ESA_logo.png

v. 28, n. 3, outubro de 2020 a janeiro de 2021, p. 700-720
Recebido em 28 de maio de 2020.  Aceito em 21 de agosto de 2020.



A seca no cotidiano:

agricultura familiar e estiagem em comunidades rurais do gerais de Januária, MG
Drought in daily life: family farming and drought in rural communities in the “gerais” of Januária, MG

DOI: 10.36920/esa-v28n3-9



orcid_cinza.jpg  Gildarly Costa da Cruz [1]

orcid_cinza.jpg  Eduardo Magalhães Ribeiro [2]

orcid_cinza.jpg  Vanessa Marzano Araújo[3]

orcid_cinza.jpg  Thiago Rodrigo de Paula Assis[4]

 

 

 

Resumo: O Semiárido de Minas Gerais conviveu com forte seca entre 2011 e 2018. Nessa área de mananciais já degradados, precipitações escassas e concentradas contribuíram para reduzir a água para uso doméstico e produtivo. Tomando a grande seca como cenário, este artigo busca compreender a dinâmica cotidiana de abastecimento das famílias rurais e analisar os arranjos feitos para assegurar provisão de água em duas comunidades de agricultores familiares do gerais, os vastos chapadões do Alto-Médio rio São Francisco. Investigou o tema usando técnicas de pesquisa social (entrevistas e grupos focais) e ambiental (dimensionamento de oferta e consumo de água) durante as estações de estiagem e de chuvas ao longo de um ano. Este artigo revela que, nessa “quadra de seca”, a existência de programas públicos para provimento de água e renda assegurou abastecimento suficiente para a população rural. No entanto, os agricultores precisaram introduzir ajustes e inovações na gestão da água, no consumo e, principalmente, na agricultura, para conservar, mesmo que em novas bases, os sistemas de produção e a organização comunitária.

Palavras-chave: agricultura familiar; Semiárido; águas; estiagem; Minas Gerais.

 

Abstract: (Drought in daily life: family farming and drought in rural communities in the “gerais” of Januária, MG). The Semiarid region of Minas Gerais experienced a severe drought between 2011 and 2018. In this area of already degraded water sources, scarce and concentrated precipitation contributed to reducing water for domestic and productive use. Considering the great drought as a scenario, this article seeks to understand the daily supply dynamics of rural families and analyze the arrangements made to ensure water supply in two communities of family farmers in the gerais region, vast plateaus of the Upper Middle São Francisco River. It investigated the topic using social research techniques (interviews and focus groups) and environmental research (analysis of sources and consumption) during the dry and rainy seasons over a year. The article reveals that in this "drought season", the existence of public programs to provide water and income ensured sufficient supply for the rural population. However, farmers needed to introduce adjustments and innovations in water management, consumption, and especially agriculture, in order to conserve, even on new bases, production systems and community organization.

Keywords: family farming; semi-arid; water; drought; Minas Gerais.

 



Introdução

Entre 2011 e, pelo menos, 2018, o Semiárido do Norte de Minas Gerais atravessou um período severo de seca. Dados da estação de Januária do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), referência para parte dessa área, mostraram que a precipitação anual no período caiu da média histórica de 909,48 mm para 749,05 mm; déficit médio anual de 160 mm. Mas não apenas faltou chuva: nesses anos as precipitações se concentraram em poucos dias de poucos meses do ano, entremeados por “veranicos” – períodos secos no “tempo das águas”, que vai de novembro a abril – que afetaram as lavouras e o abastecimento de água. Então, agricultores passaram a identificar dois períodos de estiagem no ano: o costumeiro “tempo da seca”, de maio a outubro, e o veranico, de janeiro/fevereiro que dividia em dois o “tempo das águas”.

Dependendo de condições naturais, sociais e econômicas, os efeitos da seca podem ser distribuídos de forma muito desigual na sociedade, e suas consequências afetarão mais duramente os grupos que detêm menos recursos, poder e renda. Pode prejudicar as estratégias de reprodução de agricultores familiares, abalar sua condição de vida e patrimônio, empobrecê-los, acentuar diferenças econômicas. Por isso, é importante compreender os contextos, a história e as consequências das estiagens do Semiárido.

Na margem esquerda do Alto-Médio rio São Francisco fica o “gerais”: o “gerais de Januária”, a denominação local dada à área de chapadões cobertos por vegetação de porte baixo e cortados por veredas, situada entre os rios São Francisco, Carinhanha e Urucuia. Ao longo do tempo ações humanas degradaram as veredas e anos seguidos de secas levaram comunidades rurais e agências, estatais e da sociedade civil, a criar programas de abastecimento de água que exigem investimentos elevados, contínuos e, às vezes, baseados em técnicas complexas.

Este artigo analisa o cenário da seca no gerais, com demanda crescente por água e presença ativa de programas públicos, para compreender a dinâmica do consumo doméstico, a organização do abastecimento da população rural, dos sistemas de produção e da gestão da água. Investiga as inovações técnicas, produtivas e organizativas adotadas na “quadra da grande seca”, como dizem os agricultores, quando águas mediadas por programas públicos substituíram as águas de veredas – consideradas puras e sadias, apreciadas e governadas pelos costumes. Partindo da “lida” de famílias rurais, o artigo expõe os arranjos feitos para manter a produção e a vida cotidiana.

 

A pesquisa

Num estudo que se tornou clássico, Manuel Correia de Andrade (1964) observou que a distribuição desigual de águas, solos e regimes agrários transformava o Semiárido brasileiro numa região de grande diversidade; para compreendê-lo, seria preciso conhecer essas singularidades. Considerando isso, neste artigo foi preciso conectar as condições ecológicas, socioeconômicas e históricas do Semiárido (estiagens, programas públicos, clientelismo) com as singularidades do gerais: diversidade natural, agricultura familiar e, até fins do século XX, fronteira agrícola com abundância de corpos d’água. No gerais existe uma peculiar classificação das unidades ambientais (GALIZONI, 2005), a comunidade rural é a principal referência territorial e social para agricultores e agências de desenvolvimento rural (RIBEIRO, 2010), há presença expressiva de programas públicos (ARAÚJO; RIBEIRO; REIS, 2010), e havia muitas fontes de água, principalmente veredas e nascentes, geridas por comunidades (GALIZONI, 2005; GALIZONI et al., 2010).

Assim, para compreender a dinâmica cotidiana de abastecimento e produção foi necessário focar em duas comunidades rurais situadas em unidades ambientais diversas, que dispunham de dotações naturais consideradas diferentes, que ao longo da história usaram técnicas adaptadas ao meio, foram atingidas por transformações sociais e ambientais, estabeleceram relações contínuas com agências públicas e adotaram várias técnicas de abastecimento de água. A comunidade de Araçá, na unidade ambiental denominada pela classificação local como “mata”, tem vegetação arbórea e solo considerado fértil e produtivo. A comunidade de Onça, na unidade ambiental conhecida como “gerais”, é coberta por campos e arbustos, de solo considerado fraco, porém resiliente. Ambas ficam no vale do rio Peruaçu, município de Januária, Norte de Minas Gerais e juntas reúnem características da diversidade ambiental e apresentam um quadro amplo e, ao mesmo tempo, específico das relações dos agricultores do gerais com a água, pois começaram a ser privadas das fontes naturais de abastecimento nos anos 1990 e foram, gradativamente, supridas por programas governamentais e da sociedade civil.[5]

A pesquisa compreendeu entrevistas com lideranças rurais, agricultores e agências públicas. Lideranças comunitárias, dotadas de grande conhecimento sobre o lugar, atuaram como os “especialistas” descritos na literatura técnica de pesquisa (BRANDÃO, 1986; POSEY, 2001) e informaram sobre história, produção, efeitos da “modernização agrária” e, por fim, sobre programas públicos de abastecimento nas comunidades. Em seguida, 20% dos domicílios das comunidades foram pesquisados na estação da seca e da chuva, amostrados por perfis determinados por tamanho da família, idade do casal e volume de produção, abordando família, lavoura, criação, água e programas públicos (LAVILLE; DIONNE, 1999). Finalmente, foram entrevistados gestores de programas de abastecimento de água, que informaram sobre programas, capacidade de abastecimento, parcerias e custos. Elementos culturais do trato com a água – hábitos, costumes e técnicas – foram investigados para compreender as estratégias de condução da pecuária, agricultura e armazenamento, usando técnicas recomendadas por Brandão (2007), Galizoni et al. (2010) e Galizoni (2013).

