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v. 28, n. 2, p. 259-283, junho a setembro de 2020.

Artigo recebido em 30 de agosto de 2019.

Aceito em 26 de fevereiro de 2020.



Mudanças na estrutura fundiária do Sertão Paraibano e suas implicações para a consolidação da agricultura familiar
Changings in land ownership structure in the semi-arid Brazilian northeast and their implications for family farming consolidation

DOI:10.36920/esa-v28n2-1

 

orcid_id.png Kaliane de Freitas Maia[1]

orcid_id.png Ramonildes Alves Gomes[2]

 

 

 

 

Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar as conexões entre as mudanças da estrutura fundiária do Sertão semiárido e a presença da pequena propriedade, em particular aquela vinculada à agricultura familiar. O diálogo com a produção bibliográfica sobre o Nordeste nos desafiou a problematizar as dinâmicas que levaram à fragmentação da grande propriedade na região citada. A partir de um esforço de pesquisa quali-quantitativo, realizamos um trabalho empírico na região do Sertão Paraibano, especificamente na Microrregião da Serra do Teixeira, com base em duas questões: (1) quais elementos possibilitaram a constituição da imagem do Sertão nordestino como espaço do latifúndio e da grande propriedade? (2) quais ideias fundamentaram as representações da origem da agricultura familiar no Sertão Paraibano? Nossa pretensão é, a partir de evidências empíricas ainda não problematizadas sobre o Nordeste, construir  hipóteses orientadoras de interpretações sobre a constituição dos grupos sociais e dos espaços rurais do Sertão Nordestino, particularmente em referência à consolidação da agricultura familiar na espacialidade focalizada.

Palavras-chave: estrutura fundiária; Sertão nordestino; agricultura familiar.

 

Abstract: (Changings in land ownership structure in the semi-arid Brazilian northeast and their implications for family farming consolidation). The purpose of this article is to analyze connections between changing tenure structure in the Brazilian semi-arid backland and the presence of small properties, in particular those linked to family farming. Dialogue with the literature on the Brazilian Northeast challenged us to problematize the dynamics that led to the fragmentation of large property in the referred region. Based on a qualitative and quantitative research effort, empirical work was carried out in the region of the Paraiba backlands, specifically in the Serra do Teixeira micro-region, guided by the following two questions: (1) which elements made possible the constitution of the image of the Northeastern Sertão as a space of the latifundio and of large property holding? (2) what ideas were the bases for representations of the origin of family farming in the Paraíba State countryside? Our intention is, based on empirical evidence not yet problematized about the Brazilian Northeast, to build guiding hypotheses for interpretations about the constitution of social groups and rural spaces in the Northeastern backland, particularly with reference to the consolidation of family farming in this space.

Keywords: land ownership structure; Northeast Brazil’s backland; family farming.

 

 

Introdução

Refletir sobre a estrutura fundiária do Sertão nordestino implica um esforço para analisar processos de mudança relacionados à propriedade e ao uso da terra, como concessão, acesso e disponibilidade de recursos, exploração, abandono e desocupação. Não pretendemos analisar neste artigo os processos seculares que contribuíram para a formulação de uma chave de explicação que tem como pressuposto a ocupação da terra no interior do Nordeste, ou no Sertão, como resultante de uma trajetória hegemônica de cessão de títulos, através do instituto sesmarial. Segundo esse pressuposto, uma das consequências dessa dinâmica de acesso a terra e de colonização foi a formação de grandes propriedades rurais, concentração de terras e de poder, emergência e fortalecimento de elites conservadoras, autoritárias e, muitas vezes, violentas, cuja expressão simbólica estaria representada na figura do coronel.

Os elementos que fundamentaram esse pressuposto encontraram amparo em textos literários e crônicas de viajantes, a exemplo da obra de André João Antonil. Estes escritos influenciaram a construção de teses acadêmicas em diferentes campos disciplinares, tendo, como expoentes, Capistrano de Abreu (1976), Alberto Passos Guimarães (1977), Manoel Correia de Andrade (1986), Francisco de Oliveira (1981), Celso Furtado (2007) e Wilson Seixas (2004), entre outros.

As descrições que tiveram como inspiração esses autores podem ser sumarizadas em dois grandes blocos de narrativas. O primeiro deles, embasado em argumentos de pesquisadores que se debruçaram sobre o Sertão nordestino e que explicam o processo de ocupação pela ação do sesmeiro, desbravador, que escravizou e exterminou as populações indígenas e, posteriormente, os negros vindos da África, para, ao final, reforçar um processo de concentração da terra, exploração de mão de obra, concentração de Poder Político, tudo isso evidentemente agravado e favorecido pelo flagelo da seca (NUNES, 2016). O segundo conjunto de narrativas, registrado pelos memorialistas e historiadores de família, baseado na construção de genealogias, chegando a influenciar inclusive o IBGE, no momento da produção da Enciclopédia dos municípios brasileiros, ao associar origem/povoamento/colonização à figura de um senhor sesmeiro, responsável pela formação de uma freguesia, um povoado, uma vila (NUNES, 2016).

Todavia, para refletir sobre o Sertão nordestino é necessário lançar mão dos pincéis que desenharam processos históricos igualmente dinâmicos e que acarretaram transformações, nesse caso, a estrutura fundiária, que contribuiu para redefinir o curso do desenvolvimento do chamado “velho semiárido” (BUAINAIN; GARCIA, 2013). Sem deixar de considerar as características estruturais – meio ambiente, demografia, estrutura agrária e sistemas produtivos –, é necessário problematizar os vetores que possibilitaram mais dinamismo, como também a ampliação de horizontes que deram visibilidade aos produtores autônomos, agricultores ou não, e trabalhadores assalariados. Alguns eixos desses vetores foram sinalizados na década de 1990 (a exemplo do Pronaf), contudo, ganharam mais visibilidade nos últimos anos, a partir das políticas públicas, tanto as sociais como as de acesso a terra, voltadas à fixação do homem no campo e ao estímulo à produção. 

Sem negar o valor das explicações que tomaram como fundamento essas narrativas, temos, neste artigo, o objetivo de perceber e analisar as mudanças na estrutura fundiária do Sertão nordestino, especificamente na Microrregião da Serra do Teixeira, bem como as conexões destas com a dinâmica da agricultura familiar, tendo, como base, dados obtidos por meio de pesquisa de campo (realização de entrevistas semiestruturadas) e de bancos de dados secundários (IBGE e MDA/Incra/FAO). Desenvolveremos reflexões a partir da problematização das seguintes indagações: Quais elementos possibilitaram a constituição da imagem do Sertão Paraibano como espaço do latifúndio e da grande propriedade? Que condições históricas e econômicas contribuíram para intensificar o processo de desestruturação das grandes propriedades? Quais ideias fundamentam a origem da agricultura familiar no Sertão Paraibano?

O intervalo de tempo trabalhado na pesquisa foi da década de 1960 até os anos 2017. Contudo, para a análise dos dados secundários não utilizamos a base de dados do Censo Agropecuário de 2017, visto que a tabulação e o processamento destes não estavam devidamente finalizados. Desse modo, na análise e discussão dos dados quantitativos foram considerados os censos de 1960 até 2006.

