ESA_logo.png
v. 28, n. 2, p. 476-496, junho a setembro de 2020.

Artigo recebido em 17 de dezembro de 2019.

Aceito em 13 de março de 2020.



Intervenção, pesquisa e interação dialógica entre os conhecimentos popular e acadêmico
Intervention, research and reciprocity and dialogical interaction between popular and academic knowledge

DOI:10.36920/esa-v28n2-10

 

orcid_id.png Frederico Antonio Mineiro Lopes[1]

 

 

 

Resumo: A pesquisa e a extensão nas comunidades ou territórios compõem um encontro entre duas culturas, dois sujeitos, com subjetividades muito diferentes, no modo de conceber essa relação. Essas atividades acadêmicas podem ser vistas sob a ótica da intervenção, com elementos da educação popular, para a participação dos sujeitos. Desse modo, o objetivo deste artigo é discutir a interação e os conhecimentos possibilitados pela educação popular enquanto mediadora na obtenção dos dados e na devolução dos mesmos aos sujeitos pesquisados, na perspectiva da transformação social. Tal questão teve origem na interação entre o pesquisador e diversos sujeitos pesquisados no semiárido do Norte de Minas Gerais e do Vale do Jequitinhonha. A ação de intervenção educativa da universidade pública com a sociedade gera, invariavelmente, impactos na população. Isso contribui na transformação das realidades dos sujeitos, seja na sua transformação pessoal, seja na transformação e desenvolvimento do lugar, reafirmando sua identidade e etnicidade na coexistência com a ecologia em seus territórios.

Palavras-chave: extensão; educação para participação; conhecimento popular; desenvolvimento social.

 

Abstract: (Intervention, research and reciprocity and dialogical interaction between popular and academic knowledge). Research and extension in communities or territories make up a meeting between two cultures, two subjects, with very different subjectivities, in their way of conceiving this relation. These academic activities can be seen from the point of view of intervention, with elements of popular education, for the participation of the subjects. Thus, the purpose of this essay is to discuss the interaction and knowledge made possible by popular education as a mediator in obtaining data and returning it to the subjects studied, from the perspective of social transformation. This question originated in the interaction between the researcher and several subjects surveyed in the semi-arid North of Minas Gerais and the Jequitinhonha Valley. The action of educational intervention by the public university with society invariably generates impacts on the population. This contributes to the transformation of the realities of the subjects, either in their personal transformation or in the transformation and development of the place studied, reaffirming their identity and ethnicity in coexistence with their territorial ecosystems.

Keywords: extension; education for participation; qualitative research; popular knowledge; social development.

 

 

Introdução

O interior do Brasil foi marcado, historicamente, pela ausência da formulação de políticas públicas específicas e adaptadas à diversidade socioambiental. Em muitos casos, nem sequer políticas, mas assistencialismo e dependência de uma gestão pública patrimonialista. Somado a diversos fatores como a dependência do capital internacional, nas décadas de 1950 e 1960, o modelo econômico predominante privilegiou os grandes centros urbanos, concentrando indústrias e atraindo força de trabalho de diversas regiões do interior do Brasil, sobretudo do Nordeste. Na zona rural, além da migração, diversos projetos foram se consolidando num modelo com alto uso de insumos, herbicidas, fertilizantes, agrotóxicos, combustíveis fósseis, mecanização, desmatamento e monocultivos em extensas áreas, antes devolutas e de uso coletivo com baixo impacto das atividades agroextrativistas.

Isso resultou num desequilíbrio populacional e ambiental. O êxodo fez com que as populações rurais se concentrassem nas periferias dos grandes e médios centros urbanos. Aos que não foram forçados a sair de suas terras foram compelidos a produzir a partir de pacotes tecnológicos e de crédito difundidos pela assistência técnica governamental (NOGUEIRA, 2009). Esse processo, propalado como modernização do campo, causou um grande prejuízo não só genético, mas referente ao saber tradicional, a convivência com os ecossistemas e com a diversidade de formas de produção agrícola milenares, com a combinação de conhecimentos de etnias autóctones, sobretudo tupi-guarani, africanas e europeias, adaptadas às condições edafoclimáticas de cada região ou território.

A partir da década da 1970, torna-se mais expressiva, em âmbito mundial, a preocupação com a natureza, evoluindo para a preocupação com o futuro do meio ambiente e das novas gerações. Além disso, diversos setores governamentais, não governamentais e privados, começaram a pensar o desenvolvimento dos países, a explosão demográfica e o aumento da produção agroindustrial relacionado à limitação dos recursos, bem como as questões sociais e ecológicas, resultantes do modelo de produção da Revolução Verde, e econômicas predominantes e seus impactos comprometendo a vida, o planeta e toda a sua biodiversidade.

Em 1992, o conceito sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável começa a ser utilizado por vários setores. Alguns de forma coerente e outros apenas no discurso para legitimar práticas que visavam apenas validar os aspectos econômicos e impactantes da sua atividade produtiva. Entretanto, no Brasil, vários grupos, movimentos sociais e pastorais se esforçaram para se contrapor a esse modelo de desenvolvimento economicista e construíram alternativas voltadas à sustentabilidade (LOPES; AMÂNCIO; ALENCAR, 2005).

A contribuição de setores das universidades públicas federais na sistematização dessas ideias, na pesquisa e no diálogo com a sociedade por meio de projetos de extensão foi de grande relevância. Para efetivação desses projetos, os professores e estudantes que enfrentaram regimes autoritários e resistências no próprio campo acadêmico, pautaram-se pelas ideias de autores, como Paulo Freire, que valorizavam os saberes e a dignidade do ser humano, bem como sua relação com a ecologia.

Atualmente, para as organizações que buscam legitimar suas ações com a sociedade, sobretudo aquelas que têm na sua constituição histórica, a participação do Estado, torna-se imperativo pensar e agir de forma sustentável, não só internamente, mas em toda a cadeia produtiva e em todo o seu entorno. Deve haver uma preocupação e uma ação ética e ecológica para além de uma racionalidade instrumental e reduzida às questões econômicas atropelando e depreciando as demais questões socioambientais. Por isso a possibilidade de dialogar sobre a sustentabilidade – nas atividades profissionais e cidadãs, nos diversos elos das cadeias produtivas, desde a produção agrícola, passando pela assistência técnica, à distribuição dos produtos e à destinação dos resíduos – passa por um processo educativo continuado envolvendo as organizações, a população local e o Estado.