Às entrevistas foram agregados dados recolhidos com técnicas de pesquisa agronômica e ambiental: informações durante a estação chuvosa de 2017/2018 foram coletadas para compreender variações sazonais de abastecimento, pois no “tempo das águas” é menor o consumo doméstico e dos animais, que contam com oferta difusa de água de fontes naturais e “caldeirões” (poços formados no leito seco da vereda), além da alimentação, fornecida pelos frutos nativos do gerais. Áreas de lavouras, sua produtividade e sistemas de abastecimento de água foram dimensionados usando técnicas sugeridas por Bertoni e Tucci (2009), Lima (2013) e Aleixo et al. (2016).

As informações reunidas permitiram compreender as mudanças na vida cotidiana, a produção, os programas públicos, sua inserção nas comunidades e os modos como as famílias rurais de Onça e de Araçá lidavam com mediadores e programas públicos. O artigo, a seguir, analisa esse conjunto de informações.

 

Secas, gerais e agricultura familiar

O Semiárido do Norte de Minas Gerais sempre conviveu com irregularidade e concentração das chuvas. Mas, entre 2011 e 2018, a situação ficou mais crítica. Seca é um evento recorrente e previsível no Semiárido; no entanto, as desigualdades sociais e naturais, a descontinuidade de programas públicos e o mandonismo político tornam seus efeitos mais sensíveis para determinados grupos sociais (DURHAN, 1973; FACÓ, 1976; GOMES, 2001). No caso, principalmente para agricultores familiares, que acumulam bens numa sequência planejada para multiplicar o patrimônio: convertem ganhos agrícolas em animais de pequeno porte, estes em animais de grande porte, e estes finalmente em bens de maior vulto, como equipamentos, veículos ou terra. A seca rompe a sequência de patrimonialização, forçando venda ou consumo dos recursos acumulados (SCHRÖDER, 2004; GALIZONI, 2013).

No entanto, perder com a seca não é uma fatalidade. Agricultores criam técnicas adaptadas ao clima seco com chuvas escassas e concentradas, aos solos pobres e à evaporação elevada do Semiárido. Aprenderam a conviver com a acentuada variação espacial e temporal das chuvas e das águas, derivadas das peculiaridades de hidrografia, clima e vegetação dessa região que abriga a maioria dos agricultores familiares do Brasil. Assim, algumas porções do Semiárido têm clima quente e úmido, com precipitações anuais baixas, mas regulares; outras áreas têm cursos d’água perenes que fertilizam as margens nas cheias; outras, ainda, contam com profusão de fontes perenes de água. Por isso, falta de chuvas nem sempre implica escassez de água, e secas que atingem algumas áreas às vezes não afetam outras, vizinhas. A diversidade pode paliar ou diluir os efeitos das secas (ANDRADE, 1964; LUZ; DAYRELL, 2000; SILVA, 2006; MALVEZZI, 2007; ASSIS, 2012).

O estado de Minas Gerais tem 91 municípios no Semiárido legal; 26 deles no Norte de Minas. Neste, no encontro dos biomas Cerrado e Caatinga, fica a área que os moradores denominam de gerais. No gerais os solos são ácidos, profundos e bem drenados, formados por areias quartzosas, pobres em matéria orgânica e fertilidade natural. A areia, que vai além dos dois metros de profundidade, predispõe à baixa capacidade de armazenamento de água, à erosão e lixiviação dos nutrientes (SPERA et al., 1999). Árvores de gerais, tortas e de casca grossa, rompem com raízes profundas a barreira da acidez para formar uma “floresta invertida”, que concentra a maior parte da biomassa nas raízes (SNIF, 2006).

O conhecimento dos agricultores do gerais sobre vegetação e solos foi essencial para o sucesso da lavoura, da criação e do agroextrativismo. Geralistas usavam o agroecossistema como bem comum e fluido, uma dádiva que foi base para sistemas de produção adaptados no correr de anos de aprendizado e convívio. Plantas, cor do solo e porte das árvores indicavam a fertilidade e determinavam as culturas que podiam ser plantadas. Empregavam classificação própria de ambientes, definindo “gerais” como conjunto específico de paisagem, solo, vegetação e regime agrário, composto por unidades ambientais consideradas diferentes do ponto de vista cultural, denominadas “vazante”, “mata” e “gerais”. Vazantes são áreas inundáveis usadas para plantio; matas, onde costumavam fazer lavouras na estação chuvosa, são formações florestais de grande porte que acompanham cursos dos rios; gerais, propriamente, é o termo que resume numa mesma denominação o conjunto do território e a unidade ambiental mais frequente, formada por chapadões arenosos cobertos por cerrados, usada para criar gado, coletar madeira, lenha e frutos (GALIZONI, 2005; SANTOS et al., 2010; MEDEIROS, 2011).

Agricultores de gerais costumavam “botar brejo” – plantar nas áreas úmidas dos buritizais – utilizando “água de regra” para produzir em dois plantios anuais, no fim do “tempo das águas” e no fim do “tempo das secas”. Assim se abasteciam com arroz, “feijão de arranca” (feijão em cores, Phaseolus vulgaris) e cana-de-açúcar plantados nas partes argilosas das áreas úmidas; áreas arenosas eram destinadas a “feijão-catador” (feijão-caupi, Vigna unguiculata) e mandioca, culturas mais resistentes. Nas matas plantavam “roças-de-toco” ou “coivara”, derrubando a vegetação antes das primeiras chuvas; após a colheita, deixavam a terra “descansar”, para depois, recuperada a fertilidade e cultivada, render novamente boas colheitas. Chapadas de gerais eram usadas em comum, “soltas” onde o gado pastava a quilômetros do terreno de origem, se alimentando de capim nativo e frutos de cerrado. Gerais era manejado com fogo a cada dois ou três anos, antes das chuvas. O fogo, de acordo com os criadores, eliminava pragas e favorecia a rebrota do capim novo, muito apreciado pelo gado. Nas chapadas de gerais havia diversidade de frutos nativos comestíveis, como pequi, coquinho azedo, buriti, maracujá do mato, cabeça de nego (BERNARDES, 1995; COELHO, 2005; GALIZONI et al., 2010; SANTOS et al., 2010; MEDEIROS, 2011; BORGES et al., 2016).

O sistema de uso de terras mudou a partir dos anos 1960, quando foram criados programas públicos para “modernizar” a agricultura, com o propósito de integrar agricultura e indústria, tecnificar a produção e conectá-la com os mercados (DELGADO, 1985; GONÇALVES NETO, 1997). No gerais, a “modernização” foi conduzida em grande parte pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, com: “(a) reflorestamento de eucaliptos e pinhos em diversos municípios da região; (b) implantação de grandes projetos agropecuários; (c) instalação de indústrias em poucos municípios; e (d) implantação de perímetros de agricultura irrigada” (RODRIGUES, 2000, p. 107; ver também CARDOSO, 2000; LUZ; DAYRELL, 2000). Em Januária, as chapadas foram destinadas à criação de gado, ao reflorestamento e carvoejamento; parte da mata seca foi transformada em carvão e, posteriormente, empastada. O Programa Nacional de Várzeas Irrigáveis (Provárzeas) financiou a sistematização de veredas e brejos para produzir grãos (CARDOSO, 2000; LUZ; DAYRELL, 2000; RIBEIRO, 2010; DEUS, 2010).

