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v. 28, n. 2, p. 312-338, junho a setembro de 2020.

Artigo recebido em 9 de março de 2020.

Aceito em 29 de abril de 2020.



Fortalecendo redes territoriais de agroecologia, extrativismo e produção orgânica: a instrumentação da ação pública no Programa Ecoforte
Strengthening territorial networks of agroecology, extractivism and organic production: the instrumentation of public action in the Ecoforte Program

DOI:10.36920/esa-v28n2-3

 

 orcid_id.png Claudia Job Schmitt[1]

 orcid_id.png Silvio Isoppo Porto[2]

 orcid_id.png Denis Monteiro[3]

 orcid_id.png Helena Rodrigues Lopes[4]

 

 

Resumo: Este artigo tem como foco as dinâmicas políticas e sociais envolvidas no processo de institucionalização do Programa Ecoforte – Redes de Agroecologia, Extrativismo e Produção Orgânica, no âmbito da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – Pnapo. A criação desta política pública encontra-se associada a uma trajetória mais ampla de interações estabelecidas entre agentes governamentais e organizações sociais, que possibilitou que a agroecologia ampliasse seu espaço de legitimidade como um referencial de política pública. Considerando as inovações conceituais e operacionais incorporadas ao Ecoforte, especial atenção foi dedicada aos processos participativos envolvidos na instrumentação do programa, mobilizando perspectivas de análise desenvolvidas pela sociologia francesa e que questionam a neutralidade dos instrumentos de políticas públicas, chamando a atenção para os efeitos desses dispositivos no ordenamento das relações estabelecidas pelo Estado com seus públicos. Destaca-se que a incorporação pelo Ecoforte de conceitos e modos de operação desenvolvidos em um processo de diálogo com as organizações sociais permitiu ao programa uma melhor adaptação à diversidade e à multilinearidade dos processos de transição agroecológica vivenciados nos territórios. Os resultados de pesquisa aqui apresentados foram gerados através de um projeto de pesquisa-ação coordenado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que buscou sistematizar a experiência de 25 redes de agroecologia apoiadas pelo primeiro edital do Ecoforte, incluindo, também, uma análise da trajetória política e institucional de construção da Pnapo e do Ecoforte com base em revisão de literatura, análise de documentos e realização de entrevistas com atores-chave.

Palavras-chave: agroecologia; política pública; Programa Ecoforte.

 

Abstract: (Strengthening territorial networks of agroecology, extractivism and organic production: the instrumentation of public action in the Ecoforte Program). This article focuses on the political and social dynamics involved in the institutionalization of the Ecoforte Program – Agroecology, Extractivist and Organic Production Networks, within the scope of the National Policy for Agroecology and Organic Production – PNAPO. The creation of this public policy is associated with a broader trajectory of interactions established between government agents and social organizations, which made it possible for agroecology to expand its space of legitimacy as a reference in public policy. Considering the conceptual and operational innovations incorporated within Ecoforte, special attention was paid to the participatory processes involved in the instrumentation of the program, mobilizing perspectives of analysis developed within French sociology, that question the neutrality of public policy instruments, drawing attention to the effects of these devices in ordering the relations established by the State with its publics. It is noteworthy that the incorporation by Ecoforte of concepts and modes of operation developed in a process of dialogue with social organizations allowed the program to better adapt to the diversity and multilinearity of the agroecological transition processes experienced in the territories. The research results presented here were generated through an action research project coordinated by the National Articulation of Agroecology (ANA) that sought to systematize the experience of 25 agroecology networks supported by Ecoforte's first call for proposals, including, also, an analysis of the political trajectory and institutional construction of PNAPO and Ecoforte based on literature review, document analysis and interviews with key actors.

Keywords: agroecology; public policy; Ecoforte Program.

 

 

 

Introdução

Este artigo tem por objetivo refletir sobre a trajetória do Programa Ecoforte – Redes de Agroecologia, Extrativismo e Produção Orgânica, tomando como fio condutor as interfaces estabelecidas entre agentes governamentais e organizações da sociedade civil na formulação e implementação desta política pública. Os resultados de pesquisa aqui apresentados buscam contribuir com os debates em torno da institucionalização da agroecologia e da construção de arranjos de governança capazes de potencializar processos de transição agroecológica na escala dos territórios.

As reflexões desenvolvidas ao longo do texto foram organizadas a partir de dois eixos centrais de problematização. O primeiro deles diz respeito às relações que se estabelecem entre agentes estatais e não estatais na instrumentação da agroecologia como ação pública. Este processo de instrumentação é aqui definido, nos termos propostos por Lascoumes e Les Galès, “como o conjunto dos problemas inerentes à escolha e utilização dos instrumentos (técnicas, meios de operação e dispositivos) que possibilitam a materialização e a operacionalização da ação governamental” (LASCOUMES; LES GALÈS, 2004, p. 12). O envolvimento das organizações sociais na definição dos instrumentos de políticas pública aparece, nesse contexto, como um elemento fundamental no equacionamento de uma série de tensões que perpassam as relações entre ação governamental e processos de inovação social e ecológica,[5] envolvendo, de um lado, as lógicas de atuação do Estado, sua estrutura de poder e mecanismos de enquadramento e, de outro, as estratégias e modos de operação dos atores engajados na construção de alternativas agroecológicas nos territórios.

O segundo eixo de análise busca compreender os processos que possibilitaram a incorporação, no âmbito do Programa Ecoforte, de uma visão multidimensional e não determinista dos processos de transição para a agroecologia (TITONELL, 2019; WOJCIECHOWKSI et al., 2020). Como procuramos demonstrar ao longo do texto, o marco conceitual e os instrumentos de intervenção adotados pelo Ecoforte, estruturados em torno das redes de agroecologia e da implantação de Unidades de Referência,[6] contribuíram para que os objetivos e processos relacionados à transição agroecológica fossem traduzidos e adaptados aos diferentes contextos de implementação do programa, enraizando-se nas experiências, expectativas e estratégias dos diversos atores envolvidos nos projetos apoiados pelo Ecoforte.

O Programa Ecoforte – Redes de Agroecologia, Extrativismo e Produção Orgânica foi criado nos anos 2013/2014 como uma iniciativa do Governo Federal, coordenada politicamente pela Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR) e ancorada institucionalmente na Fundação Banco do Brasil (FBB) e no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Registra-se, em 2013, a constituição de um acordo de cooperação técnica (ACT no 13.2.1089.1) envolvendo onze diferentes instituições, incluindo ministérios, empresas públicas e uma fundação, comprometidas com a estruturação do programa.[7] Este processo ocorreu em um ambiente político e institucional marcado pela estruturação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) e por uma forte mobilização dos movimentos sociais em torno da construção de políticas públicas em favor da agroecologia.

Em 2014 foi lançado o primeiro edital, sob coordenação da FBB e do BNDES, tendo como objetivo apoiar projetos a serem apresentados por redes de agroecologia, extrativismo e produção orgânica e voltados “à intensificação das práticas de manejo sustentável de produtos da sociobiodiversidade e de sistemas produtivos orgânicos e de base ecológica”.[8] O desenho institucional adotado pelo Ecoforte buscou recolher aprendizados construídos em iniciativas anteriores de implementação de políticas públicas, com destaque para o Subprograma Projetos Demonstrativos Tipo A (PDA), criado em 1995 e implementado entre 1996 e 2014, no âmbito do Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7).[9]

A implementação desta política pública materializou-se, até o presente momento, na publicação de dois editais de apoio a projetos com foco territorial, publicados em 2014 e 2017, tendo por objetivo financiar redes e organizações com atuação nos campos da agroecologia, extrativismo e produção orgânica. O primeiro edital apoiou 28 projetos e a segunda chamada está financiando mais 21, incluindo redes que já haviam sido apoiadas pelo Edital de 2014, assim como novas redes. Soma-se a isso uma chamada específica, também publicada em 2017, que buscou dar suporte a um conjunto selecionado de sete empreendimentos coletivos vinculados às redes que haviam sido fomentadas através da chamada de projetos publicada em 2014.[10]

Os resultados de pesquisa apresentados neste artigo estão vinculados a um projeto de investigação-ação conduzido pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), com apoio da FBB, do BNDES e do Fundo Amazônia, que teve como objetivo sistematizar[11] as experiências vivenciadas por 25 redes de agroecologia, extrativismo e produção orgânica, entre as 28 beneficiadas através do primeiro edital do Programa Ecoforte.[12] Este esforço de pesquisa-ação, reflexão e sistematização de conhecimentos mobilizou, ao longo de quase dois anos (entre julho de 2017 e maio de 2019), um amplo conjunto de atores incluindo: representantes das redes sistematizadas, ativistas vinculados às diferentes instâncias e coletivos da ANA, pesquisadores(as) e assistentes de pesquisa, envolvendo também um diálogo com gestores comprometidos na implementação do Ecoforte.