A pesquisa e a extensão com os sujeitos na suas comunidades ou territórios compõem um encontro entre dois mundos, duas culturas, dois sujeitos, com subjetividades muito diferentes, no modo de conceber essa relação. Além disso, constitucionalmente, a extensão é pautada pela indissolubilidade entre o ensino e a pesquisa (FORPROEX, 2001). Entre esses dois universos que sabem, pois aqui estão em questão o saber acadêmico/científico e o saber popular/tradicional, há diferentes interpretações semânticas e modos, às vezes equivocados, de compreensão e de ação (FREIRE, 1987). As atividades de pesquisa e extensão também podem ser vistas sob a ótica da intervenção. Ao adentrarem-se na vida das pessoas, nas comunidades, os pesquisadores, extensionistas, servidores públicos, professores e estudantes, podem ser incluídos na categoria agentes externos (LOPES, 2004). Tendo como referência diversos trabalhos realizados em comunidades rurais, a intervenção pode ser entendida como uma ação (ou conjunto de ações) praticada por pessoas (agentes, assessores) que não pertencem ao núcleo comunitário onde tal ação se realiza. Ela pode assumir um caráter “tutorial” ou um caráter “educativo” (ALENCAR, 1995).

Conforme Avritzer (2016), nas esferas públicas de participação, ocorrem diferentes níveis, tempos e modos de construção de cidadania, de envolvimento e de compromisso no que se refere às diversas formas de trajetória cidadã e de participação social da população oriunda das comunidades rurais em interação com a gestão pública e com os agentes externos nos processos de intervenção e de mediação. Além de diferentes, e muitas vezes antagônicas, concepções sobre o desenvolvimento rural.

Assim, este artigo visa discutir a interação e os conhecimentos possibilitados pela educação popular como mediadora na obtenção dos dados e na devolução dos mesmos aos sujeitos pesquisados, na perspectiva da transformação social. Tal questão teve origem na interação entre o pesquisador e os diversos sujeitos pesquisados nos cenários semiáridos rurais no Norte de Minas Gerais e no Vale do Jequitinhonha. É, pois, o resultado da percepção e sensibilidade do observador, envolvido em seus referenciais teóricos e demais dimensões cognitivas/ontológicas, depois trabalhado dentro de princípios metodológicos que caracterizam o procedimento científico. Tais considerações delimitam e salientam, de imediato, o caráter interpretativo adotado nas pesquisas qualitativas e a não dissociação entre a natureza humana e idiossincrasias do pesquisador e da natureza humana do objeto pesquisado nas ciências sociais e no campo da educação.

Além dessas considerações iniciais, este artigo está estruturado em cinco seções. A primeira contempla os sujeitos que interagem nos processos de pesquisa e de extensão na perspectiva da educação popular e a segunda apresenta procedimentos metodológicos que possibilitam processos de ensino e de aprendizagem como trocas de saberes. Na terceira seção, é discutida como a participação contribui para o fortalecimento da organização comunitária com a contribuição da intervenção educativa. A quarta aborda a pesquisa e as formas de intervenção tutorial e educativa e na quinta retoma-se o tema da participação articulando a aprendizagem e o fortalecimento da população local na aquisição de poder de contraposição às práticas políticas autoritárias e excludentes e a construção da democracia a partir das experiências comunitárias.

 

Os sujeitos pesquisados e participantes das ações de extensão de viés educativo popular

Os atores sociais locais possuem diferentes denominações. Algumas calcadas em referenciais teóricos acadêmicos e categorias de análise como “agricultura familiar”, “campesinato”. Há denominações relacionadas à vivência e ao simbolismo regional, como “sertanejos”, e ainda outras fundadas no sincretismo entre o simbólico regional e o mundo externo, representado pelas transformações sociais. Este é o caso dos vocábulos “trabalhadores e trabalhadoras rurais”. Os significados de todos esses termos são contextuais e representam articulações com significados de outros objetos também presentes no contexto. São relacionais com os modos como diferentes atores percebem o mundo, isto é, com suas dimensões ontológicas de realidade.  Cabe ao pesquisador interpretar tais articulações para aproximar-se do significado que elas expressam. Mas o pesquisador carrega, como qualquer ser humano, uma concepção de mundo impossível de ser removida, mas passível de ser ponderada dentro de limites de uma estratégia metodológica. Torna-se, pois, necessário explicitar o que tais termos representam neste trabalho.

Embora a categoria agricultores e agricultoras familiares seja uma das categorias de análise mais recorrentes nas comunidades rurais e nos territórios pesquisados, não se deixou de considerar os estudos sobre o campesinato como categoria de designação política e científica (CARVALHO, 2005; GODOI; MENEZES; MARIN, 2009; MARTINS, 1981; MENDRAS, 1978; SABOURIN, 2009; WANDERLEY, 2009; WOLF, 1970). Além disso, outras categorias emergiram nos conflitos agrários, nas resistências, nas lutas e na reafirmação das suas identidades relacionadas aos territórios, modos de vida e como sujeitos de direitos enquanto povos e comunidades tradicionais. No Brasil, surgiram e interagiram diferentes categorias ao longo da formação do povo brasileiro e do contexto etnocêntrico da formação do Estado e do preconceituoso imaginário aristocrático urbano, conjugado com a exploração e expropriação pelo latifúndio e pela dominação violenta do coronelismo (RIBEIRO, 1995).

Na última metade do século XX, no campo das lutas por seus direitos e da formação sindical, são reconhecidos como trabalhadores e trabalhadoras rurais. Em outras épocas eram chamados e se identificavam como lavradores. Economicamente e sob influência da modernização, por meio dos pacotes tecnológicos da Revolução Verde, são caracterizados como produtores rurais (geralmente se apresentam ou são classificados como “pequeno produtor rural” ou “pequeno produtor”).

No âmbito da constituição dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS), nas agências estatais de extensão rural, mesmo nos sindicatos dos trabalhadores rurais e, juridicamente, no acesso ao crédito e aos programas governamentais, convencionou-se, da parte do Estado, o uso da categoria agricultor familiar. Agricultura familiar é uma categoria criada pelo Estado, reconhecida por sua especificidade na criação do Pronaf em 1995 (PICOLOTTO, 2014; SABOURIN, 2017) e regulamentada pela Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006 (BRASIL, 2006), que permite aos camponeses serem contemplados pelas políticas públicas e serem reconhecidos como sujeitos de direitos no campo jurídico. Contudo, ela homogeiniza os diferentes sujeitos  e etnicidades ecológicas (subsumidos na categoria). Há algumas situações nas quais essa categoria é acionada também pelas populações e comunidades tradicionais no acesso aos programas e políticas públicas, ao crédito agrícola e aos benefícios econômicos e sociais a que têm direito, por meio das agências de desenvolvimento estatais, como a Emater, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), entre outras.