Esses projetos ocuparam terras comunais de agricultores, drenaram águas de brejos, veredas e rios e afetaram brutalmente o gerais, com resultados catastróficos. Agricultores perderam terras comuns e recursos naturais vitais para o sistema de produção, brejos e terras destinadas às soltas foram grilados e cercados, reflorestamento nas chapadas e sistematização de veredas assorearam nascentes, secaram lagoas e cursos de água. Ficaram limitadas as possibilidades de usos múltiplos e simultâneos das unidades ambientais do gerais e, restritos quase que só à beira da vereda, agricultores tiveram que modificar o manejo do gado. Em nenhuma área drenada a produção se sustentou por mais que dois anos; em compensação, as condições para práticas costumeiras de convivência com o Semiárido se reduziram, e daí em diante as dificuldades gradativamente se agravariam nos períodos de estiagem. Então surgiram conflitos por recursos, seca se transformou num problema, e foram necessárias ações de agências mediadoras para assegurar o abastecimento de água.[6]

Araújo, Ribeiro e Reis (2010) registraram em 2007 no gerais de Januária que existiam dez iniciativas governamentais e não governamentais para combate ou convivência com a seca. Os autores observaram também que todas as iniciativas resultavam de parcerias entre instituições, e que eram crescentes os gastos, bancados por Prefeituras Municipais, órgãos estatais e organizações não governamentais. Masnotaram que parte da despesa se perdia pela falta de seguimento nas obras, por problemas de gestão ou, ainda, pelas dificuldades de adaptação da técnica às práticas costumeiras da agricultura familiar.

O desdobramento histórico dessa dinâmica de abastecimento de água para uma população rural que passou a viver em situação de escassez será analisado nas partes seguintes deste artigo.

 

Araçá e Onça

No curso Alto-Médio do São Francisco, a mata seca segue o rio, acompanha os leitos dos afluentes e se afunila quanto mais se aproxima das cabeceiras. É assim também no rio Peruaçu, tributário da margem esquerda do São Francisco.

A comunidade de Araçá fica na margem direita do Peruaçu e está no final da mata que segue o rio, ali já bem estreita. Limita com o território indígena Xakriabá na margem esquerda, com o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu a leste e rio abaixo, e com o gerais a oeste e sul, rio acima. Araçá, antes conhecida como “Fazenda Velha”, foi morada do lendário jagunço Andalécio, que assombrou o São Francisco nos combates com Antônio Dó nos anos 1910. O povoamento da comunidade data do começo do século XX, iniciado pelos avós dos moradores mais idosos entrevistados em 2017/2018, que saíram de áreas a leste e se fixaram às margens do Peruaçu na terra fértil de “cultura de mata”, de terra “morena” – como dizem – coberta por árvores altas e dotada de grande área de solta, a “Posseirama”, já em terra de gerais. O lugar, segundo contam, era bom:

O terreno era muito certo e chovia bem. Aqui, nós estamos na mata. A mata aqui não vai muito longe, não: tá só na deságua que cai no Peruaçu, que é mata. P’ra baixo a mata cresce, vai até na beira do rio São Francisco. Então, aqui, nós estamos quase que na última pontinha da mata, entrando no gerais. É uma área de transição, uma transição de mata p’ra gerais, p’ra  tabuleiro. Aqui tem pau de mata, mas tem pau de gerais. Tem pau-ferro, mas tem gameleira, aroeira; tudo tem aqui. O gerais ‘tá em volta, ‘tá mais p’ra frente: se é gerais tem muito pequizeiro, araticum, cabeça-de-nego, cagaita, cajuí. (Mosar Gonçalves, agricultor familiar de Araçá, entrevista de 2017)

As margens do Peruaçu foram povoadas porque era muita a fertilidade. Faziam lavouras nas terras de cultura, derrubando a mata, queimando e plantando por três anos; em seguida, a terra entrava em pousio. Ao mesmo tempo, alternavam lavouras de arroz, milho e feijão na várzea do rio, e criação solta de gado na terra comum. Lembram-se desse passado com gosto:

Era tempo de fartura. Eu já cheguei a ponto de, quando o milho produzia, eu tinha doze, treze, porco gordo. De vez em quando matava um e comia. Não tinha gasto, não vendia. Matava, e não dava conta. Não tinha essa saída de comércio que tem hoje: hoje, nem engorda direito e já ‘tá vendendo. Em-antes dava aos vizinhos; dava; emprestava a carne. Vender era muito difícil. É coisa que não dá p’ra acreditar. Quem não conheceu não acredita. (José Rodrigues, agricultor familiar da comunidade de Araçá, entrevista de 2017)

Dez quilômetros a oeste de Araçá, no gerais, fica a comunidade de Onça, que deve o nome a um certo Romão da Mota, homem “forte de recursos”, caçador de onça morto por uma delas justo na vereda da comunidade. De Araçá para lá a paisagem muda: em Onça as árvores são baixas, solo branco e arenoso, as moradias espaçadas, e quanto mais alta na paisagem mais rala a vegetação, indicando a escassa fertilidade natural. Até quando as águas secaram, as lavouras em Onça eram feitas nos embrejados que existiam na vereda da Olaria, ou em manchas de terras férteis dos “capões” de mata do meio do gerais. Agricultores viviam de criar gado nas chapadas e plantio de mandioca, fazendo farinha para trocar com moradores da mata por milho, usado para engordar porcos. Mas sempre se deslocavam para “botar brejos e “abrir lavouras”:

O quê que sai na terra do gerais? Mandioca, feijão catador, melancia, batata, amendoim, abóbora, dependendo da maneira de cultivar. São essas coisas que sai. A gente plantava a roça outubro, novembro e dezembro, no alto, no terreno de gerais. Batia capoeira um ano, plantava; outro ano, batia capoeira plantava; o terreno de gerais aguenta produção só de um ano a dois anos. Aí falava “– Vou derrubar uma roça ali, vou colocar uma roça nova.” Chegava na área e derrubava - naquele tempo usava fogo, queimava, e aí o mantimento vinha bom. Quando chegava de maio pra junho a gente ia p’r’o brejo. Data aí de maio, junho, que parava a chuva, ia recuando a água, e aquela beira de rio sempre ia secando, ia lá no Peruaçu. Aí a gente – naquele tempo eu mesmo fiz muito isso – ia lá e limpava aquela vereda ali e plantava o arroz. Quando o brejo era alto, naquele tempo que podia derrubar e tinha água, a pessoa falava: “– Nós vamos derrubar o brejo hoje.” Fazia a roçada, queimava e aí plantava. A gente limpava ali aonde dava a área de plantar, e plantava arroz e feijão. Na beira às vezes plantava abóbora. A turma toda saía daqui, as famílias saiam daqui p’ra arrumar uma terra de arroz no Peruaçu com parente, amigo, compadre. Aí, às vezes, era na base de 4 para 1, era arrendatário. (Chico Mota, agricultor familiar da comunidade de Onça, entrevista de 2017)

Nas duas comunidades criavam gado bovino solto. Gado andava em pequenos grupos – “golpes de gado” – de um mesmo dono, que sempre tinha seu “logrador” preferido de pastar e não se misturava com outros rebanhos. A alimentação variada no gerais, dizem, criava melhor que na mata: gado sadio, com pouca despesa, quase nada de “costeio” – os cuidados de vaqueiro. Lugar de criar gado solto, e por oposição à mata próxima, o termo “gerais” era associado às noções de área não agrícola e terra livre: “Esses campos que era solto: gerais.” (José Rodrigues, de Araçá, entrevista de 2017).[7]

 

Mudanças

Com o tempo as coisas mudaram. Na década de 1980, chapadas próximas às duas comunidades foram tomadas por eucaliptais de firmas; nos anos 1990, parte das terras livres foi transformada em unidade de conservação. O povoamento cresceu, as terras foram muito partilhadas, a fronteira agrícola a oeste se fechou, as lavouras minguaram. Surgiu precisão de dinheiro para as despesas de casa, e os agricultores só tinham para vender gado, farinha de mandioca e arroz pilado – produtos de comércio considerado “fraco”. Assim, começaram a adequar a produção aos novos tempos, passaram a migrar para São Paulo, capital, e Ribeirão Preto, passando períodos sazonais de trabalho ou ficando por lá, em definitivo.