Este trabalho foi coordenado pela Secretaria Executiva da ANA, em um processo que incluiu seminários, oficinas, grupos focais, coleta e sistematização de dados de campo, entre outras atividades. A metodologia adotada buscou abarcar diferentes níveis de sistematização considerando, em um primeiro estágio, a caracterização das 25 redes de agroecologia, extrativismo e produção orgânica que participaram da pesquisa, com base nos projetos e relatórios apresentados ao Ecoforte e no preenchimento de um roteiro de questões, que foi discutido com as organizações sociais através de interações a distância. Em um conjunto delimitado de 15 redes (três delas abordadas em maior profundidade), tornou-se possível avançar para níveis mais detalhados de sistematização, em um trabalho de pesquisa que chegou a envolver visitas de campo, realizadas por uma equipe de consultores contratada pelo projeto. Para além da reconstituição das experiências vivenciadas pelas redes na implementação do Ecoforte, a pesquisa abrangeu, também, um esforço de revisão de literatura, análise de documentos oficiais e realização de entrevistas com gestores públicos e outros atores-chave, visando reconstituir a trajetória de estruturação tanto da Pnapo[13] como do Programa Ecoforte. O presente artigo corresponde, nesse sentido, a um recorte de um trabalho de pesquisa mais amplo.

O texto apresentado a seguir foi organizado em duas grandes seções. Procuramos reconstituir, inicialmente, as dinâmicas políticas e sociais inclusas na estruturação da Pnapo e do Programa Ecoforte, colocando em destaque as interações estabelecidas entre agentes estatais e não estatais nesta trajetória. Na seção 2, apresentada na sequência, mobilizando aportes da sociologia francesa relacionados à instrumentação da ação pública, examinamos os conceitos que subsidiaram a estruturação das chamadas de projetos do Ecoforte, analisando sua materialização em um conjunto de dispositivos, técnicos e sociais, que passam a orientar a execução do programa em seus distintos contextos de implantação. Apresenta-se, além disso, alguns elementos de caracterização das 25 redes de agroecologia que participaram do processo de sistematização coordenado pela ANA, chamando a atenção para as múltiplas formas como o conceito de transição agroecológica foi apropriado e traduzido pelas redes de agroecologia beneficiadas pelo Programa Ecoforte em sua atuação nos territórios, mobilizando um conjunto diferenciado de estratégias. Nas considerações finais, retoma-se a discussão acerca do papel dos instrumentos de políticas públicas no fortalecimento dos processos de transição agroecológica em suas diferentes escalas.

 

A agroecologia nas arenas públicas: a gênese do Programa Ecoforte

Como tem sido apontado por diferentes autores, a agroecologia possui uma longa trajetória como uma perspectiva crítica à chamada “agricultura moderna” (WEZEL, 2009; GLIESSMAN, 2013; ASTIER et al., 2015), ganhando existência e ampliando seu espaço de circulação através de redes complexas de relações, que perpassam diferentes domínios e configurações de poder. Seu caráter contra-hegemônico se manifesta não apenas nas tensões que se estabelecem entre a agroecologia e o que se convencionou chamar de regime sociotécnico dominante na agricultura,[14] hegemonizado pelo agronegócio e por uma série de dinâmicas corporativas, como também nas disputas que se estabelecem entre diferentes narrativas, que buscam apontar caminhos para a ecologização da agricultura e do sistema agroalimentar.

A institucionalização da agroecologia, como um enfoque de política pública e como referencial de intervenção no espaço das organizações multilaterais tem sido abordada, no período mais recente, através de diferentes trabalhos de investigação. O processo de coprodução e de circulação de conhecimentos, no esforço por construir uma visão global de agroecologia capaz de influenciar a agenda internacional, a partir de um conjunto de iniciativas protagonizadas pela FAO,[15] foi analisado por Loconto e Fouilleux (2019), por meio de um cuidadoso trabalho de pesquisa.

Um estudo transversal desenvolvido por pesquisadores vinculados à Rede de Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural na América Latina (Rede PP-AL), em diferentes países da América Latina, com base em um marco analítico integrado, evidenciou as múltiplas trajetórias de implantação de programas e ações em favor da agroecologia nos países latino-americanos, com variações importantes no que diz respeito: (i) aos conceitos mobilizados pelos agentes públicos (agricultura orgânica, agroecologia, agricultura ecológica, entre outros); (ii) aos processos que impulsionaram a criação destas políticas; (iii) aos instrumentos de intervenção governamental acionados, suas respectivas ancoragens institucionais e mecanismos de governança; (iv) aos efeitos desencadeados por estas intervenções (SABOURIN et al., 2017). Análises comparativas da trajetória da agroecologia como uma ação pública, na França e no Brasil, têm contribuído, também, para desvendar as interações que se estabelecem entre os movimentos sociais, o mundo acadêmico, o mundo agrícola e as políticas públicas nos processos de institucionalização da agroecologia nesses dois países (LAMINE; NIEDERLE; OLLIVIER, 2019).

Uma constatação importante que emerge a partir da leitura destes diferentes trabalhos, diz respeito ao fato de que os processos de incorporação da agroecologia às políticas públicas, nos diferentes casos analisados, surgem como resultado não apenas da ação de coalizões heterogêneas de atores, mas, também, da articulação entre diferentes arenas, ordens de legitimação e mecanismos institucionais. Nesta paisagem marcada por uma topografia acidentada, as relações que se estabelecem entre atores, quadros cognitivos e os diferentes dispositivos que constituem o aparato estatal ganham complexidade.

No Brasil, a construção da agroecologia como uma ação pública encontra suas raízes em um amplo conjunto de iniciativas, de âmbito local, que se organizam nas diferentes regiões do país, sobretudo a partir do final dos anos 1970, potencializadas pela atuação de entidades não governamentais de assessoria, movimentos sociais, organizações da agricultura camponesa e familiar, pesquisadores, extensionistas e grupos de praticantes identificados com diferentes expressões da chamada “agricultura alternativa”. Ao longo dessa trajetória, a agroecologia e seu público foram se construindo, em diferentes tempos e espaços, como um campo de experimentação social compartilhada, articulando diferentes situações e cenários públicos, em meio a conflitos, controvérsias, negociações e alinhamentos (CEFAI, 2009).

A circulação das ideias agroecológicas foi, sem dúvida, favorecida pelo regime democrático instaurado pela Constituição de 1988, que reconheceu institucionalmente o direito dos cidadãos à participação no desenho, implementação e controle social de programas e ações governamentais.[16] Cabe destacar, no entanto, que o engajamento dos grupos populares no chamado mundo da participação, na tentativa de fazer ecoar suas demandas e influenciar agendas, não deixou de enfrentar inúmeros obstáculos, no esforço por identificar brechas e oportunidades de ação, em meio a uma configuração política e econômica extremamente desigual. No caso dos movimentos sociais rurais, expressão que abarca uma grande diversidade de formas de ação coletiva e organizações, verifica-se, sobretudo a partir de 2003, uma multiplicação dos espaços de diálogo e interlocução política, envolvendo diferentes agendas e campos temáticos, na esteira de um processo iniciado desde a década de 1990. Isto possibilitou, em meio a um intenso processo de mobilização, o reconhecimento da agricultura familiar como uma forma de agricultura distinta da agricultura empresarial, demandando, por parte do Poder Público, um tratamento diferenciado, refletindo-se na criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (1999), extinto em 2016.

É importante destacar, no entanto, que, ao longo desta trajetória, a implantação de programas e ações voltados à promoção da agroecologia só se afirmou muito lentamente como um domínio de ação capaz de mobilizar as interações entre os movimentos sociais e o Estado de uma forma mais expressiva (LAVALLE et al., 2019). No que diz respeito às políticas voltadas à agricultura familiar, o acesso ao crédito e aos mercados, através da incorporação de tecnologias de produção semelhantes às empregadas pela agricultura empresarial, baseadas no uso intensivo da mecanização, insumos químicos e combustíveis fósseis, acabou se legitimando, pelo menos em um primeiro momento, como um possível caminho de inclusão social e de mitigação das desigualdades geradas pelo modelo agrícola implantado no país ao longo da segunda metade do século XX, reforçando a visão produtivista disseminada pela modernização da agricultura. Como observa Svampa (2013), a consolidação de um estilo de desenvolvimento neoextrativista, amparado por toda uma estrutura de ordenamentos jurídicos, políticos e ideológicos, contribuiu para desqualificar outras lógicas de valorização dos territórios, seus recursos e suas populações, percebidos, cada vez mais, como espaços a serem apropriados pelos mercados e não como espaços de vida e de trabalho. Em um ambiente fortemente influenciado por novas e velhas estratégias agroindustriais e suas linguagens de valoração, um projeto de ecologização da agricultura, articulado a um conjunto de demandas sociais pela democratização do acesso a terra, à água e à biodiversidade, teria que enfrentar, necessariamente, poderosas forças institucionais.

