Estudos Sociedade e Agricultura,
v. 28, n. 1, p. 48-77, fevereiro a maio de 2020.

Artigo recebido em 20/11/2019.  Aceito em 16/12/2019. Publicado em 01/02/2020.

 

 

 

Renato Sérgio Maluf[1] orcid.png
Silvia Aparecida Zimmermann
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Antigos e novos hábitos na alimentação de famílias agrícolas de Chapecó e região
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DOI: 10.36920/esa-v28n1-3

 

 

 

 

 

O presente texto aborda as permanências e modificações verificadas nos hábitos alimentares de famílias agrícolas residentes na região em torno do município de Chapecó (SC), seus principais determinantes e, em particular, as implicações do fenômeno da multilocalização familiar. A base conceitual e metodológica e as questões de pesquisa, assim como as informações de campo que embasam essa abordagem derivam de um projeto[3] do qual resultaram outros dois textos com análises complementares à que se segue.

Por “famílias agrícolas” entendem-se aquelas com domicílio no meio rural e em que pelo menos um integrante trabalha diretamente em atividades agropecuárias, assumindo-se a “unidade agrícola familiar” (UAF) como unidade de observação que, para fins da pesquisa de campo, confunde-se com a categoria censitária “estabelecimento” do IBGE. Na composição da amostra das famílias entrevistadas, buscou-se considerá-las como consumidoras (de alimentos), não apenas como produtoras (agricultoras), faceta pouco ressaltada das famílias que habitam o meio rural e vem passando por profundas mudanças em seus hábitos alimentares.

Definiu-se que famílias agrícolas multilocalizadas são aquelas em que um ou mais membros residem fora da Unidade Agrícola Familiar (UAF), mas participam ou interferem no processo de reprodução socioeconômica da UAF por meio do compartilhamento de recursos monetários e alimentares e de trabalho. Essa participação não inclui, necessariamente, a retribuição por parte dos beneficiados. O foco principal é o compartilhamento de recursos alimentares, quando a família reconhece que produz alimentos para membros que residem fora da UAF ou que parte de sua alimentação vem de membros que residem fora da UAF. Por fim, adotou-se a noção de ‘sistema alimentar familiar’ com vistas a descrever o modo de interação e de agenciamento social, econômico e espacial de um conjunto de atividades e de recursos que fornecem à família, direta ou indiretamente, os alimentos necessários às suas necessidades quotidianas. Considerou-se o acesso aos alimentos por produção própria, compra nos mercados, trocas e doações, assim como a composição do consumo alimentar dessas famílias.

As informações coletadas permitiram abordar três aspectos que incidem na condição alimentar e nutricional das famílias entrevistadas: a) traços gerais dos hábitos alimentares da região e das famílias agrícolas; b) práticas alimentares conforme expressas na composição das refeições e nas estratégias de aprovisionamento das famílias entrevistadas; c) grau de diversidade das dietas alimentares e a importância da produção para autoconsumo. Não foram avaliadas as repercussões dos hábitos alimentares na condição de saúde dos indivíduos. Não obstante, as noções de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e do direito humano à alimentação adequada e saudável integram a abordagem aqui desenvolvidas.

A delimitação espacial da pesquisa de campo tomou a cidade de Chapecó como ponto de partida, ampliando o foco da observação de modo a captar características e tendências da região, chegando-se aos nove municípios que lhes são limítrofes.[4] Aplicou-se questionário estruturado com uma amostra intencional de 49 famílias agrícolas distribuídas nos dez municípios que delimitam a unidade de observação, com base numa tipologia que buscou abranger a heterogeneidade socioeconômica e produtiva da agricultura de base familiar da região pesquisada, a saber: a) famílias que praticam agricultura convencional; b) famílias que praticam agricultura integrada à agroindústria; c) famílias que comercializam em circuitos curtos sem transformação dos produtos; d) famílias que comercializam em circuitos curtos com agroindústria; e) famílias pobres; f) famílias indígenas. Informações foram também obtidas por meio de entrevistas com atores relevantes sediados naquela cidade (dirigentes de entidades, gestores públicos e profissionais) e extraídas dos debates ocorridos em dois grupos focais igualmente compostos por atores sociais com origem diversa dedicados a dois temas.

O texto a seguir encontra-se dividido em quatro tópicos. Inicialmente, apresentam-se alguns traços gerais dos hábitos alimentares no município de Chapecó com base no registro do debate realizado nos grupos focais e de fontes secundárias. O segundo tópico está dedicado à análise da composição e da diversidade da dieta alimentar das famílias agrícolas entrevistadas, retirada da aplicação de questionários. O terceiro reúne indicativos do grau de (in)segurança alimentar das famílias agrícolas e dos padrões alimentares por elas seguidos. Por fim, a quarta e última parte do texto traz algumas observações finais de caráter conclusivo.

 

Traços gerais dos hábitos alimentares de Chapecó e região

A aproximação aos hábitos alimentares da população do município de Chapecó e arredores apresentada a seguir está baseada em entrevistas com atores relevantes e nas informações recolhidas em dois grupos focais, especialmente naquele dedicado ao tema “Cardápios, acesso aos alimentos e sistemas alimentares em Chapecó”; o outro grupo focal tratou de “Práticas agrícolas, governança e SAN das famílias rurais no Oeste Catarinense”. Aos participantes dos grupos focais foram colocadas questões relativas à composição de suas refeições diárias e aos meios de acesso aos alimentos respectivos, o que seriam as refeições comuns ou “típicas” no meio urbano e rural, transformações ocorridas nos hábitos alimentares e no abastecimento do município, participação da agricultura familiar, atores sociais e políticas públicas que incidem sobre a alimentação e o abastecimento na região, tensões presentes na agenda pública e iniciativas significativas em favor de uma alimentação adequada e saudável.

Com população estimada em 216.654 habitantes em 2018 (IBGE, 2018),[5] Chapecó passou por rápido crescimento populacional e intensa urbanização nas últimas décadas, com mais de 90% da população residindo em área considerada urbana. A cidade é classificada como município intermediário que polariza a área rural do Oeste Catarinense, mesorregião que reúne 118 municípios e cerca de 1,6 milhão de habitantes (IBGE, 2017). A influência de Chapecó extrapola as fronteiras do estado, estando interligada às redes urbanas de Curitiba e Porto Alegre (FUJITA, 2013). Os fluxos cada vez mais integrados de produtos agroalimentares se destacam na interligação do Oeste Catarinense com outras regiões, sobressaindo o papel dos agentes situados na esfera da circulação nos referidos fluxos e também na organização da produção e distribuição de alimentos na própria região.

As características antes referidas e os elos estreitos, porém nada óbvios entre os meios rural e urbano, são essenciais na compreensão da coexistência e mescla de hábitos alimentares herdados e incorporados. A interdependência entre o urbano e o rural é uma característica constitutiva de Chapecó e região, em grande medida determinada pela agroindústria articulada com significativo contingente de agricultura de base familiar, fator que persiste até os dias de hoje mesmo com o maior vulto das transformações urbanas nas últimas décadas impulsionadas pela expansão das atividades classificadas como do setor terciário (FUJITA, 2013).[6] Em síntese, a diversificação de atividades urbanas (comércio em geral, serviços públicos, bancos, instituições de ensino e pesquisa, lazer etc.), assentada na migração rural-urbana intrarregional e na chegada de “agentes externos”, junto com o entrelaçamento urbano-rural estão na base do perfil populacional da cidade e da correspondente conformação de hábitos alimentares.