A metodologia adotada se apoiou em dados quantitativos, a partir de fontes secundárias – Censo Agrícola de 1960 e os Censos Agropecuários de 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/96 e 2006 – assim como em dados qualitativos, obtidos a partir da pesquisa empírica e da realização de 20 entrevistas semiestruturadas, no período de março de 2015 a dezembro de 2017, com uma amostra representativa de agricultores familiares (mandiocultores, horticultores, agricultores agroecológicos, bovinocultores, avicultores, suinocultores e policultores), em sua maioria beneficiários de políticas públicas como o Pronaf, Seguro Safra, PAA e Pnae. Além desses atores que desempenham atividades agropecuárias, foram entrevistadas lideranças sindicais, presidentes de associações, técnicos extensionistas da Emater – PB, agentes de créditos do BNB e gestores públicos, nos municípios de Princesa Isabel, Tavares, Matureia e Teixeira, no Sertão Paraibano (Figura 1).

 

Figura 1 – Localização da Microrregião da Serra do Teixeira e seus respectivos municípios e do Sertão Paraibano no território da Paraíba

 

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Fonte: IBGE, 2006 – Elaborada pelas autoras.

 

A escolha pela Serra do Teixeira,[3] no Sertão Paraibano, justifica-se pelo fato de essa localidade apresentar um dos menores índices de concentração fundiária da Paraíba e por experimentar uma diversidade de atividades produtivas na moderna configuração do espaço rural brasileiro. Com base nos dados do Censo Agropecuário de 2006, a Microrregião da Serra do Teixeira possui 12.778 estabelecimentos recenseados, desse total, 12.207 medem entre 0,1 e 100 ha, totalizando 96% do número de estabelecimentos com até 100 ha. E apenas 4% do número de estabelecimentos medem entre 500 e 2.500 ha. Com relação à área desses estabelecimentos, podemos afirmar que 68%, ou seja, mais da metade das áreas recenseadas na Microrregião da Serra do Teixeira, são propriedades que medem até 100 ha, sendo consideradas pequenas propriedades.

Trata-se de um esforço direcionado para uma dupla abordagem. De um lado, a ênfase na tentativa de apreender as formas sociais e os processos produtivos que as pequenas propriedades rurais assumem nos dias de hoje; de outro, considerar as conexões possíveis entre a fragmentação da estrutura fundiária, a emergência dos pequenos estabelecimentos agropecuários, suas estratégias produtivas e a presença das políticas públicas, de modo a evidenciar as transformações ocorridas na paisagem do Sertão Paraibano.

Traçamos como fio condutor para desenvolver a primeira parte deste artigo a hipótese de que, em determinadas áreas do Nordeste semiárido, o processo de fragmentação da grande propriedade teria ocorrido ainda no século XIX. Assim como demonstrou Nunes (2016), o movimento de ocupação dos sertões[4] nordestinos se deu de forma contínua e incompleta, com ocorrência de processos de abertura e fechamento de fronteiras, promovidos pela introdução da pecuária e pela expansão da cotonicultura ao longo dos séculos XIX e XX.

É relevante considerar também a presença de outros grupos sociais como cultivadores livres, vaqueiros, tropeiros e almocreves, os quais, ao se tornarem pequenos proprietários, obtiveram ascensão e mobilidade social. Assim como demonstrado em pesquisas realizadas no Cariri cearense (PEREIRA, 2018) e no Pajeú pernambucano (NUNES, 2016). Também se organizaram em pequenas propriedades os escravizados fugidos e alforriados, a exemplo dos quilombos, ou povoados marcados pela presença de negros. Essas hipóteses fortalecem as evidências de que outras formas de apropriação e uso da terra coexistiram em meio à predominância da grande propriedade.

Na segunda parte, sem a pretensão de produzir generalizações, discorremos sobre a Microrregião da Serra do Teixeira como uma situação exemplar, de fragmentação da grande propriedade e de consolidação da agricultura de base familiar, em referência à existência de uma agricultura com formas de vida, organização social e econômica heterogêneas, embora com traços, costumes e racionalidades que as assemelham. Para efeito deste artigo, assumiremos o conceito do MDA/Incra/FAO (2000), de modo que estamos cientes de que, ao falar em agricultura familiar, estaremos sempre falando de produtores com racionalidades distintas e específicas, com uma enorme capacidade de adaptação ao meio físico e ao contexto econômico e político, e com disposição para se transformar e resistir, bem como aproveitar as possibilidades de inserção no mercado. 

 

Das narrativas sobre o Nordeste ao indizível da estrutura fundiária no Sertão Paraibano

A bibliografia que trata do Nordeste, aliada aos achados empíricos, sugere que a diversidade agrária e produtiva do semiárido nordestino apresenta características socioespaciais e econômicas que configuram uma agricultura familiar heterogênea. Os diversos espaços agrários, determinados por elementos históricos, culturais e naturais, possibilitaram a consolidação da chamada agricultura familiar, a qual também é influenciada por formas diferenciadas de acesso a terra e ao capital, como as tecnologias de produção e gestão, as políticas de crédito e a participação em espaços de decisão, resultando em uma agricultura plural, heterogênea e diversificada.

O caráter marcadamente assimétrico de distribuição de terras no Nordeste, e o vagaroso processo de desconcentração destas, permitiu que alguns estudiosos continuem a definir esse espaço como lugar do latifúndio e da tradição. Todavia, queremos ressaltar que a grande propriedade não parece ser mais o elemento estruturante que organiza as relações sociais nessa região. É importante reconhecer que a grande propriedade não desapareceu por completo e que, em alguns municípios, foi ressignificada e resiste, produzindo economicamente, a exemplo dos municípios de Catolé do Rocha e Patos (MAIA, 2013; DIAS, 2019).

Por meio da pesquisa que estamos realizando na Microrregião da Serra do Teixeira, Sertão Paraibano, podemos inferir que nessa região, em relação à estrutura fundiária, houve uma tendência diferenciada de outros sertões nordestinos, onde prevaleceram grandes propriedades e o sistema latifundiário sustentado na tríade algodão/pecuária/moradia. Desde tempos remotos, encontram-se na Serra do Teixeira pequenos agrupamentos de moradores que cultivavam a terra e que detinham a posse de pequenas áreas, produzindo e morando em suas próprias terras. A partir de algumas narrativas, ficou evidenciado que o sistema de moradia, que sempre alimentou o latifúndio, não foi predominante nessa região. Com essa afirmativa, não negamos a existência da grande propriedade no Sertão Paraibano, mas alertamos que o sistema latifúndio/pecuária/moradia não predominou por muito tempo em todos os sertões nordestinos, como afirmam algumas teses clássicas das ciências sociais (ABREU, 1976; ANDRADE, 1986; FURTADO, 2007).

Quando nos referimos às teses clássicas, ressaltamos as narrativas sobre o Nordeste que trataram dos processos de colonização, ocupação e suas respectivas interpretações dos sistemas sociais e econômicos, acostados na chave analítica que define esse espaço como lugar do latifúndio pecuarista, fazendo referência à concessão de terras através do sistema sesmarial (Capistrano de Abreu, Manuel Correia de Andrade e Caio Prado Junior). Francisco de Oliveira (1981), que também fundamentou suas análises sobre o Nordeste nessa mesma chave, embora tenha dado mais atenção ao tripé latifúndio/algodão/pecuária e à conformação de uma nova elite agrária, chamada por ele de coronéis do algodão.