No espaço rural há relações sociais de convivência comunitária, típica da ajuda mútua nessas regiões (CÂNDIDO, 2001); nessas sociedades há uma integração de todas as atividades. Esse fato social total, segundo Mauss (1974), exprime ao mesmo tempo, integralmente ou sem separação, toda a espécie de instituição, desde futebol, festas religiosas, mutirão, trabalho na propriedade, na associação, preocupação com a educação das crianças e com a escola, passando pelo trabalho não agrícola, até a dádiva e a reciprocidade em casos de falecimento, colheita, festa, doença e crise financeira.

Percebe-se, assim, que a realidade rural no Semiárido Nortemineiro e do Vale do Jequitinhonha que se apresenta é o mesmo território, no qual há a implementação de políticas públicas.  Este é o campo de atuação do Estado, normalmente via projetos governamentais desenvolvimentistas elaborados em gabinetes e implantados de forma difusionista pelos técnicos do serviço de extensão. Atendendo prioritariamente aos interesses econômicos, não há adaptação às peculiaridades e às demandas regionais, desprezando todo o conhecimento acumulado dos agricultores, na elaboração de currículos adequados às especificidades do campo, além de não contar com a sua participação nesses projetos e pouca preocupação com a degradação ambiental. Neste contexto, a expansão desenvolvimentista dos grandes projetos rurais e silvícolas, da agroindústria, do latifúndio e de empreendimentos da iniciativa privada aumenta também a fragmentação ecológica e cultural do cerrado e da caatinga por essa antropização.

Obviamente tais iniciativas não levaram em consideração as peculiaridades demográficas, culturais, ecológicas e edafoclimáticas, bem como os estragos ao meio ambiente e as sociedades que vivem dia a dia a relação de respeito e equilíbrio com a “mãe terra”, que suas externalidades podem acarretar na formulação de políticas econômicas e de desenvolvimento que corroboram para a constituição desse cenário insustentável que alguns estudos alertam e denunciam (LEFF, 1994; ALTVATER, 1995).

A noção de territorialidade vem ao encontro da abordagem sobre desenvolvimento rural e participação, enquanto luta por direitos e reconhecimento, coadunando com as perspectivas de Acselrad (2015), Almeida (2004) e Little (2004), que contemplam estudos relacionados aos territórios como lugares de significados nos seus processos subjetivos e valorativo no campo das relações que os envolve. Entretanto, alguns autores, organizações, comunidades rurais e a municipalidade utilizam a categoria “região”.

 

Procedimentos metodológicos e educação popular

As estratégias das pesquisas realizadas por intermédio da educação popular caracterizam-se como estudos de caso de cunho qualitativo, categoria de investigação em ciências sociais em que o foco é uma unidade que se analisa de maneira aprofundada (YIN, 1994). Segundo Bogdan e Biklen (1994), a investigação qualitativa possui cinco características: a) a fonte direta de dados é o ambiente natural; b) é descritiva; c) há um interesse maior pelo processo que simplesmente pelos resultados e produtos; d) as análises dos dados tendem a ser feitas de forma indutiva; e) o significado é de importância vital nessa abordagem. Segundo Becker (1977), os cuidados, desde a escolha do tema de pesquisa e da população estudada, remetem aos valores e à história de vida do pesquisador. Para esse autor, o modo de formular o problema de pesquisa permite perceber de que lado se encontra o pesquisador. Se tal posicionamento é inevitável, a estratégia metodológica e a ética do investigador procuraram evitar ou atenuar as influências que os vieses poderiam acarretar, buscando resultados válidos e confiáveis.

Na coleta de dados utiliza-se, conforme a realidade dos sujeitos ou do objeto de pesquisa, uma gama de recursos metodológicos tais como: roteiro de entrevistas, observação, diagnóstico rápido participativo (DRP), história oral e história de vida, pesquisa documental e anotações de campo. Esses recursos constituem importantes substratos para o estudo de caso (YIN, 1994), ao proporcionarem a reconstituição da trajetória social vivenciada nas comunidades, escolas, associações, enfim pelos grupos sociais, bem como suas percepções sobre os acontecimentos e mudanças que marcaram a história das comunidades desta região, a partir da sua visão de mundo e concepção da realidade. O instrumental comumente utilizado para ajudar na aplicação da metodologia é composto por gravador, caderno de campo e máquina fotográfica/filmadora (BOGDAN; BIKLEN, 1994).

A técnica comumente usada é a observação participante (MALINOWSKI, 1984; WHYTE, 1980), complementada pelos recursos etnográficos e da construção social da realidade (BERGER; LUCKMANN, 1996, p. 17). A problematização, após os diagnósticos e a interação com a população local, é originada da reflexão sobre o referencial teórico confrontado com uma primeira série de incursões ao campo da pesquisa. Esses procedimentos contribuem para o delineamento da pesquisa e maior clareza na elaboração da metodologia exigida pela realidade pesquisada, ou seja, o objeto e os sujeitos pesquisados. Esse esforço epistemológico e empírico, associado às argumentações, pertinentes ao tema e ao diálogo com os sujeitos pesquisados, constitui o substrato para elaborar o plano da pesquisa e das ações daí por diante.

Para fazer uma melhor leitura dos ambientes pesquisados, busca-se realizar uma observação inculturada, ou seja, conviver com a máxima discrição para descrever, apreender e construir a realidade social a partir das pessoas entrevistadas e observadas. Assim, ao partilhar a vida cotidiana das pessoas foi possível, não destoar tanto do grupo durante o recolhimento dos seus depoimentos e as observações da realidade local numa aproximação dialógica possibilitada por meio de atitudes típicas dos processos de educação popular.

Considerando-se esses aspectos históricos, socioeconômicos, culturais e políticos e a partir da observação direta, da pesquisa documental e da etnografia, ou da combinação de outros métodos, o campo da investigação é construído, com a possibilidade de ser redimensionado, dado o caráter reflexivo e flexível das abordagens qualitativas e da natureza da pesquisa empírica interativa e circular. Os dados são coletados em diversos espaços, nas associações, nas comunidades rurais, nos espaços de comercialização agrícola e órgãos públicos, dentre outros. Além da observação participante, são realizadas entrevistas em profundidade e conversas informais, análises de documentos como atas, regimentos e legislação, dentre outros. Nesse conjunto de procedimentos sempre há o envolvimento dos sujeitos pesquisados. Os sujeitos das pesquisas interagem com os pesquisadores ou com os agentes de extensão desde as primeiras informações sobre o campo e a população estudada, na coleta e na devolução dos dados, proporcionando, assim, uma oportunidade de trocas de saberes, da valorização dos sujeitos e de contemplar a dimensão holística e humana do desenvolvimento, entrando assim no campo da educação popular.