No ano de 2017 havia na comunidade de Araçá 84 domicílios, com média de 3,23 moradores e um filho residente; os homens tinham em média 64 anos, as mulheres em torno de 60 anos. Todos os moradores eram aparentados, por conta de ascendência comum ou casamentos. A maioria das famílias (72%) dispunha de menos de 20 hectares e nenhuma delas contava mais que 100 hectares; o módulo fiscal em Januária é de 65 hectares. Todas as residências de Araçá eram de alvenaria, e dispunham de energia elétrica e água encanada; 85% delas contavam com banheiro equipado com chuveiro dentro de casa. Havia em Araçá quatro mercearias, três igrejas, uma borracharia, duas escolas – uma estadual, outra municipal – que recebiam 150 estudantes pela manhã e à tarde, mais adultos no período noturno, na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA).

Na mesma época, em Onça, comunidade quilombola, viviam 27 famílias com média de quatro moradores por domicílio; homens adultos na faixa de 50 anos, mulheres adultas por volta dos 48, média de 2 filhos por casal. A Prefeitura fechou a escola de Onça e um ônibus levava os estudantes até a comunidade vizinha de Areião. Todas as casas recebiam energia elétrica e água encanada, 90% delas tinham banheiro interno com chuveiro, 80% dos terrenos contavam menos de 20 hectares e os demais 20% ficavam abaixo de 50 hectares.

Os homens adultos de Araçá e Onça se definiam como agricultores, a maioria “tocando serviço” por conta própria, mas alguns deles combinavam ocupação nas unidades familiares com trabalho de diarista para outros agricultores. Mulheres adultas dividiam o tempo entre tarefas da casa e da terra; do mesmo modo, se definiam como agricultoras. Filhos adultos, homens ou mulheres, também eram agricultores, faziam trabalhos como diaristas na comunidade, às vezes partiam para temporadas em São Paulo ou Sul de Minas na safra do café.

Toda família tinha seu quintal de frutas e criação de pequenos animais de “terreiro”. Vendiam galinhas, engordavam porcos para abater e vender as partes nas comunidades próximas. Negociavam gado bovino em pé ou abatido pelas redondezas, e em Araçá funcionava uma “fabriqueta” de farinha comunitária que abastecia famílias e às vezes produzia excedentes para comércio nas proximidades. Conforme resumiu o senhor Chico da Mota, em entrevista em 2017, “Muitos têm uma Bolsa Família, outros são aposentados. Uma fontinha de renda: um bezerro que sai, uma vaca, e vai tocando a vida...”.

Mas nos últimos tempos ficou mais complicado tocar a vida, porque desde os anos 1990 as duas comunidades têm dificuldades com abastecimento de água. Em Araçá, as águas do Peruaçu diminuíram, o rio foi secando até parar de correr. Em Onça, a vereda que drenava a comunidade secou; os moradores fizeram cacimbas que, por fim, na segunda década do século XXI, secaram de vez. Secas as fontes, acabou o cultivo nas várzeas; a criação de gado diminuiu, a água passou a ser mediada por agências públicas, estatais ou da sociedade civil.

 

Águas

Depois que acabou a “água natural” da estação seca, as comunidades passaram a contar somente com as “águas produzidas” – como definiam as águas fornecidas por programas públicos. No abastecimento atuavam pelo Governo Federal: (i) a Codevasf – Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba – que instalou poços artesianos nas comunidades atendendo emenda de deputado; (ii) o MDS – Ministério do Desenvolvimento Social – que financiou cisternas de captação de águas de chuvas; e (iii) o Programa Água Brasil, parceria público-privada financiada pela Fundação Banco do Brasil, conduzida pela ONG World Wide Fund for Nature (WWF) e pela Agência Nacional de Águas (ANA), que construíra cisternas e barraginhas de retenção de águas de chuvas. Atuava também a ASA – Articulação do Semiárido Brasileiro, rede de organizações da sociedade civil que criou o P1MC (Programa Um Milhão de Cisternas Rurais) e o P1+2 (Programa Uma Terra e Duas Águas), representada em Januária pela Cáritas. E havia o Idene – Instituto de Desenvolvimento do Norte e Nordeste de Minas Gerais, agência do governo estadual que distribuiu cisternas e construiu barraginhas. Por fim, a Prefeitura Municipal de Januária fornecia o caminhão-pipa nas emergências e buscava parcerias para abrir poços artesianos.

Poço artesiano e cisterna de placa eram as técnicas mais difundidas, adotadas por muitas agências, mas cada uma usava metodologia própria de implantação. A opção da agência por uma ou outra técnica dependia do objetivo, do volume de recursos que dispunha, das parcerias e da premência da demanda por água. No abastecimento, sobressaia a ausência de coordenação entre as agências: cada qual zelava por “seu” programa ou técnica, e era notável a reduzida interação nas ações, principalmente entre órgãos estatais. Essa característica foi notada em outros estudos sobre o Semiárido (VIEIRA, 2003; ARAÚJO; RIBEIRO; REIS, 2010, por exemplo); na verdade, os ajustes e combinações entre programas eram efetivamente feitos pelas comunidades, na medida em que era possível fazê-los.

Desde os anos 1990, na estação da seca, quase toda a água para consumo de casa e dos animais em Araçá e Onça vinha dos poços artesianos comunitários. A partir dos anos 2010, 85,71% dos domicílios de Araçá e 87,50% dos domicílios de Onça receberam as cisternas de placas de 16.000 litros acopladas aos telhados para fornecer água de uso doméstico. Para abastecer horta, quintal e criações de terreiro havia cisternas calçadão e telhadão, de 75.000 litros, em 28,57% dos terrenos de Araçá e 62,50% de Onça. Nas emergências havia o caminhão-pipa. Duas famílias tinham cacimbas de uso restrito e uma família de Araçá dispunha de poço artesiano exclusivo, para animais e lavouras. Havia ainda barraginhas de contenção de águas de chuvas, que as comunidades consideravam serviços ambientais, mas não fontes de água.

Em Araçá foi possível estimar a oferta média de água por pessoa/dia: ficava em 73,11 litros do poço artesiano e 20,64 litros da cisterna de placa; desse modo, nos meses sem chuvas, na média, cada pessoa dispunha no mínimo de 93,75 litros de água para consumo doméstico, compreendendo usos humanos, de “quintal” (“molhação” de plantas frutíferas e ornamentais, ou “de terreiro”) e de pequenos animais domésticos. Por comparação, o consumo médio dos moradores de Araçá na estação seca ficava próximo de 60% do consumo urbano médio brasileiro e de 80% do consumo urbano médio de Januária. No entanto, representava quase o dobro do consumo médio observado noutras áreas do Semiárido, e pouco mais do que o triplo do consumo médio de áreas críticas do gerais.[8]

Nas duas comunidades, em grande parte como resultado de programas públicos, a oferta de água obedecia à maioria dos preceitos do “Direito Humano à Água”, recomendados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e analisados em Aleixo et al. (2016). Os programas ofereciam regularmente (sem interrupções) quantidades adequadas de água (bastante acima dos níveis mínimos necessários e equivalentes a áreas urbanas) de qualidade considerada culturalmente como boa, com acesso facilitado pela derivação da canalização para cada domicílio, eliminando o esforço de coleta. A água apresentava características socialmente aceitáveis de cor e sabor, e era ofertada a custo considerado razoável pela população, menos de 2% do salário mínimo por mês: cada família de Araçá pagava à Associação R$ 15,00 pelo abastecimento do poço artesiano, mais R$ 2,00 por animal de grande porte criado com essas águas; em Onça era cobrado R$ 10,00 de todo associado e R$ 15,00 daqueles que criavam gado.