Assim, de um lado, há importante preservação de hábitos alimentares próprios da região fortemente assentados em vínculos de tipo familiar, cultural ou social com o meio rural por parte dos habitantes do núcleo urbano em crescimento, mais precisamente, com sua origem europeia (colonos italianos, alemães e poloneses) ou nativa (caboclos e indígenas) (TONEZER et al., 2018). De outro lado, o número crescente de pessoas oriundas de outras localidades traz consigo hábitos alimentares em virtude das tradições familiares-culturais e peculiaridades do seu território de origem, ao mesmo tempo que incorporam os já referidos hábitos alimentares predominantes na região de destino. Manter os hábitos alimentares trazidos das localidades de origem tem um significado mais forte por envolver a busca de alimentos diferenciados no comércio local ou alhures (na localidade de origem), bem como manter modos próprios de preparo dos alimentos no domicílio; os exemplos mencionados foram cortes distintos da carne bovina e preparos de doces e bolos. Já a incorporação de hábitos do local de destino, embora importante no aspecto da mudança de hábitos anteriores, parece se dar por processos de adaptação menos exigentes e de mais fácil solução prática, como nos exemplos mencionados de comer cuca com churrasco e utilização de farinha de mandioca torrada.

O quadro de hábitos herdados e assimilados é ainda mais complexo por serem atravessados pela influência exercida por grandes agentes privados liderados pela indústria alimentar e redes de varejo de médio e grande porte, apoiados em intensa propaganda. Chapecó é um centro urbano suficientemente populoso e diverso para que nele coexistam práticas alimentares distintas e cardápios combinando tendências nacionais e internacionais com antigos hábitos trazidos por imigrantes europeus ou assentados na cultura cabocla, ao lado de novas atitudes, crenças e modismos. Tendências e modismos que há tempos envolvem também as famílias rurais, favorecidas pela melhoria havida em seu poder aquisitivo, conforme relata um extensionista da Epagri:

... uns modismos aparecendo no meio rural [...] o acesso a esses alimentos está mais fácil, [...] poder aquisitivo [é] maior [...] levando um consumo maior então desses produtos industrializados, processados e uma diminuição do consumo dos produtos naturais, das frutas, das hortaliças, dos produtos caseiros.

Coexistência, combinações e hibridismos nos hábitos alimentares têm como contraface fenômeno análogo de interpenetração entre os canais ditos convencionais ou alternativos pelos quais transitam os bens alimentares (GOODMAN; DUPUIS; GOODMAN, 2012; LUZ; MALUF, 2019). De fato, as demandas variadas oriundas do quadro antes descrito se defrontam com importantes transformações nas atividades de varejo. Nas palavras de dirigente de associação de agricultores: “Nós temos os minimercados, mercearias, temos os mercadinhos, temos os mercados e temos os supermercados; e agora estão chegando os hipermercados em Chapecó […]”.

A instalação de grandes redes nacionais em Chapecó se dá a partir de 2012 (FOSSÁ; BADALOTTI, 2018). São conhecidos os fatores que possibilitaram aos supermercados se tornarem o principal local de compra da maioria dos itens que compõem a direta alimentar, em especial as grandes e médias superfícies, apesar da ressalva ao fato de os supermercados locais ou redes regionais oferecerem itens não encontrados nas grandes redes. Acrescente-se a reestruturação do conjunto diverso de equipamentos que compõem o varejo de alimentos na cidade em face da atuação dos hipermercados tanto na venda direta ao consumidor quanto no fornecimento ao pequeno varejo, fenômeno generalizado no país.

Não obstante, relatos colhidos nos grupos focais apontam para o caráter multifacetado desses processos e combinações diante da percepção de mudanças de comportamento em relação ao passado recente quando era grande a influência da grande agroindústria no consumo de processados. Há maior valorização da agricultura familiar e das pequenas agroindústrias familiares por parcelas da população, e cresce o consumo de hortícolas (frutas, verduras e legumes), num ambiente de intensa disputa com as feiras. Vale dizer, a predominância dos supermercados como local de compra e difusão de hábitos alimentares não se dá sem contestação e nem é extensiva a todo o elenco de produtos alimentares, muitos deles comercializados em feiras, mercados públicos, padarias, açougues e varejo de pequeno porte em geral.

As feiras da agricultura familiar têm histórico peculiar, sendo canal de participação dessa categoria de produtores no abastecimento alimentar de Chapecó e região ofertando produtos diferenciados (típicos, artesanais, orgânicos e agroecológicos). A instalação da primeira feira livre da cidade ocorreu em 1991, tendo sido para alguns uma extensão da propriedade rural e espaço estratégico de permanência da agricultura familiar (VASQUES, 2016; CORONA; VASQUES; GODOY, 2018), seguida da criação de uma Associação de Feirantes. Essas feiras receberam decisivo apoio da Prefeitura Municipal a partir de 1998, com crescimento dos espaços de comercialização e número de feirantes. A importância dessas feiras no campo alimentar se revela nos vários trabalhos que as tomam como conquista dos agricultores perante a sociedade e o Poder Executivo municipal (FOSSÁ; BADALOTTI, 2018), como instrumento de resgate da identidade dos alimentos na relação direta entre produtores e consumidores (CIGOGNINI et al., 2015) e também como instrumento de fortalecimento da produção para o autoconsumo dos agricultores feirantes com repercussão em sua segurança alimentar e nutricional (POZZEBOM et al., 2015). Sobre este último papel, observou-se que a comercialização dos produtos consumidos pelas famílias rurais fortalece o componente da produção para consumo próprio e se contrapõe a outras estratégias produtivas: “... a dedicação a produtos menos rentáveis (hortaliças/frutas) [se dá] apenas quando tem comercialização associada, se não dedicam-se a grãos, animais e leite” [Extensionista].

Não obstante, apontou-se que a oferta nas feiras concentra-se em carnes, embutidos, queijos e derivados lácteos, todos integrantes da dieta alimentar típica da região, havendo limitada variedade ofertada de hortifrútis. Registrada a ressalva, as feiras constituem um dos elos urbano-rurais pelos quais transitam as tradições culturais nos hábitos alimentares. Características antes apontadas explicam a presença predominante de agricultores nas feiras da cidade – há feiras exclusivas de agricultores familiares – em contraste com as feiras organizadas com base em comerciantes permissionários.

Essa história não tem sido feita sem percalços, em especial, em face da pressão sobre a comercialização de alimentos ditos artesanais pela Vigilância Sanitária, amparada pelo Ministério Público e poder policial, como ocorre em todo o estado de Santa Catarina. A cidade de Chapecó não está isenta dessa pressão, ainda que ela pareça ter condição diferenciada das cidades menores do seu entorno talvez em razão do histórico de apoio local. Duas ocorrências ilustram bem o que se disse, uma delas quando um promotor fechou todas as feiras na vizinha Xanxerê por não se adequarem aos quesitos da vigilância, a outra com a ação de fiscais da vigilância, apoiados pela polícia, apreendendo produtos (vinhos e queijos artesanais) vendidos na Casa Colonial de Seara, apesar de os produtos apreendidos estarem registrados no Serviço de Inspeção Municipal.[7]

Completa o quadro dos fluxos de produtos alimentares o importante papel desempenhado pelos entrepostos de abastecimento (Ceasas) na circulação de frutas de e para a região de Chapecó. Cabe menção especial à banana, fruta que recebe pouca atenção apesar de estar presente nos hábitos alimentares em todo o país, incluindo seu consumo generalizado e diário no campo e na cidade numa região (Chapecó) com pouca produção comercial e algum cultivo em pomares domiciliares para consumo próprio (22% das famílias entrevistadas cultivam banana). Como relatado por uma gestora de restaurantes universitários: “Se tu pegar as redes de distribuição de frutas aqui eles pegam muito de São Paulo, Curitiba, grandes Ceasas, grandes locais de fora [...] nós [fazemos] intercâmbio com agricultores de outras regiões produtoras de banana no estado”.