Nesse cenário, a agroecologia foi se estabelecendo de forma relativamente tímida como um domínio de agência, abrindo espaço na estrutura institucional do Estado através de uma série de pequenos encaixes institucionais, situados em diferentes pontos do aparelho do Estado.[17] Seus porta-vozes buscaram explorar, ao longo de todo o período, oportunidades de ação advindas do reconhecimento, no âmbito das políticas públicas, do agronegócio e da agricultura familiar como formas distintas de agricultura, bem como da estruturação, pelos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores (PT), de um amplo conjunto de programas sociais.

 A participação das organizações da sociedade civil ligadas à agricultura ecológica e à agroecologia foi fundamental, por exemplo, para que o conceito de sistema orgânico de produção agropecuária (Lei no 10.831/2003) abarcasse as diferentes agriculturas de base ecológica praticadas no país (ecológica, biodinâmica, regenerativa, biológica, agroecológica, entre outras).[18] As interfaces socioestatais construídas nesse processo possibilitaram, também, o reconhecimento dos Sistemas Participativos de Garantia (SPGs) e de procedimentos simplificados de reconhecimento da qualidade orgânica no caso da venda direta, criando com isso um ambiente mais favorável para que pequenos produtores pudessem comercializar produtos certificados no mercado interno.

Na esfera federal, a partir do primeiro Governo Lula, a importância atribuída às ações de combate à fome e de garantia da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) das populações urbanas e rurais, estruturadas em torno do Programa Fome Zero, expandiu as possibilidades de articulação entre as políticas de fortalecimento da agricultura familiar, as políticas de SAN e a agroecologia, potencializadas, sobretudo, pela recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Durante todo o seu período de atuação, até o momento de sua extinção, em janeiro de 2019, o Consea manteve-se como uma trincheira de lutas e um importante espaço de formulação e articulação das políticas de SAN, em suas múltiplas dimensões, pautando de forma sistemática um amplo conjunto de temas e questões relacionados à agroecologia.[19]

  A partir de 2003, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), cuja criação contou com um forte envolvimento do Consea, passou a adquirir, com dispensa de licitação, produtos comercializados diretamente pelos agricultores familiares e suas organizações para atendimento aos programas sociais de alimentação e nutrição. Este mesmo programa instituiu um pagamento diferenciado de até 30% para produtos orgânicos/agroecológicos e passou a comprar e distribuir sementes crioulas. Em 2009, a aquisição de produtos da agricultura familiar foi também incorporada ao arcabouço institucional do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), com prioridade na compra de produtos locais, de alimentos cultivados por públicos específicos (assentados da reforma agrária, povos indígenas e povos e comunidades tradicionais) e de produtos orgânicos/agroecológicos. 

Uma série de outros exercícios de incorporação de “ideias agroecológicas” aos instrumentos de políticas públicas, em âmbito federal, poderia ser destacada, cabendo mencionar, em uma listagem que não pretende ser de modo nenhum exaustiva: (i) a inclusão da agroecologia e das metodologias participativas como referências na prestação de serviços públicos de assistência técnica e extensão rural através da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), em um processo que contou com a ativa participação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf);[20] (ii) as tentativas de criação de linhas específicas de crédito no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), voltadas ao financiamento de sistemas produtivos orgânicos/agroecológicos; (iv) a formulação do Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade, liderada pelo Ministério do Meio Ambiente, envolvendo diferentes órgãos da Administração Pública Federal; (v) a aprovação de um Marco Referencial em Agroecologia no âmbito da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); (vi) a estruturação, através de editais lançados pelo CNPq, a partir de 2010, dos núcleos e redes de núcleos de estudo em agroecologia e sistemas orgânicos de produção voltados à implementação de atividades de ensino, pesquisa e extensão.

A criação, em 2012, da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) representou, sem dúvida, um momento de inflexão e coalescência destas dinâmicas, mais ou menos dispersas, de institucionalização da agroecologia. Verifica-se neste momento uma ampliação da capacidade de diálogo e de ação coletiva, não apenas das organizações da sociedade civil, mas, também, de um conjunto diversificado de gestores de políticas públicas, com diferentes tipos de vinculação com o aparato estatal – incluindo funcionários de carreira, pessoas ligadas aos chamados cargos comissionados (LOPEZ, 2015), além de consultores contratados por meio de projetos de cooperação técnica desenvolvidos em parceria com organismos multilaterais e ancorados em diferentes ministérios. Estes agentes já vinham atuando, em diversos pontos do aparelho do Estado, na implantação de políticas em favor da agroecologia, desempenhando funções técnicas de assessoria ou ocupando cargos de médio escalão. Como ficou evidenciado nas entrevistas realizadas com gestores públicos envolvidos na construção da Pnapo, muitos desses atores possuíam uma trajetória profissional pregressa de engajamento na promoção da agroecologia, através da atuação em Organizações Não Governamentais (ONGs), movimentos sociais e na universidade.

Esse ativismo institucional dos quadros ligados à burocracia estatal (PETTINICCHIO, 2012) foi fundamental para que essas diferentes vertentes de institucionalização da agroecologia pudessem convergir, mas é importante destacar que o processo de criação da Pnapo não foi resultado, meramente, de uma ação “por dentro do Estado”, estando associado a um conjunto mais amplo de dinâmicas de ação coletiva e de mobilização impulsionadas pelos movimentos sociais em torno da agroecologia, refletindo, inclusive, a crescente incorporação da pauta ambiental aos repertórios de luta das organizações ligadas à agricultura camponesa e familiar (PICOLOTTO; PICCIN, 2008; ALMEIDA, 2009). 

No que diz respeito à circulação das “ideias agroecológicas” no contexto dos movimentos sociais é importante ressaltar que as conexões estabelecidas entre as práticas agroecológicas e as redes de ativismo político que se constituem nas arenas públicas não podem ser percebidas, unicamente, mediante a análise das pautas políticas impulsionadas por organizações de movimentos sociais com atuação em escala nacional, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e das diferentes expressões do sindicalismo de trabalhadores e trabalhadoras rurais — incluindo as organizações vinculadas à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)[21] e à Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf). É possível identificar, na agenda destas organizações, sobretudo a partir dos anos 2000, um movimento crescente de ampliação, ainda que com ritmos e alcances muito diferenciados, do espaço ocupado por temas e questões relacionados à agroecologia. Mas é importante também destacar o papel desempenhado por um amplo conjunto de redes estaduais e regionais que passam a se mobilizar em torno da agroecologia, a exemplo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), da Rede Cerrado, da Rede de Agroecologia Ecovida, da Articulação Nacional de Agroecologia Região Amazônia (ANA Amazônia), das articulações estaduais de agroecologia, entre outras. Soma-se a isso o crescente enraizamento de uma série de dinâmicas transversais às distintas redes e organizações, envolvendo diferentes recortes temáticos, identificadas pelos atores ligados ao movimento agroecológico como parte de um processo de “diálogos e convergências”, abarcando um conjunto diversificado de eixos de articulação como feminismo e agroecologia, saúde e agroecologia, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, justiça ambiental, economia solidária, entre outros.

