Estudos Sociedade e Agricultura,
v. 28, n. 1, p. 109-135, fevereiro a maio de 2020.

Artigo recebido em 22/11/2019.  Aceito em 06/01/2020. Publicado em 01/02/2020.

 

 

 

Valdênio Freitas Meneses[1] orcid.png

 

 

‘Admirável Bode Novo’: regionalismo e ruralismo em defesa da caprinocultura no semiárido nordestino

______________________________________________

 

DOI: 10.36920/esa-v28n1-5

 

 

 

 

Introdução

Lançado em 2005, por uma editora do Senac,[2] o livro Culinária caprina: do alto sertão à alta gastronomia traz mais de cinquenta receitas com ingredientes à base de carne e leite. A proposta do livro é mostrar quais são os

sabores tradicionais e contemporâneos (...) que mostram que o bode e a cabra são representantes notórios da identidade cultural nordestina – a par do caju, da dança de forró – todas elas expressas na arte popular, em xilogravuras, artesanato e em literatura de cordel. (SENAC, 2005, p. 3)

   Com rico material fotográfico e de xilogravuras – com uma versão traduzida para o inglês –, a coletânea é produto de uma rede de patrocinadores e parceiros: além de universidades e agências nacionais do Senac e Sebrae, há centros de pesquisa sobre caprinos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Sobral – CE, e da Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba, em Pendência – PB. Também participaram do livro, ateliês de costura e arte popular nordestina (como a Feira de Artesanato Alto do Moura, em Caruaru – PE), chefs renomados e restaurantes de comida regional (como o Mangai, de João Pessoa, e o Entre Amigos do Bode, de Recife). A lista de apoiadores ainda conta com nomes destacados na hotelaria e no turismo rural no semiárido – o Hotel Fazenda Pai Mateus, em Cabaceira – PB e a Fazenda Bom Jardim da Serra Verde, em São Tomé – RN.    

Seguindo nas páginas do livro, o leitor encontrará um prefácio escrito por Ariano Suassuna chamado “A cabra e eu”, em que ele explica o projeto de criação de cabras na fazenda da sua família (a Carnaúba em Taperoá – PB), e também relata sobre sua amizade com o escritor Raduan Nassar, através do gosto que os dois escritores compartilham pela criação de caprinos. Em seguida, o leitor chega aos ensaios “Epopeia das cabras valentes da terra Brasil” e “Bodes, cabras e cabritos: comida de um povo valente”, escritos por uma equipe de pesquisadores do Senac. Trazem um levantamento de dados quantitativos, com um histórico que posiciona as cabras desde a antiga Grécia até os portugueses colonizadores, chegando, enfim, à cabra do Nordeste brasileiro, um símbolo “da conquista e adaptação aos sertões nordestinos pela sua seleção natural” (SENAC, 2005, p. 13). Esse “resgate” de uma cultura caprina e nordestina é construída também com citações de trechos de obras de intelectuais nordestinos, consagrados durante o século XX, como Gilberto Freyre, Josué de Castro e Câmara Cascudo.

Outra proposta desses ensaios é registrar as lendas e expressões populares como a palavra “cabra-macho”, as aparições do “bode preto” associado ao diabo e memórias populares como o do Bode Ioiô, personalidade famosa na cidade de Fortaleza, nos anos 1920. Há também uma seção dedicada às feiras e aos festivais gastronômicos e turísticos, como o “Bode Rei”, em Cabaceiras – PB, “Festa do Bode”, em Tejuçuoca –CE, e o “Festival Nacional do Bode”, em Sertânia – PE. Esses eventos, todos criados durante a década de 2000, revelam, segundo o livro, um pouco do universo econômico e cultural do sertão através dos bodes, cabras e cabritos que desenham uma história de encantamento e sedução na vida e mesa de milhares de brasileiros (SENAC, 2005, p. 28). Um símbolo de sertão e de Nordeste, assim se diz que a “cultura bodística” da carne, do leite e do couro gera não apenas emprego, mas principalmente o resgate da cultura popular nordestina (SENAC, 2005, p. 45).

Como visto nessa breve introdução, desde a última década há um forte viés regionalista que coloca o caprino como símbolo de uma autenticidade “sertaneja”. Naturalizada e feita verdade cultural, essa classificação do caprino soa estranha quando se registra como essa pecuária, há poucas décadas, era bastante desvalorizada. Isso foi expresso, por exemplo, em incipientes pesquisas de zootecnia na região Nordeste, feitas na década 1950-60. Levantamento de agrônomos e zootecnistas em institutos de pesquisa do Ceará – de Octavio Domingues (1955) a Aristóbulo de Castro (1984) –  colocam que até a segunda metade do século XX houve apenas experiências esparsas e fracassadas de introdução de raças exógenas/ou melhoramento de caprinos nativos – como o caso das peles de Delmiro Gouvêia, em Alagoas. A impressão era de que os grandes fazendeiros não se dedicavam à criação desta espécie [caprinos], ficando a cargo de pequenos e médios proprietários (DOMINGUES, 1955, p. 20) ou de “mulheres analfabetas ou pessoas sem instrução” (DOMINGUES, 1955, p. 55). A pecuária caprina, associada aos setores desfavorecidos e subalternos, aos pobres e às mulheres do campo, era vista como algo de pouco status e de difícil viabilidade técnica e econômica. É o que também atesta um dos primeiros estudos técnicos feitos pelo BNB (1959, p. 69) – com dados sobre seca, economia, produção nos estados do Nordeste etc. –, que apontavam os caprinos como atividade de pouca viabilidade de mercado fora do abastecimento interno. Até a década de 1990, pesquisas sociológicas e econômicas no Cariri paraibano colocavam a criação de caprinos como atividade de extrema fragilidade e risco para a agricultura familiar em condições de secas, como menciona Cohen (1997, p. 412). Tendo em vista essa breve reconstrução histórica, como explicar que a “miunça ou vaca dos pobres” (BRADESCO-GOUDEMAND, 1982, p. 60) tenha se tornado símbolo de um “nordestino forte, pronto pra viver a vida agreste, onde resistir é preciso e ser cabra também é preciso?” (SENAC, 2005, p. 40).

Os bodes – além de proporcionarem boa carne para comer – são adequados para se pensar algumas dimensões políticas recentes do regionalismo nordestino e suas formas de dominação associadas às categorias rural/urbano. E é isso que este artigo propõe: um estudo sociológico sobre quais esquemas de percepção estariam embutidos nesse atual consenso em defesa dos caprinos no semiárido nordestino. Até que ponto essa mudança valorativa dos caprinos tem afinidades com visões de mundo de frações da elite pecuarista do interior do Nordeste? Para debate essa questão, o artigo tenciona teórica e analiticamente a perspectiva do conceito de campo, como microcosmos de relações sociais (BOURDIEU, 1989; 2009), com seus mecanismos de dominação, geometrias e disputas que atravessam a dimensão relacional da vida social (LEBARON; LE ROUX, 2013, p. 107). Além disso, dialoga com autores que – apesar de perspectivas e áreas teóricas díspares – deram ênfase a temas de interesse aqui: das condições de produção do regionalismo nordestino e folclore “popular” (ALBUQUERQUE JR., 2011; 2013) a conteúdos como construção da nação/sertão (LIMA, 2008), até os debates sobre ruralismo (MENDONÇA, 2013), as ambivalências nas defesas da grande propriedade da terra do agronegócio (BRUNO, 2009).

O artigo esta estruturado em duas partes, com base na análise de um conjunto de fontes. Na primeira, trato da transformação dos caprinos em símbolo regional, demarcando quando essa pecuária, como “miunça e criação” – nome que remete a uma economia moral dos pobres –, passa a ser chamada de caprinocultura ou caprinovinocultura, alvo de investimentos técnicos. É registrada essa mudança em manuais de zootecnia especializados em caprinos no Nordeste, publicados entre as décadas de 1950-1970: publicações na área de zootecnia de Aristóbulo de Castro (1984) e Otavio Domingues (1955), na Seção de Fomento Agrícola do Ceará, José Macedo (1952) e Alípio Goulart (1966), na série Documentária da Vida Rural, do Serviço de Informação Agrícola (SIA) ligado ao Ministério da Agricultura. Também analiso os primeiros projetos do BNB (1959) e da Fundação Joaquim Nabuco, como o livro Bode do Nordeste, organizado pelo jornalista Mauro Mota (1969). Mais que uma mera mudança de nomenclatura, a difusão do termo caprinocultura indica uma imposição de esquemas de percepção produzidos em uma elite – seja pela via zootecnia, ou na “linguagem regionalista” – que evoca uma “cultura popular”, mas que desqualifica valores de uma certa economia moral em torno dos caprinos, ou seja, a lógica da “miunça e criação” de quintais, chapadões e em torno dos roçados, algo que foi registrado em pesquisas já clássicas de sociólogos e antropólogos – como Woortmann (1990), Garcia Jr. (1989) e Godoi (2009) – em diferentes áreas de pequena propriedade e de comunidades pobres do meio rural do Nordeste.

