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v. 29, n. 1, fevereiro a maio de 2021, p. 66-93
Recebido em 2 de novembro de 2020. Aceito em 18 de dezembro de 2020.



Mulheres atingidas por megaprojetos em tempos de pandemia: conflitos e resistências

Women affected by megaprojects in pandemic times: conflicts and resistance

 

DOI: 10.36920/esa-v29n1-6

 

orcid_id.png  Fabrina Pontes Furtado[1]
orcid_id.png  Carmen Andriolli[2]

 

Resumo: O objetivo deste artigo é refletir sobre a lógica de instalação dos megaprojetos de desenvolvimento em diversas localidades brasileiras e os impactos que causam na vida de mulheres, levando em consideração o que elas vêm anunciando em diversas mídias: “tudo isso já existia. A pandemia da Covid-19 intensificou aquilo que já sofríamos”. Essa reflexão é fundamentada nas experiências “das mulheres”, observadas em pesquisas de campo realizadas nos territórios atingidos por megaprojetos e por meio de entrevistas semiestruturadas presenciais e virtuais com mulheres atingidas e mulheres que assessoram as populações atingidas, complementada pela participação em lives sobre o tema na quarentena. Demonstramos como a existência de conflitos ambientais – ou seja, conflitos relacionados ao acesso, ao uso e à apropriação material e simbólica do ambiente –, decorrentes da instalação de grandes projetos, gera, por um lado, um processo de expropriação de territórios e de alteração negativa de modos de vida de quilombolas, comunidades tradicionais, agricultores e povos indígenas e, por outro, implicações diferenciadas para as mulheres. A sobrecarga de trabalhos domésticos e de cuidados com as famílias em decorrência do agravamento da saúde, por causa dos projetos de desenvolvimento, a violação e a exploração dos corpos de mulheres e meninas, a negação das mulheres como sujeitos políticos descortinada pelo fato de terem que lutar pelo direito de serem reconhecidas como “atingidas” e a apropriação da temática de gênero pelas empresas envolvidas em tais projetos demonstram como as desigualdades de gênero são reforçadas por estes tipos de investimentos, bem como impõem a perspectiva universalizante, eurocêntrica e individualista de “gênero” nas comunidades. São efeitos que, em decorrência da pandemia, vêm sendo intensificados e explicitados, ao mesmo tempo que combatidos por essas mulheres.

Palavras-chave: mulheres; grandes projetos de investimento; conflitos.  

 

Abstract: (Women affected by megaprojects in pandemic times: conflicts and resistance). This article aims to reflect on the logic through which mega development projects are set up in several places in Brazil and the impacts that they cause on women’s lives, taking into consideration what they have been announcing in the media: “all this already existed. The Covid-19 pandemic has intensified what we already used to suffer”. This reflection is based on the experiences of “women”, observed in field researches carried out in territories affected by large investment projects and through personal and virtual semi-structured interviews with those women affected by such projects, complemented by women that advice affected populations through online events related to the issue. We demonstrate how the existence of environmental conflicts, – that is, conflicts related to the access, use and material and symbolic appropriation of the environment – as a result of the set up of large projects, generate a process of expropriation of territories that adversely affects the lives of black, traditional, agricultural and indigenous populations, with differentiated implications for women. The domestic work and family care burden as a result of worsening health conditions caused by development projects, sexual exploitation of women and girls’ bodies and the denial of them as political actors revealed by how they have to struggle for the right to be considered as “affected” and the gender appropriation by corporations involved in such projects demonstrate how gender inequalities are compounded by this kind of investment as well as inflecting a universal, eurocentric and individualistic perspective of “gender” within communities. These are effects that due to the pandemic have been intensified and became even more explicit whilst being fought by these women.

Keywords: women; large investment projects; conflicts.

 

 

 

 

 

 

Introdução

A disseminação da Covid-19[3] tem gerado uma pandemia global, e uma crise econômica e civilizatória de profundas proporções. Uma crise que explicita e aprofunda diversos problemas decorrentes do sistema capitalista e lógica de desenvolvimento, que impulsiona retrocessos políticos, flexibilização e violações de direitos, além do sucateamento de órgãos instituídos para garantir e promover a manutenção da vida. A deterioração dos serviços públicos essenciais, em especial saúde, moradia, educação e assistência social, decorrentes das políticas neoliberais implementadas no país desde os anos 1980, tem resultado em perda de vidas e de direitos sociais e trabalhistas, altos índices de desemprego, precarização de trabalho, empobrecimento em massa e desamparo. O governo liberal-autoritário que temos no país converteu o Brasil em um exemplo de políticas, de narrativas sobre a natureza e sobre povos indígenas, tradicionais e camponesas, bem como de “resposta” à pandemia, caracterizadas como autoritárias, liberais, machistas, racistas e negacionistas. O governo não apenas nega a amplitude e importância da pandemia, como busca meios de deslegitimar e proibir políticas de assistência social e práticas de isolamento social como forma de enfrentar a crise econômica. Ao mesmo tempo, acelera as desregulações e autoriza a violência contra os agentes e processos definidos como obstáculos ao seu projeto de nação. No entanto, como outras consequências do capitalismo neoliberal, os efeitos da atual crise sanitária e econômica não são democráticos, nem abstratos. A crise tem gênero, tem raça, tem classe. A pandemia da Covid-19 vem crescentemente evidenciando as desigualdades estruturais e escancarando os privilégios masculinos, da branquitude e de classe, a partir dos quais o sistema capitalista se cria, se dissemina e se fortalece. Os efeitos dessa crise são e serão vivenciados por mulheres, em particular as mulheres negras, de forma singular, profunda e em longo prazo. Pesquisas já evidenciam que, para muitas dessas mulheres, o home office não é uma possibilidade; não conseguem atendimento de saúde adequado; lutam para garantir alimentação para as suas famílias e para cumprir com regras de higienização em meio à crise econômica; além de assumirem a maior parcela dos cuidados domésticos e com crianças e idosos (FREITAS, 2020).

Nesse contexto, a lógica de desenvolvimento, em especial através da instalação de megaprojetos, bem como os efeitos da crise sanitária, política e econômica geram vulnerabilidades que intensificam os impactos negativos vivenciados por grupos sociais a partir das intervenções nos seus territórios. A vasta literatura disponível sobre essa lógica revela que ela tem como forma de expansão o uso intensivo e extensivo da terra; a sobre-exploração do trabalho; a violação, flexibilização e fragmentação da legislação ambiental e, portanto, o desmatamento, a contaminação das terras, dos solos e dos ares; processos de grilagem, privatização e expropriação de territórios. Trata-se de um processo que oculta as transformações territoriais que expulsam populações inteiras dos seus locais de produção e reprodução, ou torna seus modos de vidas inviáveis. Para além disso, os impactos sociais e ambientais da atuação das corporações ligadas aos grandes projetos, na sua relação com o Estado, não são democráticos. Existe uma crescente percepção de que os impactos desses conflitos são sentidos e vivenciados de formas distintas por homens e mulheres, e entre elas, pois são marcados por relações sociais desiguais que preestabelecem responsabilidades específicas em função do gênero, da classe e da raça. Ademais, as experiências das mulheres influenciam as suas percepções e valores em torno dos próprios conflitos e formas de resistência.

Apesar de os conflitos e as violências serem anterior à pandemia causada pelo novo coronavírus, a crise sanitária e econômica decorrente dela vem intensificar, explicitar e complexificar os efeitos já existentes. Em alguns territórios, essa crise tem servido como argumento para legitimar intervenções e processos de controle territorial. Em um país onde a desigualdade estruturante atribui ao “ficar em casa” o sentido de privilégio enquanto são ressaltados os efeitos da crise econômica nos países ricos em recursos naturais, dependentes de exportações de commodities, o governo, por sua vez, autoriza o agronegócio e as mineradoras a não realizarem o isolamento social. Declaradas como atividades “essenciais”, o agronegócio e a mineração não pararam no Brasil. A mineração, por exemplo, é um dos setores que registraram altos casos de contaminação de Covid-19 entre seus funcionários, com efeitos também nas comunidades do entorno dos projetos.[4] Em relação ao agronegócio, além de apresentar boas perspectivas de crescimento e rentabilidade, em um contexto de diminuição da já precária fiscalização, sua expansão levou a um aumento no desmatamento, grilagem de terra e outros crimes ambientais. Com o apoio do governo, no discurso e nas regulações e desregulações, os efeitos da pandemia são ocultados ao mesmo tempo que são incorporados pelas empresas do agronegócio e mineração para avançarem nas apropriações territoriais.