Quando se incorpora um recorte social à referência espacial aqui utilizada de modo a ter em conta a população de menor renda residente em bairros periféricos, duas observações emergem. Primeira, as limitações de deslocamento afetam o acesso dessa população a equipamentos de varejo, caracterizando-se uma dupla restrição (econômica e física) no acesso aos alimentos, em especial no acesso à alimentação saudável. Vejam-se, a propósito, os estudos sobre o difícil acesso a equipamentos com oferta de alimentos saudáveis nas áreas urbanas chamadas de “desertos alimentares” (WALKER; KEANE; BURKE, 2010; CAISAN, 2018), parte da problemática analisada desde a ótica do “ambiente alimentar” (CASTRO, 2018). As dificuldades do pequeno varejo em oferecer alimentos saudáveis (no caso, produtos frescos), sobretudo em bairros mais distantes, o torna mais propenso a reproduzir a pauta de produtos processados da indústria. Contudo, participantes no grupo focal afirmaram que há compra direta de hortícolas dos agricultores pelos pequenos mercados de bairro, enquanto os supermercados adquirem esses produtos nas redes de distribuição, registro importante, ainda que sem comprovação empírica.

A segunda observação se refere à diferenciação de hábitos alimentares combinando estrato de renda e local de residência, apontada pelos participantes do grupo focal. De fato, como em todo o país, o adensamento urbano da cidade de Chapecó foi acompanhado pelas marcas da exclusão social refletida na forte desigualdade socioespacial, surgimento de bairros operários sem infraestrutura e assentamentos precários, e a proliferação de áreas irregulares que representavam 77,3% das áreas existentes em 2011 (FUJITA, 2013). O diferencial de poder aquisitivo se reflete tanto nos hábitos de compra quanto na composição das refeições. Enquanto nos bairros periféricos predominaria a “comida pesada” (arroz, feijão, batata, massa, mandioca, carne, muito amido e carboidrato), os habitantes da região central ou pessoas com “formação maior” realizam mais refeições fora do domicílio ou podem pagar o preço diferenciado nas feiras. Segundo um agricultor feirante:

[...] eu fui trabalhando, produzindo o que a gente se alimentava, e aí nós fomos crescendo e evoluindo [...] a [boa] aceitação do povo urbano dos nossos produtos que são diferenciados [...] cada vez tá vindo buscar mais esses produtos na feira [...] o que tem mais poder aquisitivo vai buscar esse produto, o que tem menos vai sempre pelo mais barato, pelo econômico.

Pesquisa realizada em restaurantes localizados no centro de Chapecó revelou consumo de saladas (com molhos e complementos) estimado em 100g de vegetais por dia, acima da recomendação que consta do Guia Alimentar Brasileiro de 2014 (BORJES; PAGLIARINI; RODRIGUES, 2015). No grupo focal apontou-se a “novidade” do consumo crescente e com mais variedade de verduras (em relação às básicas de italianos, alemães e poloneses), legumes (além do pepino) e frutas, tanto em restaurantes como nos domicílios. Essa “novidade” não se verificaria entre caboclos e indígenas para os quais pesa a restrição de renda ao lado da falta de hábito, além de ser um consumo custoso que “não lhes faz falta”; uma renda maior talvez fosse dirigida a comprar produtos industrializados. O recorte étnico/cultural teria mais a ver com o modo de preparo dos alimentos com base em bens primários de amplo consumo, como o arroz, feijão, mandioca, milho e carnes.

O hábito alimentar tradicional de três “refeições grandes” vem dando lugar a refeições mais leves com alguma ingestão de alimentos entre elas. Assim, o almoço é “a refeição do dia” na qual são consumidos os alimentos tradicionais (arroz, feijão, carne, mandioca, legumes, salada), sobretudo, pelos que almoçam fora do domicílio. Já o jantar no domicílio é feito na forma de lanche (pães e biscoitos caseiros, geleias e embutidos) ou, quando realizado fora, dá lugar ao consumo de alimentos “nem tão saudáveis” (pizza e frituras) ou de culinárias específicas (japonesa e mexicana). Para o café da manhã, mencionou-se o maior consumo de frutas com redução dos tradicionais embutidos e da cuca.

Ficou evidenciado, também, o papel das relações familiares ou dos elos de sociabilidade em geral no acesso a alimentos ou preparos típicos e a produtos tidos como mais saudáveis, à semelhança do observado em outras regiões do país (LUZ; MALUF, 2019). Familiares ou conhecidos próximos que permanecem no meio rural ou moram em cidades menores da região nas quais o urbano e o rural se interpenetram, constituem fonte regular e, aparentemente, significativa de acesso a esses bens e da correspondente preservação de hábitos entre os habitantes de um centro urbano como Chapecó. Coloca-se a questão das repercussões da ruptura recente destes elos mesmo em regiões com as características do Oeste Catarinense e da sua eventual reconstrução, porém, em novas bases. Mais propriamente, abordou-se a permanência da influência do meio rural e dos hábitos herdados refletindo-se na busca por alimentos “naturais”, mesmo em face das transformações de hábitos com urbanização. É parte desse quadro de contrastes a ampliação da oferta de alimentos com menos sal e açúcar.

A composição dos grupos focais com predominância de pessoas com envolvimento profissional ou militante com alimentos e alimentação favoreceu o aparecimento de comportamentos contrapostos às tendências dominantes no consumo de alimentos. Esse é o caso da referência à “comida de verdade”, lema que vem sendo impulsionado nacionalmente pelos movimentos da SSAN e DHA, sob estímulo do Consea (CONSEA, 2015). Porém, o perfil dos participantes não retira importância das muitas referências ao crescimento de doenças devido aos agrotóxicos e às dietas ricas em alimentos ultraprocessados, reforçando a preocupação com a saúde humana como motor de mudanças de comportamento na cidade e no campo. O número crescente de iniciativas voltadas para a alimentação saudável fragmenta-se em ações isoladas e sem o apoio de campanhas ou de apelo popular significativo. As iniciativas destacadas foram os dois restaurantes populares (cerca de 1.600 refeições diárias), cozinhas comunitárias, ações com idosos, alimentação escolar, Programa Mesa Brasil – Sesc, pontos de venda ou entrega de cestas de alimentos por grupos de agricultores, e iniciativas individuais de plantio doméstico. Registre-se a pouca relevância atribuída à agricultura urbana em Chapecó, atividade que conta com recente lei estadual de apoio a sua expansão para fins de segurança alimentar (Lei no 17.533, 2018).

O relato de uma participante do grupo focal compradora de frutas de um agricultor remete a um aspecto que questiona idealizações sobre a interação urbano-rural no tocante aos hábitos alimentares. Segundo ela, o mesmo agricultor que traz laranjas para vender na cidade leva refrigerantes para casa, fato que levou essa compradora urbana a “ensinar receitas possíveis” com frutas para um agricultor. Claro que uma experiência individual não permite generalizações, porém, essa espécie de interação “às avessas” serve, no mínimo, para revisar idealizações quanto aos hábitos alimentares supostamente mais saudáveis das famílias agrícolas em comparação com os prevalecentes no mundo urbano.[8] Vale dizer, que se está frente a um quadro no qual, de um lado, habitantes das cidades buscam alimentos mais naturais no campo, portanto, estão mais próximos do rural local, embora com queixas de agricultores quanto a pouca propensão desses compradores de valorizar os alimentos buscados no meio rural. Por outro lado, os habitantes do meio rural incorporam em sua cesta de consumo produtos industrializados ou transformados como resultado de mais disponibilidade de renda monetária, da interação com parentes e outros habitantes do meio urbano e de comportamentos miméticos bastante comuns na alimentação.

A pesquisa detalhada adiante confirmou que as tendências gerais de modificação nos hábitos alimentares repercutem nos hábitos das famílias rurais, ainda que com algumas particularidades. As famílias agrícolas da região passaram a dispor de renda mensal garantida pela grande expansão da pecuária leiteira e pela aposentadoria rural,[9] ao que se soma a renda auferida por muitas delas pela integração com a agroindústria com efeito colateral de comprometer a produção de alimentos para autoconsumo. Dispor de poder aquisitivo, num contexto de proximidade com o meio urbano, traz maior incorporação de produtos “de fora para dentro” da UAF, produzindo contrastes como a introdução de refrigerantes por demanda dos filhos, apesar da ampla disponibilidade de frutas para suco, ou a busca pelo “diferente” por produtores de leite que compram queijos, ou tradicionais fazedores de salame que adquirem presunto e mortadela.