A trajetória de construção da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que passa a se estruturar a partir de 2002, na esteira do I Encontro Nacional de Agroecologia (I ENA), reflete, em boa medida, o caráter multitemático e multilocalizado dos processos de construção desta rede de organizações. As práticas agroecológicas social e ecologicamente contextualizadas são uma referência fundamental nas estratégias organizacionais da ANA, fazendo parte do próprio método de construção da organização. A visão de agroecologia sustentada pela Articulação busca se distanciar, portanto, de uma visão abstrata da agroecologia, “sem vínculos com as práticas sociais concretas” (ALMEIDA, 2009, p. 76). Como um espaço de convergências entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil, a ANA congrega, atualmente, 23 redes estaduais e regionais, que mobilizam um amplo conjunto de grupos, associações e organizações não governamentais em diferentes regiões do país, além de quinze movimentos sociais de abrangência nacional.[22]

A Pnapo surgiu como resultado desse conjunto diversificado de dinâmicas de organização social, com destaque para o protagonismo assumido pelas mulheres do campo, da floresta e das águas, organizadas nas jornadas de mobilização denominadas Marcha das Margaridas, lideradas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), mas contando com a participação de um amplo conjunto de redes e organizações. A construção de um novo modelo produtivo para o campo, baseado na agroecologia, em oposição aos modos de organização do agronegócio, já havia sido pautada na Marcha das Margaridas de 2007 que chegou a reunir cerca de 30 mil participantes, assumindo maior visibilidade e amplitude como reivindicação na Marcha realizada em 2011 (AGUIAR, 2015; SILIPRANDI, 2017). É importante reforçar, no entanto, que as conexões estabelecidas pelos movimentos de mulheres entre feminismo e agroecologia resultam de um longo processo de amadurecimento de uma agenda capaz de abarcar múltiplas dimensões da vida das mulheres, dialogando com uma grande diversidade de situações problemáticas envolvendo o reconhecimento das mulheres como trabalhadoras, as desigualdades de gênero, as inúmeras restrições enfrentadas no acesso a meios de vida (terra, água e biodiversidade), a violência doméstica, entre outras.[23] A Marcha das Margaridas de 2011 desencadeou a estruturação, no âmbito do Governo Federal, de um grupo de trabalho especial, visando criar um Programa Nacional de Agroecologia e cuja constituição foi anunciada em meio a uma forte manifestação pública, na capital federal, contando com a presença de milhares de trabalhadoras.

A construção da Pnapo foi analisada por diversos autores que se debruçaram, a partir de distintas perspectivas, sobre o seu processo de formulação (JESUS, 2016; SAMBUICHI; MOURA; MATTOS, 2017). Torna-se desnecessário, portanto, retomar, no contexto deste trabalho, os múltiplos agenciamentos que subsidiaram a elaboração do Decreto no 7.794/2012, que instituiu a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), resultando, posteriormente, na criação de dois Planos Nacionais de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapos), referentes aos períodos 2013-2015 e 2016-2019, contemplando também a realização de seminários nacionais.

É importante destacar que a participação social foi um componente fundamental deste processo, contemplando o envolvimento de um conjunto expressivo de movimentos e organizações sociais. A título de exemplo, cabe observar que a proposta inicial da Pnapo, elaborada pelo GT Interministerial, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, foi debatida em cinco seminários organizados pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) nas diferentes regiões do país, bem como nas 27 Comissões Estaduais de Agricultura Orgânica (Cporgs), envolvendo também a realização de seminários nacionais.

A estrutura prevista pela Pnapo assegurou a institucionalização de espaços permanentes de acompanhamento do processo de implementação da política pelos atores da sociedade civil, abarcando duas instâncias de gestão: a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo) e a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (Ciapo). A Cnapo, de caráter consultivo, foi formada por quatorze representantes do governo e quatorze representantes da sociedade civil, sendo que a Secretaria-Executiva da Comissão ficou sob a responsabilidade, depois de várias de discussões, da Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR). A Ciapo, presidida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), foi concebida como um organismo de caráter interministerial, tendo por objetivo elaborar, em diálogo com a sociedade civil, o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) e articular órgãos e entidades ligados ao Executivo Federal, envolvidos na formulação e implantação da política.

É importante ressaltar os efeitos gerados pela criação da Pnapo sobre as dinâmicas de institucionalização da agroecologia no âmbito das políticas públicas. Merece destaque, em primeiro lugar, o forte envolvimento da Secretaria-Geral da SGPR na construção da política. Nas administrações lideradas pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a SGPR assumiu um importante papel no diálogo estabelecido entre a Presidência da República e as organizações da sociedade civil (CAYRES, 2015). Este encaixe vertical levaria o debate da agroecologia para um novo patamar, potencializando a articulação entre diferentes ministérios e ampliando as possibilidades de mobilização de recursos. A estruturação da Cnapo e da Ciapo fizeram convergir, por sua vez, para uma mesma arena, os diversos órgãos envolvidos na implementação de políticas relacionadas ao tema, fortalecendo tanto a agroecologia como a produção orgânica como focos legítimos de intervenção governamental.

A criação do Programa Ecoforte – Redes de Agroecologia, Extrativismo e Produção Orgânica foi impulsionada pelas dinâmicas estabelecidas no âmbito da Pnapo, tendo, também, como base de sustentação, arranjos institucionais que já haviam sido exercitados pela SGPR, em parceria com a FBB e o BNDES, através de iniciativas como os programas Cataforte[24] e Terra Forte, este último voltado à inclusão socioprodutiva nos assentamentos. Ambas as iniciativas envolveram a construção de acordos técnicos de cooperação e de chamadas de projetos, em um desenho muito semelhante ao que foi adotado na construção do Ecoforte. O diálogo estabelecido em torno da construção deste novo instrumento de ação governamental foi impulsionado pela SGPR, que desempenhou um papel fundamental no engajamento da FBB e do BNDES nesta experiência (MARTINS, 2018). A definição das linhas gerais que deveriam nortear o Ecoforte contou com o envolvimento de representantes da ANA que participaram das interlocuções que subsidiaram a construção do primeiro edital de projetos lançado pelo programa.

É importante destacar que o desenho estabelecido pela Pnapo buscou, fundamentalmente, estabelecer um espaço compartilhado de coordenação de políticas já existentes e que se encontravam dispersas nos diferentes ministérios. As duas únicas inovações em termos de instrumentos eram o Ecoforte e o Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (Pronara), programa este que não chegou a ser implementado, em um processo permeado por inúmeros conflitos, que evidenciou os limites impostos à construção de políticas públicas de promoção da agroecologia em um ambiente politicamente hegemonizado por forças ligadas ao regime sociotécnico dominante.

 

Dinâmicas de instrumentação da ação pública na promoção da agroecologia: a experiência do Programa Ecoforte

Na seção anterior buscamos resgatar os processos que possibilitaram o surgimento, tanto da Pnapo como do Programa Ecoforte, a partir de um conjunto inter-relacionado de dinâmicas de interação Estado-sociedade, fazendo com que a agroecologia emergisse como um domínio de ação para os movimentos sociais no âmbito do aparelho do Estado. Analisaremos, a seguir, os conceitos e os dispositivos que embasaram a construção do Ecoforte como um programa voltado ao fortalecimento das redes de agroecologia, extrativismo e produção orgânica, buscando reconstituir os caminhos pelos quais determinadas concepções e modos de operação, enraizados historicamente no universo de ação das organizações da sociedade civil, puderam influenciar, através de uma série de mediações, as chamadas de projetos lançadas por meio do programa.

As dinâmicas associadas à escolha dos instrumentos (técnicas, modos de operação e dispositivos) que dão materialidade e operacionalidade à ação governamental são tratadas, neste trabalho, como um componente essencial dos processos de inovação em políticas públicas. Em sintonia com os esforços de teorização desenvolvidos pela sociologia francesa na análise dos processos de instrumentação da ação pública, adotamos neste artigo uma abordagem que busca romper com uma visão dos instrumentos de intervenção governamental como dispositivos neutros, reconhecendo a ação pública “como um espaço que é construído tanto pelas técnicas e instrumentos, como pelas finalidades, os conteúdos e os projetos dos atores” (LASCOUMES; LES GALÈS, 2004, p. 12). Nesse sentido, a escolha dos instrumentos não pode ser reduzida a uma questão de funcionalidade ou de eficácia. Os dispositivos de ação do Estado e seus modos de funcionamento “produzem efeitos específicos independentemente dos objetivos que lhes são afixados (...) e estruturam a ação pública segundo uma lógica que lhes é própria” (LASCOUMES; LES GALÈS, 2004, p. 31), organizando as relações que se estabelecem entre o Poder Público e seus destinatários, em função das representações e significados de que são portadores.

A face mais visível deste processo diz respeito à capacidade desses dispositivos de impor regras e padrões, nomeando os agentes e distribuindo a ação e regulando, por meio de múltiplas operações, um determinado domínio de atividades.