A educação popular muitas vezes é informal, sem muitos recursos didáticos, na simplicidade de um rancho de palha de coco catulé, numa construção de adobe, num galpão, ou até mesmo debaixo da sombra do pé de manga, baru ou do “pé de pequi”. O que, a princípio, num olhar míope e preconceituoso, pode dar uma aura de romantismo e amadorismo ineficaz, não lhe tira o mérito pelo crescimento propiciado às pessoas, sobretudo aquelas às quais lhes foram negados, circunstancial ou propositalmente, o direito à educação formal. Há no seu constitutivo uma pedagogia que não pode ser elaborada e tampouco praticada pelos opressores (FREIRE, 1987). Freire (1987) supõe que em qualquer movimento ou ação educativa deve haver um interesse gratuito, muitas vezes idealista e constantemente utópico.

É imperativo que a educação, seja de natureza formal (curricular, institucional, privada, estatal ou filantrópica) ou informal (iniciativas populares ou da sociedade civil organizada, organizações não governamentais, igrejas, órgãos de extensão de universidades públicas ou do governo) faça caso do saber popular e tenha como finalidade “a superação do mundo de opressão e injustiça” (CIZESKI, 1995) em que estão inseridas as pessoas com nome e endereço. Além disso, respeitando os sonhos, as frustrações, as dúvidas, os medos e os desejos dos educandos – crianças, jovens ou adultos –, os educadores populares terão neles sempre um ponto de partida e não de chegada para sua ação (FREIRE, 1995).

O conceito da educação de adultos move-se na direção daquele de educação popular, na medida em que a realidade começa a fazer algumas exigências à sensibilidade e à competência científica dos educadores. Uma dessas exigências está relacionada à compreensão crítica dos educadores e do que vem ocorrendo na cotidianidade do meio popular. A grande pretensão da educação popular para uma autonomia da pessoa é sinalizada pelo próprio Paulo Freire, que assim expressa uma das suas preocupações com a natureza humana:

Nenhuma teoria da transformação político-social do mundo me comove, sequer, se não parte de uma compreensão do homem e da mulher enquanto seres fazedores da História e por ela feitos, seres de decisão, da ruptura, da opção. Seres éticos [...]. (FREIRE, 2002, p.145)

Educadores, pesquisadores e grupos populares descobriram que educação popular é, sobretudo, o processo permanente de refletir a militância, a capacidade de mobilizar em direção a objetivos próprios. A prática educativa, reconhecendo-se como prática política, recusa-se a se deixar aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos escolarizantes. Lidando com o processo de conhecer é tão interessada em possibilitar o ensino de conteúdos às pessoas quanto em sua conscientização (FREIRE, 1995).  Na educação popular de corte progressista e democrático, o sujeito se assume “em busca de” e não como a pura incidência da ação do educador. Assim, conforme Freire (1987), os sujeitos são ao mesmo tempo exemplos para si mesmos.

A educação do povo ao longo da história estava ligada às tentativas de sedimentação ou de recomposição do poder político, capitalista e das estruturas socioeconômicas, fora ou dentro da ordem vigente. Mecanismos como o impedimento do voto do analfabeto, foram tentativas para acabar, desde a raiz, com as iniciativas de transformar a sociedade através da educação. Acreditou-se ser possível a conquista do poder político pelas eleições, por meio da educação popular como instrumento de formação de novos contingentes eleitorais, dependendo da estratégia de luta política do grupo que a promove (PAIVA, 1973). A educação popular deve, conforme Paiva (1973), educar para conscientização, participação nos processos de construção de cidadania e de afirmação enquanto sujeitos de direitos e para ajuda mútua, como o mutirão e outras expressões de reciprocidade e fortalecimento das comunidades ou territórios, com vistas a uma leitura consciente e reflexiva da realidade para a contraposição aos fatores “exógenos” como: políticos de época de campanha; atividades industriais/comerciais depredadoras do tecido social e da natureza; agentes externos tutoriais de qualquer instituição que venha desconsiderar a realidade da comunidade.

Não é possível a educadores e a educadoras pensarem apenas os procedimentos didáticos e os conteúdos a serem ensinados aos grupos populares. Pensando e agindo dessa maneira, estariam reproduzindo informalmente as práticas do modelo escolar oficial, o que já não seria mais educação quanto à aprendizagem e nem popular quanto ao seu objetivo de transformação da realidade local pelos próprios moradores. Os próprios conteúdos não podem ser totalmente estranhos àquela cotidianidade. O que acontece no meio popular, na periferia das cidades, nos campos – trabalhadores urbanos e rurais reunindo-se para rezar ou para discutir seus direitos – não pode escapar à curiosidade arguta dos educadores envolvidos na prática da Educação Popular.

Para Betto (1985) e Bordenave (1994), a Educação Popular significa levar a pessoa a organizar-se em movimentos populares e ser sujeito do processo político, e isso não somente através do acesso aos cargos políticos, de cima para baixo, mas de uma participação, como cidadãs e cidadãos, de forma ampla, pois:

A utilização da educação como instrumento de mudança social não se faz através dos sistemas educacionais, mas de campanhas ou de movimentos que atendem aquelas faixas da população que não são atingidas pelos sistemas formais de educação. (PAIVA, 1973, p. 302).

 A educação popular e a participação dos cidadãos tornaram-se, juntas, o imperativo para que haja transformação social. Embora a participação seja uma necessidade básica, as pessoas não nascem sabendo participar. A participação é uma habilidade que se aprende participando e se aperfeiçoa numa ação reflexiva e dialógica (LOPES; AMÂNCIO; ALENCAR, 2005).

 

Participação: a força da organização comunitária decorrente da intervenção educativa

Participação é um processo multidimensional e varia de situação para situação em resposta às circunstâncias particulares. Não existe um único modo de compreender esse processo e a sua interpretação está mais em função da perspectiva de análise empregada (ALENCAR, 2001).

No campo político, a participação é de grande importância para o fortalecimento organizacional comunitário: lideranças, associações comunitárias, sindicatos dos trabalhadores rurais, união informal e solidária. Participar supõe um esforço para superar a condição de desigualdade social, do não reconhecimento e da exclusão de políticas públicas. É, pois, um processo de desenvolvimento social que contribui para o protagonismo das pessoas na condução dos rumos dos seus grupos sociais, nas suas comunidades, nas manifestações religiosas, culturais, sociais, políticas e econômicas. Resulta, de fato, na emergência de sujeitos a partir das suas necessidades e não como massa ou objeto de interesses, opressão e explorações de grupos econômicos, políticos, intelectuais ou religiosos.