Pode-se afirmar que a despeito das várias iniciativas e ações públicas, o peso do setor privado é muito forte no abastecimento alimentar de Chapecó, portanto, na conformação dos hábitos alimentares de sua população urbana e também rural, como no Brasil em geral (MALUF, 2009). Não obstante, a posição dominante dos agentes privados de médio e grande porte na agroindústria e no comércio de atacado e varejo se dá num processo multifacetado no qual eles coexistem e se confrontam com um conjunto de iniciativas consideradas alternativas ou contra-hegemônicas, tais como a rede de agroindústrias familiares, feiras de produtos orgânicos, desenvolvimento da cadeia produtiva das frutas e verduras na região, venda direta ao consumidor, cooperativas de economia solidária, e outras mais.[10] Integram e incidem sobre os rumos desse processo mudanças significativas nos comportamentos da população urbana e rural quanto às suas práticas alimentares, algumas delas analisadas na seção a seguir, no que se refere às famílias agrícolas.

 

 

Práticas alimentares e diversidade das dietas das famílias agrícolas

A análise das práticas alimentares das famílias agrícolas entrevistadas requer, desde logo, fundamentar a adoção do conceito de prática. Essa opção torna a presente abordagem tributária dos enfoques socioantropológicos que consideram a alimentação como fato social, e não apenas fato biológico, como na conceituação de “fato alimentar” de Poulain (2004) ou na apreensão de Mauss (2003) da alimentação como “fato social total” que articula o biológico, o social e o psicológico. Além disso, considera-se a alimentação como uma prática social (WARDE, 2016), embora a prática não constitua nossa unidade de análise visando observar ações cotidianas rotinizadas relativas à alimentação, ademais de nos interessar outros aspectos além do consumo.[11]

Vale dizer, a análise das práticas alimentares das famílias agrícolas desenvolvida nesse tópico não se dissocia do marco analítico anterior, porém emprega o conceito de práticas alimentares com sentido mais amplo, de modo a incorporar as escolhas e estratégias das famílias relacionadas com sua alimentação, incluindo a forma como compõem a dieta e as fontes de aprovisionamento dos alimentos, em particular, a combinação de produção própria e compra de alimentos no mercado. A esses aspectos incorpora as repercussões da multilocalização familiar. A perspectiva adotada aponta, portanto, para uma abordagem das práticas alimentares que combina sua dimensão como prática social, estratégias alimentares, dietas e culturas alimentares.

Essa visão permite ainda estabelecer pontes com as noções de hábitos alimentares e dietas alimentares das Ciências da Nutrição, diálogo que contribui para analisar as condições alimentares e nutricionais das famílias pesquisadas sem limitar-se aos conteúdos estritamente nutricionais. Essa perspectiva está presente na análise da composição e diversidade das dietas alimentares correlacionadas com o perfil produtivo dessas famílias, em particular, a produção para autoconsumo.

Outra diferenciação com a aplicação das teorias da prática está na coleta de informações sobre os hábitos das famílias conforme eles se expressam na composição das respectivas dietas considerando os alimentos e preparos consumidos. Em lugar da observação direta, utilizou-se um anexo específico ao questionário aplicado na forma de um recordatório dos alimentos, preparações e bebidas ingeridas em até cinco dias anteriores ao dia em que o questionário foi aplicado, incluindo lanche e refeição, em casa ou fora dela. Foram registrados os produtos e preparos consumidos, anotando-se todos os alimentos e bebidas mencionadas, e a lista de ingredientes no caso de pratos compostos, sempre que possível. A natural dificuldade em detalhar refeições passadas tornou frequente recorrer às mulheres, quase todas elas envolvidas no preparo das refeições.[12] É comum entre as famílias agrícolas realizarem, durante a semana, refeições comuns a todos os membros residentes na unidade agrícola familiar, sob responsabilidade das mulheres. Estando nossa questão de pesquisa centrada na diversidade alimentar das famílias agrícolas, pouco se verificou quanto à diferenciação entre os indivíduos que as compõem.

As entrevistas foram realizadas em distintos dias, portanto, foi possível ter informações referentes a praticamente todos os dias da semana, inclusive sábados e domingos. Os finais de semana requerem atenção particular, pois é quando se nota uma alteração na rotina semanal das refeições e de preparo dos alimentos pelas famílias, seja pela maior frequência das menções às refeições fora de casa, seja pela incorporação de não residentes no domicílio (membros da família ou não) nas refeições realizadas em casa.

 

Escore de diversidade alimentar

A análise da diversidade alimentar das famílias entrevistadas adotou, inicialmente, o enfoque do Escore de Diversidade Alimentar (EDA), proposto pela FAO (2010). Trata-se de uma metodologia de aferição do grau de diversidade alimentar de indivíduos ou famílias medido pelos alimentos e preparos consumidos nas refeições nas vinte e quatro horas que antecederam a entrevista. O escore ou grau de diversidade alimentar é calculado a partir do número de grupos alimentares abrangidos pela dieta alimentar daquele indivíduo ou família no período considerado (OGECHI; CHILEZIE, 2017; RATHNAYAKE; MADUSHANI; SILVA, 2012). Ressalve-se o limite desse indicador quando restrito à adequação nutricional das dietas (HABTE; KRAWINKEL, 2016), questão retomada adiante à luz da noção de alimentação adequada e saudável.

O cálculo do EDA[13] valeu-se das informações recolhidas pelo método recordatório referido, agregando os alimentos consumidos em 16 grupos: cereais; tubérculos; vegetais e tubérculos ricos em vitamina A; vegetais folhosos verde-escuros; outros vegetais; frutas ricas em vitamina A; outras frutas; vísceras; carnes; ovos; peixes e frutos do mar; leguminosas e sementes; leite e derivados; óleos e gorduras; doces e pimentas; condimentos. Posteriormente esses alimentos foram reagrupados unindo os grupos dos vegetais (vegetais e tubérculos ricos em vitamina A, vegetais folhosos verde-escuros e outros vegetais), frutas (frutas ricas em vitamina A e outras frutas) e carnes (vísceras e carnes), resultando num total de 12 grupos alimentares avaliados.

Além disso, como já explicado, ampliou-se o recordatório para até cinco dias por nos parecer mais apropriado avaliar a diversidade das dietas alimentares das famílias sem o evidente viés do que foi consumido em um único dia como sugerido pelo método da FAO. Por isso, o EDA foi calculado agregando os alimentos e preparos mencionados em todos os dias registrados, independente da frequência do consumo de cada um deles, de modo a aferir a diversidade da composição das dietas das famílias num período de tempo significativo, evitando escolhas e eventuais ocorrências nas refeições em um determinado dia da semana.

O critério proposto pela FAO (2010) para calcular o grau de diversidade alimentar das dietas considera que o EDA é baixo quando a família consome até 3 grupos alimentares (cereais, leguminosas e carnes), médio, entre 4 e 5 grupos (cereais, leguminosas, carnes e vegetais) e alto, para 6 ou mais grupos alimentares (cereais, leguminosas, carnes, vegetais, tubérculos, frutas, ovos, leite e derivados, óleo e gorduras, doces e condimentos). A população pesquisada apresentou uma variação de EDA de 3 a 11 grupos alimentares, com a quase totalidade, 47 famílias (96%), apresentando um grau elevado de diversidade alimentar. De modo geral, o consumo de folhosas escuras e frutas de vitamina A é muito pouco expressivo, praticamente desaparecendo no cálculo de média em alguns tipos de família, embora presentes em algumas delas. Nota-se nos grupos das famílias indígenas e pobres um baixo consumo médio de ovos, leite e derivados, se comparadas aos demais grupos. Não obstante, as dietas das duas famílias com diversidade baixa e média (4% do total) não se caracterizam como propriamente “pobres” em termos calóricos e proteicos, pois ao lado das leguminosas e vegetais elas incluem as carnes cujo consumo é, usualmente, considerado como sinal de maior capacidade de acesso aos alimentos. A despeito de sua relevância do ponto de vista nutricional, a aferição do EDA é insuficiente para dar conta da perspectiva da pesquisa de explorar os elos entre práticas sociais, dietas alimentares e culturas alimentares, debatidos nos próximos tópicos.