Para Oliveira (1981), o Sertão nordestino foi emoldurado em oposição à região litorânea, baseada na plantation. Esse outro Nordeste, que foi constituído em finais do século XIX e início do século XX, assentava suas bases sociais e econômicas em torno da cultura do algodão em consórcio com a pecuária. Tal sistema consolidou o controle político do Nordeste nos latifundiários, nos coronéis da pecuária e não mais nas mãos da elite açucareira do “velho Nordeste”.

Enquanto o Nordeste “açucareiro” semiburguês tinha sua expansão cortada pela simbiose dialética da constituição de outra “região” com o capital internacional, outro Nordeste emergia gradualmente, submetido e reiterado pelas mesmas leis de determinação de sua relação com o capital internacional: o Nordeste “algodoeiro-pecuário”. A imagem do Nordeste, que as crônicas dos viajantes de fins do século XVIII e princípios do século XIX descreveram em termos da opulência dos “barões” do açúcar, e que depois iria inspirar a nostálgica pseudosociologia de Gilberto Freyre, começou a ser substituída pela imagem do Nordeste dos latifundiários do Sertão, dos “coronéis”; imagem rústica, pobre, contrastando com as dos salões e saraus do Nordeste “açucareiro”. (OLIVEIRA, 1981, p. 35)

Oliveira (1981) chama a atenção para a reprodução e expansão da estrutura fundiária e sua consolidação em latifúndios que perduraram, segundo sua análise, até praticamente a década de 1950. Compartilhando com Nunes (2016) a crítica que ele elabora sobre a análise de Oliveira (1981), de que houve um esforço na tentativa de fugir à tese dualista e reinterpretar os processos sociais do interior do Nordeste pelo viés do avanço do capitalismo todavia não obteve êxito, por manter as velhas teses sobre o latifúndio formuladas no passado, impossibilitando-o de reconhecer processos históricos de desconcentração fundiária e a emergência de outros grupos sociais que despontaram com o advento da produção do algodão e que permitiram o redesenho do processo de ocupação do semiárido que fugisse à tese sesmarial. “Nem refletiu sobre a origem social diversificada da elite agrária sertaneja do século XX” (NUNES, 2016, p. 86).

Mario Lacerda de Melo (1958), em obra de sua autoria reeditada em 2012, descreveu as regiões do Pajeú pernambucano e da Serra do Teixeira, ambas localizadas nos sertões da Borborema, como áreas consideradas mais úmidas e que apresentam o predomínio de pequenas propriedades e atividades agrícolas mais diversificadas, diferente da outra metade do Sertão seco. Segundo o autor, a região da Serra do Teixeira caracterizava-se por um tipo de sociedade rural e uma estrutura agrária e econômica que a distingue das regiões de pastoreio extensivo das caatingas, ou seja, dos Sertões dos Cariris Velhos e do Sertão do Piranhas (MELO, 2012). Todavia, esse fato foi considerado irrelevante durante várias décadas dos séculos XIX e XX.

Sem muitos detalhes, e sem constatação empírica, Moreira e Targino (1997) já haviam apurado, em estudos anteriores, as tendências de fragmentação de terras e do predomínio da atividade agrícola quando escreveram a obra Capítulos de geografia agrária da paraíba. Segundo os autores:

Merece destaque a maior concentração da produção alimentar nas áreas de exceção, como os brejos de altitude existentes no Sertão, a exemplo de Monte Horebe, Bonito de Santa Fé, Teixeira. Nessas manchas verdes, houve uma maior concentração da produção e da população, bem como um padrão de distribuição de terras menos concentrado do que nas demais áreas sertanejas (p. 78).

Como ressaltam Melo (2012), Moreira e Targino (1997), a região da Serra do Teixeira está situada numa formação geográfica denominada Brejos de Altitude”; esses brejos são formações florestais úmidas, localizadas nos topos das serras no meio da caatinga, na vertente leste da Borborema. Por apresentar características específicas em meio ao semiárido, essa umidade repercute não só sobre a vegetação, que assume uma aparência florestal, mas também favorece uma maior ocupação humana (PORTO; CABRAL; TABARELLI, 2004).

A partir dos dados do Censo Agrícola de 1960, podemos conferir que essa região já apresentava um padrão de distribuição menos concentrado do que as outras regiões da Paraíba e mesmo do Sertão Paraibano. Não estamos afirmando que não existiam, na Serra do Teixeira, grandes propriedades e famílias detentoras de terras e de poder político, porém estas não eram numericamente expressivas se comparadas à presença das pequenas propriedades.

De acordo com os dados do Censo Agrícola de 1960, sistematizamos em três grupos de área: de zero a menos de 100 ha (pequenas); entre 100 ha e 500 ha (médias); e acima de 500 ha (grandes),[5] para assim demonstrar a estrutura fundiária das regiões fisiográficas da Paraíba. Como podemos observar no gráfico da Figura 2, constata-se que a Zona do Sertão Alto, equivalente à Microrregião da Serra do Teixeira, é a que apresenta o menor índice de concentração fundiária do Sertão Paraibano e do estado como um todo, com uma taxa de apenas 6% da área pertencente à grande propriedade, em número absoluto. Esses 6% correspondem a 8.700 ha, divididos em apenas 10 propriedades acima de 500 hectares. Com relação à área correspondente aos pequenos estabelecimentos agropecuários, temos 107.898 ha, que equivalem a 72% da área, que contabiliza 8.285 estabelecimentos rurais, como mostra o gráfico da Figura 2.

 

Figura 2 Estrutura fundiária da Paraíba e regiões fisiográficas no Censo Agrícola de 1960

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Fonte: Censo Agrícola de 1960 – Elaborado pelas autoras.

 

                           

                Tabela 1 Estrutura fundiária da Paraíba por número total e grupos de áreas – Paraíba e zonas fisiográficas (Censo Agrícola 1960)

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Fonte: Censo Agrícola de 1960.

 

Se levarmos em consideração as outras zonas fisiográficas, temos como contraponto  a Zona do Sertão do Piranhas, equivalente à Microrregião de Patos e Catolé do Rocha, que apresentam apenas 24% da área dos estabelecimentos nas propriedades abaixo de 100 ha; 33% da área dos estabelecimentos na média propriedade; e 43% da área dos estabelecimentos rurais medem acima de 500 ha; em números absolutos, esses 43% equivalem a uma área de 494.706 ha. Essa região apresenta dados que se aproximam da Zona do Seridó, onde predominava a grande propriedade na década de 1960 (Tabela 1).

Contrariando a narrativa sobre a presença dominante do latifúndio, impregnada nos trabalhos acadêmicos e no imaginário social, os dados do Censo Agropecuário de 2006 revelam que a grande propriedade não é mais predominante na estrutura fundiária do Sertão Paraibano, uma vez que, nessa região, existem 49.413 estabelecimentos agropecuários e, destes, 44.972 medem até 100 ha, e correspondem a uma área de 654.446 ha, equivalente a 42% do território sertanejo. Já as propriedades com áreas que medem entre 100 ha e 500 ha somam 545.152 ha, correspondendo a 35% da área recenseada. Enquanto as grandes propriedades com mais de 500 ha totalizam 364.042 ha, correspondendo a 23% da área total do Sertão Paraibano (Tabela 2). Estes dados revelam que a grande propriedade não é tão significativa nem predominante no Sertão Paraibano. A pesquisa feita vem justamente problematizar essa narrativa e apresentar dados ainda mais específicos da Microrregião da Serra do Teixeira, que discutiremos mais adiante.