Assim sendo, fundamentado em uma perspectiva crítica sobre a atual realidade vivida pelas mulheres impactadas por megaprojetos e na necessidade de fortalecer e difundir conhecimentos produzidos por mulheres, que enfrentam questões de importância para elas, o objetivo deste artigo é refletir sobre a lógica de instalação dos megaprojetos de desenvolvimento em diversas localidades brasileiras e os impactos que causam na vida de mulheres, levando em consideração o que essas mulheres vêm anunciando em diversas mídias: “tudo isso já existia. A pandemia da Covid-19 intensificou aquilo que já sofríamos”.

Essa reflexão é baseada nas vivências de mulheres que, apesar das suas diferenças – quilombolas, camponesas, na sua maioria negras, e indígenas, além de outras formas de identificação (e de geração, por exemplo) –, têm em comum o fato de serem “atingidas”. Conceito como outros disputados, a noção de atingida reflete o reconhecimento e, portanto, a legitimidade de sujeitos, neste caso mulheres, que tiveram seus direitos violados em decorrência da instalação de um empreendimento. Indica também a necessidade de reconhecimento dessa violação e da justa reparação (VAINER, 2003).

O presente artigo representa uma espécie de sistematização de distintos processos de pesquisa, atuação e análise que as autoras vêm pesquisando desde 2003, até chegar à categoria em construção de “mulheres atingidas por megaprojetos”. Parte importante desse processo foram as Missões de Investigação e Incidência da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca na região de Carajás e em torno da indústria de Petróleo no Rio de Janeiro, que utilizaram um “método feminista” de pesquisa, garantindo um olhar de gênero, buscando as mulheres nas cozinhas, quando necessário, ouvindo o que elas tinham para falar sobre as suas vivências como atingidas.

Essas missões, articuladas com a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA),[5] resultaram na publicação dos relatórios: Mineração e Violação de Direitos Humanos: o Projeto Ferro Carajás S11D, da Vale S.A. e Indústria do Petróleo e Conflitos Ambientais na Baía de Guanabara: o caso do Comperj. Relações estabelecidas com organizações como a Rede Justiça nos Trilhos, que atua no fortalecimento de comunidades no Corredor Carajás, e com o Instituto Pacs, que além de acompanhar a população atingida pela siderúrgica da Ternium (antiga Thyssen-Krupp CSA), em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, coordena um projeto sobre Mulheres e Megaprojetos, ou a Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Pará, também têm sido fundamentais nesse processo.

Um dos desdobramentos dessas articulações foi a coordenação de um encontro de formação organizado por essas três organizações: “Mulheres e Megaprojetos: olhares e resistências”, realizado com a participação de aproximadamente 30 mulheres atingidas por megaprojetos de diferentes estados federativos, em abril de 2019. Pesquisa anterior realizada em Santa Cruz sobre a questão ambiental – “Ambientalismo de Espetáculo: economia verde e mercado de carbono no Rio de Janeiro” em 2012 – apresentou pistas sobre a questão de gênero e megaprojetos.

Um trabalho realizado logo após o maior crime ambiental do setor da mineração, o rompimento da barragem do fundão na bacia do Rio Doce, contendo depoimentos de diversos atingidos, destacou a situação particular das mulheres, o que proporcionou a realização de entrevistas semiestruturadas por meio virtual com representante do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) para aprofundar algumas questões identificadas. Esse caminho levou à elaboração de pesquisa especificamente voltada para as mulheres atingidas pelo Complexo do Pecém, no Ceará, em especial, mulheres indígenas, ainda em andamento.

Além disso, a trajetória das autoras está atrelada à realização de pesquisas em diferentes regiões do Brasil, convencionalmente categorizadas como rural, com foco em comunidades tradicionais (sertanejas, geraizeiras, caiçaras, ribeirinhos e pescadoras) e agricultores, tendo a análise de gênero como um dos fios condutores. O contexto de pandemia e do isolamento social que tem evidenciando os impactos diferenciados na vida das mulheres – considerando a diversidade intrínseca a elas – incentivou esse momento de sistematização. A participação em debates que vêm ocorrendo on-line nesse período de quarentena sobre mulheres e megaprojeto (INESC, 2020; INSTITUTO PACS, 2020b) estimulou essa análise particular sobre os megaprojetos. 

Reconhecemos que tratamos aqui de uma categoria (mulheres atingidas) e da relação ainda em construção em termos teóricos, e sabemos das lacunas e riscos relacionados à universalização da categoria mulher. No entanto, ressaltamos que nosso intuito é demonstrar como a existência de conflitos ambientais – ou seja, conflitos relacionados ao acesso, ao uso e à apropriação material e simbólica do ambiente –, decorrentes da instalação de grandes projetos, gera um duplo processo: por um lado, a expropriação de territórios e alteração negativa de modos de vida de quilombolas, comunidades tradicionais, agricultores e povos indígenas,[6] e, por outro, as implicações diferenciadas para as vidas das mulheres. A sobrecarga de trabalhos domésticos e de cuidados com as famílias em decorrência do agravamento da saúde por causa dos projetos de desenvolvimento, a violação e a exploração dos corpos de mulheres e meninas, a negação das mulheres como sujeitos políticos, descortinada pelo fato de ter que lutar pelo direito de ser categorizadas como “atingidas” e a apropriação da temática de gênero pelos GPI demonstram como as desigualdades de gênero são reforçadas por estes tipos de investimentos, bem como impõem a perspectiva universalizante, eurocêntrica e individualista de gênero nas comunidades. São efeitos que, em decorrência da pandemia, vêm sendo intensificados, explicitados, ao mesmo tempo que combatidos por essas mulheres.

Vale ressaltar que outro efeito dessa pandemia tem sido a drástica redução na produção acadêmica elaborada por mulheres, principalmente as cuidadoras, como é o nosso caso, sobrecarregadas com o trabalho doméstico e os cuidados com crianças, idosos e enfermos.

Apesar de contarmos com uma ampla produção de pesquisas sobre a indústria extrativa, grandes projetos e conflitos ambientais (ALMEIDA et al., 2010; ACSELRAD, 2020), trabalhos sobre ecologia política feminista, ecofeminismo e feminismo territorial e comunitário (CABNAL, 2010; PAREDES, 2010; BARRAGÁN et al., 2016; ULLOA, 2016), e diversas análises sobre os efeitos da pandemia na vida das mulheres (CASTRO; CHAGURI, 2020; FEDERICI, 2020; FREITAS, 2020; HIRATA, 2020; ROQUETA et al., 2020), crescentes denúncias em torno do aumento da violência e as desigualdades ambientais afetando as mulheres revelam que ainda é preciso avançar na análise desta relação, mais especificamente considerando o atual contexto de pandemia.

Para tanto, este artigo se estrutura da seguinte forma: após essa breve introdução, analisamos a relação entre as mulheres e os megaprojetos, no contexto do modelo neoextrativista e dos conflitos ambientais decorrentes, considerando que as consequências vivenciadas por elas foram intensificadas com a pandemia. Fizemos essa análise a partir das contribuições Federici (2017) sobre o surgimento do capitalismo e a guerra contra as mulheres, examinando os efeitos em termos da divisão sexual do trabalho e a expropriação dos territórios; violências e expropriações dos corpos das mulheres; e de tentativas de expropriação da capacidade de ação política das mulheres. Também utilizamos como referência o feminismo comunitário (CABNAL, 2010; PAREDES, 2010), que relaciona a expropriação de territórios com a expropriação dos corpos das mulheres. Terminamos com algumas considerações finais.

 

Grandes projetos de investimento e os efeitos sobre a vida das mulheres

Os Grandes Projetos de Investimento (GPI) surgiram como um projeto de planejamento autoritário nos anos de 1970, um novo modelo capaz de abranger a totalidade do território nacional à luz das novas exigências do crescimento econômico. O planejamento territorial foi colocado sob a égide da integração nacional, em que as “regiões-problema” passaram a ser consideradas regiões capazes de contribuir para a concretização do objetivo do Brasil-potência. Nessa lógica de planejamento assumida pelo Estado como projeto hegemônico, a totalidade do território passou a ser considerada um somatório de recursos – capital, força de trabalho, recursos naturais, energia e território – mais ou menos acessíveis, tendo como objetivo a apropriação direta do território (VAINER; ARAUJO, 1992) para expansão de formas de acumulação (RIBEIRO, 1987).

O espaço dos GPI desconhece os perfis socioeconômicos específicos das regiões e privilegia o potencial que é atribuído de acordo com as prioridades dos “centros”. O regional desaparece e o grande investimento setorial domina, ele mesmo criando as regiões. O espaço passa a ser organizado para a obra e, o território, para o empreendimento. A região, o meio ambiente, as suas populações são olhados a partir do GPI como partes e funções dele, que se torna um modo de produção do espaço. Assim é o caso da região de Suape, em decorrência do Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros (mais conhecido como Porto Suape), e da região dos Carajás do Grande Programa Carajás.