 

Produtos alimentares e preparações nas várias refeições do dia

O segundo procedimento adotado visou considerar os produtos e preparos e estabelecer as relações das dietas com as práticas produtivas das famílias, as características do território em que se encontram e as culturas neles presentes. Nessa perspectiva, serão analisados os resultados da aplicação do recordatório em três dimensões principais: i) diversidade de produtos e preparações; ii) relação entre os dez principais produtos consumidos, a produção na propriedade e a compra fora da propriedade; iii) condição alimentar das famílias.

Várias foram as dificuldades enfrentadas na busca de uma melhor metodologia para refletir quantitativa e qualitativamente a relação entre produtos alimentares x processamento implicado x combinação de alimentos x aspecto nutricional. Uma delas são as várias denominações com que aparece um produto e as diferentes combinações e preparos associados a ele, como no caso significativo da chamada “carne de frango”, de modo que ao contabilizar todas as variações encontradas chegou-se a uma elevada variedade de alimentos e preparações consumidas pelas famílias entrevistadas. Ressalve-se que a maioria dos entrevistados mencionou os principais produtos do preparo alimentar, sem citar todos os componentes das combinações alimentares como temperos e condimentos utilizados, por exemplo, as farinhas, sal, azeites ou óleos. Por fim, alguns produtos e composições podem aparecer de forma genérica, por exemplo, na expressão “verduras, saladas, hortaliças e verdes”, e também de forma específica, como “salada de alface, cenoura, tomate etc.” Constata-se que não há clareza entre os entrevistados sobre tais terminologias, tampouco suas dimensões técnicas agronômicas ou nutricionais, o que levou à contabilização de todas as variações encontradas. Apesar dessas dificuldades na ponderação dos dados, o caminho analítico seguido trouxe à tona questões também presentes nos Grupos Focais, dando mais robustez aos achados da pesquisa.

O método adotado resultou num total de 297 variedades de produtos alimentares e preparações consumidas pelas famílias entrevistadas. O almoço é a refeição que, em geral, apresenta mais variedade de alimentos e preparações (175), seguida do jantar (142), café da manhã (60), lanche do meio da tarde (49), lanche entre o café da manhã e o almoço (27) e o lanche após o jantar e antes de dormir (3).

Os dez alimentos mais mencionados no café da manhã são o pão (76%), café (70%), queijo (41%), chimia (34%), leite (29%), salame (24%), mel (21%), chimarrão (15%), frutas (15%) e polenta (14%). Comparando o resultado encontrado com os dados do Guia Alimentar brasileiro (2014), chama atenção a reduzida composição com ovos e frutas no café da manhã, mas se confirma a destacada presença do leite, café, pães e queijo. O consumo de preparações à base de cereais minimamente processados está presente na polenta, preparo considerado típico na região. Acrescente-se ainda o salame, alimento processado frequente nesta refeição.

Os dados referentes ao almoço apontam, em sua maioria, produtos in natura ou minimamente processados. Um primeiro destaque deve ser dado ao consumo de carnes de origem variada (gado, porco, frango/galinha e ovelha) e em diferentes formas de preparo (cozida, frita, assada, churrasco, empanada, recheada, molhos, sopa), sendo os produtos mais presentes na alimentação dos entrevistados, em 139 ocasiões (75% dos almoços registrados). Em muitas oportunidades, os entrevistados mencionaram a carne de forma genérica, havendo registro como carne de gado em 25 ocasiões (13%), carne bovina em 8 (4%), carne de porco em 22 (12%), carne de frango em 43 (23%) e galinha em 14 (7%). A carne de peixe foi citada em apenas 2 momentos (1%). Outro produto expressivo na dieta local é a massa, ou macarrão, que aparece em 49 ocasiões (26%); a mandioca em 45 (24%), na preparação cozida, com bacon, frita, purê e na maionese. Destaca-se ainda no almoço o acompanhamento da polenta, da batata e do pão.

Há variações na região de Chapecó em relação à ampla presença de arroz e feijão na refeição brasileira revelada pelo Guia Alimentar (Idem). Entre os 187 registros relativos ao almoço, o arroz esteve presente em 55% das ocasiões (50% na preparação de arroz sozinho, 4% na composição de risoto e 1% na composição de carreteiro). O feijão é mencionado em 87 momentos (47%), feito sozinho, seguido pelo preparo na sopa de feijão (com massa, a chamada minestra) e virado de feijão (com farinha de mandioca). A composição arroz + feijão somente ocorre em 73 ocasiões (39%) dos almoços dos entrevistados, portanto, em menos da metade dos registros, proporção menos expressiva que a apontada pelo Guia Alimentar para o conjunto da população brasileira. Observe-se, porém, que os registros incluem os almoços aos sábados e domingos, dias da semana em que o feijão não estava tão presente em face da refeição habitual à base de churrasco, maionese e mandioca, entre outras composições.

Outro contraste com os hábitos da população brasileira em geral, apontados pelo Guia Alimentar, está na presença importante de verduras e legumes na composição do almoço das famílias entrevistadas, sendo mencionados em 137 ocasiões (73%), com destaque para a alface (31%) e tomate (12%). Pepino e vagem são mencionados em quatro momentos na forma “em conserva”, isto é, legumes com algum processamento que podem conter quantidade elevada de sódio, enquanto a maioria dos demais produtos citados são consumidos crus em saladas ou em preparações cozidas ou refogadas. O consumo de suco aparece em 24 ocasiões (13%), sendo o momento em que se consomem frutas, mas apenas na forma de suco (abacaxi, laranja, limão, maracujá, maracujá e cenoura e pêssego). O consumo de doces foi muito pouco mencionado, sendo apenas três preparações citadas: pudim, sagu e torta de bolacha. São referidos canjica e bolo, mas não está claro se são na preparação doce ou salgada.

No jantar as famílias agrícolas entrevistadas consomem produtos já citados no café da manhã e no almoço. Os produtos mais mencionados são o pão e o café, seguidos pelas saladas (alface, beterraba, cenoura, chuchu, couve, pepino, quiabo, repolho e tomate) e carnes (bovina, de gado, de galinha, de porco, frita, moída, suína, no carreteiro, bife, à milanesa, ao molho, recheada, à milanesa, no pastel, recheada, no risoto e na sopa).

O lanche mais usual é no período da tarde, entre o almoço e o jantar, seguido do lanche da manhã e o da noite. É muito pouco frequente entre os entrevistados realizar lanche após o jantar. Apenas em dez ocasiões houve menção a ele quando basicamente foi consumido um copo de leite, um iogurte ou consumida uma banana. Aliás, a banana é a única fruta que está presente em praticamente todas as refeições do dia, com exceção do almoço.

Cabe um último e especial registro ao domingo, pois é o dia mais atípico em relação à dieta alimentar das famílias agrícolas entrevistadas. O domingo tradicional no Oeste Catarinense, assim como em muitas partes do Sul do Brasil, tem o churrasco como refeição principal no horário do almoço, acompanhado de salada de alface e/ou tomate, mandioca e salada de maionese. Das 43 famílias cujo recordatório incluía as refeições em um domingo, 22 famílias indicaram o consumo de churrasco (dos mais variados tipos e cortes de carne, incluindo gado, suíno-porco, frango e ovelha), 21 famílias mencionaram consumir salada (com destaque para a alface e o tomate), 17 famílias disseram consumir mandioca e 11 famílias disseram consumir salada de maionese (salada de batata com maionese caseira). A bebida mais citada como acompanhamento é a cerveja (5 famílias), seguida por refrigerantes (4 famílias) e sucos (mencionados por 3 famílias).