 

Tabela 2 Estrutura fundiária, por número total e grupos de áreas dos estabelecimentos agropecuários – Paraíba, Mesorregiões e Microrregião da Serra do Teixeira

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Fonte: IBGE – Censo Agropecuário de 2006.

 

Como já mencionado, a concentração fundiária não se constitui mais como uma narrativa dominante na descrição do Sertão Paraibano, contudo é necessário problematizar essa narrativa e afirmar que há vários sertões nordestinos, identificados a partir de dinâmicas de colonização e povoamento diferenciados e formas de mobilizações sociais produtivas e econômicas variadas. Como demonstraremos ao longo deste artigo, não faz mais sentido explicar a pobreza, as desigualdades e o pouco dinamismo das áreas sertanejas como consequência exclusiva da persistente presença do latifúndio.

Muitas regiões dos sertões nordestinos, ao contrário da faixa litorânea, onde predomina o setor agroindustrial sucroalcooleiro, passaram por processos de fragmentação da propriedade no passado, e algumas experimentaram esses mesmos processos ao longo do século XX e estão experimentando no decorrer do século XXI, os quais têm como consequência a emergência de novas e diversificadas dinâmicas sociais, econômicas e produtivas, parte destas impulsionadas e/ou dependentes da retomada do movimento sindical após o final da ditadura militar (FAVARETO, 2006; PICOLOTTO, 2014), do desempenho do Estado e das políticas públicas voltadas para a agricultura familiar (GRISA, 2012; GRISA; SCHNEIDER, 2015).

Fazendo uma comparação entre os Censos[6] de 1960 e 2006, na Paraíba, a área total dos estabelecimentos que medem até 100 ha passou por uma mudança substancial de 34% para 39%. Esse aumento percentual de 5% da área, ao longo de cinco décadas, torna-se relevante para a análise dos processos de fragmentação da propriedade quando consideramos a variação da área total dos pequenos estabelecimentos, que passou de 1.338,266 ha, em 1960, para 1.491,825 ha, em 2006. Comparando essa dinâmica de fragmentação da terra, observamos que tem havido um aumento da área dos estabelecimentos com até 100 ha e, ao mesmo tempo, uma redução da área dos estabelecimentos que medem acima de 500 ha, assinalando uma tendência inversa, que será demonstrada adiante.

Esse duplo movimento, da conformação da estrutura fundiária, observado no estado da Paraíba é resultado de vários processos, tais como: a) a crise do sistema latifúndio/pecuária/algodão, na década de 1980 e início dos anos 1990, que inviabilizou economicamente a manutenção da grande propriedade, levando os proprietários a se desfazerem de suas terras, facilitando o fracionamento e o subsequente processo de compra por pequenos proprietários e trabalhadores rurais que não possuíam terras; b) decorrente do item anterior, é possível assinalar também a emergência de um mercado de terras que facilitou a venda e a compra, seja por causa do baixo preço da terra, seja por causa da fraca condição do solo, seja, ainda, pela escassez de recursos hídricos; c) fracionamento e divisão por sucessão e herança; d) dívidas, hipotecas e absenteísmo; e) desapropriações para fins de reforma agrária, instigados pela obstinação dos movimentos sociais a partir da luta e resistência dos trabalhadores rurais sem terra; f) emergência das políticas públicas e a criação do Pronaf, na segunda metade da década de 1990, com o intuito de promover o desenvolvimento da agricultura familiar.

A partir da década de 1960, observam-se processos simultâneos, mas assimétricos, que modificam a dinâmica da estrutura fundiária no estado da Paraíba, ou seja, quando a área ocupada pela grande propriedade diminui, a área que compreende as médias propriedades aumenta, tendo uma inversão entre os anos de 1995 e 2006, conforme denota o gráfico da Figura 3. Uma das hipóteses que apontamos como explicação para esses movimentos cíclicos de fragmentação e reagrupação de terras está presente nas genealogias de famílias proprietárias que, ao narrarem processos de sucessão por herança, aliança, compra e venda, informam que uma mesma propriedade pode experimentar um processo de partilha, expansão e manutenção dessa área. Essa é uma possibilidade de explicação para o comportamento das linhas que expressam a trajetória da área total ocupada pelos grandes e médios estabelecimentos na Paraíba. Contudo, sabe-se que 88% do território paraibano estão inseridos na área geográfica do semiárido, assim a tendência anteriormente descrita tem como exceção a Mesorregião da Mata Paraibana, onde predomina o cultivo da cana-de-açúcar, produzida em grandes extensões de terras (Figura 3).  

 

Figura 3 Série histórica da estrutura fundiária da Paraíba – 1960 a 2006

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Fonte: Censo Agrícola de 1960 e Censo Agropecuário de 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/1996 e 2006.

 

Identificamos, como uma situação observável acerca das transformações na estrutura fundiária do semiárido, o Sertão Paraibano, que possui uma área de 22.720,482 km², equivalente a 40,01% do território do estado. Constituído por quatro mesorregiões, organizado em sete microrregiões (Catolé do Rocha, Cajazeiras, Sousa, Patos Piancó, Itaporanga e Serra do Teixeira) e compreendendo 83 municípios. A dinâmica econômica e social do Sertão resultou da articulação de atividades como pecuária/algodão/culturas alimentares; este tripé marcou fortemente a organização do espaço agrário sertanejo. Segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, a Mesorregião do Sertão Paraibano é a que mais concentra propriedades com até 100 ha, as quais estamos considerando pequenas propriedades. Com exceção das microrregiões de Patos e Catolé do Rocha, mais da metade da área agrícola total é ocupada por pequenos estabelecimentos rurais. Como exemplos desta tendência, mais de 50% da área das microrregiões de Cajazeiras, Serra do Teixeira, Itaporanga, Sousa e Piancó são ocupados por pequenas propriedades. Pode-se atribuir o aumento da participação dos pequenos estabelecimentos na área total do estado da Paraíba ao expressivo número de estabelecimentos que medem entre zero e 1 módulo fiscal, registrado pelo censo. Com a subdivisão por herança, a cada geração, o tamanho das propriedades tende a diminuir de maneira mais acentuada para as pequenas propriedades, sem falar na política nacional de crédito fundiário que possibilitou aos pequenos agricultores e às associações de agricultores a compra de terras. Além disso, é importante considerar a criação dos assentamentos de reforma agrária, resultado do esforço dos movimentos sociais e da ação do Incra nas últimas décadas.

Seguindo a mesma tendência do estado da Paraíba, na Mesorregião do Sertão Paraibano os estabelecimentos que possuem até 100 ha tiveram um crescimento progressivo da área entre as décadas de 1960 e 1970, seguido de alterações menos expressivas entre as décadas de 1980 e 2000, passando a registrar uma alteração gradativa, conforme identificado nos últimos dois censos (1995 e 2006), chegando a ocupar 42% da área total dos estabelecimentos rurais da mesorregião. Como podemos visualizar no gráfico da Figura 4.