Os grandes projetos tornam-se geradores de novas regiões, de novos espaços planejados e geridos na esfera das competências e atribuições das empresas, responsáveis pelo empreendimento, apesar de, em muitos casos, ser de modo informal, e não explícito (VAINER; ARAUJO, 1992). A empresa Vale é quem faz o planejamento urbano e regional de suas regiões, como na região dos Carajás, por exemplo.

Os GPI buscam atender duas exigências: a produção e a reprodução das condições gerais de acumulação e as do ordenamento territorial. São empreendimentos que consolidam o processo de apropriação de recursos naturais e humanos em determinados pontos do território, respondendo a decisões e definições configuradas em espaços relacionais exógenos aos das populações/regiões das proximidades dos empreendimentos. Apesar de os frutos serem consumidos em outros lugares, tais projetos não são neutros no que se refere ao espaço que ocupam; são instrumentos ativos de reordenamento territorial. O Nordeste e a Amazônia, onde grande parte desses projetos está localizada, continuam sendo inseridos de forma subordinada ao projeto hegemônico nacional e internacional.

Como forma de produção, com caráter gigantesco que exige grandes movimentos de capital e de trabalho, tecidos com base em interações com os sistemas econômicos nacionais e internacionais (RIBEIRO, 1987), os GPI são fundamentados na lógica de extração e exportação, modalidade de acumulação em que os países do Sul global são especializados na extração e produção de matérias-primas destinadas à exportação para suprir as demandas do desenvolvimento industrial e o bem-estar dos países do Norte Global. Um projeto que vem sendo uma constante na história do capitalismo global, permanecendo praticamente inalterado até os dias de hoje. Durante o processo de liberalização econômica nos anos 1990, alavancado pela ação do Estado, o modelo extrativista industrial assumiu uma forma extensiva, tendo um papel central na economia política do Brasil e da América Latina. Nos anos 2000, a América Latina foi se consolidando como uma fronteira importante para a intensificação do extrativismo e a incorporação de territórios para estas atividades.

Os governos progressistas que assumiram o poder na região nesse período implementaram algumas mudanças nesse modelo de acumulação, lançando mão de uma maior intervenção do Estado, o que alguns autores sugeriram ser uma versão contemporânea do extrativismo tradicional, ou seja, um neoextrativismo (ACOSTA, 2016). O neoextrativismo implicaria a ampliação da participação dos produtos primários no comércio exterior, priorizado como instrumento de desenvolvimento econômico, com papel ativo do Estado, promovendo essas atividades, garantindo a infraestrutura e as leis necessárias (MILANEZ; DOS SANTOS, 2013). Os estados empenharam-se em gerar condições favoráveis à atração de investimentos internacionais, inclusive recorrendo à desregulação social e ambiental e à garantia de uma forte presença do setor empresarial na esfera política. O Estado estaria, também, garantindo captação de uma maior proporção do excedente gerado por essas atividades, afirmado nas narrativas de justificação desses governos progressistas em torno da indispensabilidade do extrativismo para financiar políticas sociais, combater a pobreza e promover o desenvolvimento, garantindo, assim, legitimação social.

 A conclusão desse debate tem sido que, apesar de algumas mudanças, a modalidade de acumulação, a lógica de extração-exportação motivada por demandas externas, de saque e apropriação colonial e neocolonial, de dependência econômica e política permanecem intactas, mantendo e reproduzindo elementos-chaves do extrativismo colonial.

A consequência desta lógica de desenvolvimento, portanto, tem sido a criação de verdadeiros enclaves que canalizam o dinamismo local para o exterior da região e do país; os recursos naturais são capturados pelos centros hegemônicos nacionais e/ou internacionais. As atividades econômicas locais são desestruturadas, a população cresce de forma desordenada, aumenta o desemprego, o empobrecimento e o meio ambiente é destruído e/ou degradado. Populações inteiras são deslocadas dos seus territórios, e acumulam-se as necessidades em habitação, saneamento, transporte, educação, segurança, atendimento de saúde, serviços básicos e infraestrutura em geral.

Nem mesmo uma situação de pandemia, de crise sanitária e econômica global foi impedimento para o avanço desse projeto. Apesar das projeções negativas de crescimento econômico, em contexto de pandemia, o agronegócio e a mineração, determinados como atividades essenciais durante a pandemia, vêm relatando pouco impacto sobre as suas atividades como resultado da retração econômica brasileira e a queda do consumo. Um dos motivos por trás desse “sucesso” é que, com o aval do governo, o agronegócio e as mineradoras não têm tido necessidade de fazer isolamento social. Em decorrência da variação cambial e dos preços internacionais, além da não paralisação de grande parte das atividades minerárias, principalmente de minério de ferro e cobre, no 2o trimestre de 2020 o setor mineral registrou um faturamento de R$ 39,2 bi. As maiores participações são de minério de ferro, com R$ 23 bilhões (59%), ouro, R$ 5,4 bilhões (14%), e cobre, com R$ 3 bilhões (8%). O saldo do setor mineral, de quase US$ 6 bilhões, correspondeu a cerca de 33% do saldo comercial (US$ 18 bilhões). Apesar de uma baixa em relação aos valores de 2013-2017, os investimentos também estão em alta (IBRAM, 2020).

Os meios de comunicação revelam “boas perspectivas” também para o agronegócio. O PIB agropecuário crescerá entre 3 e 4%; o valor bruto da produção deve crescer 9% em relação ao ano anterior, atingindo um novo recorde, representando cerca de R$ 690 bilhões. Isso se dá em parte pela estabilidade dos preços das commodities nos últimos 12 meses, mas principalmente pelo câmbio: já teve apreciação do dólar estadunidense em 28% esse ano (DAHER, 2020). A projeção para a próxima década é de um salto na produção agrícola de 250,9 milhões (2019/2020) para 318,3 milhões de toneladas, incremento de 27%. De acordo com o diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), “o agronegócio vive um momento sensacional mesmo na pandemia” (CANAL RURAL, 2020).

Não é de se surpreender, portanto, que um dos principais focos de muitas lutas feministas gira em torno dos impactos do modelo neoextrativista e dos grandes projetos relacionados, que extraem os “recursos”, os territórios, os corpos, o trabalho e a ação política das mulheres[7]. Trata-se de uma lógica de desenvolvimento que se alimenta aprofundando o acesso e o uso desigual e a apropriação corporativa dos territórios; os deslocamentos forçados de populações; a violação de direitos humanos e ambientais, a injustiça ambiental; a violência; a criminalização dos movimentos sociais e de comunidades; e as estratégias ilegítimas e ilegais de controle territorial. São impactos que recaem sobre as mulheres de forma desigual, como elucidamos mais à frente.

Em sua obra Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva, Federici (2017) nos brinda com uma análise de como o surgimento do capitalismo coincidiu com uma guerra contra as mulheres. Para a autora, esse processo (1) criou uma nova divisão sexual do trabalho, que excluiu as mulheres do trabalho assalariado, desvalorizou o trabalho reprodutivo e garantiu a subordinação das mulheres aos homens; (2) expropriou o saber e domínio das mulheres sobre seus próprios corpos, transformando-as em uma máquina de produção de novos trabalhadores como forma de superar a crise demográfica e o extermínio de populações em decorrência da colonização e da escravização; e (3) garantiu um intenso processo de degradação social, de redefinição da feminilidade e da masculinidade. As mulheres, reduzidas a não trabalhadoras, e inerentemente inferiores aos homens, que precisavam ser colocadas sob o controle masculino, tornaram-se uma forma particular de exploração, um novo bem comum, do qual qualquer um podia se apropriar e usar segundo a sua vontade. Essa nova ordem patriarcal, de um sistema de opressão, reduziu as mulheres a uma dupla dependência: de seus empregadores e dos homens. Deixou-as sem autonomia ou poder social.

Este triplo processo de expropriação das mulheres analisado por Federici (2017) pode ser relacionado com os efeitos dos GPI, especificamente no sentido de levarem à expropriação dos territórios e do trabalho das mulheres; dos seus corpos; e da sua capacidade de ação política. Essa situação afeta a autonomia financeira e de decisão política das mulheres atingidas e é intensificada pela pandemia da Covid-19.

 

As injustiças ambientais: divisão sexual do trabalho e territórios expropriados

Nos diversos territórios onde os GPI são instalados, os impactos sobre a vida das mulheres são diversos. O enfrentamento das perdas pode ser direto e imediato, através da expulsão dos seus territórios, mas pode também ser gradual e indireto, tendo que conviver com a contaminação do ar, do solo e das terras; a perda do trabalho e outras violências.         