Oakley e Marsden citados por Alencar (2001, p. 21), analisando diferentes projetos de desenvolvimento, identificaram diferentes significados atribuídos ao termo participação:

·      Envolvimento voluntário dos indivíduos nos programas, sem, contudo, participarem da sua elaboração.

·      Sensibilização dos indivíduos, aumentando-lhes a responsabilidade para responderem às propostas de programas de desenvolvimento e encorajando iniciativas locais.

·      Envolvimento dos indivíduos no processo de tomada de decisão, na implementação dos programas, na divisão dos benefícios e na avaliação das decisões tomadas.

·      Associação do conceito de participação com o direito e o dever dos indivíduos participarem da solução dos seus problemas, terem responsabilidade de assegurar a satisfação de suas necessidades básicas, mobilizarem recursos locais e sugerirem novas soluções, bem como de criarem e manterem as organizações locais.

·       Associação do conceito de participação com a iniciativa de pessoas e grupos, visando a solução de seus problemas e a busca de autonomia.

·      Organização de esforços de pessoas excluídas para que elas aumentem o controle sobre recursos necessários ao desenvolvimento e sobre as instituições que regulam a distribuição desses recursos.

Aprende-se a participar, participando. O contrário da participação é a não participação, ou seja, o fenômeno da marginalidade. Marginalidade significa ficar de fora de alguma coisa, às margens de um processo, sem nele intervir. É a errônea concepção da participação como integração ao molde modernizador, onde aquela é entendida, de forma fragmentada e reduzida, como a inclusão entre os beneficiários consumidores dos bens materiais e culturais inerentes ao desenvolvimento modernizador (BORDENAVE, 1994).

A “marginalidade” de alguns grupos ou regiões não é, de maneira alguma, consequência de “atrasos”, mas resultado lógico e natural do desenvolvimento modernizador numa sociedade onde o acesso aos benefícios está desigualmente repartido. Não há, pois, marginalidade, mas marginalização. Neste novo enfoque, Bordenave (1994) afirma que a participação não mais consiste na recepção passiva dos benefícios da sociedade, mas na intervenção ativa na sua construção, o que é feito através de tomada de decisões e das atividades em todos os níveis. A organização das famílias na forma de grupos, como sindicatos, associações, escolas e na própria comunidade, constitui fator decisivo da sua sustentabilidade. A participação quando apreendida pelos indivíduos torna-os responsáveis pela condução dos caminhos da comunidade, que passam a ser pensados em termos de coletivo (VAZ FILHO, 1997).

A participação é inerente à natureza social do homem, tendo acompanhado sua evolução desde a tribo e o clã dos tempos primitivos, até as associações, empresas e partidos políticos de hoje. Há um acúmulo de “saber participativo” ao longo da trajetória histórica da humanidade e no itinerário de cada pessoa. Nesse sentido, a frustração da necessidade de participar constitui uma mutilação do homem e da mulher social numa sociedade participativa (BORDENAVE, 1994).

A desarticulação na vida da comunidade leva a um aumento da “não participação” (DEMO, 1986, p. 67) ou a uma participação cooptada, visando interesses próprios e imediatistas. O esvaziamento e o enfraquecimento desses espaços de participação podem resultar na “prestação de serviço” ao poder dominante que se beneficia da situação por meio de estratégias de permanência no poder como o clientelismo, os favorecimentos e as políticas assistencialistas das vésperas eleitorais. O capitalismo globalizado e neoliberal que se adentra nas estruturas familiares, políticas e do mundo do trabalho, principalmente pela força da mídia e dos modismos, potencializando, assim, interesses egoisticamente pessoais como a corrupção e o consumismo, deixando instituições associativas populares cada vez mais tíbias (GRAY, 1999). Desse modo, a consolidação e a hegemonia das altas finanças e da economia de mercado com forte poder de influência nas decisões estatais e da combinação do aumento da riqueza de uma nação com a subserviência do governo aprofundam as desigualdades sociais, objetivadas nas comunidades urbanas e rurais pela ruptura do tecido social (POLANYI, 1980).

 

A pesquisa e as formas de intervenção tutorial e educativa

Ao entrarem na vida das pessoas, os agentes externos, sejam eles pesquisadores, extensionistas, professores, agentes de pastorais etc., praticam, conforme Alencar (1995), uma ação de intervenção. Tendo como referência o trabalho realizado com comunidades rurais, a intervenção pode ser entendida como uma ação (ou conjunto de ações) praticada por pessoas (agentes, assessores) que não pertencem ao núcleo comunitário onde tal ação se realiza. Ela pode assumir um caráter “tutorial” ou um caráter “educativo” (ALENCAR, 1995).

Na ação tutorial os objetivos são pré-estabelecidos de acordo com os interesses do tutor e não da população. As informações transmitidas pelo agente externo têm muito peso em diversas regiões, podendo levá-las  a meras seguidoras de receituários atrofiadores da capacidade criativa e crítica. A formação é estritamente técnica e comercial, o que reforça atitudes competitivas, de isolamento e de falta de interesse na participação da vida comunitária, gerando esvaziamento e enfraquecimento dos movimentos sociais na comunidade.

A intervenção assume um caráter tutorial quando a ação do agente externo é orientada no sentido de introduzir “ideias” previamente estabelecidas, sem que haja participação da população alvo e sua ação na formulação de tais “ideias”. Nessa forma de agir, é o agente externo que elabora os diagnósticos, identifica os problemas, escolhe os meios para solucioná-los, estabelece as estratégias de ação e avalia as ações executadas. Restando aos habitantes, nessa forma de intervenção, executar as ações “prescritas” (ALENCAR, 1995).  Isso ocorre no campo de atuação de diversos profissionais, sobretudo das ciências agrárias, normalmente via projetos governamentais e privados desenvolvimentistas elaborados em gabinetes e implantados de forma difusionista pelos técnicos do serviço de extensão (LOPES, 2004). Nesse caso, a finalidade é atender, prioritariamente, os interesses econômicos, sem a preocupação em adaptar as tecnologias e o conhecimento acadêmico às peculiaridades e às demandas regionais, desprezando todos os conhecimentos e saberes acumulados dos agricultores, além de não contar com a sua participação nestes projetos e com pouca ou ainda nenhuma preocupação com a degradação ambiental. Desse modo, conforme Dayrell (1998):

A ocupação dos cerrados provocada pela expansão das relações capitalistas no campo, visto como a última fronteira agrícola pelas elites brasileiras, vem colocando em xeque a sustentabilidade deste bioma e provocando um processo de miserabilização de suas populações, acentuando os desníveis socioeconômicos, a concentração de terras, associados com a degradação dos seus recursos naturais: solos, água, flora e fauna. (DAYRELL, 1998, p. 6)