Na segunda parte, analiso como a caracterização dos valores regionalistas se conecta à construção de um campo da convivência com as secas que envolveu setores das elites pecuaristas a partir do final da década de 1970. Aqui tomo como fontes editoriais, artigos de opinião e matérias publicadas (entre 1980-2013) nas revistas Agropecuária Tropical  e O Berro, porta-vozes de sociedades de grandes pecuaristas do Nordeste e ligadas à Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ). Na construção de uma bandeira da convivência com as secas nesses setores, foram sendo também produzidas disputas em torno de um modelo, não apenas no sentido empresarial, mas que sustentasse uma legitimidade para a pecuária de caprinos. A partir de matérias, editoriais e artigos das revistas foram expressos embates sobre desertificação no semiárido entre pecuaristas defensores dos bovinos versus caprinos e, entre estes últimos, conflitos que ocorreram na década de 1990 em torno dos melhoramentos das raças caprinas nativas ou na inserção de raças exógenas – como a Boer, de origem sul-africana.

Nas considerações finais, posiciono que, além de uma disputa regionalista – que em ultima instância remete à própria constituição histórica e política do Nordeste no imaginário nacional (ALBUQUERQUE JR., 2011) –, as elites pecuaristas, ao defender o caprino, também reafirmam certas afinidades eletivas com visões políticas do agronegócio brasileiro. Há uma sintonia com os valores ruralistas que defendem a caprinocultura junto à retórica em defesa de um passado ligado a uma ordem social rural e que, por isso, remete a mecanismos simbólicos de exaltação da grande propriedade, valores esses que orientam condutas em vários setores do agronegócio brasileiro.

Este artigo defende, portanto, que é a partir de dois movimentos que foi gestada uma legitimidade para o atual status valorizado da caprinocultura no semiárido. De um lado, desqualificando a percepção e as lógicas de reciprocidade dos caprinos para os pobres e, do outro, aproximando a percepção e classificação da caprinocultura com a imagem da “vocação rural” brasileira e defesa da grande propriedade dos setores do agronegócio.

 

Da desqualificação da ‘miunça’ à imposição da caprinocultura

A ‘criação e a miunça’: uma economia moral dos pobres

O argumento da antiguidade secular para fazer exaltação ao bode como patrimônio “sertanejo nordestino” fica duvidoso quando se percebe o status que tinha a pecuária caprina no Nordeste até a década de 1970 do século passado. Trabalhos de zootecnia, como o de Octavio Domingues[3] (1955) e Aristóbulo de Castro (1984), além de matérias da revista O Berro, permitem afirmar que, ao menos até a segunda metade do século XX, houve apenas experiências esparsas de introdução de raças exógenas/ou melhoramento de caprinos nativos em grandes fazendas da região atualmente demarcada como semiárido nordestino. Foram registrados alguns fracassos, como o caso da introdução, entre 1928-1930, de anglo-nubianos, pelo coronel João Borges de Sá, na região de Uauá, no interior da Bahia (O BERRO, 2. ed., 1983,  p. 73) e da falência na criação de cabras e bodes para exportação de peles realizada pelo famoso coronel “empreendedor” alagoano Delmiro Gouvêia, nos anos 1930. A pouca importância dos caprinos na estratégia econômica dos grandes proprietários pecuaristas do “Polígono das Secas” pode ser vista a partir de comentário do zootecnista Octávio Domingues, em livro de 1955, escrito para a Seção de Fomento Agrícola (SFA) do Ceará:

O fazendeiro não se dedica absolutamente à criação desta espécie [caprinos]. E se o faz é sem nenhuma preocupação especial. Muitas vezes o lucro que aufere é de uma “meação” com os vaqueiros ou outras vezes dá-lhe uma cria, em cada 4 ou 5 que nascem. É pois uma tarefa secundária nas grandes e médias fazendas que interessa mais ao pequeno proprietário rural ou ao foreiro ou morador. (DOMINGUES, 1955, p. 20)

Na leitura do trabalho de Domingues (1955) também é possível perceber uma proximidade com a visão de mundo então vigente dos grandes proprietários de terra[4] – à época fazendas de pecuária organizadas em relação de trabalho de moradia com a produção exportadora algodoeira – e seus julgamentos que desqualificavam as estratégias de criação de caprinos entre os moradores e agregados das fazendas:

Os roçados abandonados ou as lavouras de algodão já colhidos são utilizados temporalmente como pasto para os caprinos (...), seus donos, na quase totalidade das vezes são mulheres analfabetas ou pessoas sem instrução, de modo que se recusarão a toda e qualquer indagação a respeito de seus animais. (DOMINGUES, 1955, p. 58-59)

A mesma visão de desprezo vinda dos criadores de bovinos, “fazendeiros evoluídos” do interior do Nordeste, em relação às cabras e aos seus criadores é relatada no trabalho de outro zootecnista, Aristóbulo de Castro (1984), que também participou do trabalho de pesquisa entre 1950-1960, nos quadros da SFA do Ceará:

Sempre que converso com os fazendeiros evoluídos (uso o termo fazendeiro para significar criadores de gado bovino, especialmente de vacas leiteiras), observo que esses criadores procuram fugir, delicadamente, do assunto, de vez que já tem seu ponto de vista firmado. Esses criadores estão de tal modo pessimistas em relação à cabra leiteira que não concebem, sequer, pensar nesse problema econômico palpitante para o Nordeste, que é a criação de cabras. (CASTRO, 1984, p. 82)

Esse desnível de status do caprino em relação ao bovino[5] tratado pelos zootecnistas tem relativa proximidade com as relações de dominação entre fazendeiros/moradores, analisadas em trabalhos clássicos na sociologia e antropologia sobre formas de organização familiares do trabalho e terra no meio rural do Nordeste, entre as décadas de 1970-1990. As hierarquias de classe, o status “pecuário” e os julgamentos que aí operam indicam alguns valores do universo dos dominados de uma ordem rural, um mundo em que os caprinos, chamados “miunça ou criação”, são bens não somente econômicos, mas sociais e morais, que circulam nos laços de reciprocidade e compromissos entre sitiantes, camponeses, posseiros, agricultores familiares etc. Com base em pesquisa no interior de Sergipe, os trabalhos de Klaas Woortmann (1978), sobre hábitos alimentares, e de Ellen Woortmann (1981), sobre a ordem moral campesina, mostram como as classificações de comportamento social, comida, gênero e estratégia econômica fazem os caprinos ser “reimosos” – com comportamento perigoso ou às vezes impróprio para alimentação –, mas que também são criados como “ajuda” pelas mulheres aos homens que criam os bois (WOORTMANN, 1978, p. 93). Também as pesquisas de Afrânio Garcia Jr. (1989), na região do Brejo paraibano, na década de 1970-1980, colocaram em debate a “criação” e seus sentidos sociais específicos no cálculo das estratégias e divisão familiar do trabalho entre agricultores. Termos como “negócio/ajuda” dão sentido social à estratégia de criar cabras segundo a visão de mundo e trabalho do “pai e da mãe de família” que organiza a vida social entre pequenos proprietários, rendeiros e meeiros:

A criação de animais é uma atividade que também se apresenta segmentada em esferas masculinas e esferas femininas, A criação das cabeças de gado, tanto vacas como garrotes é uma atividade masculina, enquanto que a de outros animais, designados como miunças, cabra ovelha, porco, peru, galinha, pato e outras aves, pertence à esfera feminina. Quem se ocupa da alimentação e do trato das miunças são as mulheres e crianças pequenas. É interessante observar que o cálculo do produto necessário ao consumo da casa inclui as miunças, como são designados os animais de pequeno porte, e é frequente a referência ao gasto da casa com milho, por exemplo, referindo-se também ao consumo destes animais. A criação de miunças dota a unidade doméstica de instrumentos de reserva e acumulação o na esfera propriamente feminina. (...) Neste sentido, utiliza-se a categoria precisão, em que a criação permite fazer face diretamente a qualquer necessidade eventual do grupo doméstico. (GARCIA JR., 1989, p. 135)

Categorias sociais dos pobres sobre os caprinos também foram analisadas em pesquisas feitas no interior do Piauí, na década de 1990. O trabalho de Maria Dione de Carvalho de Moraes (2009), realizado em comunidade próxima a Uruçuí – PI, argumenta que a “miunça” se insere nas estratégias entre “baixões” e “chapadas” – classificações territoriais e de valor social entre camponeses do cerrado. Na economia camponesa tradicional, “chapadas” são áreas de caça, coleta de frutos, mel e plantas terapêuticas e criação do gado e da “miunça” “na solta”. Já o “baixão” ou interior corresponde às terras baixas, com solos tidos como mais ricos e úmidos que os da “chapada”, em virtude da presença de rios, riachos, lagoas e brejos (MORAES, 2009, p. 138). A autora destaca ainda que a expansão da agricultura mecanizada para exportação no cerrado piauiense tem mudado essas categorias em razão da diminuição da estratégia social contida nas “miunça”: a expansão de terras para o agronegócio gera a obrigação de fazer cercamentos para os animais e, nisso, quebra sua integração a uma agricultura de aprovisionamentos – feijão, milho, arroz e frutas nativas (MORAES, 2009, p. 149). Também no Piauí, em povoados da área rural de São Raimundo Nonato, a pesquisa de Emilia Pietrafesa de Godoi (2009) registrou como as hierarquias e representações entre bois e cabras dão sentido aos marcos geracionais de crianças entre famílias sertanejas:

Existe uma hierarquia na representação camponesa dos animais segundo a importância e o prestígio que lhe são atribuídos. O gado bovino é o mais prestigioso dos animais criados, e os homens adultos são os responsáveis por eles. O próprio termo “gadinho” indica o caráter de menor prestígio do rebanho caprino. Mas tanto aqueles que cuidam do rebanho caprino como quem cuida do rebanho bovino são chamados de vaqueiros. Todas as famílias têm seu “gadinho”, mas somente os parentes “mais fortes” possuem gado. Não estaremos exagerando se afirmarmos que, em certa medida, a criação dos animais marca as etapas sucessivas da vida do sertanejo. (...) ela segue os “ritos de passagem” que marcam sua vida e começa com o nascimento ou com a sua incorporação em uma nova família – no caso dos “filhos de criação” – com o dom de uma “semente de gadinho” (...) com o passar do tempo, o objetivo é passar do “gadinho” ao gado, mesmo se poucos dentre eles chegam a realizar esse ideal.  (GODOI, 2009, p. 297)

Toda essa diversidade de classificações e usos sociais[6] que envolvem os caprinos na região Nordeste fica ameaçada de ser “soterrada” e atacada diante da ascensão de um discurso regionalista pró-caprino, produzido por frações da elite pecuarista. A desqualificação já corriqueira[7] dessas estratégias de criação de caprinos dos pobres – na suposta “neutralidade” da linguagem zootécnica –, como desorganizadas e “pouco produtivas”, vai se somar a um tipo de construção regionalista que, por mais que reivindique um “olhar popular”, mobiliza estritamente recursos e percepções sociais de pessoas oriundas de uma elite rural. Nesse sentido, não é de pouca importância entender a difusão de nomes como “caprinocultura” em substituição à “miunça”, em textos escritos por pecuaristas e intelectuais – por vezes vindos de famílias e publicados por instituições voltadas para projetos de desenvolvimento no Nordeste.

 

‘O Bode do Nordeste’ (1969): a imposição da caprinocultura

Um possível marco inicial dessas nomenclaturas para pecuária caprina e a consequente eleição do bode como “símbolo sertanejo” estão em uma publicação da Fundaj, de 1969, chamada O Bode no Nordeste. Organizado por geógrafos, jornalistas, agrônomos e zootecnistas – tendo a frente o pesquisador Mauro Mota,[8] de origem social da elite urbana e rural pernambucana –, o livro é uma coletânea de palestras e exposições de fotografias feitas na sede da Fundação, em Recife – PE. A ideia central do livro, exposta no capítulo inicial, é a de que:

Miudeza nenhuma parece mais prejudicial à nossa economia pecuária do que o desprezo pelo gado miúdo. Julgá-lo depredatório seria enaltecê-lo pela atribuição da magia de saquear uma zona, a do seu “habitat predileto”, já saqueado pela natureza. Ao contrário, ele distribui-lhe o ânimo e animalidade, com os impulsos tradicionais de servir e resistir, procedentes da antiguidade mais distante. A cabra não seca durante a seca. Nutre-se da própria devastação da estiagem nordestina: cascas de árvores e arbustos, folhas secas, palha, esperança. Sobe onde outro gado não sobe – menos no conceito dos fazendeiros – para consumir resíduos vegetais ocultos entre as pedras das colinas (...). Estica-se com apoio nas patas traseiras – bípede provisório – para atingir os ramos altos que sobem para não serem comidos e, nessa postura, simboliza a luta pela sobrevivência: não é um bicho que come deitado. (MOTA, 1969, p. 14-15)

Além desse texto inicial, o livro conta com mais quatro capítulos. “O caprino em Pernambuco”, do técnico agrícola Umberto Câmara, faz um levantamento quantitativo do rebanho do estado, com uma classificação taxonômica do caprino, possibilidade de melhoramento no rebanho com técnicas de reprodução e aproveitamento do leite e da carne. Já “Contribuições da caprinocultura ao povoamento do sertão”, do engenheiro, pecuarista e deputado estadual Hildebrando Meneses, faz um apanhado de artigos de jornais e relatos sobre as secas para argumentar que os caprinos contribuíram para o povoamento do sertão no período colonial, o que permitiu uma proteção dos efeitos destruidores dos ciclos de estiagem. Meneses (1969, p. 45) ainda reclama que apesar do progresso recente, com abertura de estradas e aumento da população no sertão, a potencialidade dos caprinos diante das secas ainda tem sido desprezada pelo Poder Público. Por fim, “A caprinocultura e economia pernambucana”, do médico e criador Orlando Parahym, e o “‘Caroço do caprino’” na patologia animal de Pernambuco e Nordeste”, do veterinário Guilherme da Costa Filho, fazem um levantamento do potencial econômico, mas também de doenças, problemas sanitários e de criação que são obstáculos para as políticas de investimento nos caprinos.

Interessante notar como se aproximam os argumentos dos livros Bode do Nordeste, da Fundaj (1969), e o Culinária caprina, do Senac (2005). A defesa dos caprinos que intercala dados econômicos e de zootecnia com toda uma epopeia que associa esses animais à “conquista” do sertão e um valor de “resistência às secas” atravessa, de alguma forma, boa parte dos artigos desses dois livros. A principal diferença – além da distância de quatro décadas de lançamento – está no fato de que o primeiro é apenas uma proposta vaga de um congresso seleto de especialistas, enquanto o segundo é resultado de um processo político, já realizado e bem difundido.

É nesse contraste que aponto que, mesmo tendo uma de suas possíveis gêneses entre intelectuais, literatos e zootecnistas, como o grupo da Fundaj, a durabilidade da imagem política do bode como animal que emana “nordestinidade” tem ampliado seu campo de possibilidades – e uma rede de entusiastas, instituições e investimentos de pesquisa –quando inserido nas disputas entre das associações e entidades representativas regionais de grandes pecuaristas na década de 1980: travaram fileiras tanto defensores de bovinos versus caprinos como defensores dos usos de raças nativas. Para entender esse campo, faço uma breve discussão sobre a construção de uma bandeira de convivência com as secas, a partir de edições (1970-1990) das revistas Agropecuária Tropical e O Berro, publicações ligadas às associações de pecuaristas nordestinos e a ABCZ.

 

A caprinocultura e a convivência com as secas dos grandes pecuaristas nordestinos

Convivência com as secas, conivência com a grande propriedade

Para compreender como foi gestada e firmada a defesa pública da caprinocultura é preciso reconstruir alguns caminhos e estratégias que frações da elite pecuarista acionaram para elaborar uma pauta de superação do modelo de combate às secas. Essa elite rural que tem relação histórica e política com as secas no Nordeste[9] construiu uma visão de convivência com a estiagem que possui diferenças com outra visão de superação do combate às secas produzidas a partir de movimentos sociais, ONGs e principalmente pastorais de forte pedagogia católica e de educação popular no campo (MOREIRA NETO, 2013). Embora haja algumas afinidades, pode-se afirmar que diferente – e até antagonista aos setores católicos e de movimentos sociais – os setores de pecuaristas do Nordeste direcionam uma convivência com as secas que evoca a ordem social centrada nos símbolos da grande fazenda pecuarista.

Pode-se dizer que essa convivência pecuarista com as secas teve sua gênese a partir de como setores pecuaristas incorporaram seletivamente propostas como a do GTDN/Sudene, instituição criada em 1959, direcionada principalmente para ações de desenvolvimento regional e que tinha posição contra obras de açudagem – a chamada “solução hidráulica – na formulação de políticas dirigidas para soluções dos problemas sociais da região Nordeste atingida pelas secas. Contudo, é somente a partir do final da década de 1970 que é definitivamente firmado, nesse setor dos grandes pecuaristas, um discurso de convivência com as secas que será expresso nos editoriais da revista Agropecuária Tropical (AT), patrocinada por associações e entidades de criadores regionais e pela ABCZ, grande entidade da pecuária brasileira. Ainda com o nome de Paraíba Pecuária a revista começou a circular no segundo semestre do ano de 1976, tendo publicação bimestral. Patrocinada pela ABCZ e pelas suas filiais regionais, a Sociedade Nordestina de Criadores (SNC) e Sociedade Rural da Paraíba (SRP), e tendo artigos publicados em inglês – voltados para públicos na Índia, grande exportadora da raça Zebu –, a revista lançaria no corpo editorial “Conversa ao pé da porteira” sua missão: é estabelecer-se um porta-voz do empresariado rural nordestino lembrando que o “alicerce de toda nação reside na exploração do solo (...) e que não se deve perder de vista o Nordeste e o Brasil como celeiro do mundo” (PARAÍBA PECUÁRIA, 1976, p. 5).

Um dos principais argumentos de editoriais a reportagens e artigos de opinião da revista era o “ver para crer”, pela demonstração de “fazendas-modelo”: propriedades com sistema de pecuária tecnificado e racionalizado – cruzamentos de raças, alimentação do rebanho com ração e pastagem nativa visando à produção de carne e leite –, boa parte assistida pela engenharia da Sudene e financiamentos via BNB-Finor.[10] Um fator importante era que essas fazendas seriam, ao mesmo tempo, referência em tecnologia de pecuária adaptada aos ciclos das secas mas também símbolo de respeito a tradições passadas de uma ordem social rural que representaria a autenticidade regional nordestina. 