Essa contaminação dos territórios gera uma sobrecarga de trabalho para as mulheres. Há muitos anos, feministas de diversos campos e espaços de atuação vêm ressaltando os efeitos da divisão sexual do trabalho, decorrente das relações sociais de sexo, construídas com base em relações desiguais de poder entre homens e mulheres (KERGOAT, 2003). Tem sido historicamente visibilizada e denunciada uma importante gama de trabalhos realizados por mulheres, em especial mulheres negras, de forma gratuita e precarizada, como se fosse uma atribuição natural, biológica, e não resultado desse sistema de opressão. Assim, são elas que assumem uma maior carga quando a família é impactada pela contaminação por produtos químicos, a falta de água e saneamento, a poluição industrial e a disseminação de doenças. Essas mulheres são responsabilizadas por suprirem e/ou culpabilizadas por não suprirem as necessidades da família, especialmente de crianças, adolescentes, idosos e enfermos, como demonstramos a seguir.

Em Santa Cruz, mais antigo bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, está instalada a TKCSA, uma parceria entre a alemã ThyssenKrupp e a Vale S.A., recentemente vendida para a empresa Argentina Ternium. Além de violações na lei ambiental, das multas, dos embargos e das denúncias, a empresa está sendo pressionada para garantir reparações aos moradores e moradoras da região por diversos danos causados pelas suas atividades, como rachaduras nas casas próximas à linha do trem, interrupção da pesca artesanal, enchente no canal de São Fancisco e agravamento dos problemas de saúde (FIOCRUZ, 2011). Como em outros casos de poluição, as mulheres de Santa Cruz são as maiores responsáveis por cuidar das crianças e dos idosos que adoecem por respirar a poeira tóxica da empresa e pela sobrecarga do trabalho doméstico, igualmente resultante da poeira. Sendo historicamente encarregadas pela alimentação, enfrentam dificuldades também para garantir a segurança alimentar de suas famílias neste contexto. Após a instalação da empresa, houve um aumento dos impactos e das vulnerabilidades sociais na comunidade, como o uso abusivo de drogas e a violência decorrente das políticas de repressão; da criminalização da população em situação de empobrecimento; e das redes de distribuição e consumo de drogas ilícitas e armamentos. Esta situação recai brutalmente sobre a juventude negra e gera sofrimentos familiares e tensões sociais que afetam duramente a vida e a saúde mental das mulheres (INSTITUTO PACS, 2017a).

Apesar do destaque dado ao impacto da siderúrgica sobre a vida dos pescadores da região, impedidos de trabalhar por causa da poluição do mar, da dificuldade de navegar após a instalação da empresa e da construção de uma barragem no canal de São Francisco, justificada pela crise hídrica no Rio de Janeiro, a perda deste modo de sustento afeta também a vida das mulheres. Primeiro porque elas precisam enfrentar as dificuldades de garantir uma renda mínima para o sustento e a segurança e soberania alimentar da família. Além disso, apesar da invisibilidade do trabalho delas na pesca, as pescadoras e marisqueiras sofrem danos emocionais pela perda da atividade e pela degradação do território da baía de Sepetiba, com o qual ainda estabelecem laços afetivos.

No distrito de Pecém, no município de São Gonçalo do Amarante, no Ceará, por exemplo, onde se instalou o Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), a presença de comunidades não foi nem visibilizada no mapeamento local inicial, estratégia utilizada para garantir a instalação da siderurgia, termoelétrica, empresas de petróleo e porto, entre outras. Como afirmou uma indígena da região, onde mais de 300 famílias foram expulsas para abrir espaço para a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), “para essas pessoas, antes das fábricas chegarem aqui, era tudo mato, mas é mentira!” (INSTITUTO PACS, 2017b, p. 1). As populações tradicionais e indígenas têm sido realocadas na mesma área da siderúrgica, sendo obrigadas a conviver com a poluição da terra, do ar, das águas, a degradação dos solos e a perda da flora e fauna, resultando em graves problemas de saúde como respiratórios e de pele (MEIRELLES; MELO; SAID, 2018).

Tais investimentos representam, portanto, uma disputa por terra e território, nos quais, na maioria dos casos, vivem e se reproduzem comunidades tradicionais e indígenas. A produção para a exportação, como é o caso do Complexo do Pecém, afirmou-nos Magnólia Said[8] (2018) em entrevista, “exige uma celeridade e seletividade, onde aquele plantio dos quintais, da produção para agricultura familiar, da produção agroecológica, sob responsabilidade das mulheres, que exige outro tipo de relação com a terra, vai ficando cada vez menor”. E essa produção das mulheres é realizada “sem a mulher ter que se afastar de casa”. Ela produz doce, mel, hortaliças, bolos, pães, queijos, roupas, centros de mesa, tapetes… sem se afastar de casa. No entanto, com o aumento da demanda em torno das atividades de cuidado, das atividades de manutenção da vida, contaminada e precarizada, “as mulheres ficam sem tempo para movimentar este mercado sobre o qual elas têm domínio”. É um processo que significa uma perda da autonomia financeira da mulher, do seu tempo e de seu poder de decisão. Nos quintais, “o poder de decisão sobre o que vai ser produzido é da mulher” (Magnolia Said, entrevista concedida às autoras em 29 de novembro de 2018).

O rompimento da barragem de rejeitos do Fundão, na bacia do Rio Doce, deixou 19 mortos e 637 pessoas desalojadas, destruiu a produção local como a pesca artesanal e a agricultura familiar e contaminou drasticamente os rios e a biodiversidade da região, comprometendo a subsistência e qualidade de vida de 3,2 milhões de pessoas, número estimado de habitantes da bacia do Rio Doce nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, a mais afetada por este desastre socioambiental, considerado o maior crime ambiental na história do Brasil e o maior do mundo envolvendo barragens e rejeitos de mineração. Afetou e continua afetando o direito à vida, à água, à alimentação, à segurança e à soberania alimentar, à moradia, ao trabalho, à saúde e ao direito a viver em um meio ambiente saudável das pessoas que habitam a bacia. Apesar de este crime ter abalado homens e mulheres que habitavam e trabalhavam nos locais atingidos, os depoimentos analisados revelam a desigualdade no que diz respeito aos impactos e ao tratamento dado às mulheres. De acordo com Camila Brito, representante do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), é a mulher que se preocupa com as questões referentes a má qualidade de água, que busca água em outros lugares como bicas, poços, minas. É ainda ela que convive com a falta de água para cozinhar, pois é tarefa dela garantir isso também, que leva os filhos nos postos de saúde e não veem solução para os problemas de coceiras, manchas, feridas, e dores no estômago de toda a família. Além disso, recentemente, estão ocorrendo muitos casos de queda de cabelo; como em geral as mulheres têm o cabelo maior e são ensinadas a manterem muito bonitos sempre, hoje se envergonham, o que afeta também a autoestima delas (Camila Brito, entrevista concedida às autoras em 21 de junho de 2018).

Desta forma, podemos observar que os projetos de desenvolvimento que geram a expropriação dos territórios coletivos, ameaçam a relação de bem-estar que as mulheres nas comunidades têm com a natureza e a promoção da vida. Ameaçam a existência dos espaços que dignificam a existência dessas mulheres (CABNAL, 2010). “Lutar pelo território é lutar pela vida”, afirma Claudelice Santos, moradora do Projeto de Assentamento Extrativistas Praialta Piranheira, no sudoeste do Pará (apud INESC, 2020).

A situação de pandemia e de isolamento social vem ameaçando ainda mais esses espaços. Nessa pandemia, e com a necessidade de isolamento social, em contexto de naturalização e não remuneração do trabalho feminino, as mulheres têm sido impactadas de forma desigual, com a sobrecarga de trabalho doméstico e de cuidados com os filhos e filhas, impossibilitados de irem para a escola, com idosos e enfermos, trabalhos ainda realizados de forma exclusiva ou majoritária por mulheres. Soma-se a esses o risco de contágio pelo novo coronavírus e as precauções de higiene. Segundo Clivia Regina da Silva Uhe, dirigente do Setor de Gênero do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/Pará), “as mulheres estão na linha de frente, são elas que cuidam dos lares, dos filhos, que têm que trabalhar, cuidar da horta. A gente vê na pandemia este aumento da carga de trabalho” (apud INESC, 2020).