Analisando, por exemplo, a transição ocorrida no sistema público de transportes da cidade de São Paulo, de um sistema analógico para um sistema digital, Campos (2018) chama a atenção para o modo como determinados objetos burocráticos, que se tornam visíveis através de certos artefatos e formas de documentação, influenciam as operações por meio das quais os serviços de ônibus são governados, produzindo efeitos sobre as relações de poder que se estabelecem entre os burocratas, as empresas e os operadores dos serviços de ônibus com atuação em nível de rua. Estudos dessa natureza tornam visível a capacidade dos instrumentos de afetar as relações que se estabelecem entre os atores sociais envolvidos na implementação de uma determinada política pública, estabilizando certas visões de realidade e modos de operação, em um processo influenciado não apenas por mecanismos simbólicos de enquadramento e classificação, mas, também, por dispositivos técnicos.

Numa outra direção, a pesquisa desenvolvida por Schottz (2017), tendo como objeto os distintos agenciamentos vinculados ao processo de incorporação da compra de produtos da agricultura familiar no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), buscou explorar as dinâmicas de conflito, negociação e solução de controvérsias que emergem nos casos em que as dinâmicas de instrumentação da ação pública conseguem incorporar, sob condições específicas, um componente de participação social. Sem ignorar as assimetrias de poder presentes nas relações que se estabelecem entre agentes estatais e organizações da sociedade civil nessas arenas de negociação, a autora chama a atenção para os inúmeros aprendizados gerados nesse processo e para o fato de que, ao estabelecer um diálogo com os agentes envolvidos na implementação de uma política pública, as instituições governamentais, em alguma medida, também aprendem.

A análise dos processos de instrumentação da ação pública que possibilitaram a estruturação do Programa Ecoforte nos leva a refletir, de forma mais específica, sobre o papel desempenhado pelos instrumentos de intervenção governamental nas dinâmicas de inovação em políticas públicas. Cabe perguntar, como e em que condições a escolha desses dispositivos pode ter efeitos democratizantes, tornando legíveis para o Estado gradientes de diversidade, formas de conhecimento e lógicas de ação, que tendem a ser invisibilizados ou desconsiderados, particularmente quando se trata de implementar programas e ações voltados aos setores populares (SZWAKO; LAVALLE, 2019).

No que se refere especificamente à implantação de políticas em favor da agroecologia, o reconhecimento da diversidade e multilinearidade dos processos de ecologização da agricultura e do sistema agroalimentar, bem como dos ajustes que se tornam necessários para que objetivos de políticas públicas e instrumentos de ação do Estado possam ser adaptados às diversas realidades, demanda uma visão menos determinista da relação investimentos públicos-resultados na construção de programas e ações governamentais. Os atores e seus contextos precisam ser incorporados como um elemento ativo na implantação das políticas, e não apenas como um intermediário em uma cadeia de operações.

A configuração institucional que possibilitou a estruturação do Ecoforte no âmbito da Pnapo mobilizou, de forma mais direta, três diferentes instituições, que participaram de maneira ativa na construção dos mecanismos de implementação do programa. Cabe mencionar, inicialmente, a SGPR, órgão vinculado ao Governo Federal e diretamente envolvido na implantação da Pnapo.

Como lembra Cayres (2015), até 2002, as atribuições da SGPR, criada como uma unidade administrativa no início dos anos 1990, variaram bastante. No Governo Lula, a relação com os movimentos sociais e organizações da sociedade civil tornou-se uma das principais funções da SGPR. Durante o Governo Dilma Rousseff, a Secretaria assumiu novas tarefas, mas continuou abrigando em sua estrutura institucional uma série de ações voltadas à promoção da democracia participativa e ao diálogo com a sociedade, particularmente no âmbito da Secretaria Nacional de Articulação Social (SNAS).

A Fundação Banco do Brasil, por sua vez, foi instituída pelo Banco do Brasil, em meados da década de 1980, como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, responsabilizando-se, desde sua criação, pelo apoio a um amplo conjunto de projetos sociais voltados à geração de trabalho e renda, à gestão do meio ambiente e à educação.[25] Nos anos 2000, a FBB buscou ampliar suas ações nas áreas de inclusão produtiva e geração e reaplicação de tecnologias sociais, em articulação com redes e organizações da sociedade civil e também com governos estaduais e municipais. No triênio 2010-2012, período que coincide com a realização, no Brasil, da Conferência Rio+20, os temas ambientais e a questão das mudanças climáticas ganharam destaque na agenda da Fundação. No período 2013-2015, o plano trienal da entidade buscou promover a inclusão produtiva através das chamadas tecnologias sociais, tanto no meio urbano como no meio rural, com prioridade para as seguintes áreas: água, agroecologia, agroindústria, resíduos sólidos e educação. É importante destacar que a FBB não se encontra diretamente vinculada à estrutura institucional e administrativa do Governo Federal, possuindo níveis mais amplos de autonomia na definição dos projetos apoiados, bem como na execução de seus recursos. A experiência acumulada no financiamento a projetos sociais fez com que a instituição desenvolvesse, ao longo do tempo, um conjunto diversificado de instrumentos de gestão, que foram mobilizados na contratação e acompanhamento dos projetos financiados através do Programa Ecoforte.

No caso do BNDES,[26] a aproximação com o financiamento a projetos de inclusão produtiva e geração de trabalho e renda, que ganham espaço nas ações do Banco a partir dos anos 2000, possui uma forte relação com as iniciativas desenvolvidas pelo Fundo Social. Este Fundo tem por base uma parcela dos lucros anuais do Banco, apoiando, com recursos não reembolsáveis, iniciativas nas áreas de inclusão produtiva, serviços urbanos, saúde, educação, desportos, justiça, meio ambiente, entre outras. Nos anos 2000, a Área de Inclusão Social do BNDES, assim denominada a partir de 2003, chegou a atender um público bastante diversificado, incluindo catadores(as) de materiais recicláveis, agricultores e agricultoras familiares, assentados e assentadas pela reforma agrária, empreendimentos de economia solidária, institutos e fundações empresariais, entre outros. Os dados analisados por Pamplona (2017) evidenciam que o número de projetos com foco em inclusão produtiva financiados pelo Fundo Social cresce a partir de 2008, chegando a alcançar 1.700 municípios e 1.600 projetos executados na ponta. Nesse mesmo período, o BNDES passou a atuar, também, como órgão gestor do Fundo Amazônia, financiando ações voltadas à Redução de Emissões Provenientes do Desmatamento e da Degradação Florestal (Redd+) por meio de projetos não reembolsáveis, contemplando um conjunto diversificado de ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, bem como iniciativas voltadas à conservação e ao uso sustentável da Amazônia Legal.

Se analisarmos as características dessas três instituições, chama a atenção, em primeiro lugar, o importante papel de mediação exercido pela SGPR, decorrente da sua própria posição na estrutura geral de governo e no acompanhamento das ações da Pnapo, mas, também, de toda uma expertise adquirida na intermediação de processos de participação social, em articulação com diferentes ministérios. É interessante observar que, segundo os depoimentos colhidos, os diálogos em torno do Ecoforte estavam articulados às dinâmicas da Cnapo e convergiam para a Comissão, mas foram evoluindo a partir de interlocuções estabelecidas entre a SGPR, a FBB, o BNDES e algumas organizações do campo agroecológico ligadas à ANA, em reuniões dedicadas especificamente a este tema, sem que fosse instituído um mecanismo mais formalizado de representação da sociedade civil nesse processo de formulação do programa, para além da própria Cnapo. Ao liderar essa iniciativa, a SGPR buscava ampliar as possibilidades de incorporação da agroecologia às políticas governamentais, para além dos instrumentos de intervenção governamental já existentes.

No que diz respeito à FBB e ao BNDES, merece destaque a experiência adquirida por estas duas instituições no financiamento a projetos de inclusão social, sendo importante considerar que cada uma dessas instituições operava com recursos oriundos de fontes diferenciadas e tinha desenvolvido, ao longo de sua trajetória, esquemas próprios de contratação e gestão de projetos. A ideia original era de que o Ecoforte fosse financiado com recursos provenientes da FBB, do BNDES e do próprio orçamento do Governo Federal. Esta última possibilidade, no entanto, não chegou a se concretizar, o que implicou uma redução do alcance do programa, cabendo observar que no I Planapo a estimativa do montante total de recursos a serem destinados às ações do Ecoforte era de R$ 175 milhões, incluindo “R$ 60 milhões para apoio a trinta redes, R$ 90 milhões para apoio a cem cooperativas e R$ 25 milhões para o apoio a 350 projetos de agroindústria em parceria com a Conab” (MARTINS; SAMBUICHI, 2019, p. 31). A participação de um amplo conjunto de ministérios como signatários do Acordo de Cooperação Técnica que deu origem ao programa não se traduziu, no entanto, no direcionamento de recursos orçamentários e financeiros destinados à implantação do programa pelos demais órgãos do Governo Federal. Mas a demanda existente por parte das organizações sociais no financiamento a redes de agroecologia, extrativismo e produção orgânica ficou bastante evidente na publicação da primeira chamada de projetos do Ecoforte (Edital 2014/005): participaram do processo seletivo 166 redes, sendo que apenas 28 delas foram financiadas (MARTINS, 2018).