É em torno desses valores – em defesa da rusticidade da pecuária adaptada às secas e da “saudade” de uma ordem social rural passada centrada na fazenda pecuaristas – que o termo convivência com as secas passa a ser utilizado com mais frequência durante os anos do que ficou conhecido como “A Grande Seca”, que teve ciclos mais intensos[11] de 1979 até 1984. Nesse período, os editoriais, artigos e reportagens da AT trouxeram muitas propostas, definições, projetos e políticas regionais para o problema das secas no Nordeste. Nesse sentido, é exemplar uma sequência de seis páginas na edição de no 29, de dezembro de 1982. Sendo quase como um manifesto da convivência com as secas dos grandes pecuaristas, o editorial e o artigo “As regras do desenvolvimento: o modelo nordestino” são uma síntese de uma filosofia a ser seguida:

Conviver com o clima austero não tem nada de trágico, muito pelo contrário, é positivamente indicado para um sem número de explorações com boa rentabilidade (...). A seca não poderá continuar sendo apenas uma fatalidade, de certo modo irremediável. É o componente natural e definitivo da vida nordestina e há que se buscar a conciliação com ela. (AT, 29. ed., 1982, p. 4-5)

O editorial segue acusando que o setor agropecuário da região Nordeste foi alijado no orçamento nacional, tendo seus investimentos desviados para usos exclusivos de serviços em áreas urbanas e distritos industriais das grandes cidades, principalmente, aquelas localizadas no Centro-Sul do Brasil. Por isso, os editores da revista clamavam por um planejamento patriótico que comece a privilegiar o desenvolvimento em conciliação com as regiões secas, obedecendo a “mandamentos” de quem vive no campo e, assim, sabe aproveitar uma melhor economia no clima semiárido. Seguindo argumento já no artigo, isso passa apenas por um caminho, a pecuária:

Até as indicações de natureza cultural do Nordeste, estão marcados pela pecuária, como bem dizem as expressões comuns no linguajar e na literatura. Carne do Ceará, Rio dos Currais, comércio intenso de couros, festas folclóricas como boi bumbá, soalheiras e tantas outras quase sempre apontando a pecuária como uma legítima ferramenta para o desenvolvimento regional. (AT, 29. ed., 1982, p. 6)

Ao priorizar as potencialidades do mercado de carne, leite e peles, o artigo encerra alertando para as “falsas convivências com as secas a perímetros irrigados de políticas de estímulo à agricultura de alimentos – que pela sua insegurança de colheita nas secas seriam uma grande fábrica de flagelados (AT, 29. ed., 1982, p. 6). Por fim, a seção chamada Panorama Agrotropical, que faz uma cronologia da chegada do gado ao Brasil, tomando como referência o rebanho que chegou de Portugal por intermédio dos Gárcia D’Avila, em 1555, e destacando que experiências zootécnicas em vários centros de pesquisa, como Embrapa e Emepa, também tentam recuperar potencialidades do gado Pé Duro – o cavalo nordestino e os caprinos destacam-se nas exposições que começam a ser organizadas em Taperoá – PB, Sertânia – PE e Uauá – BA. Na conclusão, a seção apresenta perfis exemplares de fazendas e pecuaristas, e diz que, a partir dessas experiências, espera-se recuperar o legado de séculos dos verdadeiros desbravadores do Nordeste, a partir da criação de gado bovino e caprino (AT, 29. ed., 1982, p. 10).  

Também durante a seca de 1979-1984, além da produção de uma bandeira de convivência com as secas – esta conivente com a grande propriedade da terra –, o meio dos grandes pecuaristas nordestinos foi crivado por algumas divisões internas e debates acirrados nas associações e sociedades de criadores. A primeira delas, os defensores estritos de criação de bovinos, e outro grupo que defendia uma combinação com a caprinocultura – tendo aqueles que se empenharam na exclusividade desta última diante do agravamento das condições de estiagem do semiárido.  

 

Defensores de bovinos x caprinos

No artigo intitulado as “Cabras no Cariri”, publicado na revista Paraíba Pecuária, o escritor Ariano Vilar Suassuna (1978), a partir da experiência na fazenda da sua família – A Carnaúba, em Taperoá – PB, enumera os erros e acidentes que acompanham a vida de quem quer ser um “cabreiro”: das falhas em seguir estudos teóricos feitos em gabinete de universidades que não conhecem a realidade seca do Sertão, aos ataques de cachorros aos animais do rebanho. Para superar esses inevitáveis problemas e prejuízos, o escritor argumenta ter uma missão de um idealismo sertanejo rural em fuga das falsas comodidades urbanas:

Produzir carne, leite e peles é muito mais importante do que produzir bugigangas (...) o desenvolvimento dos bodes e cabras é uma mensagem aqueles que insistem em continuar apegados ao solo de nosso tão caro, grande e estranho e mal conformado país (...). Muitas pessoas me perguntam sobre a criação de cabras (...) uns perguntam se eu desisti, se perdi a fé do começo e se me convenci, afinal, que “bode só da aperreio e prejuízo. Outros indagam se persisto, se estou satisfeito e se a criação está dando lucro. Respondo que nem tanto o mar nem tanto à terra. Nem tanto ao litoral e a cidade, adversários do bode, nem tanto do sertão, que é o meio ideal para a raça caprina e terra de cabreiros dos meus sonhos de menino, adolescente e adulto (...). As cabras representam para mim (...) a porta aberta para uma vida renovada para uma atividade criadora, real e bela (...).Sou mesmo é um devaneador e quimérico, a tal ponto que um de meus sonhos, ligados as cabras é abandonar, por elas e através delas, o suborno das falsas comodidades e dos confortos artificiais da vida urbana. (SUASSUNA, 1978, p. 36)

Contra a posição de Ariano Suassuna está o texto “Depois do bode só o camelo... e o camelo já é deserto!”, do médico e pecuarista pernambucano, José Nivaldo. Publicado na 14a edição da Agropecuária Tropical, de 1980, a comunicação, além de criticar Ariano Suassuna – Nivaldo (1980, p. 31) – faz ressalvas a outros intelectuais entusiastas dos caprinos, como os organizadores do livro O Bode do Nordeste, da Fundaj:

(...) Daqui a cem anos, não teremos bois, cabras e bodes, mas apenas a sisudez do deserto e todos dirão, naquela ocasião, que ovino e caprinocultura é uma maldição, pois, depois do bode, vem o camelo... e o deserto.

Contra a criação extensiva e abusiva de caprinos e ovinos, sempre fui. Viajando para medicar um doente do Cariri, encontrei alguns homens derrubando um capoeirão. Foi quando indaguei ao meu acompanhante:
– Na sua opinião daqui a quanto tempo essas árvores terão crescido novamente para atingir o mesmo porte?

O matuto coçou a barba, refletiu um minuto e largou a resposta:

– Seu doutor, mais nunca! (...) pelo que ouço contar desde o tempo do meu bisavô, esse capão de mato já existia. Meu avô, meu pai, viveram e morreram. Estou homem feito e a matinha ia ficando. Esses paus nasceram e cresceram no tempo que não existia nem bode nem ovelha, nem jegue. Agora, todo broto que nascer será comido. Mais nunca, doutor!

A sentença categórica permanece, até hoje, nos meus ouvidos. Mas como falar contra as miunças quando Ariano Suassuna, Costa Porto, Mauro Mota, Orlando Parahym, mestres das letras e homens de bom pensar as defendem, com unhas e dentes? (...) Há pouco tempo num seminário sobre problemas ecológicos do Nordeste, pela primeira vez, disse de público, as restrições que faço à criação desses rebanhos altamente predadores (...) Entre os presentes alguns paraibanos que investiram contra meus pontos de vista, alegando que, no sertão, só se pode criar mesmo bode e ovelha porque o boi não sobrevive à inclemência das secas. O assunto é polêmico, os argumentos a favor e contra são muitos (...)

Não sou contra esses bichinhos em si. Sou contra a maneira que são criados. Enquanto botam cruzeiros nos bolsos de seus donos, arrasam a terra e destroem as plantas, numa rudeza que é maldição. (NIVALDO, 1980, p. 31)

Nessa mesma linha de argumentos, e com um tom bem mais debochado, está o artigo “O asno de ouro”, do pecuarista Huáscar Terra do Valle, publicado na 20a edição da Agropecuária Tropical, em que ele cita os erros em termos de investimentos no setor agropecuário, feitos no ano de 1980. Há um momento do texto em que Valle (1980, p. 8) tece críticas ao governo federal e a alguns pecuaristas que promovem também a criação de cabras, as fazedoras de desertos. O boi permite o melhoramento do pasto a cada ano. A cabra acaba com ele (VALLE, 1980, p. 8).