A pandemia se apresenta também como um ambiente propício para os agentes do neoextrativismo avançarem nas expropriações territoriais. As mulheres, portanto, enfrentam um aumento de pressão sobre os territórios e suas condições de luta. Além do agronegócio e da mineração terem sido declaradas como atividades essenciais, que não podem parar, com o governo de Jair Bolsonaro, leis e normas vêm sendo reformuladas no campo dos direitos ambientais e das populações indígenas e tradicionais, e novos dispositivos, como a militarização da fiscalização ambiental, criados para garantir o avanço radical do agro-extrativismo. Dados do sistema Deter[9] de análise de imagens de satélite, mantido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), revelam um aumento no desmatamento na Amazônia em comparação com 2019. Em junho, 1.034,4 km² de florestas na Amazônia foram derrubados, área equivalente à da cidade de Belém, no estado do Pará. Isso significa uma alta de 10,65% em relação a junho do ano passado, chegando ao maior nível para esse período desde 2015. Nesse contexto, Claudelice Santos, moradora do Projeto de Assentamento Extrativistas Praialta Piranheira, argumenta que a Covid-19 piora as situações de fragilidades enfrentadas pelos povos tradicionais, que agora têm que “lutar cada vez mais para denunciar as queimadas e o Estado brasileiro está desmontando todos os sistemas de fiscalização” (apud INESC, 2020).

Há indícios ainda que os efeitos aqui mencionados decorrentes dos grandes projetos sobre a vida das mulheres afetam também seus corpos em tempos de pandemia. Tais mulheres acabam tendo perda de imunidade, sobrecarregadas, adoecidas e estressadas pela condição de atingidas, sendo mais expostas ao risco de contágio, que pode ser mais grave e mais letal (ACSELRAD, 2020). Dessa forma, análises revelam que as condições de racismo estrutural, de estresse social e a precarização do trabalho e da vida, enfrentadas por essas mulheres, aumentam os riscos de doenças (AHMED, 2020).

Em decorrência dos riscos à saúde, a pandemia também afeta a capacidade dessas mulheres de trabalharem, e tudo que essa perda significa não só em termos de renda, de autonomia, como também de autonomia e de saúde mental. Como afirma a quebradeira de coco do sudeste do Pará, Cledeneuza Maria Bizerra Oliveira:

O mundo das quebradeiras de coco, está muito afetado, devido a gente ter uma vida de labuta e hoje ter que pisar no freio, ser limitada nas coisas que a gente vai fazer. Isso afeta muito a nossa vida. No vai e vem da nossa vida. Amanhece o dia, arruma a casa, junta coco, quebra coco, fazer azeite, vender, ir para as nossas feiras. Essa crise chegou muito forte na nossa vida. De impedir, até pela nossa idade, já bota obstáculo na nossa vida. Você está impendida de fazer seu trabalho porque está numa área de risco, dizem. (apud INESC, 2020)

 

Aumento das violências contra as mulheres: corpos expropriados

A violência inerente aos conflitos ambientais decorrentes da lógica de desenvolvimento pode também ser associada à violência contra a mulher, em especial contra aquelas que dependem do ambiente para garantir seu sustento, o das suas famílias e de sociedades. Apesar de homens também morrerem e sofrerem violência em decorrência dos conflitos ambientais, no caso do Brasil, o relatório sobre a violência no campo produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) já destacava, em 2014, uma tendência de aumento da violência contra as mulheres (e indígenas em específico). O Brasil é considerado um dos lugares mais perigosos para defensores e defensoras da terra e do meio ambiente, tendo, por seis anos consecutivos, o maior número de assassinatos de lideranças em luta pela terra e por seus territórios. Em 2019, o Brasil registrou 90% dos casos de assassinatos ocorridos na região da Amazônia, ficando em terceiro lugar no número de assassinatos de lideranças, atrás apenas da Colômbia e Filipinas (GLOBAL WITNESS, 2020). Desde 2016, temos visto os números mais elevados de registros de assassinatos em decorrência de conflitos do campo relacionados ao agronegócio. Em 2017, foram 71 assassinatos, o maior número registrado desde 2003 (CPT, 2019). Dados da CPT de 2020 apontam que, em decorrência da política de desregulamentação e desmonte das leis e direitos ambientais, trabalhistas e da população do campo, o primeiro ano do governo Bolsonaro teve o maior número de conflitos no campo e de assassinatos de indígenas nos últimos 10 anos; o número de assassinatos aumentou 14% em 2019 (32) quando comparado com 2018 (28); as tentativas de assassinato passaram de 28 para 30, e as ameaças de morte de 165 para 201. A cada três dias uma mulher sofreu violência em conflitos no campo no ano de 2018: foram três assassinatos de mulheres, três tentativas e 47 ameaças de morte (CPT, 2020). Nesse contexto, ser mulher e ser defensora no Brasil é uma condição de risco.

Também cabe destacar que as mulheres são as principais vítimas das violências praticadas contra as comunidades indígenas no mundo, sendo considerada uma estratégia de desmoralização da comunidade ou de “limpeza étnica” (ROSA, 2016).

A exploração sexual, o tráfico de pessoas e as agressões de outras naturezas contra as mulheres indígenas se acentuam na medida em que elas afirmam a sua liderança em defesa dos seus povos e territórios. Para as mulheres indígenas, a luta pela terra é uma luta de enfrentamento da violência contra as mulheres, pois é na terra e nos seus territórios onde garantem a subsistência e reprodução material e cultural das suas comunidades. Cabnal (2010) relaciona a violência decorrente da expropriação dos territórios e a destruição dos modos de vida tradicional com a violência contra os corpos das mulheres: “en el planteaminento de recuperación y defensa histórica de mi território cuerpo tierra, assumo la recuperación de mi cuerpo expropriado […] y esta potencia la junto com la defensa de mi territorio tierra [...]”.

De acordo com Marcia Wayna Kambeba, do povo Omaguá Kambemba,

A mulher indígena sofre vários tipos de violência. Primeiro, ela sofre por ver seu povo sendo afetado, marginalizado, discriminado. Depois, ela sofre como mulher, e essa violência não é só física, ela é psicológica e social também. O estupro é presente e é uma forma de desmoralizar a aldeia. Ano passado tivemos, só em uma aldeia, três casos de violência sexual. (apud ROSA, 2016, p. 2)

Em decorrência dos conflitos, ocorre também um aumento da violência doméstica; a instalação de grandes projetos e a expansão da lógica mercantil para os espaços comunitários não mercantis aprofundam e tornam mais perversas e autoritárias as hierarquias anteriormente existentes (SEGATO, 2012). O avanço do capitalismo sobre as comunidades, por exemplo, vem impondo a individualização da vida, destruindo os espaços coletivos, que colocam os homens sob o olhar da comunidade, protegendo assim as mulheres da violência. No caso do rompimento da barragem de Fundão, por exemplo, a Defensoria Pública no Espírito Santo vem anunciando o aumento deste tipo de violência sofrida pelas mulheres que protagonizam a luta por direitos.

Os homens, crescidos dentro desta cultura machista agressiva, perderam a sensação de utilidade que traz o trabalho. O ócio tomou conta das comunidades e o álcool e as drogas estão sendo a válvula de escape para muitos atingidos. E em quem recai essa fúria? Na mulher que resiste às violências para manter o que restou do lar. (SOBRAL, 2018

Said (2018), que acompanha as mulheres da etnia Anacé que vivem no entorno do Complexo do Pecém, afirmou, em entrevista concedida às autoras deste artigo,  que “nessa invasão dos projetos, tem também uma invasão no corpo das mulheres que já sofrem violência e que esse processo facilita”. Said ressalta o aumento da violência doméstica em decorrência da precarização do trabalho sofrido pelos homens: “mais trabalhadores submetidos a essas condições precárias de trabalho, são mais homens violentos em casa” (entrevista concedida às autoras em 29 de novembro de 2018).

Um dos aspectos evidentes em relação às empresas extrativistas e aos projetos de infraestrutura é o fato de o início das obras, em geral, suscitar processos de exploração sexual de adolescentes e crianças em situação de vulnerabilidade, muitas vezes incentivados pelas próprias empresas. No caso do complexo de mineração, por exemplo, no município de Bom Jesus da Selva, no Maranhão, por onde passa a Estrada de Ferro Carajás (EFC), pertencente à Vale, adolescentes de baixa renda foram sexualmente exploradas em troca de roupas e sapatos ou por R$ 30,00 a R$ 50,00. Além da exploração sexual, também se registra o aumento do uso abusivo de drogas industrializadas, de gravidezes indesejadas por adolescentes e de doenças sexualmente transmissíveis. Em Açailândia, também no Maranhão, apenas no ano de 2012 foram feitas 47 denúncias de abuso e exploração sexual no Conselho Tutelar do município (FAUSTINO; FURTADO, 2013b).