 

Figura 4 Série histórica da estrutura fundiária da Mesorregião do Sertão Paraibano – 1960 a 2006

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Fonte: Censo Agrícola de 1960 e Censo Agropecuário de 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/1996 e 2006.

 

Observando a série histórica que expressa a composição fundiária do Sertão Paraibano, constata-se, ao mesmo tempo, o aumento das áreas que medem até 100 ha e um declínio da área total dos estabelecimentos que medem acima de 500 ha. Esta mecânica é registrada a partir do Censo Agropecuário de 1985, passando pelo censo de 1995/1996, e revelando seu ápice no censo de 2006. Para refletir sobre esse fato, apoiamo-nos na hipótese de que isso se deve a duas questões. Primeiro, a desestruturação do sistema algodão/pecuária/moradia, desencadeada na década de 1980, que acarretou uma sequência de fatores – políticos, econômicos e sociais – responsáveis pela desmobilização de projetos produtivos e formas de exploração da terra e do trabalho na grande propriedade sertaneja, provocando o absenteísmo, o aumento dos contratos de parceria, ou mesmo a disposição para a venda de grandes propriedades rurais. Diante da crise agrícola e tendo que quitar dívidas constituídas no período áureo do algodão, alguns desses grandes proprietários se sentiram desamparados pelo Estado e, não encontrando alternativas viáveis para sustentarem suas propriedades economicamente, colocaram as terras à disposição do mercado.

A segunda questão diz respeito às particularidades da ação do Estado, que interferiu diretamente nos processos de redistribuição de terras a partir do I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Pode-se dizer, portanto, que esse aumento da área dos pequenos estabelecimentos que medem até 100 ha, nos três últimos censos, deve-se à inclusão de formas diversas de acesso a terra.

Tomando como exemplo e sem pretensão de generalizar, a Microrregião da Serra do Teixeira, de acordo com o Censo Agropecuário (2006), 5.979 estabelecimentos foram adquiridos pela modalidade de compra de terras, 20 através do crédito fundiário, 78 titulados pela reforma agrária, 3.996 por herança, 231 por doação particular, 14 por uso capião e 83 estabelecimentos por outros meios. Estes dados espelham uma multiplicidade de formas de acesso à terra, direcionadas pelas políticas públicas, pelas mudanças na legislação e pela atuação da sociedade civil, tendo como resultado o reconhecimento de sujeitos sociais que por séculos foram invisibilizados.

A Microrregião da Serra do Teixeira – como dissemos anteriormente, historicamente a pequena propriedade sempre existiu, mesmo antes do mapeamento dos dados sequenciais disponibilizados pelo IBGE –, já apontava para uma regularidade no percentual dos pequenos estabelecimentos rurais. Destacamos alguns dados que informam sobre a tendência para a minifundização nessa microrregião: no Censo Agrícola de 1960, o número de estabelecimentos que mediam até 10 ha era de 4.635, ocupando uma área total de 20.380 ha, em comparação com o Censo Agropecuário de 2006, o número de estabelecimentos medindo até 10 ha praticamente duplicou, totalizando 8.665, e ocupando uma área de 26.582 ha. Esses dados reforçam a tendência observada para a fragmentação das terras, especialmente por sucessão e herança, corroborando a permanência de pequenas propriedades do tipo minifúndios, dado que se pode constatar na entrevista a seguir, quando questionamos alguns agricultores familiares acerca das estratégias que possibilitaram o acesso a terra:

(...) a herança que meu pai deixou foi outra propriedade, já vendeu e tudo, não existe mais não. Essa daqui já foi da minha mãe que se chama Cilene Medeiros Florentino. A gente criava gado no tempo do meu avô, ele tirava leite e depois passou a criar boi pra corte, meu pai já tirava leite e tudo. É herança antiga mesmo, tanto a terra como o leite, aqui são 40 hectares. Mas, quer dizer, eu tenho outra propriedade lá que foi herança do meu pai também lá no sítio Carvalho, mas é pouco ... (A. Neto, produtor de leite. Princesa Isabel)

(...) Porque era 30 quadros, naquele tempo era muita coisa né? Agora quando repartiu pra os filhos cada um ganhou sua parte. Não sei se eram 6 ou 4 filhos. É o seguinte, eu comprei com Adnei, depois ganhei de herança mais 5 tarefas e depois comprei mais 5 tarefas.  Aí aqui tudo dá 16 né? (...). (O. G. da Silva, mandiocultor. Princesa Isabel)

Segundo relatos de agricultores familiares, que como eles mesmos dizem “nasceram e se criaram” nessa região, a grande propriedade não teve presença expressiva na paisagem dos municípios dessa microrregião, sendo a sucessão de terras entre descendentes de um mesmo grupo familiar a forma mais comum da minifundização, que pouco a pouco compõe esse mosaico, atualmente reconhecido como agricultura familiar.

Ainda que os argumentos utilizados para construir outras narrativas sobre a estrutura fundiária do semiárido nordestino em geral, e sobre o Sertão Paraibano em particular, não esgotem as hipóteses assinaladas nesta primeira parte do artigo, o fato é que, nas áreas onde a fragmentação da estrutura fundiária se apresenta como uma tendência de longo prazo, a agricultura familiar tem se consolidado, revelando potencial produtivo a partir de diversas estratégias de inclusão social e econômica. Situação que será analisada mais à frente, quando problematizaremos a consolidação da agricultura familiar na Serra do Teixeira.

 

O que se conta da agricultura familiar no Sertão: origem e consolidação      

Refletindo sobre a noção de “ideias-unidade da sociologia”, desenvolvida por Robert Nisbet, no livro organizado por José de Sousa Martins, Introdução crítica à sociologia rural (1986), veio-nos a inspiração para questionar sobre quais seriam as “ideias-unidade” que descrevem a agricultura familiar no semiárido. Nisbet se utilizou dessa categoria para problematizar as raízes teóricas da sociologia rural, a partir das teses elencadas para definir a sociedade moderna emergente e o lugar do rural naquela sociedade. Contudo, Robert Nisbet assinala que as ideias-unidade são no fundo ideias dotadas de características, como generalidade, durabilidade e consistência, ou seja, princípios capazes de estabelecer relações, construir um sistema para sustentar e propagar uma visão e produzir crenças nem sempre apoiadas em aspectos do real.

Essa chave de interpretação nos desafiou a enfrentar algumas ideias-unidade que embasam as descrições da agricultura familiar no Sertão Paraibano. Na primeira parte deste artigo, analisamos dados censitários, os quais possibilitaram inferir que, desde a década de 1960, na região do Sertão Paraibano, só duas microrregiões apresentaram percentuais significativos de concentração da terra e, por conseguinte, da presença da grande propriedade, são elas: as microrregiões de Catolé do Rocha e de Patos. Portanto, a ideia-unidade de que a presença da grande propriedade ou do latifúndio no Sertão teria sido um empecilho para o desenvolvimento das pequenas propriedades, ou ainda que as propriedades de base familiar teriam surgido nas franjas do latifúndio, em terras absenteístas, em um contexto de ameaças e insegurança jurídica, necessita ser localizada espacialmente. Linda Lewin (1993), em sua tese sobre a relação entre política e parentela na Paraíba, assinala:

A primeira tentativa de realizar um levantamento compreensivo sobre a terra na Paraíba, o censo nacional de 1920, atingiu apenas cerca da metade das propriedades então existentes no estado. Mas, pelo menos para essas propriedades, o censo revelou padrões de organização agrária que afetavam diretamente a organização política do domínio de base familiar. Dois terços das propriedades rurais da Paraíba eram de tamanho médio a pequeno, menos de 101 hectares (p. 62).