As respostas que esse grupo dos “anticaprinos” recebeu dentro das exposições e congressos das sociedades pecuaristas podem ser visíveis em um segundo artigo de José Nivaldo, dessa vez na edição 23, de 1981, da Agropecuária Tropical. Nele, José Nivaldo (1981) faz uma réplica irônica às críticas que recebeu de leitores da revista:

Muita gente discordou de mim, louvou o bode, exaltou sua fertilidade, sua rusticidade suas grandes vantagens econômicas. Até o Mestre Ariano Suassuna, que se não é o melhor criador de cabras da vasta caatinga é, sem dúvida, o mais intelectualizado de todos eles, telefonou-me, arruaceiro. Na sua boca, seus bodes até parecem príncipes sertanejos e suas cabras batem a produção de leite das vacas Guzerá do seu primo-sócio Manelito Dantas. (NIVALDO, 1981, p. 35)

Um sinal da derrota dos que julgavam as cabras e bodes como “fazedores de desertos” pode ser visto na edição 33 da Agropecuária Tropical de 1982, que passa a ter um boletim interno chamado O Berro: um suplemento específico para caprinos e ovinos, patrocinado pela Associação de Criadores de Caprinos e Ovinos da Bahia (Accoba), Associação Paraibana de Criadores de Caprinos e Ovinos (Apacco) e pelo Clube do Berro, ligado à Associação de Criadores do Ceará. A ênfase regionalista é dada no editorial de estreia:

Há muito tempo que a revista Agropecuária Tropical vem alicerçando um departamento para tratar de assuntos da caprino e ovinocultura (...) [ O Berro] será sempre um jornal a não pregar matérias científicas vindas de outras áreas ou países, porque em matéria de caprinos e ovinos deslanados, o Nordeste é “mestre”. Nós é que devemos ditar as regras para o restante do país. Nesse tom, as matérias serão formuladas a partir dos criadores e dos técnicos regionais. (AT, 33. ed., 1982, p. 50)

Na segunda edição, o editorial de O Berro, “É tempo de caprinos e ovinos”, reforça a necessidade de investimento de crédito para essa pecuária como salvação para a grande seca do início da década de 1980:

 

Vivendo cinco anos consecutivos de seca, o sertanejo reduziu drasticamente o rebanho nordestino de pequenos animais, para poder manter a família viva. Nessas épocas, são abatidas milhões de cabeças para sustento das pessoas. Começa aqui a importância dos caprinos e ovinos que, mesmo sobrevivendo as secas, conseguem ainda gerar algum rendimento para o proprietário. Não se justifica a falta de apoio creditício para os pequenos animais e muito menos a falta de apoio político para essa atividade (...) Mas a culpa não é só do governo porque nota-se uma falta de conhecimento real dos notáveis animais nordestinos (...) Em termos de caprinocultura, o Nordeste deveria dar aula (...). (AT, 34. ed., 1983, p. 69)

 

A comparação entre bovinos e caprinos também é colocada em debate na resenha de livros e artigos zootécnicos nessa mesma edição. Após destacar o avanço de algumas ações do BNB, e a criação de institutos de pesquisa como a Emepa, a seção “Berronotas” elenca as vantagens dos pequenos ruminantes, não apenas em termos de conviver com as secas, mas como última alternativa ao êxodo rural, uma salvação para os problemas da região:

O sertanejo foge das secas porque não existe uma política honesta para caprinocultura. O bode e a ovelha poderiam acabar com o êxodo rural, mas por enquanto eles são marginais. Na verdade, não existe vocação para criação de animal de grande porte, na caatinga atual, muito menos para agricultura de alimentos. Mas para o bode, o sertão é um paraíso (...). (AT, 34. ed., 1983, p. 73-74)

Nas edições de O Berro, na virada da década de 1980-1990 até a década de 2000-2010, avança a consolidação de uma rede em torno da caprinocultura no campo da convivência com as secas da elite pecuarista, entre criadores “pioneiros” e exposições realizadas em vários estados. Nesse recém-estabelecido meio da grande caprinocultura – em que termos como “miunça” eram rejeitados em prol de uma pecuária empresarial – houve divisões e disputas entre criadores que eram acusados de serem “aventureiros” sem compromisso com a atividade de produzir carne, leite e pele.

 

Quem são os ‘verdadeiros’ criadores? A disputa entre raças importadas x nativas

Com essa rede de experiências e o estabelecimento de nomes tidos como “empreendedores” da atividade, fica demarcada uma segunda disputa que envolve as reputações entre os grandes criadores de caprinos do Nordeste: de um lado, os que se dizem “sertanejos”, conhecedores das secas e “verdadeiros produtores de alimentos”, que tendem geralmente à defesa do melhoramento nas raças nativas e, do outro, os partidários de cruzamentos com raças exógenas europeias. Nas edições da Agropecuária Tropical dos anos 1980, alguns caminhos que permitem reconstruir argumentos usados nessa nova disputa, como mostra o artigo “Caprinos no Nordeste: desperdício de uma notável riqueza”:

A ocorrência periódica de secas é o ponto de estrangulamento da economia nordestina e a pecuária deveria ser dimensionada para conviver com elas (...). A fome tem a ver com o desperdício de raças nativas (...). Diferente da Espanha o Nordeste abandona a riqueza das cabras nativas. (...) Antes de tudo é preciso tirar proveito econômico e social desse enorme contingente animal disponível no Nordeste. Qualquer estado nordestino tem um rebanho caprino maior que a França. Aqui o homem considera a criação de caprino como secundária, coisa de pobretão enquanto que os franceses orgulham-se do dinheiro que ganham com leite e queijos, vendido para o mundo inteiro. Os nordestinos desperdiçam uma grande ferramenta para convivência com o clima seco. No caso nordestino, as cabras comuns, nativas foram selecionadas pela rusticidade naturalmente. (...) Há que se buscar uma regeneração ou aprimoramento das cabras nativas com reprodutores de seu próprio tipo (...). (AT, 32. ed., 1983, p. 50-54).

A polêmica entre o uso de raças nativas e exógenas entraria em debate na edição 2 do jornal O Berro, em que se discute quais técnicas de confinamento seriam melhores para as condições do semiárido. Ao resenhar alguns trabalhos acadêmicos, o editorial faz apelos e acusações, em tons regionalistas “sertanejos”, contra os “centro-sulinos” e as técnicas europeias:

A polêmica sobre as SRD e melhoramentos zootécnicos

Construir aprisco sobre estacas é negócio de centro-sulista, mas nunca para o nordestino. O sertanejo sempre prefere seu “curral” onde haja lajedos ou rochas para as cabras: com a busca de uma melhor tecnologia foi disseminado um sistema quase “europeu” de criação com cabras engaioladas e apriscos suspensos. Hoje essas técnicas estão ultrapassadas, vencendo a tradição. (...) A cabra nutre-se da própria devastação da estiagem nordestina: cascas de árvores e arbustos, folhas secas, palhas e esperança (...). No berro do bode e do carneiro a esperança do Nordeste brasileiro (...). (O BERRO, 2.  ed., 1983, p. 71)

É no final da década de 1980 que as matérias da revista O Berro mostram um esforço em resgatar as origens de raças de caprinos nativas – buscando principalmente rejeitar o rótulo SRD e tentar pressionar as associações para que fossem feitos registros genealógicos. Esse processo político que começa a consagrar trabalho com raças nativas como a Raça Canindé – a exemplo da fazenda Várzea dos Gatos, em Jeremoabo – BA, com o criador Joãozito Andrade – e também a raça Moxotó – com uma rede de pecuaristas de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará (O BERRO, 3. ed., 1984, p. 53). As reportagens também passam a falar de grandes exposições “nordestinas” de caprinos como as de Sertânia e Floresta, em Pernambuco, e Quixadá, no Ceará (O BERRO, 4. ed., 1984, p. 47).

Com o avanço das exposições, o campo da convivência com as secas das elites pecuaristas e as associações como a ABCC começam a discutir e receber pressões políticas para os registros genealógicos e a homologação de raças e padrões zootécnicos – o Puro de Origem Importado (POI) e o Puro de Origem (PO), dentre outros, já utilizados na bovinocultura. Marcadamente essa disputa vai se localizar nos anos 1990, a partir da entrada sistemática das importações de animais de raças europeias (como a Saanen e Parda-Alpina, Anglo Nubiana) e sul-africanas (Boer), através de experiências da Embrapa, Emepa e, principalmente, do Sebrae. Em 1997, uma reportagem da revista O Berro sobre uma exposição de Sertânia – PE propõe organizar uma proposta – a partir da convivência com as secas – de um livro sobre o agrobusiness da caprinocultura para alertar os criadores que estão exagerando nas importações de caprinos:

Sertânia em 97 foi uma invencível trincheira de resistência de cultura sertaneja mantendo-se na vanguarda da caprinocultura nordestina, valorizando sua tradição catingueira (...) O Nordeste tem vocação para criação extensiva de cabras e ovelhas, não adianta importar modelos australianos, americanos e outros etc. Temos o nosso método de conviver com as secas sem combates, prevenindo-se na época de fartura, cuidando da terra, que é o bem maior do homem, plantando e guardando para época de seca, entendendo e amando o chão. (O BERRO, 27. ed., 1997, p. 24-26).

Mesmo tendo críticas de parte dominante do grupo editorial de O Berro, os criadores de raças importadas começam a ganhar voz dentro da revista na virada para os anos 2000. É assim que é narrada – em tons de publicidade – a “grande maratona da África para o Brasil”: chegada de embriões e reprodutores dos ovinos Dorper e caprinos Boer e Savanna, em Recife, raças sul-africanas que chegam ao Brasil importados dos Estados Unidos, em uma viagem patrocinada pela Emepa, com o veterinário Aldomário Rodrigues, e também associada à Fazenda Caroatá, de Gravata – PE, que fez o nome de seu proprietário – Luiz Fernando Brennand – uma referência na importação e cruzamentos de raças de caprinos e ovinos (O BERRO, 37.  ed., 2000, p. 56).  

 Em síntese, essas trincheiras aqui reconstruídas formaram a defesa de um perfil de pecuarista que consolidou um mercado “de elite” para a caprinocultura no Nordeste: os que seriam “verdadeiros” criadores “nordestinos” e produtores de alimentos fixos nas fazendas e, de outro lado, exposições, leilões e mercado de elite – tidos pelo primeiro grupo como pecuaristas menos experientes, aventureiros e fáceis de serem enganados pelo tamanho e “gordura” dos animais. Em suma, há uma pecuária “fantasia” – do mundo dos leilões e exposições – e uma pecuária “dentro das porteiras” (O BERRO, 112, ed., 2009, p. 2-3).