No caso do petróleo, a história se repete. O grande fluxo de trabalhadores terceirizados que chega para atuar nas obras de instalação e ampliação dos empreendimentos leva ao crescimento do mercado do sexo. A exploração sexual emerge e/ou se agrava como “possibilidade” subordinada e marginalizada de inclusão das mulheres e meninas no entorno da cadeia produtiva do petróleo. No caso da Refinaria de Duque de Caxias, da Petrobras, no Rio de Janeiro, esta realidade levou ao nascimento de crianças que não conhecem seus pais, chamados de baianinhos”, os filhos do petróleo (FAUSTINO; FURTADO, 2013a). Da mesma forma nascem os filhos e as filhas das barragens, os filhos e as filhas do vento (eólicas)...

A exploração sexual e a violência em geral são marcadas pela impunidade e pelo envolvimento de políticos e empresários locais. São negligenciadas por limitações na estrutura de defesa e proteção das vítimas, pela profunda relação com a política e as forças policiais locais, como também pela histórica naturalização da problemática. Como avaliou Nara de Moura, articuladora institucional da Associação da Barraca da Amizade, em torno do CIPP no Ceará, “o fenômeno existe, mas os casos nem chegam a ser denunciados, porque se entende que são coisas das famílias, do desenvolvimento chegando”. Além disso, “os equipamentos de atendimento são insuficientes ou nem existem [...]” (NOGUEIRA, 2015). Quando há um reconhecimento da problemática, ela é considerada um problema individual do trabalhador que, portanto, precisa de formação, como promove a mineradora Vale, ou uma patologia a ser tratada, e não um problema estruturante, de responsabilidade do Estado e das corporações, decorrente da desigualdade histórica de raça e gênero e das relações de dominação (FAUSTINO; FURTADO, 2013b). 

Assim, a violência contra as mulheres relacionada aos grandes projetos se dá como consequência da ideologia de dominação masculina que incide sobre o corpo da mulher. É resultado da objetificação da mulher cujo objetivo é dominar, explorar, oprimir e avança à medida que a lógica de desenvolvimento se expande e vai incorporando novas fronteiras (SEGATO, 2012). 

Vale também lembrar que há um processo de criminalização das mulheres, não apenas no sentido judicializado, mas também em termos da construção de preconceitos, estigmatização e deslegitimação dos seus papéis da luta. Como afirma Miriam Nobre, da Marcha Mundial de Mulheres, a violência contra a mulher “é também uma forma de humilhar a mulher e com ela toda a comunidade”. A mineração, por exemplo, “atua de forma violenta para desmontar as comunidades que estão ali para subordinar aquele território à mineração e nesses processos violentos o corpo das mulheres sendo utilizados também como território dominado” (entrevista concedida às autoras em 26 de novembro de 2018).

Mulheres, meninas, negras e indígenas são discriminadas, estigmatizadas, desamparadas, desumanizadas e vítimas de morte física e simbólica. Se não perdem a vida, perdem o direito de ir e vir, de se sentir segura, de ter confiança, de construir relações e de lutar. Vale lembrar, como na formação do capitalismo, “muito da violência empregada é dirigida às mulheres porque a conquista do corpo feminino continua sendo uma precondição para a acumulação de trabalho e de riqueza” (FEDERICI, 2017, p. 27-28).

No contexto de pandemia, essa situação de violência é aprofundada. Primeiramente porque em certos casos a quarentena transformou a casa de muitas mulheres em um lugar de medo, angústia e insegurança. Alguns dos fatores são o aumento do consumo de bebidas alcoólicas e o isolamento da vítima de seus amigos e familiares, além da impunidade, e os dados de aumento no número de casos de violência doméstica e feminicídio no Brasil são alarmantes (SILVA, 2020). Para as mulheres atingidas também: “neste momento de crise pandêmica, a gente vê um aumento da violência contra as mulheres e idosos”, afirmou Clivia Regina da Silva Uhe, dirigente do Setor de Gênero do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/Pará) (apud INESC, 2020). Além disso, o isolamento social impôs limites aos processos de mobilização, de luta e de defesa. Não está sendo possível entrar em contato com essas mulheres, garantir medidas de proteção, de defesa e de acesso aos mecanismos de direito. A desinformação promovida pelo contexto, também intensifica situações de insegurança, ameaça e risco (INSTITUTO PACS, 2020a).

 

Resistências, feminismos territoriais e a política que não se deixa ser expropriada

Por meio da lógica dos GPI, atores privados passam a ter o “exercício de governo”, ampliando, portanto, a zona de indefinição entre o público e o privado e reconfigurando a ordem política. Como parte desse domínio, além dos impactos diferenciados e as violências vividas pelas mulheres em decorrência dos GPI, a “degradação social” imposta às mulheres resulta no fato de que enfrentam mais obstáculos na reconstrução dos seus modos de vida; ainda precisam lutar pelo direito de serem atingidas. Em diversos casos, em processo de indenização e reparação, que já é difícil para os homens, as mulheres não são reconhecidas como atingidas em decorrência da falta de título da terra e das ações de grileiros, como também da informalidade e invisibilização de seus trabalhos. No caso da bacia do Rio Doce, por exemplo, as mulheres, 49% da população atingida, denunciam que têm recebido tratamento diferenciado no que diz respeito aos processos de reparação e compensação: “a maioria das pessoas cadastradas para receber indenização é homem, que as mulheres não são ouvidas, quando reconhecida é em um valor menor nas indenizações” (MAB, 2018, p. 1); “além da clara injustiça, sabemos o quanto isso é simbólico e perpetua a relação imposta de dependência da mulher sob o homem, reforça essa relação, em que o homem decide, o homem que manda, o homem que é o provedor (representante do MAB, entrevista em 21 de junho de 2018). No caso da TKCSA, em dezembro de 2016, os pescadores de Santa Cruz deram um importante passo na garantia de justiça por terem sido impedidos de trabalhar por causa de uma barragem construída no canal de São Francisco em 2015. A ação foi movida pela Defensoria Pública do Estado contra a Associação de Empresas do Distrito Industrial de Santa Cruz (Aedin), da qual faz parte a siderúrgica TKCSA, e resultou na determinação, por parte do juiz da 15a Vara da Fazenda Pública, de pagamento de pensão aos pescadores no valor de um salário mínimo mensal e a realização de perícia na obra da soleira submersa construída no canal para mensurar os danos produzidos a partir da instalação da barragem. Dos 65 pescadores beneficiados, apenas três eram mulheres (INSTITUTO PACS, 2017a).

Outra estratégia encontrada nesse sentido é a apropriação da problemática de gênero de forma a antecipar e neutralizar a crítica, nesse caso, a partir dos movimentos feministas. Essa apropriação no campo dos conflitos ambientais tende a reforçar a perspectiva de que em decorrência das suas funções biológicas e, portanto, do “instinto maternal”, as mulheres são mais próximas da natureza, sendo mais sensíveis, cuidadosas, e mais preocupadas com o ambiente que os homens (DI CIOMMO, 2003). A mulher é, portanto, apresentada como a salvação da Humanidade e da conservação da natureza (BARRAGÁN et al., 2016).  Descolada de uma análise mais profunda sobre as relações de poder e as complexidades que permeiam as relações de gênero, esta abordagem corre o risco de ter um viés essencialista, situando homens e mulheres em papéis hierarquizados – mulher-natureza, homem-cultura –,  relegando às mulheres o lugar e toda a responsabilidade pelo cuidado.

Cabnal, feminista comunitária, indígena maya-xinka da Guatemala, refletindo sobre o patriarcado originário ancestral e a sua relação com o que ela denomina de penetração colonial e o entrocamento dos patriarcados”, por exemplo, afirma que

pachamama es la madre tierra cuyo rol cosmogónico se sitúa dentro de un orden heterosexual cosmogónico femenino, como reproductora y generadora de vida. Engendrada por Tata Inti: el padre sol, el astro rey, el masculino fecundante' e que assim 'establece en relación algo que las mujeres feministas comunitárias debe llamarnos la atención, por la posición de poder y superioridad manifestada del de arriba como macho y la de abajo fecundada como hembra. (2010, p. 13-15)

Além disso, a problemática é apropriada por empresas impondo a perspectiva universalizante, eurocêntrica e individualista de gênero nas comunidades (SHIVA, 1995; SEGATO, 2012). As empresas incorporam “as mulheres” em seus programas de responsabilidade social e ambiental, como estratégia de legitimação, sem promover modificações em suas práticas. Reforça-se no processo a argumentação de que a “igualdade de gênero é economicamente inteligente” e que “as mulheres são o próximo grande mercado emergente”, como afirmou o presidente do Grupo Banco Mundial, Robert Zoellick durante reunião anual deste banco e do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington (EUA) (D’ALMEIDA, 2011, p. 1).