 

O Programa Ecoforte: conceitos e instrumentos

Como procuramos demonstrar ao longo do texto, a criação do Programa Ecoforte foi resultado de um entrelaçamento entre diferentes trajetórias políticas e institucionais, envolvendo a construção de programas e ações voltados à agricultura familiar, ao reconhecimento de povos e comunidades tradicionais, à produção orgânica e à promoção da agroecologia. Conceitos como “produção de base agroecológica”, “produção extrativista” e “produção orgânica”, incorporados à estrutura do programa, encontram-se amparados por diferentes legislações, consolidadas, sobretudo, nos anos 2000 e 2010.[27] A “vida política e institucional” de cada um desses conceitos é permeada por um histórico de controvérsias, alinhamentos e negociações, que marcaram sua tradução nos diferentes dispositivos legais.

Nos editais do Ecoforte, a produção de base ecológica aparece referenciada como “aquela que busca otimizar a integração entre capacidade produtiva, uso e conservação da biodiversidade e dos demais recursos naturais, equilíbrio ecológico, eficiência econômica e justiça social”,[28] podendo utilizar, ou não, os mecanismos de controle instituídos pela Lei no 10.831, que regulamenta os sistemas orgânicos de produção. Fica claro, portanto, que o reconhecimento da produção de base agroecológica não está restrito aos sistemas orgânicos de produção nos termos em que os eles são reconhecidos pela legislação relacionada à agricultura orgânica. A produção extrativista aparece definida, por sua vez, como aquela relacionada ao extrativismo sustentável de produtos da sociobiodiversidade, destinados à formação de cadeias produtivas de interesse dos agricultores familiares.

Segundo as regras estabelecidas pelo Edital 2014/005, os projetos deveriam ser submetidos por redes com reconhecida atuação nos campos da agroecologia, agricultura orgânica e extrativismo, que deveriam ser apresentadas na proposta de participação, sendo que a responsabilidade jurídica pela execução do projeto seria assumida pela entidade proponente. O montante total de recursos financeiros previsto pelo edital era de R$ 25 milhões, com valor máximo por projeto de R$ 1.250.000,00. Os critérios de pontuação definidos pelo Edital buscaram premiar as redes e organizações com maior acúmulo de experiências nessas áreas, o que não impediu que redes constituídas em um período muito recente fossem também financiadas pelo programa, como foi possível comprovar no processo de realização da pesquisa. Algumas das redes financiadas pelo Edital 2014/005 do Programa Ecoforte (considerando o universo de 25 redes sistematizadas pela ANA) haviam iniciado sua atuação nas décadas de 1960 e 1970, mas a grande maioria havia sido formada nas décadas de 1990 e 2000. As redes mais novas, quatro no total, organizaram-se a partir de 2010.[29] O estímulo à inclusão de novas redes no programa foi uma demanda das organizações sociais ligadas à ANA por ocasião da publicação do segundo edital em 2017.

De acordo com as normas estabelecidas pelo Ecoforte, as redes apoiadas pelo programa deveriam desenvolver suas atividades tendo como referência um determinado território, entendido como um “espaço geograficamente definido, circunscrito a uma Unidade da Federação ou a áreas limítrofes de duas ou mais Unidades da Federação, onde atuam as instituições que compõem a rede de agroecologia, extrativismo e produção orgânica”.[30] Essa definição buscou reforçar a ideia de que o trabalho desenvolvido pelas redes deveria estar enraizado em ambientes sociais e ecológicos específicos, fortalecendo iniciativas concretas de promoção da agroecologia, do extrativismo e da produção orgânica. Ao mesmo tempo, ao adotar um conceito mais amplo e flexível de território, o desenho proposto permitiu que os projetos pudessem se ajustar às distintas estratégias de territorialização desenvolvidas pelas redes. A noção de território mobilizada pelo Edital distancia-se, portanto, do conceito de unidade administrativa, fortalecendo as conexões existentes entre o espaço de implantação do projeto e as práticas dos atores sociais.

É importante reforçar que a utilização do conceito de rede, que assume um lugar de centralidade na estruturação desta política pública, foi uma das principais novidades do Programa Ecoforte. Uma parcela significativa das organizações do campo agroecológico já havia incorporado, por diferentes caminhos, a imagem da rede aos seus repertórios de ação. Nas décadas de 1980 e 1990, a Rede Projetos em Tecnologias Alternativas (Rede PTA) utilizou-se da noção de rede como uma ferramenta organizativa, no esforço por articular as experiências agroecológicas para além de seu contexto local. Organizações como a Rede de Agroecologia Ecovida, a Articulação Semiárido Brasileiro e a Rede Maniva de Agroecologia no Amazonas, entre tantas outras, adotaram, por diversas vias, a noção de rede como matriz capaz de orientar suas dinâmicas de organização. Ao mesmo tempo, o reconhecimento no âmbito das políticas públicas das formas participativas de certificação também contribuiu para que diversos grupos e instituições adotassem estruturas reticulares de articulação e coordenação, investindo esforços na conformação dos Sistemas Participativos de Garantia (SPGs). Diversidade, complementaridade, estruturas democráticas de governança, relações de confiança e formas flexíveis e horizontalizadas de organização aparecem, no discurso do movimento agroecológico, como elementos constitutivos de uma rede, na forma como este conceito é reconhecido pelos atores sociais. Isso não significa que a adoção deste formato não tenha gerado algumas tensões entre as organizações, particularmente no caso de alguns movimentos sociais, que organizavam sua atuação com base em um recorte em que a dimensão estadual adquiria maior relevância.

Nos termos estabelecidos pelos editais, uma rede de agroecologia, extrativismo e produção orgânica define-se como “um conjunto formado por organizações que atuam em um dado território e que interagem por meio de dinâmicas participativas, de caráter cooperativo, com a finalidade de promover o fortalecimento da produção de base
agroecológica, extrativista e orgânica”.
[31] Nesses termos, a ação coletiva da rede e seu projeto de transição deveriam estar alicerçados em dinâmicas participativas de organização.

A transição agroecológica é entendida, por sua vez, de acordo com as regras adotadas pelos editais, como “um processo gradual de mudança de práticas e de manejo de agroecossistemas tradicionais ou convencionais, por meio da transformação das bases produtivas e sociais do uso da terra e dos recursos naturais, que levem a sistemas de agricultura que incorporem princípios e tecnologias de base ecológica”.[32]

Os processos de transição agroecológica são referenciados no Edital no 2014/005, de forma bastante ampla, como um processo social e ecológico de transformação das práticas de uso da terra e de manejo dos recursos naturais, que se estabelece em diferentes níveis, rompendo, portanto, com uma visão mais tecnicista da mudança tecnológica na agricultura, centrada na incorporação de um conjunto delimitado de tecnologias, alheia às dimensões sociais envolvidas neste processo. Essa ideia de transição não se confunde com a conversão de um sistema convencional para um sistema orgânico, noção frequentemente utilizada no contexto da agricultura orgânica, envolvendo um processo de adequação às normas que regulamentam os sistemas orgânicos de produção. É importante destacar, no entanto, que a referência à transição agroecológica não está presente no Edital no 2017/030, não tendo sido substituída, entretanto, por nenhum outro conceito equivalente. As causas dessa mudança precisariam ser investigadas.

No que se refere especificamente aos instrumentos inovadores desenvolvidos no âmbito do Programa Ecoforte, merece destaque a noção de Unidade de Referência (UR), “concebida como um local de instalação ou demonstração de técnicas, processos, metodologias ou sistemas produtivos” onde são realizadas diversas atividades visando promover “a troca de conhecimentos e a disseminação de experiências”.[33] Do ponto de vista operacional, o conceito de Unidade de Referência foi crucial para que os projetos pudessem ser adaptados ao contexto de atuação das redes. Cada projeto deveria se estruturar como um sistema de Unidades de Referência, em consonância com as linhas estabelecidas pelo Ecoforte. O desenho operacional do programa organizado a partir das URs permitiu financiar, através de uma mesma chamada de projetos, tanto investimentos considerados tangíveis (incluindo máquinas, equipamentos, veículos e instalações) como intangíveis (assistência técnica, atividades educativas e de capacitação, entre outras), sendo que 50% do recurso total do projeto deveriam ser investidos em itens considerados tangíveis. O formato de implementação adotado, baseado nas URs, contribuiu também para harmonizar diferenças entre os mecanismos de financiamento estabelecidos institucionalmente pela FBB e pelo BNDES.