No entanto, ponderando os investimentos públicos, essas águas produzidas efetivamente tinham outros custos, maiores. O custo médio total do poço artesiano por pessoa/mês era de R$ 5,61 (Araçá) e R$ 4,00 (Onça); para a cisterna de placa ficava em R$ 2,96 (Araçá) e R$ 2,32 (Onça). Assim, os custos públicos com abastecimento de água chegavam à média anual de R$ 102,96 (Araçá) e R$ 76,42 (Onça) por pessoa. Mas existiam ainda as cisternas calçadão, telhadão e da escola, e iniciativas de revitalização do rio e conservação ambiental – as barraginhas. Considerando todas essas iniciativas, os investimentos em águas nas comunidades, atualizados para 2017/2018 e computados ao longo de 20 anos, alcançavam R$ 615.710,44 (Araçá) e R$ 206.830,44 (Onça).

 

Adaptações

Nas comunidades de Araçá e Onça – como em outras do gerais – o conjunto de transformações fundiárias, ambientais, demográficas e econômicas modificou as relações costumeiras dos lavradores com terra e água. Em pouco mais de uma década a água passou de abundante a escassa; as secas prolongadas e repetidas entre 2011/2018 acentuaram esse quadro crítico. Foi necessária a ação continuada de agências públicas, novas atitudes no uso e gestão das fontes de abastecimento, adaptação nos sistemas de produção e uso de recursos naturais, e ganho de experiência no trato com agências públicas provedoras de águas.

Em 2017/2018 a principal fonte privada de água era a cisterna de placa de uso doméstico, que praticamente todos tinham; alguns possuíam cisternas calçadão e telhadão para irrigar plantios e, raramente, cacimbas. Cisterna dotava a família com um reservatório de 16 mil litros, ao mesmo tempo estático e dinâmico: armazenava água quando começava a chover, permitia reabastecimento contínuo da água no tempo chuvoso, e funcionava como reserva de emergência quando o poço artesiano apresentava problemas – quebra de bomba, falta de energia ou evento semelhante. As famílias tinham autonomia para decidir sobre o uso da água da cisterna. Mas as cisternas foram doadas por programas públicos que definiram normas de uso, que funcionavam como mecanismo comunitário de estímulos aos cuidados e constrangimento de abusos: condenava desperdícios, restringia destinação para outros usos e, no limite, romper a norma da agência provedora poderia implicar o fechamento da porta para novos apoios.

Os poços artesianos, principais fontes de abastecimento, se tornaram comunitários. Embora fossem originalmente dádivas concedidas por políticos e agências públicas, as duas comunidades criaram normas próprias de gestão e regras de usufruto controladas pelas Associações. Determinavam tarifas, formavam caixa para custeio e emergências, estabeleciam partilha minimamente igualitária, estimulavam o reuso e a solidariedade nas horas críticas, cobravam pelo consumo do gado e coibiam usos indevidos – por exemplo, em hortas e irrigação. Enfim, geriam essas águas. A gestão rigorosa efetivava o domínio comunitário sobre o poço artesiano e convertia em bem e direito comunitário um recurso que surgira como concessão do político ou de órgão público – em troca de prestígio ou votos. Esse aspecto, certamente, é dos avanços mais notáveis na superação do clientelismo e mandonismo, sempre relacionados ao fornecimento de águas no Semiárido. No entanto, é preciso lembrar que poços artesianos são fontes de água duradouras, mas não perpétuas. Portanto, os cuidados das Associações eram úteis para assegurar oferta equitativa no horizonte duvidoso da duração do abastecimento.[9]

As famílias das comunidades também racionalizaram os usos das águas: reusavam águas utilizadas na cozinha, no banho e na lavagem de roupa, que destinavam às plantas, ao quintal e aos animais “de terreiro”. A água passou a receber cuidados coletivos e criteriosos que normatizaram e coibiram abusos de consumo. As Associações instituíram, com a participação da comunidade, normas, cobranças e, quando era o caso, cotas de consumo e formas de partilha. As normas de uso eram construídas pelo consenso na comunidade, que considerava razoável controlar o destino privado que todos e cada família davam a água, e isso era feito por meio de informações difusas, depois levadas ao debate coletivo para corrigir o procedimento de alguma família e adequá-lo ao novo costume. As Associações funcionavam como vetores da aprendizagem coletiva das novas regras, que se embasavam nas relações costumeiras de conhecimento e, principalmente, de parentesco, para reconstruir a gestão comunitária de recursos naturais. Os antigos costumes, que serviram para governar coletivamente soltas, várzeas e águas, foram relidos, transformados em mecanismos de busca de consensos sobre gestão da água, reutilizados pelas Associações para governar águas e dotações que chegavam com programas públicos.[10]

O rigor do sistema de abastecimento relaxava um pouco no “tempo das águas”. Então, ressurgiam fontes temporárias para desafogar o poço artesiano comunitário, as cisternas de placas podiam ser enchidas e consumidas várias vezes, as barraginhas, cacimbas e poços do rio e das veredas abasteciam os animais. Mas, contraditoriamente, era também na estação das chuvas que ressurgia nova dificuldade para os agricultores: a produção agrícola.

 

Diferenças

Antes dos anos 2000 a maioria do plantio era feito na estação seca, e os agricultores irrigantes tiravam o grosso da produção das várzeas da vereda da Olaria e do rio Peruaçu. Depois dos anos 2000, o tempo “das águas” se tornou a estação possível para produzir alimentos. Mas, com a grande carga de incertezas, as lavouras foram reduzidas.

Em 2017, as chuvas só chegaram no final de novembro. Nessa época as diferenças entre mata e gerais, entre Araçá e Onça ficam mais nítidas. Em Araçá reduziram muito a área de feijão de arranca, menos resistente à seca, e o milho foi o principal mantimento cultivado na mata. No gerais plantaram o feijão-catador. A mandioca, que era o principal cultivo do gerais, deixou de ser plantada por boa parte das famílias. Mas todas essas culturas foram plantadas mais de uma vez nas duas comunidades, para remediar os efeitos do veranico. Plantaram em dezembro, de novo plantaram em janeiro, novamente em fevereiro. O senhor José Rodrigues, da comunidade de Araçá, dizia em entrevista de 2018 que lavoura nesses tempos modernos estava igual loteria, precisava fazer vários plantios para salvar algo “nas águas”: “Todo ano prepara a terra e espera a chuva. Se a chuva vem, planta. Se não vem, não planta. E, muitas vezes, quase sempre, planta e não colhe.”

No verão 2017/2018, na média, as famílias de Araçá plantavam 1 hectare de grãos; as famílias de Onça plantaram 0,5 hectare. Solos menos férteis, mais tratos culturais e riscos maiores explicam as lavouras menores de Onça. No entanto, a produtividade média das colheitas foi equivalente nas duas comunidades: 600 quilos de grãos por hectare. Considerando que o consumo médio anual de uma pessoa é 200 quilos de grãos, em Araçá a produção de grãos sustentava suas famílias de 3,23 membros por quase todo o ano; em Onça havia déficit: na média, sustentava de grãos as famílias por quatro meses e meio. Mas a dotação natural beneficiava Onça com outros alimentos, pois o abastecimento familiar podia ser completado com frutos nativos produzidos no gerais na estação das águas, coquinho azedo e pequi, principalmente. Em Araçá apenas metade das famílias coletava os frutos; em Onça a coleta era feita por quase todas as famílias, que vendiam frutos na comunidade e na cooperativa de agricultores familiares.