Diferenciar entre pecuária “fantasia” de elite e pecuária “para produzir carne”, empresários “apressados” versus criadores “sertanejos”, dentre outros nomes, é um mecanismo de reputação resultante da consolidação de um campo de grandes caprinocultores nordestinos que, em certa medida, são conflitos comparáveis[12] ao que o trabalho etnográfico de Natacha Leal (2016) debate sobre a correlação dos julgamentos dos animais e da reputação de criadores no circuito do gado zebu das exposições de Uberaba – MG:

Os campeonatos evidenciam quem cria rês, o criador, e quem é o proprietário, o expositor (...) Há uma diferença entre os criadores de “várzea” ou “escolinha”. Os que aprenderam pecuária na fazenda ou em cursos nas associações de ruralistas.  (...) Na avaliação que deveria privilegiar uma reunião de caracteres fenotípicos em um indivíduo próximos ao ideal de raça está presente a lógica do pedigree, que não é só dos animais, mas também dos seus donos. Há uma memória e uma reputação, construído com base nos lugares ocupados no ranking, nos recordes de preço, nas vendas de sêmen ou dos próprios animais nos leilões, na história das seleções e dos criadores que gera efeitos nos resultados dos julgamentos. Este é um dos fatores pelos quais não é simples se fazer um criador no mercado de gado de elite (LEAL, 2016, p. 89-95).

 Diferente dos criadores do Triângulo Mineiro, as hierarquias e reputações do mundo da elite de caprinocultores nordestinos são muito mais ligadas à autoimagem da elite pecuarista como um grupo que projeta, nas cabras e bodes, sua autoafirmação de “sertanejo autêntico”. Mas guardadas essas diferenças pode-se dizer que, assim como os pecuaristas triangulinos, os princípios de legitimação de “ser” elite dos grandes criadores de caprinos nordestinos seguem um ideário de vocação, uma missão: ser “produtor de alimentos” é algo próximo da ideologia ruralista do Brasil “celeiro do mundo”.

 

Considerações finais: caprinocultura entre ruralismo e regionalismo

Na convivência com as secas e defesa da caprinocultura dos grandes pecuaristas nordestinos estão inscritos valores fundantes de um ressentimento das elites rurais no Brasil. Primeiro, aqueles expressos na forma como a literatura fixou representações do mundo rural e na noção de sertão, a começar com a divisão incivilizado/civilizado campo/cidade, capital/interior, litoral/sertão – fundante de um valor de regionalismo, diante dos vários processos de modernização que passou a sociedade brasileira no século XX (LIMA, 2001, p. 78). A reivindicação de sertanidade autêntica – partindo sempre das paisagens secas de Euclides da Cunha ou Capistrano de Abreu – tem um “terreno” fértil na elite da qual vêm escritores como Ariano Suassuna: elite rural que, desde pelo menos 1930, sofre golpes mais ou menos fortes nos seus signos de distinção. Outro ressentimento que incorpora nessa defesa regionalista da caprinocultura é a afirmação de ausência de alternativas fora “de uma vocação” para pecuária, e da grande propriedade no semiárido, o reclame de que os governos fazem um “esquecimento” de um “sertanejo” – colocado como categoria geral, como se a seca anulasse desigualdades sociais nos “sertanejos” que habitam a região Nordeste – vai compor toda essa retórica regionalista recente sobre os caprinos.  Além de ser uma atualização das dramatizações políticas das elites agrárias nordestinas, a convivência com as secas dos grandes pecuaristas tem afinidades eletivas com as visões de ruralismo e agronegócio: expressões políticas em defesa da grande propriedade que apontam os trabalhos de Regina Bruno (2009), desde a formação da UDR na Constituinte de 1988, passando pela formação das coesas bancadas ruralistas nas décadas de 1990-2010.  O chamado a uma missão do Brasil “celeiro do mundo” entrecruza uma demanda de modernidade empresarial e tecnológica do meio rural com uma visão de propriedade que se aproxima mais de valores patrimoniais. Esse ethos proprietário absorve essas contradições de valores e opera em uma forte expressão de poder:

No campo simbólico, os grandes proprietários se autopercebem como os desbravadores da terra, civilizados de uma nação selvagem. Há também o valor dado à propriedade como a terra conquistada, aquele que antes era “nada”, “só mato” (...) O que lhes imprime valor moral de ser admirado e respeitado porque dominou um ambiente inóspito ou selvagem e tornou-o cultivável e habitável. (BRUNO, 2009, p. 217)

E essa bandeira prega que há uma vocação unicamente rural e pecuária do Nordeste, uma variante do ruralismo (MENDONÇA, 2011, p. 414), ideal político expresso por elites agrárias e setores patronais de outras regiões do Brasil.

 De fato, a mudança valorativa de uma pecuária – da “miunça” à caprinocultura –deve boa parte da sua legitimidade aos movimentos de frações de uma elite que dramatizaram seu projeto particular com a aparência geral de uma “missão nordestina”, de dar vez aos ovinos e caprinos. “Depois de 500 anos de inglória, de luta inútil (...) soar as trombetas de um novo tempo, transformou a criação de fundo-de-quintal em um grande negócio” (O BERRO, 143. ed., 2011, p. 2). Em suma, a partir das lutas que fazem desencaixes e remontagens de uma série de percepções, ditas como “tradições” da grande propriedade, pecuária e secas, nota-se como uma elite rural tenta se manter relevante não só no seu prestígio, mas diante de um projeto político ao lado de outras elites do meio rural brasileiro. Talvez nada mais próximo de um manifesto político dessa defesa dos caprinos nos moldes de uma convivência com as secas de tons ruralistas e regionalistas do que o editorial da O Berro (ed. 165), “Temos a maior safra, e daí?”:

O Nordeste já sofreu demais nas mãos dos maus políticos, politiqueiros e politizados. Seria bom ver alguém colocar o valor correto na cabra e ovelha, na Vaca sertaneja, no leite e queijos especiais, no sol benfazejo, no povo trabalhador que está sendo convertido num bando de esmoleres. A imagem de Nordeste como “asilo de pobres” não tem mais sustentação e vai chegando o momento de algum herói nordestino exigir, num Tribunal Internacional, a atenção sobre a região, para acabar com a discriminação, o uso político e o genocídio contra seu povo. A bandeira “Brasil versus Nordeste” é uma causa que precisa ser enfrentada, de verdade, para garantir a integridade da nação. (O BERRO, 2013, 165. ed., p. 1-2)

Do discurso que elege o bode como símbolo turístico e gastronômico que, “filtrado” de um rural particular, que se ergue sobre símbolos da grande fazenda pecuarista, ganha cada vez mais autonomia e legitimidade em dinâmicas de expansão urbana, turismo e no jogo eleitoral de cidades pequenas e médias, em nível do semiárido nordestino.[13] A pecuária, antes desprezada pelos grandes proprietários, aquela que os manuais de zootecnia chamavam de “miunça” ou “criação” – julgada como pouco produtiva e “teimosia” dos pobres do campo – passou a ser chamada de “caprinocultura”, uma pecuária digna de investimentos zootécnicos e econômicos, protagonista de um projeto de desenvolvimento regional e econômico que evoca valores regionais genuínos associados a um potencial de adaptação ante a natureza cíclica das secas da região.

Um último ponto de debate a ser destacado é que não é mera coincidência que esse discurso a favor da caprinocultura surja no mesmo momento em que está sendo transformada toda uma ordem de poder historicamente estabelecida em torno da elite pecuarista no Nordeste. Na transição entre o século XX e o XXI há, por um lado, o desmonte da antiga rede de economia exportadora algodoeira e das relações de trabalho via moradia nas fazendas. Por outro lado, perdem abrangência as redes de dependência e dominação dos pecuaristas: os pobres do meio rural passam a ser assistidos por redes de previdência social e políticas de combate à pobreza. Nessas mudanças nos fluxos populacionais urbano e rural também ocorrem falência e venda de antigas fazendas, sendo que, em algumas regiões do semiárido, houve uma moderada desconcentração e fragmentação fundiária.

 Assim, estando no “ponto de encontro” dessas dinâmicas sociais recentes, essa elite pecuarista sentiu sua dominação perder legitimidade, ficando sob risco de desclassificação social nos seus patrimônios econômicos e, principalmente, simbólicos, que emanavam distinção social ligada à posse da terra e à pecuária. Portanto, aí se insere uma “virada caprinocultora” que tenta impor um projeto supostamente universal para toda uma região, enquanto evoca valores particulares de uma elite pecuarista que busca defender sua distinção e legitimar a grande propriedade no semiárido nordestino.

 

 

Referências bibliográficas

ABREU, J. C. Capítulos de História Colonial (1500-1800). 4. ed. Rio de Janeiro: Sociedade Capistrano de Abreu, Livraria Briguiet, 1954.

ALBUQUERQUE JR., D. M. A feira dos mitos: fabricação do folclore e da cultura popular (Nordeste 1920-1950). São Paulo: Intermeios, 2013.

ALBUQUERQUE JR., D. M. A invenção do Nordeste e outras artes. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

ANDRADE, M. C. A terra e o homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011.   

ANDRIOLLI, C. Verbete: Criação. Teoria e Cultura, v. 11, n. 2, p. 136-143, 2016.

BANCO DO NORDESTE. A pecuária nos Cariris Paraibanos: perspectivas e diretrizes para o desenvolvimento econômico da criação animal nos Cariris velhos da Paraíba. Fortaleza: BNB-Etene, 1959. 