Nesse contexto, a expansão de agroindústrias, de grandes projetos com monocultivos e de alguns empreendimentos insustentáveis da iniciativa privada podem contribuir para o aumento da fragmentação do cerrado por esta antropização:

A fragmentação dos habitats dos cerrados provocados pelo desmatamento generalizado, a poluição por agrotóxicos e seca dos recursos hídricos tem levado ao desaparecimento, à raridade ou à modificação da composição de diversas espécies animais, entre elas e mais visíveis, as localizadas no topo da cadeia trófica, como a onça e outros predadores. (DAYRELL, 1998, p. 58)

Por outro lado, a intervenção assume um caráter educativo quando a população alvo é estimulada pelo agente externo a desenvolver a habilidade de diagnosticar e analisar seus problemas, decidir coletivamente sobre as ações para solucioná-los, executar tais ações e avaliá-las, buscando, sempre que necessário, novas alternativas (ALENCAR, 2001). Tal modo de proceder vem ao encontro de uma concepção de desenvolvimento que prioriza, precipuamente, os indicadores e as variáveis sociais, ecológicas e da vida comunitária. Em última análise, o desenvolvimento pleno transcende os aspectos quantitativos, na direção ao bem comum, público, como o direito dos cidadãos fazerem sua história de modo democrático, pelo processo de ampliação da liberdade, empoderamento, bem-estar e capacidade de fazer escolhas com autonomia (SEN, 2000).

 A intervenção educativa contribui para a transformação da realidade, da sua própria prática, localizada no contexto concreto, social e histórico, em que se desenvolve. Além de includentes, os projetos de desenvolvimento, para serem educativos, teriam como indicadores de crescimento o desenvolvimento objetivo (tangível) e o subjetivo, ambos se complementando e tornando condição para haver desenvolvimento pessoal, comunitário e regional (Quadro 1).

 

Quadro 1 – Dimensões e indicadores de desenvolvimento

01_1352_quadro01.png

Fonte: Lopes, Amâncio e Alencar (2005).

Desse modo, a intervenção educativa contribui para a transformação da realidade, da sua própria prática, localizada no contexto concreto, social e histórico, em que se desenvolve. Para possibilitar esse processo de conhecimento que apropria criticamente a realidade para transformá-la, Jara (1985) afirma ser necessário que: 

·      A prática social seja a fonte dos conhecimentos;

·      A teoria esteja em função do conhecimento científico da prática e sirva como guia para a ação transformadora;

·      A prática social seja o critério de verdade e o fim último de todo o processo de conhecimento.

Na América Latina, a intervenção educativa, sobretudo, junta às populações adultas viveu um processo de amadurecimento que veio transformando a compreensão que dela se tinha, sobretudo nos anos de 2000 e em meados dos anos 2010. A educação de adultos é melhor percebida quando situada hoje como educação popular, pois, de acordo com Freire (1995), “esta transformação [...] indica os passos qualitativos da experiência educativa refletida por inúmeras pessoas/grupos latino-americanos” (FREIRE, 1995, p. 10).

Assim, o começo de uma outra sociedade, possível, será pela busca de comunidades justas e fraternas, portanto mais humanas, menos materialistas e economicistas. Os programas de intervenção educativa para o desenvolvimento sustentável teriam por base o crescimento pessoal, para maior interação e leitura crítica da realidade. É sabido que, dadas as variáveis, os interesses e a diversidade circunstancial, trata-se de uma questão de alta complexidade e por isso não há fórmula pronta. Um começo acertado é aquele pautado pelo respeito e que promove o envolvimento dos próprios habitantes (a base) na busca de alternativas para a construção conjunta do seu desenvolvimento.

A subjetividade, por se tratar de um indicador que não remete ao cálculo, às estatísticas dos programas oficiais de desenvolvimento ou de políticas públicas financiadas por agências, como o Banco Mundial e o FMI, ainda não é valorizada de fato. Outras entidades, como agências financiadoras de organizações não governamentais e igrejas, têm considerado suas finalidades a partir destes indicadores. Pessoas ligadas à Teologia da Libertação, às Comunidades Eclesiais de Base, aos movimentos sociais e a alguns projetos de pesquisa e de extensão trabalharam para o aumento destas características subjetivas na América Latina.

 

Participação: aprendizagem para consciência e conquista do poder de contraposição na construção da democracia

A participação popular deve sustentar seus argumentos na mobilização em defesa dos interesses do coletivo e da sua autopromoção. Demo (1986) afirma que é indispensável que a participação seja conscientemente construída, pois há uma participação cedida quando essa não contradiz os interesses de uma ordem estabelecida.

Bordenave (1994) argumenta que, do ponto de vista dos setores progressistas, a participação facilita o crescimento da consciência crítica da população, fortalece seu poder de reivindicação e a prepara para adquirir mais poder na sociedade. Além disso, por meio da participação, consegue-se resolver problemas que, ao indivíduo, parecem insolúveis contadas só suas próprias forças, tais como a construção de uma estrada ou de uma ponte. O mesmo autor considera as seguintes questões-chave na participação em um grupo ou em uma organização: qual é o grau de controle dos membros sobre as decisões? Quão importantes são as decisões de que se pode participar?

A participação passa a existir quando é alcançada mediante conquista. Está associada à colaboração, isto é, o envolvimento das pessoas nas atividades grupais, nas quais o agente externo é o principal protagonista. É entendida como um processo de promoção social, pois, relaciona-se com o processo no qual os indivíduos se organizam e, por meio dessa organização, tornam-se capazes de ter força, voz e vez nos projetos de desenvolvimento.

As estratégias de intervenção educativas e libertadoras para a participação têm como objetivos centrais apresentar formas alternativas de organização, estimular a reflexão sobre a realidade em diferentes segmentos sociais economicamente marginalizados, nos quais as pessoas estão inseridas, transformando essa reflexão em ações que visem mudar tal realidade. Os fundamentos dessas três estratégias de intervenção são as ideias contidas na teoria do contradesenvolvimento (counterdevelopment) e no método pedagógico conhecido por “conscientização” (ALENCAR, 2001).

A teoria de contradesenvolvimento considera que a superação desses mecanismos ocorrerá quando os segmentos marginalizados forem capazes de exercer influências no processo de desenvolvimento. Assim, participação é considerada como um processo de conscientização crítica, aquisição de poder e compromisso comunitário ou com o território. Deste modo, a realização dos propósitos da abordagem do contradesenvolvimento está relacionada com o processo de constituição denominado de autoconfiança, isto significa dar prioridade à interação horizontal dos indivíduos perifericamente situados no sistema social para a barganha coletiva no confronto com o centro monopolizador (governo, formuladores de política, políticos e elementos monopolistas e oligopolistas no mercado). Estão implícitas no processo de autoconfiança as ideias de independência e interdependência; independência significando autonomia, ou seja, a combinação de autoconfiança, sentimento de autossuficiência e predisposição à ação. O significado de interdependência é a equidade, expressa por um estilo de cooperação que não produza novos padrões de dependência.