A complementação de renda para sustento das famílias vinha da criação de animais, que também sofrera restrições com a perda das soltas nas chapadas de gerais. “Hoje a pessoa tem que criar dentro do que é dele. Hoje, praticamente, tá sendo tudo cercado” (José Rodrigues, de Araçá, entrevista, 2018). Em Araçá, anos seguidos de secas liquidaram com os pastos formados, e isso obrigara os criadores a vender parte dos rebanhos de bovinos. Mas mesmo temporadas curtas e alternadas de chuvas no tempo das águas melhorava a criação dos animais no gerais, porque brotavam ramos e frutos para o gado. Também, perdas seguidas de lavouras de milho forçaram a redução do número de porcos e galinhas na mata.

Ocorriam perdas nas duas comunidades. No entanto, as perdas relativas na mata foram maiores. Em Onça, no gerais, havia menos terra para cultivo, plantavam menos: a vereda, um brejo e as terras de capão; em Araçá, na mata, havia vazantes e brejos para cultivo na seca, e toda a terra de mata, igualmente fértil, para cultivo de sequeiro, pois, conforme a prática: “Mata é um terreno [de um tipo] só, sozinho. A terra, nela, tem as veia, tem uns lugar que é mais fraco. Mas produz a mesma coisa” (Mosar Gonçalves, agricultor de Araçá, entrevista de 2017). Na mata, assim, havia mais área e mais opções de cultivo. Mas terra de mata aguenta menos as secas, e a falta de água provocou mais dificuldades que no gerais. Na mata, somente o feijão-catador foi produzido todos os anos entre 2012 e 2017.

O antigo sistema de produção resiliente, diversificado, baseado no acesso livre aos recursos, quase desapareceu com as tomadas de terras, que modificaram o regime agrário, acabaram com a abundância de água e tornaram os agricultores vulneráveis à seca. Secas consumiram patrimônio em gado e reduziram as possibilidades de produzir com base nas lavouras, pomares e criações “de terreiro”. Afetaram, enfim, o autoconsumo e a renda não monetária nas duas comunidades, e as perdas na produção aumentaram as despesas em dinheiro com alimentos: “Antigamente comprava fósforo, café e querosene. Agora somos que nem moradores da cidade vivendo na roça. Até água, hoje, tem que pagar” (Valdetina Aparecida Rodrigues, agricultora familiar de Araçá, entrevista de 2018).

Ganhou, então, importância a contribuição dos programas de transferência de renda, principalmente aposentadorias e pensões, mas também o Programa Bolsa Família. Esses programas são considerados pelos agricultores retaguardas importantes para conviver com a seca porque asseguram o dinheiro para adquirir alimentos e, principalmente a aposentadoria, podendo ser usado nas emergências, compensando perdas de gado e lavouras.

Graças aos programas de abastecimento de água e transferência de rendas os agricultores podem passar, como dizem, por “secas gordas”: secas em que não faltam mantimentos nem água, embora sintam muita falta da produção das próprias lavouras. Mas seguro safra, distribuição de sementes – mesmo que sejam sementes híbridas – e bolsa-estiagem, com programas de transferência de rendas e abastecimento de água, permitem que a travessia da seca possa ser feita sem fome, sem sustos, sem vendas de ativos às pressas e, principalmente, sem carecer de buscar recurso com político, sem precisar da esmola da frente de trabalho.  Com isso, a seca se tornou uma “quadra de tempo” mais previsível e mesmo mais cidadã, porque a população das comunidades rurais não fica tão fragilizada quanto nas secas descritas por autores clássicos como Euclides da Cunha, Ruy Facó ou Manuel Correia de Andrade. Na “seca gorda” o agricultor labuta do mesmo jeito com perdas de lavoura e animais, regula uso da água, mas passa “seca-e-s’água” abrigado, produzindo e comendo. A “seca gorda” é um passo adiante para a superação do histórico de perdas com a seca. No entanto, não repõe sequer uma fração da antiga abundância nem as perdas materiais e culturais dos antigos sistemas de produção do gerais destruídos pela modernização.

 

Considerações finais

Certamente o efeito mais importante de tantas mudanças – modernização, degradação do ambiente, intervenções de programas públicos e anos de secas agudas – foi fixar no espaço essa população rural, que era móvel em meio ao manancial de recursos do gerais. Ficaram reduzidas as terras livres e a criação na solta, se acabaram as roças móveis. A precisão de águas produzidas pelo poço artesiano e pela cisterna de placas fixou o lavrador num espaço delimitado, restrito a limites que não admitem mais o antigo sistema de produção adaptado ao clima e ao lugar.

Apesar dessas perdas e, principalmente, cientes delas, todas as famílias das duas comunidades plantam e replantam suas lavouras na estação das águas, mesmo que no ano anterior não tenham colhido. Um agricultor resumiu: “Sou lavrador, minha obrigação é plantar. E colher, se Deus permitir.” A fala não revela somente fé e perseverança. Informa também a compreensão de que o cultivo do seu próprio mantimento é a maneira de afirmar autonomia e identidade de agricultor, de se contrapor à dependência de renda monetária vinda de programas públicos e do comércio urbano para abastecimento de alimentos.

Mas, contraditoriamente, esses agricultores também afirmam essa autonomia buscando por programas públicos. Sempre procuram novos programas de abastecimento de água que, oferecendo novas fontes, permitam captar em fluxo ou formar estoques. A principal estratégia, como já observaram vários autores, continuava a ser combinar fontes. Na negociação por novas fontes de abastecimento aceitam a inovação, experimentam e avaliam a novidade; qualquer liderança comunitária conhece todo o cardápio de convívio e combate à seca, com seus prós e contras, e tem plena condição de avaliar a introdução seletiva ou generalizada de novas iniciativas na comunidade rural.

Esse conjunto de circunstâncias revelava a grande importância da política para assegurar fontes de água e dinheiro para atravessar as secas. Os poços artesianos comunitários foram resultado de ação de políticos e órgãos públicos; entidades não governamentais também trafegam por relações que incluíram a política. Décadas depois de criado, o espírito da “indústria da seca” permanece vivo nas agências de abastecimento de água no Semiárido. Mas nessas comunidades se percebia um componente inteiramente novo: em consequência do estilo dos acordos adotados na política entre os anos 2003/2014, as rivalidades entre instâncias da Federação, partidos, grupos e mandatos políticos se transformavam em competição pela produção de programas públicos. A “república de coalizão”, afinal, abriu novos espaços de conflitos entre grupos políticos, e lavradores foram aprendendo a lidar com eles, pois sempre que podiam negociavam e “capturavam” programas para água, renda e ambiente. Todo esse conjunto – não uma ação apenas, mas um conjunto de programas, iniciativas e ações – assegurava a reprodução dessa população rural.

Tomando ciência disso, agricultores recriavam em novas bases o modo de vida costumeiro baseado em parentela, comunidade e no uso tradicional da terra, buscando a autonomia possível no redemoinho de desafios que vinha na esteira dos programas públicos. Assim se explicam os esforços de plantio seguidos de perdas, modos de afirmar a condição de agricultores e, pelo menos, de destino justificado para recursos de programas públicos. Isso possibilitava também criar circuitos de serviços associados às transferências de rendas, que abriam novas oportunidades de trabalho nas comunidades rurais. Esses agricultores se aproveitavam da ambiguidade das políticas públicas, e assim criavam “secas gordas”, para reproduzir a unidade familiar e, sobretudo, para afirmar a identidade. Certo é que, quando surgiram novos desafios, geralistas souberam fazer novas adaptações.

 

 

Agradecimentos

A pesquisa que originou este artigo contou com o apoio da Cáritas Diocesana de Januária, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), aos quais os autores agradecem.

 

 

Referências bibliográficas

ALEIXO, B.; REZENDE, S.; PENA, J. L.; ZAPATA, G.; HELLER, L. Direito humano em perspectiva: desigualdades no acesso à água em uma comunidade rural do nordeste brasileiro. Ambiente & Sociedade, São Paulo v. 19, n. 1, p. 63-82, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422ASOC150125R1V1912016. Acesso em: 9 out. 2019.