 

Multilocalização e fontes dos alimentos

Considerando a tipologia de famílias adotada na pesquisa, identifica-se que não existe uma variação muito significativa entre a média de produtos e preparos alimentícios entre as famílias multilocalizadas e as famílias monolocalizadas. A variação mais expressiva em termos de diversidade da dieta ocorre entre os agrupamentos das famílias conforme a segunda tipificação que orienta a pesquisa. Assim, verifica-se que os entrevistados membros das famílias indígenas apresentam a menor média de produtos e preparações (15), seguidos pelos entrevistados membros das famílias pobres (16). Os entrevistados membros das famílias que participam de circuitos curtos-produtores de agroindústrias (formais e informais) sãos aqueles que apresentam uma maior média (27), seguidos pelos entrevistados membros de famílias com integração, produção convencional (25) e demais famílias atuantes em circuitos curtos (21).

De modo geral, os produtos alimentares e as preparações mencionadas pelos entrevistados são muito similares. Analisando os cinco principais produtos consumidos por cada categoria de família nas três refeições principais, a saber, café da manhã, almoço e jantar, identificou-se que no café da manhã os indígenas consomem pouca quantidade de derivados de leite; entre os pobres é frequente a menção ao hábito de “não tomar café da manhã”; e entre os demais grupos é frequente a variedade de produtos no café da manhã e derivados de leite. No almoço, na maioria das famílias, foi referida uma variedade significativa de produtos e preparos, sobretudo as saladas ou verduras, sendo o consumo de suco de frutas “natural” frequente entre as famílias, com exceção das famílias indígenas. De noite, grande parte das famílias menciona o consumo do “resto do almoço” e muitos indicam consumirem uma composição semelhante ao café da manhã (café, leite, pães etc.).

Na pesquisa não foram agregadas as famílias conforme origem étnica, portanto, não é possível fazer afirmações nesta direção. Entretanto, ao longo do trabalho identificou-se menção ao consumo de preparados a partir da farinha de trigo, tais como o grostoli (regionalmente chamado de cueca virada), o tortei (massa e recheio de abóbora), a lasanha (com massa caseira e carne de galinha) e o pão. Conforme Tonezer et al. (2018), o trigo veio a ser plantado, colhido e manufaturado na região depois da chegada dos imigrantes, sobretudo os italianos e alemães, que trouxeram consigo as técnicas de moinhos. Destacam as autoras que os migrantes também tinham o hábito do consumo de cereais como o milho e trigo, hortaliças, tomate e feijão, com destaque para a tradicional minestra (sopa de feijão), bem como a polenta e a broa, ambas de milho, assim como os ovos, carne de frango e porco, já que a carne bovina era consumida em datas especiais.

Na pesquisa também são associados os tradicionais hábitos dos imigrantes italianos como o consumo de polenta “brustolada”, o risoto de galinha, a salada de radite com bacon, a fortáia (mistura de salame, ovos e queijo), o agnoline, o nhoque (de batata ou de massa) e a macarronada. Os hábitos alimentares de origem da colonização alemã na região, também estudadas por Tonezer et al. (2018), se verifica na menção ao consumo do repolho, couve folha, batata inglesa, banha de porco, leite, carne de porco, salame e chimia. A abóbora, batata-doce, mandioca, milho e feijão, produtos frequentes nas refeições estudadas, são tradicionalmente associados aos hábitos alimentares dos caboclos e indígenas, assim como o consumo de chimarrão, chás e revirado de feijão no café da manhã. Conforme Gielda (2009), o costume de comer revirado pela manhã era comum entre as famílias de caboclos, sendo considerada uma “comida de substância”. Entre os produtos e preparações associadas aos hábitos sulistas, ou “gaúchos”, destaca-se a menção à salada de batata com maionese caseira, a cuca, o carreteiro e o churrasco de cortes variados de carnes, bem como o chimarrão.

A partir dos resultados da pesquisa arriscou-se dizer que em uma cesta de alimentos típica da população de Chapecó e região terá no café da manhã pão, café, queijo, chimia, leite, salame, mel, chimarrão, frutas (sobretudo da época) e polenta. O almoço implicará um preparo de carne de frango, salada de alface, arroz, feijão, massa ou macarrão, mandioca cozida, suco e polenta, podendo ainda acompanhar uma batata-doce ou batata inglesa e pão. E no jantar haverá pão, café com leite (ou café preto), salada de alface, um preparado com carne de frango, arroz, feijão e queijo.

Ao se relacionar os produtos consumidos e os produzidos na propriedade, constatam-se menções genéricas a frutas do pomar e, especificamente, ao abacate, abacaxi, acerola, ameixa, amora, banana, bergamota, caqui, cítrus (laranja), figo, goiaba, jabuticaba, lima, mamão, maracujá, melancia, mexerica, morango, pêssego, pera, ponkan e uva. Elas representam 99 menções, em média 2 variedades de frutas/família. Os cinco produtos mais mencionados foram: cítrus (laranja) 15 (31%); banana 11 (22%); frutas 10 (20%); pêssego 8 (16%); mamão 6 (12%). Entre os “verdes”, de forma genérica são mencionadas as saladas, verduras/folhosas, folhas, horta, hortaliças. De modo específico são citados agrião, alface, almeirão, brócolis, chicória, couve, couve-flor, espinafre, radite, repolho, rúcula, cebolinha, tempero, tempero verde. Foram 73 menções, em média 1 variedade de salada/família. Os cinco produtos mais citados foram: alface 14 (29%); repolho 10 (20%); salada 7 (14%); couve 6 (12%); horta 6 (12%).

A referência genérica às carnes se desdobra em menções a aquicultura, aves, bovino, bovino de corte, caça, carne de gado, carne suína, carne de terneiro, ovinos, ovinos-caprinos, peixes, peru, suíno. Resultando em 124 menções, em média 3 variedades de carne/família. Os cinco produtos mais citados foram: aves 39 (80%); suínos 35 (71%); bovinos 33 (67%); peixes 15 (31%); demais 3 (6%). Os legumes referidos de forma genérica implica menção a abóbora, abobrinha, batata/batatinha, batata-doce, beterraba, cebola, cenoura, chuchu, ervilha, mandioca, moranga, pepino, pimentão, quiabo, tomate, tomate cereja e vagem, indicando 125 menções, em média 3 variedades de legumes/família. Os cinco produtos mais mencionados foram: mandioca 41 (84%); batata-doce 30 (61%); abóbora 13 (27%); cenoura 6 (12%); chuchu 5 (10%).

Outros produtos citados como produzidos nas propriedades chegam a 165 menções, em média 3 variedades de outros produtos/família. Os produtos mais referidos foram: feijão 27 (55%); leite 23 (47%); milho 23 (47%); ovos 22 (45%) e plantas medicinais 21 (43%). Outros exemplos foram o açafrão, amendoim, arroz, cana-de-açúcar, cúrcuma, erva-mate, fava, hibisco, lenha-carvão, mel, milho crioulo, milho-pipoca, ovos, pinhão, trigo etc. Também são mencionados em porção pouco expressiva o açúcar mascavo (citado por uma família) e o queijo (citado por cinco famílias). De modo geral, os dados evidenciam que muitos dos produtos e matérias-primas para as preparações consumidas diariamente pelas famílias pesquisadas são também produzidos nas propriedades, sendo fonte de segurança alimentar das famílias, dado o papel importante da produção para o autoconsumo. Destacam-se os casos da carne de aves, alface e mandioca.