BOURDIEU, P. A gênese dos conceitos de habitus e de campo. In: BOURDIEU, P. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. p. 59-73. 

BOURDIEU, P. O Senso prático. Petrópolis, Vozes, 2009. 

BRADESCO-GOUDEMAND, Y. O ciclo dos animais na literatura popular do Nordeste. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1982.

BRUNO, R. Agronegócio, Ruralismo e Relações de poder. Rio de Janeiro: Mauad X, 2009. 

CAMPOS, J. N. B.  Secas e políticas públicas no semiárido: ideias, pensadores e períodos. Estudos Avançados, v. 28, n. 82, p. 65-88, 2014. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142014000300005. Acesso em: 10 jun. 2019.

CASTRO, A. A cabra. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984.

CATANI, A. M. As possibilidades analíticas da noção de campo social. Revista Educação & Sociedade, Campinas, v. 32, n. 114, p. 189-202, jan./mar. 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302011000100012&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 20 jun. 2019.

COELHO, J. Nordeste – sempre uma história mal contada. Agropecuária Tropical, n. 35, p. 14-18, 1983.

COHEN, M. As práticas sócio-ecológicas frente à seca: limites e contradições no exemplo do Cariri paraibano. In: Castro, e.; Pinton, F. (Orgs.). Faces do trópico úmido: conceitos e questões sobre desenvolvimento e meio ambiente. Belém: Editora CEJUP/NAEA-UFPA, 1997. p. 399-420.  

DETURCHE, J. As vacas da discórdia: gestão e raça do rebanho entre os criadores de vacas montbéliardes na Haute-Savoie, França. Ilha – Revista de Antropologia, Florianópolis, v. 14, p. 139-169, 2012. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ilha/article/view/2175-8034.2012v14n1-2p139. Acesso em: 5 jul. 2019.

DOMINGUES, O.  A cabra na paisagem do Nordeste. Fortaleza: Seção de Fomento Agrícola, 1955.

GARCIA JR., A. R. O Sul a caminho do roçado: estratégias de reprodução camponesa e transformação social. São Paulo: Marco Zero, 1989.

GODOI, E. P. Reciprocidade e circulação de crianças entre camponeses do sertão. In: GODOI, E. P.; MENEZES, M.; MARIN, R. A. (Orgs.). Diversidade do campesinato: expressões e categorias, v. 2, Estratégias de Reprodução Social. São Paulo: Editora Unesp; Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2009. p. 289-302.

GONÇALVES JR., O. Da tradição ao mercado: construção social e caprinovinocultura no Semi-árido. São Paulo: Hucitec, 2012.

GOULART, A. Ciclo do Couro do Nordeste. Documentário da Vida Rural, n. 19. Serviço de Informação Agrícola, 1966.

LEAL, N. S. Nome aos bois: zebus e zebuzeiros em uma pecuária brasileira de elite. São Paulo: Anpocs/Hucitec, 2016.

LEBARON, F.; LE ROUX, B. Géométrie du champ. Actes de la recherche em sciences sociales, n. 200, p.107-109, dez. 2013. Disponível em: https://www.cairn.info/revue-actes-de-la-recherche-en-sciences-sociales-2013-5-page-106.htm?contenu=article. Acesso em: 8 jul. 2019.

LIMA, E. N. Euclides da Cunha e o Estado Novo. In: LIMA, E. N.; MENDES, A.; ZILLY, B. Os sertões: desertos e espaços incivilizados. Rio de Janeiro: Mauad X, 2001. p. 77-100.

LIMA, E. N. Literatura como fonte para a história: Euclides da Cunha e a Amazônia. In: COSTA, L. F; FLEXOR, G.; SANTOS, R. (Orgs.). Mundo Rural Brasileiro. Ensaios Interdisciplinares. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. p. 11-42.

MACEDO, J. N. Fazendas de Gado no Vale do São Francisco. Documentário da Vida Rural, n. 3. Serviço de Informação Agrícola, 1952.

MENDONÇA, S. R. O patronato rural brasileiro na atualidade: dois estudos de caso. Anuario del Centro de Estudios Historicos, Cordoba, ano 8, n. 8, p. 139-159, 2008. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/3740442.pdf. Acesso em: 25 jun. 2019.

MENDONÇA, S. R. Políticas agrícolas e patronato agroindustrial no Brasil (1909-1945). História Econômica & História de Empresas, v. 16, n. 1, p. 73-100, 2013. Disponível em: http://www.abphe.org.br/revista/index.php/rabphe/article/view/286. Acesso em: 23 jun. 2019.

MENDONÇA, S. R. Ruralismo. In: MOTTA, M. M. M. (Org.). Dicionário da Terra, v. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 410-414.

MENESES, H. Contribuição da caprinocultura ao povoamento do sertão. In: MOTA, M. O Bode do Nordeste. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1969. p. 39-50.

MORAES, M. D. C. Um povo do cerrado entre baixões e chapadas (modo de vida e crise ecológica de camponeses/as nos cerrados do sudoeste piauiense). In: GODOI, E. P.; MENEZES, M. A.; MARIN, R. A. (Orgs.). Diversidade do campesinato: expressões e categorias, v. 2 (estratégias de reprodução social). São Paulo: Editora Unesp; Brasília: Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural, 2009. p. 131-161.

MOREIRA NETO, M. Outro sertão: fronteiras da convivência com semiárido. Recife: Massangana, 2013.

MOTA, M. (Org.). O Bode no Nordeste. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1969. 

NIVALDO, J. Depois do bode só o camelo... e o camelo já é deserto! Revista Agropecuária Tropical, 14. ed., p. 30-33, 1980.

NUNES, A. M. B. A (re)pecuarização do semiárido nordestino: reconversões produtivas entre agricultores familiares do Pajeú (PE). Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Centro de Humanidades, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, 2011. Disponível em: http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/xmlui/handle/riufcg/2348. Acesso em: 12 jun. 2019.

O BERRO – REVISTA BRASILEIRA DE CAPRINOS E OVINOS. Uberaba: Editora Agropecuária Tropical, 1997-2013. Mensal. Disponível em:  http://www.revistaberro.com.br/?edicoes_anteriores/index. Acesso: 2 jul. 2019.

REVISTA AGROPECUÁRIA TROPICAL. João Pessoa: Editora Campesina, 1976-1989. Bimestral. Disponível em: https://drive.google.com/open?id=1Ldj-MgrKp2bp_iMq-r1TkpQoyUXB6Jsp. Acesso: 3 jul. 2019.

REVISTA PARAIBA PECUÁRIA. Editorial Conversa ao Pé de Porteira, ed. 1,  n. 1, jan. 1976.

RIBEIRO, E. M. Agregados e fazendas no nordeste de Minas Gerais. Estudos Sociedade e Agricultura, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 393-433, 2011. Disponível em: https://revistaesa.com/ojs/index.php/esa/article/view/330. Acesso em: 5 jul. 2019.

SENAC. Culinária caprina: do alto sertão à alta gastronomia. Arthur Bosisio Júnior (Coord.). Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2005. 152 p.

SUASSUNA, A. Cabras no Cariri. Revista Paraíba Tropical, 6. ed., p. 35, 1978.

VALLE, H. T. O asno de ouro. Revista Agropecuária Tropical, 20. ed., p. 8-10, 1980.

WOORTMANN, E. Sitiantes e roceiros: a produção camponesa num contexto de pecuarização. 1981. 192 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia) – Departamento de Antropologia, Universidade de Brasília, Brasília, 1981. Disponível em: http://ellenfwoortmann.pro.br/mestrado/mestrado-lista.pdf. Acesso em: 5 ago. 2019.

WOORTMANN, K. Com parente não se neguceia: o campesinato como ordem moral. Anuário Antropológico. Brasília: UNB/Tempo Brasileiro, 1990. p. 11-73.

WOORTMANN, K. Hábitos e ideologias alimentares em grupos sociais de baixa renda: relatório final. Série Antropologia, n. 20, Brasília, 1978. Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie020empdf.pdf. Acesso em: ago. 2019.

 

 

 

MENESES, Valdênio Freitas. ‘Admirável Bode Novo’: regionalismo e ruralismo em defesa da caprinocultura no semiárido nordestino. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 28, n. 1, p. 109-135, fev. 2020.

 

 

Resumo: (‘Admirável Bode Novo’: regionalismo e ruralismo em defesa da caprinocultura no semiárido nordestino). A criação de caprinos foi, nas últimas décadas, alvo de forte investimento no semiárido nordestino. E isso se deu para além de fatores econômicos: há um forte viés regionalista que orienta desde eventos turísticos e gastronômicos a feiras de agropecuária em várias cidades da região, e que legitima a pecuária de caprinos como autêntico símbolo “sertanejo”. Este artigo analisa as condições de produção dessa crença relacionando-as à forma como frações de elites pecuaristas do Nordeste firmaram uma ideia de convivência com as secas. Ao mapear esse campo de disputas utilizo como fontes manuais de zootecnia, revistas das associações e entidades representativas de grandes pecuaristas nordestinas (edições de 1980-2013). Este artigo conclui que a legitimidade para o atual status valorizado da caprinocultura no semiárido parte de dois movimentos de frações da elite pecuarista.  De um lado, desqualificando a percepção e as lógicas de reciprocidade – da “miunça e criação” – dos caprinos para os pobres, do outro, aproximando a percepção e exaltação regional da caprinocultura com a imagem de uma “vocação rural” brasileira, argumento do ruralismo de setores do agronegócio nacional.

