pois é no pós-modernismo que o multiculturalismo tem suas raízes.

Sempre que se fala em um feminismo global, vem o medo das imposições que a modernidade nos trouxe, imposições ressaltadas na crítica feita por Giddens (1991). Porém, quando se joga fora a tendência homogeneizadora da modernidade, é preciso não ignorar também os ideais iluministas de igualdade, liberdade e solidariedade, ideias que são caras aos movimentos sociais. Como diz Paulilo (2016b, p. 300):

Embora não restem dúvidas de que a igualdade entre os homens, e não entre homens e mulheres, foi o maior fruto do Iluminismo, feministas como Célia Amorós (2000), Amélia Varcácel (2009) e Maria José Guerra Palmero (2001) consideram injusto não dar o devido valor a esse período histórico de explosão na busca por justiça e igualdade. Guerra Palmero diz que o Iluminismo foi roubado das mulheres, Varcácel, que o feminismo é um filho não desejado do Iluminismo. Todas dão grande valor à pioneiras iluministas: Olympe de Gouges e Mary Wollstonecraft.

O medo compreensível do excesso tem levado o feminismo camponês a certa rigidez no rechaço da postura pós-moderna. A crítica mais forte, Gaspareto reserva para Butler.[8]

Butler (1990) é uma das principais referências dessa perspectiva feminista pós-moderna quando afirma que a principal tarefa do feminismo é reconstruir o processo de formação das identidades de gênero (...). A principal preocupação de Butler (1990) é em relação ao papel que o poder cumpre na constituição da identidade do feminino. Daí a importância de perceber que o tema relacionado ao “empoderamento” das mulheres, quando associado à perspectiva neoliberal, perde a noção de desigualdade social e pode se constituir em mais uma armadilha teórica. (...) Se observarmos alguns estudos sobre a mulher na década de 1990, podemos perceber que entre os temas em debate encontram-se: pós-feminismo, pós-modernismo, fim da ideologia, e a emergência de um pluralismo neoliberal que tornaria totalmente anacrônica as reivindicações tradicionais do trabalho feminista. (GASPARETO, 2017, p. 135)

E, nas conclusões:

Acreditamos que esta tese pode ser lida como uma contribuição que, vinculada à tradição marxista, oferece pelo menos duas possibilidades de análise dos movimentos das mulheres: uma está dada pelo materialismo histórico enquanto método de abordagem para a análise da ação coletiva das mulheres; outra está no esforço no sentido de não cair em tentações pós-modernas que exageram na importância das diferenças, relativizam a importância da construção de identidades, apostam em “perspectivas de análises” e nem sempre assumem uma posição clara quanto à importância da atuação política contra diferentes formas de opressão e de dominação que fazem parte do cotidiano e da condição histórica da mulher em nossas sociedades. (GASPARETO, 2017, p. 198)

A tese de doutorado de Gaspareto retoma, em suas referências bibliográficas, obras que foram muito caras a marxistas dos anos 1970, feministas ou não. Embora a autora coloque datas de reimpressões mais recentes, a primeira edição em português é do período a que estamos nos referindo. Além de vários livros clássicos de Marx, Engels, Lênin e Rosa Luxemburgo, ela cita o livro de Saffioti (2013), cuja primeira edição foi em 1969. Para exemplificar melhor, ressaltamos apenas mais dois, o de Karel Kosik (1995; há uma edição de 1969) e o de Henri Lefebvre (1975; há uma edição posterior de 1983), escolhidos porque dizem mais respeito à epistemologia. Nesses dois últimos autores está muito presente o realismo analítico, agora tão criticado mesmo por correntes marxistas. Realismo no sentido de que o mundo pode ser conhecido como é, não havendo espaço para diferentes interpretações. Isso mostra que, se o feminismo camponês não é um resultado imediato, cronologicamente falando do feminismo marxista desse período, retoma-o mesmo com o risco de trazer com ele impasses de difícil solução no momento atual em que vivemos. Devemos ressaltar que a autora cita também O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde, de Maria Cecília Minayo (2010), cuja primeira edição foi em 1992. Minayo defende que o realismo presente nas análises marxistas seja relativizado com a incorporação de elementos da “sociologia compreensiva” que trabalha com a ideia de “interpretação”. O livro mostra seu sucesso entre estudantes e pesquisadores marxistas por meio de sucessivas reimpressões (a de 2010 é a 12a). Porém, nos trabalhos acadêmicos das militantes, não há críticas explícitas ao realismo em que se baseiam as obras de alguns autores marxistas que mencionam, ou seja, elas deixam de lado a discussão epistemológica sobre se a realidade pode ser conhecida como é, ou se o conhecimento é “unilateral’, como quer Max Weber, ou, ainda, se o conhecimento é sempre interpretativo.