Quando questionados sobre compras de alimentos nos mercados da comunidade ou da cidade próxima, a maioria dos entrevistados cita a compra de farinha de trigo e farinha de milho (43 famílias – 88%), açúcar (33 famílias – 67%), arroz (26 famílias – 53%), café (23 famílias – 47%), sal (23 famílias – 47%), erva-mate (16 famílias – 33%), carnes de diferentes animais (15 famílias – 31%), produtos de higiene e limpeza (11 famílias – 22%), azeite (9 famílias – 18%), óleo/óleo de soja (9 famílias – 18%) e feijão (8 famílias – 16%). É possível que as farinhas (de milho e trigo) e o fermento sejam destinados para a elaboração de massas, pão e polenta, preparações mencionadas em grande parte das refeições das famílias, entre outros produtos referidos como a cuca, o grostolli, massa de lasanha etc. O açúcar, o arroz, o café, a erva-mate são também produtos que aparecem como mais consumidos nas refeições. O sal e o óleo e o azeite são componentes essenciais das inúmeras preparações das famílias desde o café, lanches, almoço e jantar, e mesmo não tendo sido mencionados nas refeições, estão subentendidos.

Foram citadas compra de refrigerantes (12,24%), salame (12,24%), massa/massa pronta/macarrão (12,24%), batata inglesa/batatinha (10,20%), leite (8,16%), frutas (e maçã) (8,16%), fermento (6,12%), ovos (6,12%), queijo (6,12%), banha de porco (4,08%), cerveja (4,08%), leite condensado (4,08%), e menos de 2% segue a menção a bolachas, cachaça (para fazer bolinho), condimento para fazer sobremesa, creme de leite, enlatados, gelatina, iogurtes etc. Assim, o refrigerante é o alimento industrializado mais mencionado entre os adquiridos fora da propriedade, indicado por seis famílias, sendo cinco multilocalizadas.

Contata-se que, de modo geral, todas as categorias de famílias pesquisadas produzem uma variedade importante de alimentos para o autoconsumo, mesmo entre aquelas famílias que apresentam uma média menor de produtos e preparações consumidas como as famílias indígenas. As famílias dos circuitos curtos e agroindústrias apresentam, em média, mais variedade de produtos consumidos, mais variedade de produtos produzidos e menos quantidade de produtos adquiridos fora da propriedade, nesta sequência 27-16-5 produtos. Logo estão as famílias de integrados (25-15-7 produtos), convencionais (25-11-10 produtos), circuitos curtos – demais produtores (21-7-12 produtos), pobres (16-12-5 produtos) e indígenas (15-15-6 produtos).

 

Segurança alimentar e nutricional e alimentação adequada

Neste tópico é apresentado, inicialmente, um indicador da percepção das famílias agrícolas entrevistadas sobre sua própria condição em termos de insegurança alimentar e fome, com base na aplicação da Escala Brasileira de Segurança Alimentar (Ebia). Instrumento já consagrado internacionalmente, adaptado e validado no Brasil (KEPPLE; SEGALL-CORRÊA, 2011), a Ebia tem sido aplicada desde a escala nacional em levantamentos periódicos pelo IBGE (IBGE, 2014) até o âmbito de estudos com populações determinadas (SEGALL-CORRÊA; MARIN-LEON, 2009; MEDEIROS et al., 2017; SILVA et al., 2017). A Ebia consiste numa escala de medida direta da percepção de insegurança alimentar e fome em nível domiciliar enraizada na experiência de vida, refletindo a crescente ênfase em medidas subjetivas com o uso de escalas psicométricas, contudo, conforme alertam Kepple e Segall-Corrêa (2011), se aplicada isoladamente a escala não é adequada para medir a complexidade de um fenômeno multidimensional e interdisciplinar como a SAN.

Recorrendo à versão da Ebia referendada por pesquisadores e utilizada pela IBGE (2014) que consiste num elenco de 14 perguntas, diferenciando famílias nas quais há a presença de menores de 18 anos. Sendo de fácil aplicação, ela pode ser inserida nos instrumentos de coleta de informações de vários tipos de pesquisas (KEPPLE; SEGALL-CORRÊA, 2011), procedimento adotado neste estudo com a inclusão das perguntas respectivas como anexo do questionário aplicado junto às famílias agrícolas. A Ebia classifica os domicílios em condição de segurança alimentar quando seus moradores tiveram acesso aos alimentos em quantidade e qualidade adequadas e sequer se sentiam na iminência de sofrer qualquer restrição no futuro próximo. Já a condição de insegurança alimentar pode se dar em três graus. Os domicílios com ‘insegurança alimentar leve’ são aqueles nos quais foi detectada alguma preocupação com a quantidade e qualidade dos alimentos disponíveis. Nos domicílios com ‘insegurança alimentar moderada’ os moradores conviveram, no período de referência, com a restrição quantitativa de alimento. Os domicílios com ‘insegurança alimentar grave’, além dos membros adultos, as crianças, quando houver, também passam pela privação de alimentos, podendo chegar à sua expressão mais grave, a fome (IBGE, 2014).

Os resultados da aplicação da Ebia para as 49 famílias agrícolas entrevistadas no primeiro semestre de 2018 indicam que na grande maioria dos domicílios (86%) a percepção é de se encontrar em segurança alimentar, tendo sido identificados poucos casos de insegurança alimentar leve (12%, sendo 4 famílias pobres e 2 indígenas), apenas um caso de insegurança alimentar moderada (2%, sendo 1 família pobre), e nenhum domicílio na condição de insegurança alimentar grave. Esse resultado é superior à última média nacional divulgada pelo IBGE referente a 2013, quando 77,4% domicílios declararam-se em segurança alimentar, 14,8% em insegurança alimentar leve, 4,6% moderada e 3,2% grave (IBGE, 2014). Contudo, quando se considera a tipologia de famílias adotada e a incidência da insegurança alimentar é calculada como proporção da amostra de cada categoria, os resultados não são tão positivos: das 4 famílias indígenas entrevistadas, 2 vivem em insegurança alimentar leve; das 9 famílias pobres entrevistadas, 4 famílias apresentam insegurança alimentar leve e 1 o nível moderado. Em ambos os casos, portanto, a presença de algum nível de insegurança alimentar corresponde a mais de 50% dos entrevistados.

Essa discrepância pode ter sido um pouco reduzida por uma melhoria do indicador nacional nos cinco anos que separam os dois levantamentos, porém é possível afirmar que ela se explica em grande medida por se tratar de amostra intencional cujo critério priorizou a condição de famílias agrícolas em suas várias modalidades, além do fato de a região Sul do país costumeiramente apresenta indicadores socioeconômicos melhores do que a média nacional.[14] Embora a amostra contemplasse domicílios com famílias consideradas pobres pelos critérios do Programa Bolsa Família, outro deveria ser seu desenho caso estivesse voltada ao objetivo, nada óbvio, de identificar condições de extrema vulnerabilidade social numa região diferenciada quanto às condições socioeconômicas de sua população.

Os dados levantados com as famílias com ISAN leve e moderada permitem identificar que entre os produtos consumidos pelas famílias, parte deles é produzida na propriedade. Observa-se também que as famílias indígenas com ISAN leve mencionam menor variedade de produtos produzidos nas propriedades (aves, açafrão, banana, batata-doce, cítrus, hibisco, frutas, ovos, mamão, mandioca, plantas medicinais, salada, suínos e verduras) em comparação com as famílias pobres com ISAN leve (alface, amendoim, aves, batata-doce, bovino, couves, couve-flor, feijão, frutas, caqui, cítrus (laranja), hortaliças, leite, mandioca, mel, milho, milho-pipoca, ovos, plantas medicinais, pinhão suínos, verduras e repolho). A família em condição moderada menciona produzir uma variedade significativa de produtos, a saber: abobrinha, amora, aves, banana, bergamota, bovino leite, chuchu, cítrus (laranja), feijão, figo, mamão, mandioca, melancia, milho, ovos, pera, plantas medicinais, repolho, verduras folhosas.