As ideias contidas nas teorias de contradesenvolvimento podem ou não aparecer articuladas às ideias de Paulo Freire sobre conscientização. No entanto, alguns estudiosos do assunto fazem essa ligação (ALENCAR, 2001). Para eles, o processo de constituição da autoconfiança relaciona-se com a destruição do que Freire (1981) chama de cultura do silêncio.

A participação é conquista de poder pela ação educativa e política, na busca de uma transformação da realidade e intensificação democrática. Quando fundamentada numa lógica de bem comum a todos, cooperação e articulação, ocasiona uma conquista maior: a libertação da opressão, através do resgate da dignidade, cidadania e do aprendizado. Os efeitos da participação prevalecem e se ampliam no decorrer do tempo, expandindo os níveis e necessidades organizacionais das pessoas. Em geral pode-se dizer que o objeto da participação é influir direta ou indiretamente na transformação da realidade social, nos aspectos econômicos, políticos e sociais. Para Gianotten e de Witt (1987), o problema, inclusive na pesquisa, não reside tanto em buscar a transformação da realidade social, já que qualquer atividade humana tem esse objetivo; a questão é com que objetivo e como.

Para aumentar a intensidade democrática de um país, o caminho tem sido pela representatividade política e pelo esforço conjunto de instituições, corpo técnico estatal e representantes dos interesses para o bem comum da população para o estabelecimento de uma democracia representativa. Persegue-se, assim, o ideal da consolidação e expansão democrática nas mentes dos cidadãos e cidadãs e nas instituições do Estado, com o aumento permanente da sua intensidade. Os reveses, as crises, os retrocessos e a busca de superação não são indicadores de que o processo democrático faliu ou está superado; ao contrário, conforme Avritzer (2016), pode-se evidenciar que a democracia está em funcionamento, quiçá, estabelecendo-se, com o passar do tempo e amadurecimento do país, como uma cultura, um valor, um ethos.

Contudo, se há uma significativa importância na construção de uma democracia marcada pela representatividade, a sua intensidade tenderá a aumentar quanto mais houver um amadurecimento expresso pelo teor participativo. No Brasil, a participação está presente no discurso oficial, expressada constitucionalmente e na legislação. Todavia, há uma crise entre representatividade e participação social, que é sombreada pela primeira, impedindo, assim, o seu desenvolvimento, mesmo com a contraposição de alguns setores sociais e com o crescimento da cultura e da consciência democrática. Há várias invenções de dispositivos de participação social, como voto, Conselhos, orçamento participativo, conferências, plebiscito, audiências públicas, entre outros (AVRITZER, 2016; GOHN, 2008; SANTOS, 2003).

A democracia participativa, conforme Santos (2003), confronta, de modo privilegiado, a dominação, o patriarcado e a diferenciação identitária desigual que compõem, com a exploração, o fetichismo das mercadorias e a troca desigual, as seis formas opressoras de poder. Essas formas continuam a ser, para esse autor, os principais rostos da opressão nas sociedades contemporâneas e que só haverá emancipação dessas e de outras formas de violência e negação de direitos, na medida em que houver resistência às mesmas (SANTOS, 2003).

O fundamento ideal de uma democracia, a partir dos interesses e anseios da sociedade, é o poder de influência da população, por meio de caminhos participativos existentes e a serem aperfeiçoados e outros espaços a serem reinventados permanentemente. Na América Latina, Santos (2016) constata o potencial para o alargamento do conceito de democracia, democratizando-o como tem ocorrido, não sem dificuldades e disputas de poder entre a sociedade e o mercado nacional/internacional, numa conjuntura, em escala global, na qual o capitalismo vem tentando restringi-la como moderadora de tensões entre seus interesses impostos à sociedade e à democracia. Conforme o autor, essa situação ficou demonstrada nas experiências com a junção de democracia representativa e liberal e da democracia participativa e popular, a começar pelo Brasil e alguns outros países latino-americanos, com os governos progressistas populares (SANTOS, 2016).

 

Considerações finais

A pesquisa e a extensão, nas diferentes áreas de conhecimento, levando em consideração a educação popular na sua realização, bem como na sua aplicação, podem contribuir sobremaneira na transformação das realidades dos sujeitos, na sua transformação pessoal, na transformação do lugar onde vivem e se reproduzem social e economicamente, reafirmando sua identidade e etnicidade na coexistência com a ecologia dos seus territórios.

A intervenção educativa, da universidade, para a participação social nas comunidades tem propiciado o crescimento pessoal, o desenvolvimento comunitário e territorial e a intensificação da democracia a partir da base (bottom up). Consequentemente, isso contribui para o desenvolvimento a partir do envolvimento das pessoas, como protagonistas na resolução dos seus problemas em todos os âmbitos, inclusive na busca de alternativas aos modelos econômicos expropriadores e das políticas públicas pensadas em espaços burocráticos que desconsideram as diferenças culturais, a ecologia e a participação dos sujeitos na sua formulação.

A ação de intervenção da universidade pública em comunidades ou territórios sempre terá efeitos ou impactos na população. Neste caso, como na educação, não há neutralidade. Ou a ação, trabalhando com o povo e a partir das suas demandas, será conscientizadora e libertadora, contribuindo, assim, para a ruptura com as estruturas dominantes de poder político e financeiro e fortalecendo a democracia e o valor da vida; ou auxiliará a conservar e legitimar o estado de dominação e de degradação ambiental e da dignidade dos sujeitos, em consequência da falta de compromisso e de consideração com a população empobrecida na realização de empreendimentos privados e na elaboração das políticas e da legislação.

 

 

Referências bibliográficas

ACSELRAD, H. O debate sobre cartografia e processos de territorialização – anotações de leitura. In: ACSELRAD, H.; GUEDES, A. D.; MAIA, L. J. (Orgs.).  Cartografias sociais, lutas por terra e territórios: um guia de leitura. Rio de Janeiro: IPUR/UFRJ, 2015. p. 8-29.

ALENCAR, E. Associativismo rural e participação. Lavras: UFLA/FAEPE, 2001.

ALENCAR, E. Formas de intervenção e associações comunitárias: apresentação de três casos. In: ENCONTRO DA ANPAD, 19., 1995, João Pessoa. Anais... Maringá: ANPAD, 1995. p. 97-113.

ALMEIDA, A. W. B. Terras tradicionalmente ocupadas: processos de territorialização e movimentos sociais. Rio de Janeiro: Anpur, 2004. p. 1-30.