Palavras-chave: elite pecuarista; caprinocultura; regionalismo; ruralismo; semiárido nordestino.

 

Abstract: (Brave "New Goat": regionalism and ruralism in defense of caprinoculture in the Brazilian Northeast). Over the past decades, caprinoculture (goat raising) has been the target of public and private investment in the Brazilian Northeast. And this has occurred for reasons that go beyond economic factors: there is a strong regionalist bias of tourist and gastronomic events in various cities in the region that legitimizes caprinoculture as an authentic symbol of the “backlands” (sertão). The article analyzes the social conditions of this belief and relates them to the way in which segments of livestock raising elites from the Northeast grounded an idea of living with the droughts. To map this field of disputes the author uses such sources as zootechnical manuals, magazines of associations and entities representing large northeastern ranchers (1980-2013 editions). The article concludes that the legitimacy for the current valued status of goat farming in the semi-arid zone arose from two movements of segments of the livestock raising elite. On the one hand, disqualifying the perception and the logics of reciprocity – called “miunça”– of goats for the poor. On the other, bringing the perception of goat farming closer to the image of a Brazilian “rural vocation”, as an argument of segments of the national agribusiness sector.

Keywords: livestock raising elite; goat-breeder; regionalism; ruralism; semi-arid Northeast Brazil.

               

 

ccby.png Creative Commons License. This is an Open Acess article, distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License CC BY 4.0 which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium. You must give appropriate credit, provide a link to the license, and indicate if changes were made.



[1] Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ) com período sanduíche na Université Paris I Panthéon Sorbonne nos quadros do Centre Européen de Sociologie et Science Politique (CESSP) da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS). Professor do Departamento de Direito da Uninassau. Vencedor do Prêmio Capes de Tese 2019 na Área de Sociologia. E-mail: valdeniofmeneses@hotmail.com.

[2] Instituição de educação profissional, criada na década de 1940, e atualmente ligada à Sociedade Nacional do Comércio. Assim como o Sebrae, o Senac atua em parcerias com o setor público e privado, sendo que, desde a década de 1990, tem se direcionado para projetos de capacitação e gestão empresarial, seja no meio rural ou urbano, fortemente marcados sob a ideia do empreendedorismo.

[3] O zootecnista Octavio Domingues foi um dos principais defensores de uma zootecnia tropical brasileira — uma seleção apropriada ao clima. Ele foi uma das principais referências bibliográficas para as experiências de Uberaba, nos anos 1930, com o boi Zebu, em que uma elite de famílias de criadores atuou selecionanncias﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽ere27 mario 199785, n. 41 p. 85 - O eal (eia de sangue da elite de familias ileira - uma fendia ada a poder do e comercializando famílias de bovinos (LEAL, 2016, p. 314). A ideia de gado de elite consolidou todo um imaginário nacional através da pecuária bovina — que fez esse grupo social ter poder de barganha para exigir política de crédito, pesquisas e investimentos com os governos: não é acaso que todos os presidentes desde Getúlio Vargas visitaram ao menos uma vez a exposição anual de Uberaba.

ncias﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽ere27 mario 199785, n. 41 p. 85 - O eal (eia de sangue da elite de familias ileira - uma fendia ada a poder ncias﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽ere27 mario 199785, n. 41 p. 85 - O eal (eia de sangue da elite de familias ileira - uma fendia ada a poder

[4] No Brasil rural de boa parte do século XX, a produção exportadora e as hierarquias entre proprietários e trabalhadores rurais foram legitimadas por vínculos sociais com diversos nomes: “moradia”, “agregados”, “o trabalho alugado”, “cambão”, “terça” ou “sujeição”, dentre outros que variavam no tempo, local, e tipo de atividade nas grandes propriedades. Em termos materiais, a “troca” entre proprietários da terra e trabalhadores agregados podia ser feita através de múltiplas funções na fazenda — como agricultores em épocas de colheita e plantio, vaqueiros, empregados da casa sede, jagunços etc. — e em variadas formas de pagamentos que combinavam a “doação” de um terreno para moradia, a “partilha” da colheita com dias de trabalho alternados “na terra do patrão” e dias de trabalho em roçado próprio, ou apartação de animais do rebanho, no caso do “quarto dos vaqueiros” (ANDRADE, 2011, p. 205). Em termos simbólicos, os agregados se “sujeitavam” aos fazendeiros dentro de prestações e compromissos regidos por códigos de conduta e hierarquia que, no geral, pouco incluíam contratos jurídicos ou salariais — se baseavam em reciprocidades desiguais de bens, compadrio, parentesco, amizade e até ameaças com uso de violência física e intimidade sexual (RIBEIRO, 2011, p. 398).

[5] Para uma revisão da literatura de trabalhos sobre pecuária bovina no formato de verbete, ver Andriolli (2016).

 

[7] Essa visão que relaciona as estratégias dos pobres em relação aos caprinos como de “pouca potencialidade” — sob um ponto de vista econômico ou zootécnico estrito — é armadilha que pega mesmo trabalhos recentes, como o de Gonçalves Junior (2012), que trazem boa proposição de analisar as hierarquias de status entre bovinos e caprinos, mas caem nessa proposta de uma pecuária empresarial que despreza os valores de reciprocidade e trocas sociais em que a “miunça” circula entre os pobres.Campo da conviv﷽﷽﷽﷽﷽sociaças

.  ( dialogar com literatura) as hierarquias de status entre bovinos e caprinos caem no argumento

[8] A biografia de Mauro Mota (1911-1984) apresenta uma narrativa similar aos descendentes da elite de grandes proprietários do Nordeste — seja nas suas versões canavieiras ou pecuaristas. Nascido no Engenho Buraré, Pernambuco, no dia 16 de agosto de 1911, filho do promotor público José Feliciano da Mota Albuquerque e de Aline Ramos da Mota Albuquerque, ele fez seus estudos primários em Nazaré da Mata, e, no Recife, ingressou no colégio Salesiano. Formado em Direito e trabalhando na redação de jornais, Mota teve trânsito nos círculos literários recifenses, publicando livros de poesia e também ensaios como “Paisagem nas Secas”, chegando inclusive a ser presidente da Academia Pernambucana de Letras e a ocupar a cadeira 26 da Academia Brasileira de Letras. Ele também foi superintendente do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais de 1956 a 1970.

 

[9] A história do modelo de grandes obras e combate às secas pode ser vista a partir do artigo de José Campos (2014) que classifica em quatro fases a trajetória dos conceitos no debate científico e formas de intervenção do Estado diante da estiagem: a primeira seria entre 1849-1877, quando a seca se torna tema de acirrados debates entre especialistas do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), ligado diretamente a Dom Pedro II — daí veio o primeiro projeto de transposição do rio São Francisco. A partir de polêmicas e embates no IHGB, em um segundo momento foi sendo desenvolvida a ideia da hidráulica como solução (1877-1958): foi nesta fase que se estabeleceu o paradigma da açudagem e obras públicas através do IOCS, fundado em 1909. Um terceiro momento foi a política de desenvolvimento regional de JK, quando inicia-se o período da Sudene, que se mantém como paradigma até 1980. A partir da década de 1990, o debate acadêmico das secas e a formulação de políticas públicas incorporam conceitos como desenvolvimento sustentável com base nas conferências como Rio 92 — a convivência com as secas ganha espaço, assim com os temas da sustentabilidade e ecologia. SIMOES FILHO- FAZENDA JARAMANDAIAque ropecu cular Filho va a seca como um problema nacional.n

[10] O Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) é um benefício fiscal concedido pelo Governo Federal, criado pelo Decreto-lei no 1.376, de 12/12/1974, e reformulado pela Lei no 8.167, de 16/1/1991, regulamentada pelo Decreto no  101, de 17/4/1991, com modificações introduzidas pela Medida Provisória no  2.199-14, de 24/8/2001 (última reedição da MP no 2.058, de 23/8/2000). Na década de 1970, destinava-se a auxílio financeiro de empreendimentos instalados na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene.

[11] O livro Genocídio do Nordeste (1979-1983), lançado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e com material fotográfico de Sebastião Salgado, registra que, durante os anos dessa seca, houve uma alta mortalidade infantil, com cinco mil mortes, e mais setecentas mil em anos posteriores, por consequências de doenças e desnutrição. Para um relato pessoal de membros da CEB que atuaram em regiões pobres do Nordeste durante essa seca da década de 1980, ver o livro de Roberto Malvezzi, 1460 dias no Império do Sol (1985).

[12] Outra comparação possível pode ser feita com o caso das disputas entre sindicatos e exposições dos criadores de vacas montbéliardes, na região da Haute-Savoie, na França. Ver Deturche (2012).

 

[13] Esse movimento também incide nos grandes centros, entre restaurantes e chefs de cozinha de todo Brasil — o ideário da fazenda sertaneja e sua convivência com as secas se torna elemento de publicidade e valor agregado de produtos, como o queijo. Ver, por exemplo, a publicidade no tom “da fazenda que dá certo em plena seca” dos queijos produzidos na Fazenda Carnaúba, no site https://www.queijocomprosa.com.br/queijo/arupiara/. Também a busca por uma identidade nordestina (seja no mar ou sertão), que é o slogan do chef Onildo Rocha, proprietário de redes de restaurantes de luxo como o Roccia, em João Pessoa – PB, como mostra a apresentação no site http://www.cozinharoccia.com.br/.