Diferentemente, porém, dos anos 1970, o marxismo camponês enfatiza não só a luta contra o modelo hegemônico capitalista. Traz para o feminismo a defesa da agroecologia[9] e a importância de romper as desigualdades no âmbito doméstico, duas preocupações secundárias no feminismo marxista anterior.

Ísis Menezes Táboas (2018, p. 36-38), ao consultar inúmeras publicações do MMC e entrevistar várias de suas militantes, resume os ideais desse Movimento em três grandes eixos: “projeto agroecológico (produção de alimentos saudáveis), direitos sociais (Previdência Social) e autonomia das mulheres (enfrentamento à violência doméstica e familiar)”. No primeiro objetivo está contida a luta contra o modelo hegemônico de produção agrícola baseado nos grandes agronegócios, e que a autora subdivide em dez metas específicas. O segundo mostra a busca de uma sociedade mais democrática e inclusiva, subdividido em cinco questões menores. O terceiro objetivo mantém grau semelhante de importância diante dos outros dois, contendo sete objetivos específicos, o que demonstra que a desigualdade dentro da família é um assunto complexo, difícil de ser tirado das sombras e superado. Pelas leituras e entrevistas que fizemos, é possível constatar que nesse terceiro item, para as mulheres, o conceito central é o de “patriarcado”.

Seria a aceitação ou não das ideias pós-modernas um impasse não solucionável? Cremos que não. Além da proposta de diálogo de McLaughlin (1997), há um alerta mais atual de Alícia Puleo (2013, p. 245), que também predispõe ao diálogo. Segundo a autora, a desconstrução é um elemento importante de libertação contra os preconceitos, pois mostra as raízes machistas e modernistas de muitas ideias tidas como “universais”, porém romper totalmente os limites entre natureza e cultura pode nos levar a um apoio perigoso àqueles que, por discordarem de qualquer forma de preservação ambiental, afirmam que, sendo a natureza sempre uma construção, é possível alterá-la. Uma vez que o MMC é um defensor importante da agroecologia, como a própria Alícia Puleo, esse é um alerta a ser levado em conta. 

Há que se considerar, também, o que diz Raewyn Connell (2016, p. 34-44) que, depois de ressaltar as grandes diferenças existentes entre feminismos distintos e a necessidade não só de diálogo mas de cooperação política ativa, além das fronteiras nacionais, afirma que “(...) estamos em um estágio inicial de reconstrução das teorias de gênero a partir de uma perspectiva do Sul (...) o fazer e desfazer das relações de gênero ao redor do planeta é parte significativa das questões mais urgentes do nosso tempo”.

Podemos dizer que já há um início de diálogo quando vemos que, se nem todas as feministas aceitam os feminismos descolonial e decolonial (que não são sinônimos), por considerá-los ligados ao pós-modernismo, algumas lideranças das agricultoras consideram-nos aliados na luta anticapitalista. Militantes do MMC participaram do já citado I Encontro Pós-colonial e Decolonial, juntamente com lideranças indígenas e africanas.

 

Considerações finais

Com este artigo queremos chamar a atenção para a presença, no Brasil, de um importante movimento de mulheres rurais, que se autodenomina “Feminismo Camponês e Popular”, e para as possibilidades de diálogo desse feminismo com outras correntes existentes, principalmente às ligadas ao pós-modernismo. Assim como o movimento negro trouxe contribuições para o feminismo branco e de classe média, esse novo feminismo também traz questões a serem pensadas.

O primeiro ponto a ressaltar é que, enquanto os feminismos atuais tem se dedicado, nos últimos anos, mais às questões de reconhecimento e reprodução, as camponesas recolocam em pauta a questão do patriarcado e das desigualdades de classes que ficaram em segundo plano, como mostra levantamento feito por Luís Felipe Miguel (2017) na Revista de Estudos Feministas (REF) e nos Cadernos Pagu.