ANDRADE, M. C. de. Terra e homem no Nordeste. São Paulo, Brasiliense, 1964.

ANDRIOLLI, C. S. Sob as vestes de Sertão Veredas, o Gerais: ‘Mexer com criação' no Sertão do IBAMA. 2011. 229 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/280741. Acesso em: 17 set. 2019.

ARAÚJO, V. M.; RIBEIRO, E. M.; REIS, R. P. Águas no rural do semiárido mineiro: uma análise das iniciativas para regularizar o abastecimento em Januária. Organizações Rurais & Agroindustriais, Lavras, v. 12, n. 2, p. 219-233, 2010. Disponível em: http://www.spell.org.br/documentos/ver/3715/aguas-no-rural-do-semiarido-mineiro--uma-analise-das-iniciativas-para-regularizar-o-abastecimento-em-januaria. Acesso em: 21 set. 2019.

ASSIS, T. R. P. Sociedade civil e a construção de políticas públicas na região semiárida brasileira: o caso do Programa Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC). Revista de Políticas Públicas, São Luís, v. 16, n. 1, p. 179-189, 2012. Disponível em: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rppublica/article/view/1189. Acesso em: 29 ago. 2019.

BERNARDES, C. O gado e as larguezas dos Gerais. Estudos Avançados, São Paulo, v. 9, n. 23, p. 33-58, 1995. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/eav/article/view/8846. Acesso em: 28 out. 2019.

BERTONI, J. C.; TUCCI, C. E. M. Hidrologia: ciência e aplicação. Porto Alegre: UFRGS/ABRH, 2009.

BORGES, S. L.; ELOY, L.; SCHMIDT, I. B.; BARRADAS, A. C. S.; SANTOS, I. A. Manejo do fogo em veredas: novas perspectivas a partir dos sistemas agrícolas tradicionais no Jalapão. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 3, p. 275-300, 2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422ASOC20150020R1V1932016. Acesso em: 16 out. 2019.

BRANDÃO, C. R. O ardil da ordem. Campinas: Papirus, 1986.

BRANDÃO, C. R. Reflexões sobre como fazer trabalho de campo. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 10, n. 1, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.5216/sec.v10i1.1719. Acesso em: 15 mar. 2020.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Regional. Secretaria Nacional de Saneamento. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS: diagnóstico dos serviços de água e esgotos 2017. Brasília: SNS/MDR, 2019. Disponível em: http://www.snis.gov.br/diagnostico-agua-e-esgotos/diagnostico-ae-2017. Acesso em: 11 jan. 2020.

CARDOSO, J. M. A. A região Norte de Minas: um estudo da dinâmica de suas transformações espaciais. In: OLIVEIRA, M. F. M.; RODRIGUES, L. (Orgs.). Formação econômica e social do Norte de Minas. Montes Claros: Unimontes, 2000. p. 173-346. Acesso em: 27 out. 2019.

CÁRITAS. Projeto Peruaçu. Arquivo. Januária, 2013.

CIRILO, J. A. Políticas públicas de recursos hídricos para o semiárido. Estudos Avançados, São Paulo, v. 22, n. 63, p. 61-82, 2008. Disponível em:  http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142008000200005. Acesso em: 8 out. 2019.

COELHO, M. A. T. Os descaminhos do São Francisco. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba. Arquivo do poço artesiano perfurado na comunidade de Onça. Arquivo. Montes Claros, 1996.

CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba. Controle de processos de perfuração. Arquivo. Montes Claros, [s.d.].

CORRÊA, A. I. Januária. In: RIBEIRO, E. M. (Org.). Histórias dos gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2010. p. 43-72.

CORRÊA, A. I. Um lavrador no reino do latifúndio. Petrópolis: Vozes, 1985.

CUNHA, E da. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984.

DELGADO, G. C. Capital financeiro e agricultura no Brasil. Campinas: Ícone/Unicamp, 1985.

DEUS, G. M. Genelísio Marques de Deus, Gené. In: RIBEIRO, E. M (Org.). Histórias dos gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2010. p. 209-218.

DURHAN, E. R. A caminho da cidade: a vida rural e a migração para São Paulo.  São Paulo, Perspectiva, 1973.

FACÓ, R. Cangaceiros e fanáticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

GALIZONI, F. M. Águas da vida – população rural, cultura e água em Minas Gerais. 2005. 198 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. Disponível em: http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/279832/1/Galizoni_FlaviaMaria_D.pdf. Acesso em: 4 set. 2019.

GALIZONI, F. M. Lavradores, águas e lavouras. Belo Horizonte: UFMG, 2013.

GALIZONI, F. M.; RIBEIRO, E. M.; NORONHA, A. B.; SILVESTRE, L. H.; REIS, R. P. Águas dos gerais. In: RIBEIRO, E. M. (Org.). Histórias dos gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2010. p. 235-260.

GOMES, G. M. Velhas secas em novos sertões: continuidade e mudanças na economia do semiárido e dos cerrados nordestinos. Brasília: IPEA, 2001.

GONÇALVES NETO, W. Estado e agricultura no Brasil: política agrícola e modernização econômica brasileira 1960-1980. São Paulo: Hucitec, 1997.

INMET – Instituto Nacional de Meteorologia. Série pluviométrica histórica de Januária. Banco de Dados Meteorológicos para Ensino e Pesquisa – BDMEP. 2018. Disponível em: http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=bdmep/bdmep. Acesso em: 6 jul. 2019.

LAVILLE, C.; DIONNE, J. A construção do saber. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

LIMA, V. M. P. Secas e s’águas: alterações na dinâmica da água no Alto Jequitinhonha. In: GALIZONI, F. M. Lavradores, águas e lavouras. Belo Horizonte: UFMG, 2013.

LUZ, C.; DAYRELL, C. Cerrado e desenvolvimento: tradição e atualidade. Montes Claros: CAA/Rede Cerrado, 2000.

MACEDO, J. N. Fazendas de gado no vale do São Francisco. Rio de Janeiro: MDA/Serviço de Informação Agrícola, 1952.

MALVEZZI, R. Semiárido: uma visão holística. Brasília: Confea, 2007.

MEDEIROS, C. P. No rastro de quem anda: comparações entre o tempo do
Parque e o hoje em um assentamento no noroeste mineiro. 2011. 265 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em:
http://objdig.ufrj.br/72/teses/770234.pdf. Acesso em: 13 nov. 2019.

NOGUEIRA, M. C. R. Gerais a dentro e a fora: identidade e territorialidade entre geraizeiros do Norte de Minas Gerais. 2009. 233 f. Tese (Doutorado em Antropologia) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2009. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/4614. Acesso em: 25 out. 2019.

POSEY, D. A. Interpretando e utilizando a “realidade” dos conceitos indígenas: o que é preciso aprender dos nativos? In: DIEGUES, A. C. S; MOREIRA, A. C. C. Espaços e recursos naturais de uso comum. São Paulo: Nupaub/USP, 2001. p. 279-292.

RIBEIRO, E. M.; GALIZONI, F. M. Quatro histórias de terras perdidas: modernização agrária e privatização de campos comuns em Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 9, n. 2, p, 115-129, 2007. Disponível em: https://rbeur.anpur.org.br/rbeur/article/view/185. Acesso em: 9 out. 2019.

RIBEIRO, E. M. (Org.). Histórias dos gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

RODRIGUES, L. Formação econômica do norte de Minas e o período recente. In: OLIVEIRA, M. F. M.; RODRIGUES, L. (Orgs.). Formação social e econômica do Norte de Minas. Montes Claros: Unimontes, 2000. p. 105-172.

SABOURIN, E.; MARINOZZI, G. Recomposição da agricultura familiar e coordenação dos produtores para a gestão de bens comuns no nordeste brasileiro. Política & Trabalho, v. 31, n. 4, p. 1008-1017, 2001. Disponível em: https://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/politicaetrabalho/article/view/6483. Acesso em: 12 nov. 2019.