A noção de UR foi apropriada pelas redes de diferentes maneiras, materializando-se, como é possível observar no Quadro 1, a seguir, em diversos tipos de ações. Foram implementadas, no âmbito das 25 redes analisadas, 1.042 URs, mobilizando um universo composto por 488 diferentes organizações e 23.206 pessoas beneficiadas.

Quadro 1 Distribuição das unidades de referência implementadas pelas 25 redes sistematizadas, segundo diferentes tipos

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Fonte: Elaboração ANA.

Um conjunto significativo de URs foi direcionado para atividades diretamente relacionadas à produção agrícola e extrativista e à produção de insumos, com destaque para os bancos e casas de sementes. Em cada projeto, no entanto, as URs puderam ser desenhadas de modo a propiciar diferentes tipos de arranjos e combinações, potencializando uma grande diversidade de atores e táticas e materializando-se em uma pluralidade de estratégias. Cada um dos projetos envolveu uma ação coordenada entre tipos de organizações distintos, incluindo: associações, sindicatos, cooperativas, ONGs de assessoria, empreendimentos diversos, Escolas Família Agrícola (EFAs), instituições federais de ensino, pesquisa e extensão, redes e movimentos sociais, grupos informais de agricultores e agricultoras, entre outras. Através da atuação em rede, organizações de base que dificilmente poderiam concorrer a um Edital desta natureza, puderam participar desta iniciativa e ter suas atividades financiadas.

Em que pese a importância alcançada pelas atividades produtivas na definição das URs pelas diversas redes, a análise dos diferentes projetos nos permitiu perceber as vinculações estabelecidas entre campos de atividades distintos: (i) a produção agrícola e extrativista  apareceu como foco de atuação nas 25 redes; (ii) a comercialização ganha destaque em 22 redes; (iii) o processamento de produtos agrícolas e extrativistas em 17 redes; (iv) sementes, mudas e outros insumos em 12 redes; (v) a certificação em 10 redes; (vi) as tecnologias de segurança hídrica em oito redes; (vii) a produção animal em sete redes. Artesanato, bioenergia, crédito agrícola, infraestrutura e saneamento, bioconstrução, gastronomia e turismo rural também aparecem como atividades em um número menor de projetos.

Ainda no que diz respeito à operacionalização do programa, é importante considerar que uma série de instrumentos de contratação e acompanhamento de projetos, que já haviam sido institucionalizados pela FBB, foram mantidos, incluindo os formatos de relatórios estabelecidos pela instituição, os indicadores quantitativos de realização de atividades nos relatórios, entre outros dispositivos. Essa constatação reforça a ideia de que as mudanças institucionais nas políticas públicas são marcadas por continuidades e descontinuidades, cabendo reforçar que os instrumentos de intervenção governamental e suas dinâmicas de reprodução e transformação precisam ser analisados considerando as relações de interdependência que eles estabelecem com atores e instituições, no interior do aparelho do Estado e além. 

 

Considerações finais

Ao longo deste trabalho buscamos chamar a atenção para as múltiplas dimensões envolvidas nos processos de institucionalização da agroecologia. A criação da Pnapo foi resultado de um constante trabalho de legitimação do enfoque agroecológico, em diferentes arenas, desenvolvido ao longo de mais de três décadas, mobilizando conflitos e “provas de força” não circunscritos à institucionalidade do Estado (WIT; ILES, 2016). A ação dos movimentos sociais e o enraizamento das práticas agroecológicas foram fundamentais para que essa proposta pudesse se estabelecer como um domínio de ação, através de uma série de interações envolvendo as organizações sociais e o Estado. Os mecanismos de participação democrática estabelecidos pela Constituição de 1988 e a relativa permeabilidade do Poder Público às demandas apresentadas pelas organizações vinculadas à agricultura camponesa e familiar e aos povos e comunidades tradicionais, sobretudo a partir do início dos anos 2000, contribuíram para que as ideias agroecológicas pudessem influenciar diferentes subsistemas de políticas. O Ecoforte é apresentado, aqui, como um programa inovador, que contou em sua formulação com a participação das organizações do campo agroecológico, figurando como uma experiência bem-sucedida de incorporação de novas ideias na institucionalização de políticas públicas. O desenho de implementação do Ecoforte, baseado na noção da rede, no fortalecimento de práticas tecnológicas e de organização social e ecologicamente situadas e na atuação a partir dos territórios, permite vislumbrar, no âmbito das políticas públicas, a construção de mecanismos capazes de possibilitar a governança reflexiva dos processos de transição agroecológica. É preciso considerar, ao mesmo tempo, que ainda em conjuntura bastante favorável no que diz respeito à construção de políticas em favor da agroecologia que marcou a criação do programa, o volume de recursos investidos nessa iniciativa sofreu uma série de restrições, em função, inclusive, do fato de que os ministérios optaram por investir seus recursos em programas e ações já existentes, também incorporados aos Planapos. Uma parcela importante destas políticas não tinha como foco específico a promoção da agroecologia, do extrativismo ou da produção orgânica, tendo experienciado processos muito diferenciados de “ecologização”. É preciso chamar a atenção, por fim, para o fato de que as estruturas participativas e os instrumentos de políticas públicas ligados à Pnapo passaram no período mais recente por um processo muito profundo de desconstrução, cujos efeitos sobre o ambiente institucional de execução do Ecoforte precisariam ser analisados. O cenário atual reforça, ao mesmo tempo, a relevância do programa na promoção da agroecologia, do extrativismo e da produção orgânica na escala dos territórios e na promoção da SAN em tempos de austeridade.

 

 

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Como citar

SCHMITT, Claudia Job; PORTO, Silvio Isoppo; MONTEIRO, Denis; LOPES, Helena Rodrigues. Fortalecendo redes territoriais de agroecologia, extrativismo e produção orgânica: a instrumentação da ação pública no Programa Ecoforte. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 312-338, jun. 2020.

 

 

 

 

Claudia Job Schmitt

Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutorado sanduíche no Programa de Estudos Ambientais da Universidade da Califórnia (UC–Santa Cruz), EUA. Professora associada do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ).
https://orcid.org/0000-0003-1248-2994
http://lattes.cnpq.br/3902719369521575
E-mail:
claudia.js21@gmail.com

 

Silvio Isoppo Porto

Doutorando em Meio Ambiente e Sociedade – linha de pesquisa em Agroecologia na Universidade Pablo de Olavide (UPO), Espanha. Professor do Curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
https://orcid.org/0000-0001-6868-9850
http://lattes.cnpq.br/6342965472574372
E-mail:
silvioport@gmail.com

 

Denis Monteiro

Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGCTIA/UFRRJ). Secretário-Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
https://orcid.org/0000-0003-4460-4853
http://lattes.cnpq.br/1821201582720733
E-mail:
denisagroecologia@gmail.com

 

Helena Rodrigues Lopes

Doutoranda em Ciências Sociais no Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Assessora de Agroecologia e Justiça Climática da ActionAid Brasil.

https://orcid.org/0000-0002-3195-0063
http://lattes.cnpq.br/6125539270763891
E-mail:
helenaeco.agro@gmail.com

 

 

 

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[1] Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutorado sanduíche no Programa de Estudos Ambientais da Universidade da Califórnia (UC – Santa Cruz), EUA. Professora associada do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). E-mail: claudia.js21@gmail.com.

[2] Doutorando em Meio Ambiente e Sociedade – linha de pesquisa em Agroecologia na Universidade Pablo de Olavide (UPO), Espanha. Professor do Curso de Educação do Campo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). E-mail: silvioport@gmail.com.

[3] Doutorando do Programa de Pós-graduação em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGCTIA/UFRRJ). Secretário-Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). E-mail: denisagroecologia@gmail.com.

[4] Doutoranda em Ciências Sociais no Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Assessora de Agroecologia e Justiça Climática da ActionAid Brasil. E-mail: helenaeco.agro@gmail.com.

[5] Os processos de inovação referenciados neste trabalho são concebidos como um conjunto inter-relacionado de transformações econômicas, ecológicas, políticas e sociais vinculadas à emergência de novas configurações envolvendo atores, práticas, recursos, atividades e instituições, que buscam romper com os modos dominantes de organização da produção e consumo de alimentos implantados em diferentes partes do mundo, sobretudo a partir da segunda metade do século XX. Concordamos, aqui, com as considerações feitas por Goodman, Dupuis e Goodman, de que a emergência desses “mundos alternativos” precisa ser compreendida de forma relacional, considerando o potencial destas formas inovativas no sentido de “reconfigurar valores, relações tempo-espaço, estruturas cotidianas de abastecimento e o sistema global de comércio” nos diferentes contextos (GOODMAN; DUPUIS; GOODMAN, 2012, p. 7).