É interessante a maneira como cruzam as questões de classe e de gênero, sem hierarquizá-las e sem medo de “dividir a luta”. Como mostrou Táboas (2018), o MMC trabalha em três grandes eixos considerados igualmente relevantes: a) um projeto ecológico que, ao lutar contra a hegemonia do agronegócio produtivista, luta também contra o modelo de desenvolvimento capitalista vigente no Brasil; b) busca de uma sociedade mais democrática e inclusiva; e c) a desigualdade dentro das próprias famílias.

Se as agricultoras não têm medo de “dividir a luta”, também não temem que sejam consideradas “essencialistas”, por se sentirem responsáveis pelos trabalhos domésticos e de cuidados, incluindo as hortas e pequenas criações. Para elas não importa se essas atividades têm mais a ver com a “essência” das mulheres ou se vêm de sua prática cotidiana. Elas não querem abandoná-las por serem vistas como atividades femininas, elas querem torná-las tão valorizadas quanto às atividades consideradas produtivas, que trazem a maior renda e pelas quais os responsáveis são os homens. As mulheres também trabalham nessas atividades rentáveis, mas seu esforço é tido depreciativamente como uma “ajuda”. No terceiro eixo citado por Táboas (2018), ao discutir as desigualdades dentro da família, a proposta é levar os homens para a divisão das tarefas dentro de casa e, ao mesmo tempo, as mulheres participarem das decisões sobre o uso do dinheiro e da propriedade. Aí também está incluída uma luta contra a violência doméstica. 

O feminismo considerado essencialista foi muito criticado pelos feminismos pós-modernos pelo perigo de que ele venha a reforçar a divisão entre atividades produtivas e reprodutivas. As mulheres rurais não “cabem” nessa divisão porque elas tanto plantam a horta, criam galinhas e porcos para a alimentação da família, como podem vender uma parte. Vão para a lavoura levando os filhos pequenos, superpondo atividades de cuidados com atividades ditas produtivas.

Rejeitar o feminismo das camponesas porque seriam “essencialistas” é dar muita importância aos termos e não às práticas. Na luta cotidiana, elas estão avançando para maior igualdade de gênero. Julgar que a luta pela vida começa com as mulheres pode ser uma “ficção útil”, conforme Rodríguez Magda, que impulsiona as agricultoras a lutar pela preservação do ambiente, convencer a família e mais pessoas a fazerem o mesmo e a afirmarem que “sem feminismo não há agroecologia”.

Não podemos esquecer que o feminismo camponês e popular é um feminismo fundado na prática. São as mulheres que cuidam da saúde da família e, por isso, conhecem de perto os malefícios dos agrotóxicos. Algumas correntes feministas se tornaram tão teóricas que encontram pouca repercussão fora da Academia, não formam movimentos sociais. Enquanto isso, o MMC consegue colocar nas ruas suas mulheres para protestar contra o que consideram injusto.

De todas as contribuições possíveis, a grande preocupação ecológica parece ser a mais estimulante e a que permite formar uma bandeira comum. Nenhuma corrente feminista pode negar que nosso planeta está sendo dilapidado e que a vida na Terra está ameaçada. Como dizem as agricultoras “planta-se veneno e colhe-se veneno”.

Se até agora falamos de contribuições, é preciso lembrar que no texto mostramos a forte rejeição das militantes do MMC às correntes ligadas ao pós-modernismo. Seria possível um diálogo entre os diferentes feminismos? Seria possível, diz Guerra Palmero (2000), se houver a formação de bandeiras comuns de luta. Nossa experiência tem nos mostrado que não é um diálogo teórico fácil, talvez a prática possa ser um começo. Por que dizemos isso? Porque no 13o Congresso Mundo de Mulheres e Fazendo Gênero 11: transformações, conexões, deslocamento, ocorrido em Florianópolis, no período de 30 de julho a 4 de agosto de 2017, com a participação de cerca de 8 mil pessoas, houve pela primeira vez a presença de mulheres rurais bastante significativa e participante, não só das agricultoras já ligadas à Academia, mas de muitas que vieram das bases dos movimentos, entre eles, principalmente, o MMC e o Movimento de Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Foi montada uma tenda grande no campus só para as mulheres agricultoras, local onde havia atividades o tempo todo.