A Vale (2020), por exemplo, se orgulha de ser signatária dos Princípios de Empoderamento das Mulheres da ONU, que buscam “empoderar” mulheres para que participem integralmente de todos os setores da economia e em todos os níveis de atividade, e acaba de lançar uma websérie “Mineração por Elas”, sobre a participação feminina na empresa, para “mostrar que há espaço para as mulheres na mineração”. No entanto, a empresa nega os impactos dos seus projetos sobre a vida das mulheres nos territórios. Além disso, estabelece, nas comunidades, relações com as mulheres através de projetos de responsabilidade social corporativa, em muitos casos objetos almejados pelas mulheres, mães sobrecarregadas e preocupadas com seus filhos e filhas, mas que são de responsabilidade do Estado, como: caminhos para a escola, hortas, promessas de construção de escolas e postos de saúde. Através desses projetos, a empresa garante controle sobre o território, neutraliza a resistência dessas mulheres aos seus projetos e os utiliza como estratégia de propaganda.

Assim, “reconhece-se” a “importância” do papel da mulher e os impactos diferenciados, mas reforça-se os lugares que foram historicamente construídos para as mulheres e elimina-se do debate as diferenças e desigualdades raciais e de classe, além de outras. A capacidade de as mulheres, a partir dos seus conhecimentos adquiridos ao longo de milhares de anos, enfrentar situações difíceis e adaptar as suas práticas de vivência e sobrevivência é manipulada e apropriada. Em evento organizado pelo governo britânico, na 7a edição da conferência UK&BR: Partners in Energy, a mesa redonda sobre Inclusão e Igualdade de Gênero no setor de Energia, com a participação de empresas como a Shell e a Petrobras, a seguinte frase foi colocada por uma das participantes: “gênero é o novo meio ambiente”. Entende-se, com isso, a incorporação da questão de gênero por parte das empresas como um novo instrumento de legitimação do capitalismo e de neutralização da crítica.

No entanto, apesar deste contexto de reais violações de direitos, as mulheres resistem: “é na luta que a gente vai se refazendo”, afirmou Gessiane Ambrósio, da Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas. Queremos chamar a atenção aqui em especial para os feminismos contra-hegemônico, popular, comunitário e das lutas de mulheres que se identificam como atingidas, que criticam as lógicas patriarcais, racistas e capitalistas e que questionam, por um lado, a representação clássica homogênea da mulher como sendo branca, ocidental, de classe média e heterossexual e, por outro, promovem as coletividades e a superação dos individualismos. O reconhecimento de que exploração sexual e agressões de outras naturezas contra as mulheres de comunidades atingidas se acentuam na medida em que elas afirmam a sua liderança em defesa dos seus povos e territórios, torna ainda mais importante a construção e o fortalecimento de alianças de mulheres atingidas por grandes projetos.

No contexto de pandemia, diversos têm sido os debates feministas, inclusive sobre megaprojetos e mineração, como “forma de compartilhar com o mundo a história da exploração e da resistência dos povos tradicionais” (SANTOS, 2020 apud INESC, 2020), e também as ações de solidariedade entre campo e cidade, entre diferentes movimentos de mulheres no Brasil. São mulheres distintas, com identidades diversas, sejam elas étnicas, de ocupação, de política ou de luta: “sou mulher, sou atingida”, afirma a pescadora da bacia do Rio Doce; “sou mulher, sou negra, quebradeira de coco, eu sou várias”, dizia Dona Dijé; “sou pescadora, sou quilombola, sou negra, quebradeira de coco”, afirma Duciene. Essas mulheres vêm buscando, sempre de forma coletiva, garantir a vida, construindo redes de apoio mútuo, em especial quando não têm acesso adequado ao sistema de saúde, compartilhando alimentação, estabelecendo “centros” autônomos de cuidado à saúde, realizando processos de rastreamento em suas comunidades para ver quem apresenta os sintomas da Covid-19 e assim implementar medidas de segurança, que vêm recuperando saberes medicinais tradicionais e “construindo redes de cuidado para a vida” (INSTITUTO PACS, 2020a). 

Vale destacar a campanha criada pelo setor de gênero do MST, “Mulheres sem-terra contra o vírus e a violência”, que, através do WhatsApp, articula ações de combate à violência, autocuidado e resistência. “O principal objetivo da campanha é criar uma rede de proteção. É as companheiras dos assentamentos e as outras mulheres terem com quem dialogar”, explica Uhe (apud INESC, 2020). Outro exemplo é o das mulheres do Grupo de Trabalhadoras Artesanais e Extrativistas (Getai), do assentamento extrativista Praia Alta e Nova Ipixuna, no sudeste do Pará, que produzem fitocosméticos e fitoterápicos a partir de óleos da floresta, como castanha, andiroba, cupu. “Onde tem uma mulher do grupo Getai, tem uma floresta preservada”, afirmou Silva (apud INESC, 2020).

São mulheres que defendem seus territórios não só porque precisam dos “recursos naturais” para viver, mas porque existe uma profunda conexão entre o território e o corpo, entre a violência decorrente da expropriação dos territórios e a destruição dos modos de vida tradicional e a violência contra os corpos das mulheres. Um território-corpo que “gera vida, alegria, vitalidade, prazeres e construção de saberes libertadores”, e um território-terra do qual a mulher precisa para garantir a subsistência e reprodução material e cultural de suas comunidades e dignificar a sua própria existência e promover a vida (CABNAL, 2010, p. 23). “Nós somos ligadas a esta natureza, principalmente às palmeiras, que no nosso território é a vida para todas as famílias”, afirma a quebradeira de coco Cledeneuza Maria Bizerra Oliveira.

 Assim, as mulheres promovem e demandam diversas pautas, também fortalecidas com a pandemia, apesar dos limites e desafios, as quais se fundamentam em feminismos antirracistas e descoloniais; na justiça ambiental; nos saberes e práticas tradicionais; na economia feminista; na agroecologia; e na luta em defesa dos territórios. Trata-se de reconhecer e valorizar o trabalho realizado pelas mulheres, bem como sua participação na geração e apropriação da riqueza social. Superar a divisão sexual e racial do trabalho e do patriarcado; elementos culturais e ideológicos que estruturam relações econômicas dominantes nas esferas pública e privada. A defesa das atividades de subsistência, da soberania alimentar e dos modos de vida das comunidades indígenas, tradicionais e camponesas. Saberes, práticas e movimentos sociais que transformam o sistema dominante de produção, distribuição e consumo; promovem princípios ecológicos, conhecimentos tradicionais, sementes nativas e tradicionais e economias solidárias; transformam as relações de poder, a distribuição social da riqueza e a apropriação desigual do mundo material.

 

Considerações finais

Neste artigo, trouxemos exemplos de diferentes megaprojetos para demonstrar como a existência de conflitos ambientais – ou seja, conflitos relacionados ao acesso, ao uso e à apropriação material e simbólica do ambiente –, em decorrência da instalação de grandes projetos, gera um duplo processo: por um lado, de expropriação de territórios e de alteração negativa de modos de vida de comunidades quilombolas, comunidades tradicionais, agricultores, povos indígenas e, por outro, implicações diferenciadas para as mulheres. A perda dos territórios e a sobrecarga de trabalhos domésticos e de cuidados com as famílias em decorrência do agravamento da saúde por causa dos projetos de desenvolvimento, a destruição do tempo-espaço e da autonomia, a violação e a exploração dos corpos de mulheres e meninas e a negação das mulheres como sujeitos políticos demonstram como as desigualdades de gênero são reforçadas por estes tipos de investimentos. São efeitos que, em decorrência da pandemia, da crise econômica resultante e da necessidade de isolamento social, vêm sendo aprofundados e que afetam ainda mais a relação que as mulheres têm com seus territórios e a promoção da vida.

A forma como as mulheres, na sua ampla diversidade são atingidas, percebem e atuam em relação aos conflitos ambientais e à exploração indevida do ambiente e dos seus territórios por parte de corporações e do Estado, que se diferencia da visão dos homens, é resultado de múltiplos processos como: a divisão sexual e racial do trabalho no capitalismo; as representações sobre a sexualidade das mulheres, fortemente demarcada por uma cultura misógina em que o abuso e a exploração sexual são expressos na cultura do estupro; a naturalização da violência como instrumento de dominação; e o não reconhecimento das mulheres como seres políticos ou sujeitos de direitos, inclusive de acesso, uso e apropriação do mundo material. Em decorrência dessas mesmas relações, no entanto, o efetivo papel das mulheres na determinação dos problemas relacionados aos conflitos e na forma de enfrentá-los não é considerado ou visibilizado, inclusive em muitos processos de resistência.