Em virtude das dificuldades de acesso aos registros de terras e, até mesmo, da impossibilidade de ter acesso a escrituras cartoriais, contratos de compra e venda etc., ou ainda das imprecisões no processo de coleta de dados, a exemplo do Censo Agrícola de 1920, cuja metodologia pode ser questionada,[7] o fato é que os dados apresentados neste censo, associados aos registros literários, pressupõem que as vastas fazendas de gado estavam situadas em localidades específicas do semiárido, portanto essa também não constitui uma face homogênea, mas se perpetuou com a força de uma ideia-unidade.

Além da tese da grande propriedade e do latifúndio como explicação causal para as desigualdades sociais no Sertão nordestino, outras ideias-unidades adquiriram potencial para explicar a origem e a dinâmica interna da pequena propriedade e, posteriormente, da agricultura familiar. Tomando como exemplo o contexto agrário da Paraíba, consequentemente, do Sertão Paraibano, particularmente na zona de abrangência do semiárido, a análise dos dados censitários em série histórica revela que a agricultura familiar é o segmento preponderante no contexto agrário do estado da Paraíba.

Ainda utilizando como estudo de caso a Paraíba (Tabela 3), segundo dados do IBGE (2009), dos 160.052 estabelecimentos existentes, 92,01% se enquadram na categoria agricultura familiar, ocupando 54,97% da área total dos estabelecimentos agropecuários. Em se tratando do Sertão Paraibano, podemos informar que o número de estabelecimentos na agricultura familiar é elevado, chegando a representar 90,33%, o que corresponde a uma área de 60,11%. Isso significa que a agricultura familiar é um setor predominante no Sertão Paraibano.

 

Tabela 3 Número e área dos estabelecimentos por agricultura familiar e não familiar

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Fonte: Elaborado com base nos dados do Censo Agropecuário 2006.

 

Os dados relativos à agricultura familiar e patronal nas microrregiões que compõem o Sertão Paraibano demonstram que cinco microrregiões (Serra do Teixeira, Cajazeiras, Itaporanga, Piancó e Sousa), das sete que compõem o Sertão Paraibano, estão marcadas pela presença majoritária da agricultura familiar, enquanto as outras duas microrregiões (Patos e Catolé do Rocha) apresentam o predomínio da agricultura não familiar, embora essa última configuração venha apresentando alterações nas últimas décadas.

A microrregião da Serra do Teixeira, como mostra o Censo Agrícola de 1960, já apresentava uma estrutura fundiária desconcentrada, com tendência para a agricultura de base familiar. Por apresentar uma topografia bastante acidentada, entrecortada por serras, essa microrregião experimentou uma forma de ocupação e povoamento diferenciada de outras microrregiões do Sertão, e também uma organização da produção mais diversificada, que acompanhou os ciclos econômicos – algodão, sisal, milho, feijão e mandioca –, os quais conviveram com a presença da pecuária, embora em menor escala. É sabido que a pecuária, especialmente a bovinocultura, foi, em geral, uma atividade lucrativa para os grandes proprietários do Sertão nordestino, contudo é mister assinalar que, em áreas como a Microrregião da Serra do Teixeira, essa mesma atividade viabilizou a permanência das famílias agricultoras, assegurando a terra e a reprodução do grupo. Conforme indica em entrevista o técnico da Emater – PB do município de Tavares, quando foi questionado sobre o perfil dos estabelecimentos do município (vocação produtiva, tamanho das áreas, mão de obra etc.):

(...) 80% das propriedades é de até 10 hectares. Recentemente a atividade que vem dando certo para as famílias é..., são as criações de animais, em particular bovinocultura. Nós tínhamos no passado uma produção que era bem representativa que era o feijão de arranca, o chamado feijão carioca e na época também feijão mulatinho. Nesse período nós tivemos ainda 8 mil hectares plantados de feijão. Na época nos recebíamos várias carretas que vinham comprar no comércio local, vários armazéns existentes. Com o passar dos tempos, com essas mudanças climáticas, vem acontecendo os problemas das secas né, certo! E com isso foi desestimulando o plantio né. Veio o período de corte de cana que foi gerando novos empregos, as pessoas com dificuldades de gerar rendas no município passaram a frequentar o Sul do país, São Paulo, especialmente em busca do corte de cana, eles trabalhavam lá um período de 10 meses e retornavam para Tavares, enquanto isso, fica a criação de bovinos com incremento de pastagens. Recentemente uma preocupação dos agricultores é exatamente o uso de tecnologia como a silagem. (E. M. de O. Técnico extensionista da Emater/PB. Tavares, março de 2016)

Esse modelo econômico mais difuso suportou várias camadas sociais, além do vaqueiro-fazendeiro, grande proprietário-morador, mas também possibilitou a ascensão social de outros atores, como cultivadores livres, mascates, almocreves e comerciantes. Aos poucos estes foram se integrando e reformulando a estrutura social, de maneira que o pequeno proprietário, produtor de culturas alimentares, às vezes possuidor de algumas poucas cabeças de gado, e também inserido nos ciclos produtivos, ou até mesmo incorporado a atividades precárias e penosas como a migração para o corte de cana,[8] fez parte, ainda que em condições subalternas, da paisagem e da configuração social do Sertão.

O sistema de moradia vigorou na maior parte do semiárido nordestino, justificando a imagem de um modo de organização da população rural, legalmente livre, porém subjugada pelo trabalho. Contudo, em certas regiões, esse sistema não perdurou após a crise da economia exportadora do algodão, principalmente na Microrregião da Serra do Teixeira, seja porque essa estratégia produtiva sempre esteve articulada ao criatório de animais, seja porque, nessa microrregião, mesmo nos tempos áureos do algodão, predominou um tipo de relação de trabalho baseada na meação/parceria; ou ainda porque entre as serras sempre existiram terras agricultáveis apropriadas por cultivadores livres e negros fugitivos, possibilitando o surgimento de agrupamentos diversos, sítios, quilombos, vilarejos, a exemplo do que foi narrado pela presidente da Associação da Comunidade Quilombola Domingos Ferreira no momento da entrevista, quando perguntamos sobre o que ela sabia sobre a origem do Quilombo e do seu fundador – o velho Domingos Ferreira:

Havia um pessoal aqui muito rico, Seu Florentino, suas terras tinham mais de 500 hectares, mas hoje já está tudo desmembrado e os negros de Domingos Ferreira, eles trabalhavam para esse fazendeiro, então iam de manhazinha, aravam a terra, limpavam o mato e trabalhavam para esse pessoal e alguns obtinham um animal de um jeito que ficou na tradição né, o processo de parceria, que aqui é de 4 por uma, ou seja, vamos supor, de cada 4 sacos de feijão, 1 saco é do dono e 3 do agricultor. Hoje esse pessoal cria galinhas, tem cultivo de planta medicinal, duas cisternas, através do programa uma terra e duas águas... (P. V. da S. Presidente da Associação da Comunidade Quilombola de Domingos Ferreira. Tavares, março de 2016)

O caso das terras ocupadas pela Comunidade Quilombola Domingos Ferreira é exemplar pelo fato de que a agricultura familiar, que se assenta sob a estrutura da pequena propriedade, não teve sua origem unicamente na tese da “Brecha Camponesa”,[9]  ou no apossamento de terras devolutas.