SANTOS, A. J.; SOUZA, J. B.; MATOS, J. G. R.; PACHECO, J. M.; VIANA, A. L. Terra, lavoura e criação no rio dos Cochos. In: RIBEIRO, E. M. (Org.). Histórias dos gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2010. p. 157-190.

SCHRÖDER, M. As demandas financeiras dos agricultores do sertão do Pajeú. In: ABRAMOVAY, R. Laços financeiros na luta contra a pobreza. São Paulo: AnnaBlume/Fapesp, 2004. p. 71-119.

SILVA, J. L.; RIBEIRO, E. M.; LIMA, V. M. P; HELLER, L. As secas no Jequitinhonha: demandas, técnicas e custos do abastecimento no Semiárido de Minas Gerais. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 22, 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.22296/2317-1529.rbeur.202013. Acesso em: 18 mai. 2020.

SILVA, R. M. A. Entre o combate à seca e a convivência com o Semiárido: transições paradigmáticas e sustentabilidade do desenvolvimento. 2006. 298 f. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) – Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, 2006. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/2309. Acesso em: 12 mar. 2019.

SNIF – Sistema Nacional de Informações Florestais. Serviço Florestal Brasileiro. 2006. Disponível em: http://snif.florestal.gov.br/pt-br/. Acesso em: 5 jul. 2019.

SPERA, S. T.; REATTO, A.; MARTINS, E. S.; CORREIA, J. R.; CUNHA, T. J. F. Solos areno-quartzosos no Cerrado: características, problemas e limitações ao uso. Embrapa Cerrados, Planaltina, n. 7, p 1-48. 1999. Disponível em: https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/555305/solos-areno-quartzosos-no-cerrado-caracteristicas-problemas-e-limitacoes-ao-uso. Acesso em: 20 abr. 2019.

VIEIRA, V. P. P. B. Desafios da gestão integrada de recursos hídricos no Semiárido. Revista Brasileira de Recursos Hídricos, Fortaleza, v. 8, n. 2, p 7-17, 2003. Disponível em: https://www.abrhidro.org.br/SGCv3/publicacao.php?PUB=1&ID=36&SUMARIO=523. Acesso em: 13 out. 2019.

 

 

Como citar

CRUZ, Gildarly Costa da; RIBEIRO, Eduardo Magalhães; ARAÚJO, Vanessa Marzano; ASSIS, Thiago Rodrigo de Paula. A seca no cotidiano: agricultura familiar e estiagem em comunidades rurais do gerais de Januária, MG. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, p. 700-720, out. 2020. DOI: https://doi.org/10.36920/esa-v28n3-9.

 

 

 

Gildarly Costa da Cruz

Pesquisador no Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar Justino Obers do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (Núcleo PPJ/ICA/UFMG). Mestrado em Sociedade, Ambiente e Território pela Universidade Federal de Minas Gerais em associação com a Universidade Estadual de Montes Claros (PPGSAT/UFMG/Unimontes).

gc.cruz@hotmail.com
https://orcid.org/0000-0003-1297-8076
http://lattes.cnpq.br/2164150334419403


Eduardo Magalhães Ribeiro

Professor Titular do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (ICA/UFMG). Doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

eduardomr@pq.cnpq.br
https://orcid.org/0000-0002-4330-2346
http://lattes.cnpq.br/4262445758282319


Vanessa Marzano Araújo

Professora Adjunta do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (ICA/UFMG) e do Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Ambiente e Território da Universidade Federal de Minas Gerais em associação com a Universidade Estadual de Montes Claros (PPGSAT/UFMG/Unimontes).

vanessamarzano@gmail.com
https://orcid.org/0000-0001-7126-7018
http://lattes.cnpq.br/6911271214443658


Thiago Rodrigo de Paula Assis

Professor Associado do Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Coordenador do Núcleo de Estudos Multidisciplinares em Agroecologia e Agricultura Familiar (NEMAAF).  Pesquisador no Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar Justino Obers do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (Núcleo PPJ/ICA/UFMG).

thiagoassis@ufla.br
https://orcid.org/0000-0002-5330-8856
http://lattes.cnpq.br/5748884762750070 

 

 

ccby.png

Creative Commons License. This is an Open Acess article, distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License CC BY 4.0 which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium. You must give appropriate credit, provide a link to the license, and indicate if changes were made.

 



[1] Pesquisador no Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar Justino Obers do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (Núcleo PPJ/ICA/UFMG). Mestrado em Sociedade, Ambiente e Território pela Universidade Federal de Minas Gerais em associação com a Universidade Estadual de Montes Claros (PPGSAT/UFMG/Unimontes). E-mail: gc.cruz@hotmail.com.

[2] Professor Titular do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (ICA/UFMG). Doutorado em História pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: eduardomr@pq.cnpq.br.

[3] Professora Adjunta do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (ICA/UFMG) e do Programa de Pós-Graduação em Sociedade, Ambiente e Território da Universidade Federal de Minas Gerais em associação com a Universidade Estadual de Montes Claros (PPGSAT/UFMG/Unimontes). Doutorado em Economia pelo Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI/UFU). E-mail: vanessamarzano@gmail.com.

[4] Professor Associado do Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras (UFLA). Coordenador do Núcleo de Estudos Multidisciplinares em Agroecologia e Agricultura Familiar (NEMAAF).  Pesquisador no Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar Justino Obers do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (Núcleo PPJ/ICA/UFMG). E-mail: thiagoassis@ufla.br.

[5] A indicação das comunidades pesquisadas foi feita pela Cáritas Diocesana de Januária, entidade de assistência social vinculada à Diocese de Januária e à Conferência Nacional dos Bispos no Brasil, gestora dos programas da Articulação do Semiárido – ASA, que atua com tecnologias sociais de convívio com o Semiárido na Diocese.

[6] As tomadas de terras e conflitos no Norte de Minas Gerais foram descritas por Corrêa (1985, 2010), Santos et al. (2010) e Deus (2010); foram analisadas por Luz e Dayrell (2000) e Nogueira (2009); uma avaliação do fenômeno no cerrado mineiro foi feita por Ribeiro e Galizoni (2007). Análise da emergência das secas como problemas, conflitos e abastecimento de água foi feita por Galizoni (2005), Araújo, Ribeiro e Reis (2010). Sobre ação de agências mediadoras no Semiárido, ver Silva (2006), Assis (2012), Aleixo et al. (2016) e Silva et al. (2020).

[7] Sobre criação na solta do gerais, consultar Macedo (1952), Bernardes (1995), Ribeiro (2010) e Andriolli (2011).

[8] O consumo diário médio per capita de água era de 154,10 litros no Brasil e 118,40 na área urbana de Januária, em 2013 (BRASIL, 2019). Em áreas do Semiárido, 69,40% dos domicílios recebiam menos de 50 litros per capita, mas 28,50% da população dispunham de menos de 20 litros/dia per capita (ALEIXO et al., 2016). Silva et al. (2020) indicaram média máxima de 50 litros/dia per capita no rural do Médio Jequitinhonha. Em área crítica no rural de Januária, a média diária per capita na seca ficava em 31,20 litros/dia (GALIZONI et al., 2010).

[9] Mandonismo e clientelismo foram (e continuam sendo) recorrentes no Semiárido, alimentando a “indústria da seca” e a troca de “obras” por votos. Para uma análise do tema em profundidade, consultar Andrade (1964), Gomes (2001) e Silva (2006). Sobre o esgotamento de poços artesianos no Semiárido, ver Cirilo (2008).

[10] A adequação de normas costumeiras às circunstâncias impostas pelas transformações no mundo rural foi analisada, por exemplo, em Sabourin e Marinozzi (2001), Galizoni (2005, 2013), Ribeiro e Galizoni (2007) e Medeiros (2011). Ocorreria, como notaram Sabourin e Marinozzi (2001, p. 86), “modernização das formas de reciprocidade camponesa a partir de relações informais de proximidade”.