[6] Nos termos do Edital no 2014/005 a Unidade de Referência é concebida como um “local de instalação ou demonstração de técnicas, processos, metodologias ou sistemas produtivos onde são realizadas visitas, exposições e capacitações com o objetivo de promover a troca de conhecimentos e a disseminação de experiências”. Discutiremos este conceito, de forma mais detalhada, nas seções subsequentes do artigo. Ver: Edital de Seleção Pública 2014/005 – Seleção pública de projetos de redes de agroecologia, extrativismo e produção orgânica. Disponível em: https://fbb.org.br/pt-br/viva-voluntario/conteudo/edital-de-selecao-publica-n-2014-005-redes-ecoforte. Acesso em: 20 jan. 2020.

[7] Importante destacar que o MDA, um dos principais ministérios envolvidos na estruturação de políticas públicas em favor da agroecologia, foi extinto em 2016, em meio ao processo de impeachment que levou ao afastamento de Dilma Rousseff da Presidência da República.

[8] Ver: Edital de Seleção Pública 2014/005, op. cit. Disponível em: https://fbb.org.br/pt-br/viva-voluntario/conteudo/edital-de-selecao-publica-n-2014-005-redes-ecoforte. Acesso em: 20 jan. 2020.

[9] Informações mais detalhadas sobre o PDA podem ser encontradas em Little (2005).

[10] Ver: OLIVEIRA, Dalva. Edital Ecoforte Redes: confira o resultado final da etapa II. 07/01/2019. Disponível em: https://fbb.org.br/pt-br/viva-voluntario/conteudo/edital-ecoforte-redes-confira-o-resultado-final-da-etapa-ii. Acesso em: 25 jan. 2020.

 [11] No continente latino-americano a sistematização de experiências emerge, a partir da década de 1970, como um método de pesquisa participativa, baseado no engajamento dos atores sociais, em ciclos articulados de ação e reflexão. Este método de investigação tem sido exercitado a partir de diferentes perspectivas epistemológicas (CORDERO; CARRILLO, 2017).

[12] As redes apoiadas pelo Edital no 2014/005 puderam decidir livremente se tinham interesse e disponibilidade para participar do projeto.

[13] As entrevistas com gestores públicos e ativistas que participaram da construção da Pnapo foram realizadas em 2015, no âmbito do Projeto Agroecologia, políticas públicas e transições sociotécnicas: ampliação de escala de redes territoriais voltadas à promoção de uma agricultura de base ecológica, que contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

[14] Este conceito tem sido amplamente utilizado pela literatura relacionada aos processos de inovação e transição para a sustentabilidade. A ideia de regime remete a um conjunto de regras formais e informais que se estabelecem em estreita articulação com determinadas tecnologias, estabilizando-se em um conjunto de referências cognitivas, práticas, rotinas, padrões de qualidade, modos de funcionamento das instituições, infraestruturas, entre outros ordenamentos, contemplando tanto elementos tangíveis como intangíveis. Ver, por exemplo: Geels e Schot (2007).

[15] Entre 2014 e 2018, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (Food and Agriculture Organization of the United Nations – FAO) promoveu uma série de encontros regionais e internacionais. Esse processo de mobilização política e institucional foi denominado Diálogo Global em Agroecologia.

[16] As relações estabelecidas entre o Estado e as organizações da sociedade civil na construção da democracia no Brasil têm sido objeto de uma ampla e diversificada literatura. Para efeitos deste trabalho achamos importante destacar um conjunto de autores que tem procurado, sob distintas perspectivas, adotar uma visão relacional acerca das interfaces estabelecidas entre agentes estatais e não estatais, rompendo, do ponto de vista analítico, com visões dicotômicas baseadas em uma rígida divisão entre Estado/sociedade civil, confronto/institucionalização, autonomia/cooptação. Ver, por exemplo: Avritzer (2008); Dagnino e Tatagiba (2010); Tatagiba, Abers e Silva (2018), entre outros.

[17] Recorremos, aqui, às formulações desenvolvidas por Lavalle et al. (2019), no esforço por apreender as interações que se estabelecem entre o Estado e as organizações da sociedade civil nos processos de institucionalização de políticas públicas. Recorrendo à noção de encaixe institucional, proposta por Theda Skocpol, e dialogando com diferentes vertentes da literatura relacionada aos movimentos sociais e à análise de políticas públicas, os autores definem os domínios de agência como “configurações de encaixes articulados vertical e horizontalmente que favorecem a capacidade de agir de certos atores coletivos” (LAVALLE et al., 2019, p. 51-52). A institucionalização de um determinado domínio de agência é sempre resultado de uma trajetória histórica de interações socioestatais, desdobrando-se no reconhecimento de determinados atores, no processamento de suas demandas e em algum tipo de suporte às suas reivindicações.

[18] Ver: Lei no 10.083/2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.831.htm. Acesso em: 22 jan. 2020.

[19] Esta afirmação pode ser facilmente sustentada através de uma análise das diversas Exposições de Motivos publicadas pelo Consea entre 2003 e 2018. Disponíveis em: http://www4.planalto.gov.br/consea/eventos/plenarias/exposicoes-de-motivos. Acesso em: 23 jan. 2020.

[20] É importante destacar, no entanto, que a referência mais explícita à agroecologia foi substituída no texto final da lei por uma formulação mais genérica envolvendo “a adoção dos princípios da agricultura de base ecológica como enfoque preferencial para o desenvolvimento de sistemas de produção sustentáveis”. Ver: Lei no 12.188/2010, que institui a Pnater e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – Pronater. Disponível em: https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/821106/lei-de-assistencia-tecnica-e-extensao-rural-lei-12188-10. Acesso em: 20 jan. 2020.

[21] Atual Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares. 

[22] Ver: Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Disponível em: https://agroecologia.org.br/o-que-e-a-ana/. Acesso em: 28 jan. 2020.

 [23] Destaca-se, nesse processo, o papel desempenhado pelo Grupo de Trabalho de Mulheres da ANA que teve, desde o início dos anos 2000, uma atuação fundamental na construção de interfaces entre feminismo e agroecologia, em diálogo com diferentes organizações de mulheres.

[24] Programa de Fortalecimento da Infraestrutura de Cooperativas de Catadores para Coleta, Transporte e Comercialização de Materiais Recicláveis.

[25]  Ver: Fundação Banco do Brasil. https://fbb.org.br/pt-br/menu-pt-br/sobre-nos. Acesso em: 24 jan. 2020.

[26] O BNDES é uma empresa pública dotada de personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio. Ver: BNDES. https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/quem-somos/governanca-controle/Legislacao_do_SItema_BNDES/estatuto-do-bndes. Acesso em: 24 jan. 2020.

[27] Cabe mencionar, por exemplo: a Lei no 10.831/2003, que regulamenta a agricultura orgânica no Brasil; a Lei, no 11.326/2006, referente à Agricultura Familiar e aos Empreendimentos Familiares Rurais; o Decreto no 7.794/2012, que institucionalizou a Pnapo; a Portaria Interministerial que instituiu o Plano Nacional para a Promoção dos Produtos da Sociobiodiversidade.

[28] Ver: Edital de Seleção Pública no 2014/005 – Redes Ecoforte. Disponível em: https://fbb.org.br/pt-br/viva-voluntario/conteudo/edital-de-selecao-publica-n-2014-005-redes-ecoforte. Acesso em: 8 out. 2019. Estes mesmos conceitos foram mobilizados no segundo edital do programa.

[29] Rede de Produção Agroecológica do Semiárido Piauiense (Repaspi-PI), Rede Unidades Agroecológicas Integradas (Rede UAI-MG), Rede Maniva de Agroecologia (Rema-AM) e Rede Trijunção Cerrado Central (BA/GO/MG).

[30] Ver: Edital de Seleção Pública no 2014/005 – Rede Ecoforte, op.cit.

[31] Ver: Edital de Seleção Pública no 2014/005 – Rede Ecoforte, op.cit.

[32] Ver: Edital de Seleção Pública no 2014/005 – Rede Ecoforte, op.cit.

[33] Ver: Edital de Seleção Pública no 2014/005 – Rede Ecoforte, op.cit.