ALTVATER, E. O preço da riqueza: pilhagem ambiental e a nova (des) ordem mundial. São Paulo: Editora Unesp, 1995.

AVRITZER, L. Impasses da democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

BECKER, H. S. De que lado estamos? In: BECKER, H. S. Uma teoria da ação coletiva. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. p. 123-136.

BERGER, P. L.; LUCKMANN, T. A Construção social da realidade: tratado de sociologia da realidade. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

BETTO, F. O que é Comunidade Eclesial de Base. São Paulo: Brasiliense/Nova Cultural, 1985.

BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Características da investigação qualitativa. In: BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1994. p. 47-51.

BORDENAVE, J. E. D. O que é participação. 8. ed. Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Brasiliense, 1994.

BRASIL. Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006. Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11326.htm. Acesso em: 28 mar. 2018.

CÂNDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 9. ed. São Paulo: Duas Cidades, 2001.

CARVALHO, H. M. O campesinato no século XXI: possibilidades e condicionantes do desenvolvimento do campesinato no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005.

CIZESKI, A. Apresentação. In: GADOTTI, M; ROMÃO, J. E. (Orgs.). Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire. 1995. p. 9-10.

DAYRELL, C. A. Geraizeiros e biodiversidade no Norte de Minas: a contribuição da agroecologia e da etnoecologia nos estudos dos agroecossistemas tradicionais. 1998. 188 f. Dissertação (Mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável) – Sede Iberoamericana de La Rábida, Universidade Internacional de Andalucia, Huelva, 1998.

DEMO, P. Participação é conquista. Fortaleza: Editora da UFC, 1986.

FORPROEX  – Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Insituições Públicas de Educação Superior Brasileiras. Avaliação Nacional da Extensão Universitária. MEC/SESu. 2001. Disponível em: https://www.ufmg.br/proex/renex/images/documentos/Avaliacao-Extensao.pdf. Acesso em: 4 mar. 2016.

FREIRE, P. Educação de adultos: algumas reflexões. In: GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E. (Orgs.). Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire, 1995. p. 10-16.

FREIRE, P. A pedagogia do oprimido. 28. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

GIANOTTEN, V.; WITT, T. Pesquisa participante em um contexto de economia camponesa. In: BRANDÃO, C. R. (Org.). Repensando a pesquisa participante. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 158-188.

GODOI, E. P.; MENEZES, M. A.; MARIN, R. A. Diversidade do campesinato: expressões e categorias: construções identitárias e sociabilidades, v. 1. São Paulo: Editora UNESP; Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2009.

GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sociopolítica. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

GRAY, J. O Falso Amanhecer: os equívocos do capitalismo global. Rio de Janeiro: Record, 1999.

JARA, O. Concepção dialética da educação popular. São Paulo: CEPIS, 1985.

LEFF, E. Ecología y Capital: racionalidad ambiental, democracia participativa y desarrollo sustentable. 2. ed. México: Siglo Veintiuno Editores, 1994.

LITTLE. P. E. Territórios Sociais e Povos Tradicionais no Brasil: por uma antropologia da territorialidade. In: Anuário Antropológico 2002/2003. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004. p. 251-290.

LOPES, F. A. M.; AMÂNCIO, R.; ALENCAR, E. Participação libertadora, CEBs e comunidades camponesas em Montes Claros MG. Organizações Rurais & Agroindustriais, Universidade Federal de Lavras, v. 7, n. 1, p. 82-92, 2005.

LOPES, F. A. M. Fé e vida: ação educativa para participação social nas comunidades eclesiais de base rurais da paróquia São Sebastião, em Montes Claros, Norte das Gerais. 2004. 112 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2004. Disponível em: http://repositorio.ufla.br/jspui/handle/1/10357. Acesso em: 11 de agosto de 2019.

MALINOWSKI, B. K. Os argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da nova Guiné Melanésia. Coleção Os Pensadores. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

MARTINS, J. de S. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1981.

MAUSS, M. Sociologia e Antropologia. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 1974.

MENDRAS, H. Sociedades Camponesas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

NOGUEIRA, M. C. R. Gerais a dentro e a fora: identidade e territorialidade entre Geraizeiros do Norte de Minas Gerais. 2009. 233 f. Tese (Doutorado em Antropologia) – Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, Brasília, 2009. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/4614. Acesso em: 6 de junho de 2019.

PAIVA, V. P. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1973.

PICOLOTTO, E. L. Os atores da construção da categoria agricultura familiar no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural,  Brasília,  v. 52, s. 1, p. 63-84, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20032014000600004&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 23. mar. 2018. 

POLANYI, K. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 1980.

RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

SABOURIN, E. Origens, evolução e institucionalização da política de agricultura familiar no Brasil. In: DELGADO, G. C.; BERGAMASCO, S. M. P. P. (Orgs.). Agricultura familiar brasileira: desafios e perspectivas de futuro. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2017. p. 263-289.

SABOURIN, E. Camponeses do Brasil: entre a troca mercantil e a reciprocidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

SANTOS, B. S. A difícil democracia: reinventar as esquerdas. São Paulo: Boitempo, 2016.

SANTOS, B. S. Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

VAZ FILHO, F. A. Indicadores da Sustentabilidade de Comunidades Ribeirinhas da Amazônia Oriental. 1997. 275 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) – Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997.

WANDERLEY, M. N. B. O mundo rural como espaço de vida: reflexões sobre a propriedade da terra, agricultura familiar e ruralidade. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.

WHYTE, W. F. Treinando a observação participante. In: GUIMARÃES, A. Z. Desvendando máscaras sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1980. p 77-86.

WOLF, E. R. Sociedades Camponesas. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

YIN, R. K. Case study research: design and methods. 2. ed. Thousand Oaks: SAGE, 1994.

 

 

Como citar

LOPES, Frederico Antonio Mineiro. Intervenção, pesquisa e interação dialógica entre os conhecimentos popular e acadêmico. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 476-496, jun. 2020.

 

 

 

Frederico Antonio Mineiro Lopes

Doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros (PPGDS/Unimontes). Professor adjunto do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (ICA/UFMG).
https://orcid.org/0000-0003-1878-3608
http://lattes.cnpq.br/4983283570811562
E-mail:
fredericomineiro@ica.ufmg.br

 

 

ccby.png

Creative Commons License. This is an Open Acess article, distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License CC BY 4.0 which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium. You must give appropriate credit, provide a link to the license, and indicate if changes were made.

 



[1] Doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros (PPGDS/Unimontes). Professor adjunto do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais (ICA/UFMG). E-mail: fredericomineiro@ica.ufmg.br.