A tradição oral conta que o Senhor Domingos chegou ao sítio Campinas, onde hoje é o município de Tavares (PB), por volta do século XVIII, demarcou os limites territoriais do sítio e se fez senhor proprietário das terras que este circunda. Como possuía a habilidade de ferreiro, acabou recebendo a profissão como sobrenome e dando origem ao povoado. Posteriormente, outros ex-escravos, fugitivos, também foram para o sítio – a exemplo de José Vieira e Marco Vieira, ambos com famílias numerosas –, se instalaram e construíram residências. Com o passar do tempo, o sítio foi sendo chamado de Domingos Ferreira, em homenagem ao seu primeiro habitante e dono das terras.

Os dados censitários, posteriores à década de 1960, constatam que houve diminuição no percentual da grande e da média propriedade, e aumento substantivo da pequena propriedade, reforçando a hipótese de que esse processo influenciou a emergência da agricultura familiar e a consolidação desta, a exemplo do número de assentamentos, sejam do Incra, ou via crédito fundiário (Banco da Terra, PNCF etc.). É bem verdade que em termos qualitativos, e nas últimas décadas, a consolidação dessa agricultura familiar foi influenciada pelo pacote de políticas e programas de intervenção estatal, a exemplo da aposentadoria rural, da criação dos territórios rurais e da cidadania, dos mercados institucionais, entre outros.

Além dos grupos de agricultores familiares que tiveram seu reconhecimento tardio, outros grupos tradicionais, como o dos descendentes de quilombo, cujos direitos conferem cidadania, só foram assegurados nas últimas duas décadas. No caso da Microrregião da Serra do Teixeira, em visita ao Projeto de Assentamento Cachoeira de Matureia, no município de Matureia, quando foi perguntado à entrevistada, uma assentada que também é presidente da associação e produtora de orgânicos, sobre o processo que assegurou o acesso a terra, ela respondeu:

(...) a terra aqui tinha mais de 400 hectares, agora o assentamento já tem 10 anos, antes pertencia a um Senhor de Patos, que é dono da FIP (uma faculdade privada). Com ele, nós trabalhava assim, de meia, mais tinha gente que era de terça. Nós plantava cenoura, cebola, beterraba, batata, milho, feijão. Aí nós vendia, tirava a despesa e tirava a parte que tocava a ele. Ai quando ele morreu foi ruim, o filho era mais sabidinho, decidiu de vender, mas aí o Incra não deixou, porque disse que tinha gente que morava aqui a mais de 30 anos. Aí o Incra entrou de dentro e disse que cada família que morava ia ter sua parte, tocou 19 hectares, mas tem que deixar a área de reserva. Eram 20 famílias, indenizou o dono que também não tinha mais interesse. Ai a gente fundou a associação, porque hoje em dia tudo funciona a base da associação, né... (S. M. Presidente da Associação do PA, Cachoeira de Matureia. Matureia, março de 2017)

A narrativa aponta para a evidência de mudanças na vida de agricultores familiares que tiveram início com o acesso a terra, e que continuaram com o progressivo exercício de legitimação do papel da agricultura familiar na sociedade, através do protagonismo dos próprios agricultores à frente das associações, cooperativas, sindicatos, partidos políticos etc. O jovem município de Matureia, como outros do semiárido nordestino (Mirandiba – PE, Mauriti – CE), vivenciou uma espécie de laboratório no tocante à valorização da agricultura familiar. O fato é que, segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Matureia, estima-se que, até meados da década de 1980, entre médias e grandes propriedades, nas áreas que compreendem os municípios de Matureia e Teixeira, havia cerca de oito grandes propriedades. O cenário atual dessa área é marcado tanto pela presença de assentamentos rurais, confirmando a tendência já revelada nos dados do Incra (2019), quanto pelo fortalecimento de uma agricultura familiar diversificada e que se modernizou, no tocante às estratégias produtivas.

Aqui havia uma propriedade chamada Cachoeira de Matureia com 523 hectares, foi desapropriada em 1984. Riacho das Moças que era de João Leuson, dono da faculdade em Patos, lá eram 282 hectares, isso pelo o Incra. Aí tem Pedra Lavrada, que eu não sei de quem era não, sei que era a maior de todas as que foram desapropriadas (...) (E. M. de S. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Matureia, abril de 2015)

É sabido que a grande maioria dos assentamentos instituídos pelo Incra no Sertão da Paraíba foi criada na segunda metade dos anos 1990, todavia, constata-se que essa política de assentamentos teve início na década de 1980. Na Mesorregião do Sertão Paraibano existem 58 projetos de assentamento (PAs), a partir dos quais se constata que o impacto da criação de assentamentos nessa região não foi homogêneo. Não obstante, é importante destacar que, na Microrregião da Serra do Teixeira, onde predomina a agricultura familiar, em 84,76% da área, o impacto da criação de assentamentos sobre a área total dos estabelecimentos agropecuários é mais um elemento na chave de explicação que aponta as políticas fundiárias como uma das ideias-unidade que descrevem o Sertão semiárido como um lugar de agricultura familiar com expressividade.

Desse modo, tanto a agricultura familiar como os agricultores e produtores que são, hoje, assim identificados, sempre existiram, portanto, não é uma novidade. Wanderley (2009) já havia deixado claro que esta não é uma categoria social recente, ou seja, não se trata de um personagem novo na história econômica e social. Para a autora, a agricultura familiar manifesta um conceito genérico, que incorpora uma diversidade de situações específicas e particulares, mas que possui a característica definidora de envolver famílias que são, ao mesmo tempo, donas dos meios de produção, mas assumem o trabalho familiar nos seus estabelecimentos, representando uma estrutura que associa família/trabalho/produção, por vezes apoiada em técnicas modernas, outras mais tradicionais, e quase sempre em um esforço de combinação do moderno – controle sanitário dos animais, ordenha mecânica, melhoramento de raças, agricultura orgânica, hidroponia etc. – com o tradicional – carro de boi, casas de farinha com forno à lenha e criação de animais/miunça, de modo extensivo, nos terreiros das unidades habitacionais.

A partir dos estudos realizados no Sertão Paraibano, o que se pode contar dessa agricultura familiar é que ela não é, e nunca foi, um sistema reduzido unicamente à subsistência. Assim, podemos afirmar: a) que sua produção combina tanto lavouras permanentes/nativas (castanha de caju, manga, cajá, pinha) como temporárias (mandioca, milho, feijão, batata-doce, cana-de-açúcar, pastagens e hortaliças); b) que essa agricultura, mais do que nunca, está integrada ao mercado institucional e não institucional; c) que a maior parte dos agricultores com DAP, em algum momento, já acessou crédito e recebeu orientações técnicas. Enfim, pode-se afirmar que essa é uma agricultura familiar refratária dos processos históricos vivenciados, herdeira das formas de ocupação e colonização, e é resultado das políticas agrícolas e agrárias, que, sem desvalorizar as estruturas e as instituições existentes, se reinventa no curso da história.