Para o Congresso Fazendo Gênero 12 que, por causa da pandemia, foi adiado para 2021, a presença das mulheres rurais já está garantida. Como o Fazendo Gênero é realizado pelo Instituto de Estudos de Gênero (IEG), lugar onde o pós-modernismo é bastante valorizado, não estaríamos já começando um diálogo?

 

Agradecimentos

Agradecemos ao CNPQ, do qual somos bolsista de produtividade, o apoio à pesquisa “Classe e Gênero no Movimento de Mulheres Agricultoras” (2014-2017). Agradecemos também aos participantes, na época, do Núcleo de Estudos sobre Agricultura Familiar da Universidade Federal de Santa Catarina (NAF/UFSC): Valmir Stropasolas, Karolyna Marin Herrera, Patrícia Klock, Vilênia Porto Aguiar, Valdete Boni, Flavia Soares Ramos e Cristiano Kerber.

 

 

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Como citar

PAULILO, Maria Ignez Silveira. Feminismo camponês e popular e pós-modernismo. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 29, n. 2, p. 253-277, jun. 2021. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v29n2-1.

 

 

 

 

Maria Ignez Silveira Paulilo

Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista de Produtividade do CNPq nível 1B. Doutorado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutorado pela The London School of Economics and Political Science, Londres.

ipaulilo@terra.com.br
https://orcid.org/0000-0002-2437-2314
http://lattes.cnpq.br/2977786306542525



 

 

 

 

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[1] Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista de Produtividade do CNPq nível 1B. Doutorado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-doutorado pela The London School of Economics and Political Science, Londres. E-mail: ipaulilo@terra.com.br.

[2] Não é de se estranhar a entrada das militantes do MMC na Academia. Nos mais de 30 anos de existência do Movimento, elas buscaram sempre por mais espaços. O primeiro deles foi o da política, como vereadoras e deputadas. O Movimento dá grande importância aos estudos, e as mulheres se orgulham de estarem prosseguindo neles. Mulheres já com filhos adultos entram em cursos de graduação e, em um dos encontros em que participamos, as coordenadoras fizeram questão de citar nominalmente as militantes que estavam se pós-graduando. Fica claro que as universidades são espaços também de militância.

[3] Convencionou-se falar do feminismo em “ondas” porque esse movimento, como as ondas do mar, tem fluxos e refluxos.

[4] É interessante notar nesta citação que as mulheres, ao se assumirem feministas, percebem que já o eram mesmo sem usarem o termo.

[5] Evento realizado em Florianópolis – SC, na Udesc/Faed, entre 23 e 25 de outubro de 2019.

[6] O IEG foi criado em 2005 por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc). Tem como objetivo criar redes de pesquisa em âmbito local, nacional e internacional, articular-se com a comunidade, movimentos sociais e artistas comprometidas(os) com os direitos das mulheres, a igualdade de gênero, e fornecer subsídios para a formulação de políticas públicas (www.ieg.ufsc.br).

 

[7] Mustafa Kemal Paxá, posteriormente Kamâl Atatürk. Estadista revolucionário turco, fundador da República da Turquia e seu primeiro presidente.

[8] Usamos principalmente a tese de Gaspareto porque é a que mais se detém nesta discussão teórica.

[9] Não confundir a agroecologia defendida pelo MMC como a de um “capitalismo verde”. Quem coloca com clareza o que seria esse capitalismo é a militante espanhola YaYo Herrera López, em fala no Youtube, em 29 de dezembro de 2019: “Hay un ecologismo análogo al feminismo liberal, se lhama capitalismo ‘verde’ y pretende resolver el problema ambiental colocando en el centro, solamente, la transición a las energias renovables, sin hablar de redistribución de la riqueza, sin hablar de todo lo que hay que cerrar, de todo lo que hay que dejar de hacer y sin hablar de dónde van a venir los recursos minerales que se necessitam para hacer la transición energética, o sea, las emigraziones forçosas OK?, las vulneraciones a los Direchos Humanos, los asesinatos a personas defensoras de la tierra que, en muchos casos, están promovidos por empresas que se cotizan en el IBEX – 35.”