O papel que as mulheres assumem no manejo dos ecossistemas, da biodiversidade, do território, sua centralidade na gestão doméstica e a importância do seu trabalho para o suprimento de alimentos, água e cuidados com a saúde e na luta é negado pelos atores dominantes. Não se aborda o sofrimento que recai sobre as mulheres quando ocorre a perda do território, nem as violências contra elas, seus companheiros e companheiras, filhos e filhas. Também é pouco considerada a ação política das mulheres na defesa do território e, por isso, as suas necessidades de proteção e segurança são negligenciadas. Isso afeta o reconhecimento das mulheres como atingidas e a sua legitimidade nos raros momentos, também para os homens, de reparação. Processo esse que perpetua a relação imposta de dependência da mulher sob o homem, reforçando a ideia de que o homem decide, manda, e é o provedor. Por outro lado, os programas de responsabilidade social e ambiental e a própria lógica da conservação estão baseados na ideia dominante de que o ambiente é instrumental e deve ser controlado e administrado, como fonte de abastecimento para a produção capitalista. O mesmo ocorre com as mulheres, que devem ser excluídas e dominadas, ao mesmo tempo que a questão de gênero é apropriada, tornando-se instrumental para a lógica da conservação do ambiente ou do “uso eficiente” dos “recursos naturais”.

Cabe ressaltar que existem conflitos em que as mulheres iniciam, lideram e organizam as resistências; em outros, dividem as responsabilidades com os homens; podem discordar deles sobre como enfrentar determinado conflito; e podem estar “por trás” das lutas aparentemente lideradas por eles. A participação das mulheres nas lutas contra megaprojetos, seja liderando, organizando ou participando das tomadas de decisão, apesar dos riscos e das ameaças, permite que elas assumam atividades de organização e questionem as relações de gênero dentro das suas próprias culturas de modo mais coletivo e público. É uma forma de redefinir sua posição social dentro da comunidade, como também de desafiar as estruturas de dominação na sociedade como um todo.

Em sua análise estruturante e, portanto, fundamental sobre a formação do capitalismo a partir de uma perspectiva feminista, Federici (2017) coloca o desafio de analisar o capitalismo do ponto de vista da reprodução da vida e da força de trabalho das mulheres, e não como um apêndice a outras investigações sobre o capitalismo, mas como forma de repensar todo o processo da sua formação. O desafio que temos, portanto, é examinar os megaprojetos, a partir das mulheres não como um apêndice a outras análises sobre os GPI, mas como uma maneira de reexaminar o processo de construção das suas lógicas com base nos feminismos, nas experiências das mulheres: a partir da expropriação dos territórios e do trabalho das mulheres; dos seus corpos; e da capacidade de ação política. A afirmação de uma atingida pela Vale no Pará durante o encontro de formação “Mulheres e Megaprojetos: olhares e resistências” revela a importância dessa forma de reflexão, de relacionar a apropriação e expropriação dos territórios-corpos das mulheres: “quando escuto a explosão na mina, sinto essa explosão dentro do meu corpo” (comunicação oral, 6 de abril de 2019 apud INSTITUTO PACS, 2020a). No entanto, é sempre importante lembrar que a própria noção e autoidentificação como “mulheres atingidas” revela não só os impactos dos megaprojetos, mas a necessidade de se reconhecer os processos de luta dessas mulheres e, como demonstra o contexto de pandemia, suas diferentes formas de reinvenção de si mesmas e de seus meios.

 

 

 

 

Referências

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Como citar

FURTADO, Fabrina Pontes; ANDRIOLLI, Carmen. Mulheres atingidas por megaprojetos em tempos de pandemia: conflitos e resistências. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 66-93, fev. 2021. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v29n1-6.

 

 

 

 

Fabrina Pontes Furtado

Professora do Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (DDAS/UFRRJ). Doutorado em Planejamento Urbano e Regional pelo  Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). Pesquisadora do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (Ettern) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ).

f.furtado7@gmail.com

https://orcid.org/0000-0001-7737-9942

http://lattes.cnpq.br/4846810255386758

Carmen Andriolli

Professora permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ). Pesquisadora do Núcleo de Antropologia da Política (NuAP) do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (PPGAS/MN/UFRJ) e do Laboratório de Antropologia, Territórios e Ambientes (Lata) vinculado ao Centro de Estudos Rurais (Ceres) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

carmen.andriolli@gmail.com

https://orcid.org/0000-0002-5583-776X

http://lattes.cnpq.br/0767748726450546




 

 

 

 

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[1] Professora do Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (DDAS/UFRRJ). Doutorado em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). Pesquisadora do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (Ettern) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ). E-mail: f.furtado7@gmail.com.

[2] Professora permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (MN/UFRJ). Pesquisadora do Núcleo de Antropologia da Política (NuAP) do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (PPGAS/MN/UFRJ) e do Laboratório de Antropologia, Territórios e Ambientes (Lata) vinculado ao Centro de Estudos Rurais (Ceres) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: carmen.andriolli@gmail.com.

[3] A Covid-19 é uma doença causada pelo coronavírus, denominado SARS-CoV-2. Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Tratava-se de uma nova cepa (tipo) de coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos. Em 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto do novo coronavírus constituía uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Essa decisão buscou aprimorar a coordenação, a cooperação e a solidariedade global para interromper a propagação do vírus. Em 11 de março de 2020, a Covid-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. O termo “pandemia” se refere à distribuição geográfica de uma doença e não à sua gravidade. A designação reconhece que, no momento, existem surtos de Covid-19 em vários países e regiões do mundo. Disponível em: https://www.paho.org/pt/covid19. Acesso em: 3 dez. 2020.

[4] Ver reportagens publicadas nos sites Combate ao Racismo Ambiental e do Cedefes. “Municípios onde Vale atua têm mais trabalhadores infectados por Covid-19 em Minas”. Disponível em: https://racismoambiental.net.br/2020/09/03/municipios-onde-vale-atua-tem-mais-trabalhadores-infectados-por-covid-19-em-minas/. Acesso em: 20 set. 2020. “Coronavírus avança em municípios com intensa atividade minerária. Veja balanço de MG”. Disponível em: https://www.cedefes.org.br/coronavirus-avanca-em-municipios-com-intensa-atividade-mineraria-veja-balanco-de-mg/. Acesso em: 23 jun. 2020.

[5] Para mais informações, ver: https://redejusticaambiental.wordpress.com/sobre/.

[6] Nos limites deste artigo, não abordaremos as especificidades em relação aos regimes de uso e propriedade da terra para cada um desses diferentes coletivos humanos em sua relação com os GPI. Nosso foco é descortinar como a lógica de instalação dos GPI afeta negativamente seus modos de vida e os expropria de seus territórios.

[7] No caso do Brasil, podemos citar o trabalho realizado pela Marcha Mundial de Mulheres, o GT de Gênero do Movimento de Atingidos Por Barragens (MAB), o Instituto Pacs e o grupo de mulheres da Justiça nos Trilhos. Na América Latina, o feminismo comunitário já mencionado. Dito isso, é importante ressaltar que, na maioria dos casos aqui analisados, não há uma identificação por parte de todas as mulheres como feministas, e não há um processo de luta de auto-organização das mulheres em torno do que poderia ser caracterizado como feminismo territorial e/ou comunitário. No entanto, as mulheres atingidas vêm crescentemente reconhecendo que são elas que estão na frente das lutas e que sofrem impactos diferenciados. Elas têm um protagonismo nas lutas: participam das reuniões ativamente, ocupando os espaços de fala que historicamente são relegados aos homens, assumem posição de liderança; são importantes agentes mobilizadores das atingidas e atingidos na luta pelos seus territórios e buscam pela efetivação de seus direitos coordenando grupos de base, organizando e participando de espaços de formação.

[8] Advogada e técnica da organização não governamental Esplar Centro de Pesquisa e Assessoria (https://esplar.com.br), que atua diretamente no semiárido cearense e, entre outras coisas, na promoção de igualdade de gênero, atualmente acompanhando algumas etnias indígenas do Ceará.

[9]O Deter é um levantamento rápido de alertas de evidências de alteração da cobertura florestal na Amazônia, feito pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O Deter foi desenvolvido como um sistema de alerta para dar suporte à fiscalização e controle de desmatamento e da degradação florestal realizadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e demais órgãos ligados a esta temática.” Disponível em: http://www.obt.inpe.br/OBT/assuntos/programas/amazonia/deter/deter. Acesso em: 3 ago. 2020.