 

Considerações finais

  Nossa pretensão com este artigo, a partir de uma pesquisa empírica, foi problematizar dados secundários e relatos orais para analisar as conexões entre a dinâmica da estrutura fundiária e a emergência da agricultura familiar no Sertão Paraibano. Despidas do interesse de produzir relações causais, constatamos que a tendência à fragmentação das propriedades rurais dessa região, que estamos chamando de Sertões da Borborema, vem de longa data. Lançamos algumas hipóteses para esclarecer a composição da estrutura fundiária e a permanência, resistência e consolidação da pequena propriedade, posteriormente reconhecida como agricultura familiar, como estratégia para tecer um fio condutor para o aprofundamento dos achados de pesquisas.

Reconhecemos, à guisa de conclusão, que, na primeira metade do século XX, na região pesquisada, as ideias-unidade que imputam ao latifúndio, à concentração da terra, ao sistema de moradia e às secas as causas da pobreza rural e das desigualdades, entre o Sertão interiorano e outras regiões centrais do semiárido nordestino, não devem ser generalizadas, conformando uma imagem sem possibilidades de contestação quando se trata de descrever e analisar o Sertão. A pequena propriedade, tida como unidade camponesa e, atualmente, como agricultura familiar, resistiu e se fez como grupo social, antes mesmo do seu reconhecimento político pelo Estado, por estudiosos e formuladores de políticas. Os sentidos, tanto materiais (diversidade produtiva) quanto simbólicos (reprodução social), conferem uma surpreendente legitimidade à agricultura familiar sertaneja.

A partir do observado, reafirmamos a importância da continuidade das pesquisas no Nordeste semiárido, em particular no Sertão, uma vez que os dados censitários demonstraram que a agricultura familiar tem uma presença forte no contexto agrário do Sertão Paraibano, chegando a ocupar em média 50% da área total, tendência observada no semiárido nordestino de maneira mais geral. As diferentes narrativas complementaram ricamente o desafio da pesquisa, desvelando as mudanças experimentadas nas últimas décadas, sejam estas tributárias do posicionamento político da sociedade civil (movimentos sociais), do Estado brasileiro, manifestadas em ações como o reconhecimento das terras de quilombos e de outros povos tradicionais, das políticas de acesso a terra, das políticas de crédito (custeio e investimento) e de comercialização (PAA e Pnae), e não menos importante, embora não analisadas neste artigo, das chamadas políticas sociais de combate à pobreza. Encerramos essa reflexão com a certeza de que investir em pesquisas sobre o Sertão é dar visibilidade a distintas e variadas construções sociais sobre o semiárido nordestino.

 

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Como citar

MAIA, Kaliane de Freitas; GOMES, Ramonildes Alves. Mudanças na estrutura fundiária do Sertão Paraibano e suas implicações para a consolidação da agricultura familiar. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 259-283, jun. 2020.



 

 


Kaliane de Freitas Maia

Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Pós-doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

http://orcid.org/0000-0003-2098-5022

http://lattes.cnpq.br/8183401555462707

E-mail: kalianemaia@yahoo.com.br

Ramonildes Alves Gomes

Doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora e Pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

https://orcid.org/0000-0001-5009-9625

http://lattes.cnpq.br/7709505914296073

E-mail: rnildes@hotmail.com

 

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[1] Pós-doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail: kalianemaia@yahoo.com.br.

[2] Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professora e pesquisadora no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). E-mail: rnildes@hotmail.com.

[3] A Serra do Teixeira corresponde fisicamente a um relevo geográfico no Planalto da Borborema. Neste artigo, adotaremos a denominação “Serra do Teixeira” para indicar o território, delimitado pela abrangência dos seguintes municípios: Manaíra, Princesa Isabel, São José de Princesa, Tavares, Juru, Água Branca, Imaculada, Matureia, Teixeira, Cacimbas e Desterro, os quais de acordo com a divisão geográfica regional do Brasil, vigente de 1989 a 2017, integram a Microrregião da Serra do Teixeira. Essa mesma região já foi denominada anteriormente Zona do Sertão Alto. Vale ressaltar, que essa região é também reconhecida como lugar de pertencimento pela população residente nos municípios da Serra.

[4] Neste artigo, estamos usando a expressão “Sertões da Borborema” em referência às áreas montanhosas localizadas na divisa entre os estados de Pernambuco e Paraíba. Nessa região, estão os pontos mais elevados destes estados: o Pico do Papagaio, em Triunfo (PE), com 1260 m, e o Pico do Jabre, em Matureia (PB), com 1.197 m. Nunes (2016), em sua tese de doutorado, utilizou como foco empírico do seu trabalho os “Sertões da Borborema”, localidades que compreendem as microrregiões do Pajeú (PE), Cariri Ocidental (PB), Serra do Teixeira (PB) e Sertão do Moxotó (PE) – áreas situadas nas divisas entre os estados de Pernambuco e Paraíba, encravadas no Planalto da Borborema, escolhidas devido às proximidades e similaridades não só geográfica, edafo-climáticas e fundiárias, mas, principalmente, pelas ramificações genealógicas e políticas que ultrapassam esses limites administrativos.

[5] A opção por trabalhar com os grupos de área total deve-se à classificação dos estabelecimentos inseridos no mesmo extrato (pequenas, médias e grandes propriedades), mensurado a partir do módulo fiscal.

[6] O primeiro recenseamento da agricultura no Brasil foi realizado em 1920, sendo denominado Censo Agrícola. Depois, foram realizados censos em 1940, 1950 e 1960, também denominados Censos Agrícolas. Os cadastros posteriores passaram a se chamar Censos Agropecuários e foram realizados em 1970, 1975, 1980, 1985, 1995/1996 e 2006. A cada coleta de novos procedimentos iam sendo incorporados para, assim, abranger todas as atividades agropecuárias desenvolvidas no país.

 

[7] O recenseamento geral de 1920 registrou, pela primeira vez, os proprietários rurais, as atividades e a produção agropecuária brasileira. Todavia, nem todos os estabelecimentos foram recenseados, já que os funcionários capacitados para a realização dos cadastros utilizaram apenas os assentamentos oficiais do imposto territorial ou do registro geral de terras, e também deixaram de fora as propriedades rurais cuja produção anual era inferior a 500$000 (quinhentos mil réis) (IBGE).

[8] Marcelo Saturnino da Silva (2011) enfatizou, em sua tese de doutorado, os trabalhadores-migrantes oriundos da região de Princesa Isabel, na Paraíba, e do Vale do Pajeú, em Pernambuco, que migram para o corte da cana.

[9] A tese da “Brecha Camponesa”, do historiador Ciro Flamarion S. Cardoso (1979), refere-se aos elementos internos da ordem escravista, quando destaca que a brecha para o escravo implicava um espaço, situado sem dúvida dentro do sistema, mas abrindo possibilidades inéditas para atividades autônomas dos cativos, incluindo o acesso a terras.