 

Considerações finais

A título de observações finais, serão retomados alguns dos “achados” da abordagem adotada pela pesquisa e extraídas implicações nos limites do método empregado. Inicialmente, buscou-se caracterizar o contexto geral em que se inserem as famílias agrícolas em termos dos fatores determinantes e tendências gerais dos hábitos alimentares da população de uma região com antiga e ainda importante tradição rural, porém polarizada por uma cidade (Chapecó) de tamanho médio, razoável complexidade urbana e integrada em processos e fluxos nacionais e internacionais relevantes para o tema alimentar. A despeito da predominância das dinâmicas urbanas e dos agentes privados de maior porte, foi possível comprovar a importância da inter-relação entre o urbano e o rural na alimentação das populações que vivem em ambas as áreas, uma via de mão dupla que preserva antigos e forma novos hábitos alimentares, além de constituir fonte de aprovisionamento de alimentos na forma de compras, trocas e compartilhamentos.

Destacam-se como principais canais dessa inter-relação urbano-rural os laços intrafamiliares e outros elos de sociabilidade, e a proximidade campo-cidade que facilita tanto o acesso a equipamentos urbanos (como os supermercados) pelos habitantes da área rural quanto o exercício de atividade comercial pela agricultura familiar (em feiras e outras formas de comercialização). Claro que essas são características que podem ser encontradas em muitas outras localidades,[15] mas não há dúvida quanto ao fato de elas serem dependentes de um entorno rural com presença ainda significativa de produção agroalimentar de base familiar e diversificada. Essa conexão pode se desfazer em face da tendência em direção a uma agricultura com maior especialização e escala conectada com circuitos nacionais e internacionais, perdendo-se o potencial sinérgico da proximidade física entre produtores e consumidores que demanda, ademais, ação pública para se efetivar (MALUF, 2004).[16]

As informações coletadas com os três instrumentos de pesquisa (grupos focais, entrevistas e questionário com as famílias agrícolas) comprovam, portanto, as profundas transformações nas práticas alimentares das famílias e indivíduos que habitam tanto a área urbana quanto a rural. Lembre-se o sentido amplo do conceito de práticas alimentares aqui empregado que incorpora as escolhas e estratégias das famílias relacionadas com sua alimentação. As referidas transformações nas práticas constituem fenômeno bastante ressaltado, ainda que persistam desafios analíticos relevantes. As informações da pesquisa não permitem realizar um balanço da condição alimentar e nutricional das famílias agrícolas e os principais fatores que a determinam, sendo necessário buscar suporte em bases de dados secundários. Esse é o caso, por exemplo, da avaliação da amplitude já atingida pelas repercussões dos hábitos alimentares na saúde da população rural em face das muitas referências ao aumento de problemas de saúde no campo, tais como sobrepeso, obesidade, doenças coronarianas etc.

Foi possível extrair da pesquisa de campo informações preciosas sobre a composição das refeições, estratégias de obtenção dos alimentos e grau de diversidade alimentar das famílias entrevistadas. A aplicação da metodologia de cálculo proposta pela FAO restrita aos grupos de alimentos resultou em escore de diversidade alimentar elevado para a quase totalidade das famílias entrevistadas, porém, quando elas são diferenciadas segundo a tipologia das famílias adotada pela pesquisa, carências de alguns grupos de alimentos são observadas nas famílias pobres e indígenas.

A perspectiva de especificar os produtos alimentares e preparações que compõem essas refeições e correlacioná-los com aspectos culturais, territoriais e socioeconômicos resultou em extenso trabalho de sistematização de um conjunto grande de informações que revelou os produtos e preparos alimentares mais comuns entre as famílias entrevistadas, os comportamentos alimentares cotidianos e os produtos adquiridos fora da propriedade ou produzidos e processados dentro da propriedade. Ficaram evidenciadas importantes variações entre as categorias de famílias, porém, apesar da grande diversidade da produção e consumo alimentar, esta variação é maior entre as famílias inseridas em circuitos curtos e com pequenas agroindústrias, confirmando que a diversidade do consumo alimentar das famílias agrícolas está diretamente associada à diversidade de práticas produtivas, de processamento e de relações comerciais por elas mantidas. Notou-se na região de Chapecó frequência acima da média nacional no consumo de frutas e verduras nas dietas das famílias agrícolas em virtude das heranças culturais próprias da região e também pela disponibilidade e fácil acesso a estes produtos, parte deles por produção própria.

A relevância da condição de família multi ou monolocalizada nas práticas alimentares tem relação com o papel dos laços intrafamiliares, por um lado complementando a alimentação com preservação de hábitos dos familiares que residem na área urbana e obtêm periodicamente alimentos na UAF (carnes, queijos e hortícolas). Por outro lado, como portadores de novos hábitos nesses mesmos encontros periódicos com os familiares residentes na área rural (refrigerante, alimentos industrializados e ultraprocessados).

A importância da produção para autoconsumo na alimentação das famílias agrícolas ficou também suficientemente destacada. Ressalte-se o efeito indireto de estímulo à produção para autoconsumo derivado da inserção mercantil dos agricultores familiares baseada em produtos da própria dieta alimentar da família (típicos, artesanais ou naturais). Relação de complementaridade e fortalecimento recíproco que se converteria em competitiva e excludente nas estratégias de especialização.

Por fim, embora não integre o escopo da abordagem aqui apresentada, cabe mencionar o papel de um conjunto de ações e políticas públicas que, na opinião dos entrevistados, promove a alimentação saudável e adequada no município de Chapecó, apesar de fragmentado em sua atuação. A fragilidade da integração intersetorial das ações relacionadas com a alimentação e nutrição constitui diagnóstico com aplicação generalizada nos âmbitos municipal, estadual e nacional no Brasil. Contudo, contraste ficou sugerido entre a atuação municipal em Chapecó e outros municípios com a do governo estadual. Mais grave pelo que denuncia é a observação sobre o acobertamento do tema da pobreza num contexto sociopolítico em que o “preconceito contra a pobreza” coexiste com importantes redes solidárias. A propósito, a participação social nas políticas públicas – um dos antídotos a tais “invisibilidades” – é avaliada como baixa e frágil nos Conselhos em geral e também no Conselho Municipal de SAN. Nesse ponto, caberia futura investigação, já que a percepção de que há dinamismo da sociedade civil em Chapecó parece ter pouca repercussão na agenda da soberania e da SAN, tema ausente das organizações e movimentos sociais para além daquelas que lidam com agricultura familiar e nutrição.

 

 

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MALUF, Renato Sérgio; ZIMMERMANN, Silvia Aparecida. Antigos e novos hábitos na alimentação de famílias agrícolas de Chapecó e região. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 28, n. 1, p. 48-77, fev. 2020.

 

Resumo: (Antigos e novos hábitos na alimentação de famílias agrícolas de Chapecó e região). O texto apresenta os resultados de pesquisa de campo sobre práticas alimentares de famílias agrícolas selecionadas na região de Chapecó (SC), ressaltando a combinação entre a preservação de antigos e introdução de novos hábitos alimentares e seus principais determinantes, num contexto de estreita relação urbano-rural. Analisa também o grau de diversidade das dietas alimentares e as fontes dos alimentos consumidos com base em extensa coleta de informações, e a percepção das famílias entrevistadas sobre sua segurança alimentar e nutricional. Entre os “achados” da pesquisa destacam-se significativas modificações nos hábitos alimentares das famílias agrícolas entrevistadas, elevado grau de diversidade das dietas, importância das relações urbano-rural, em especial, dos elos intrafamiliares em relação com o fenômeno da multilocalização familiar.  

Palavras-chave: práticas alimentares; hábitos alimentares; famílias agrícolas; segurança alimentar e nutricional.

 

Abstract: (Old and new eating habits of agricultural families from Chapecó and surrounding areas). The paper presents the outcomes of a field research on food practices of selected agricultural families in the region of Chapecó (SC), emphasizing the combination between preservation of old and introduction of new eating habits and their main determinants, in a context of narrow urban-rural links. It also analyzes the degree of diversity of diets and sources of food based on extensive data collection, and interviewed families' perceptions of their food and nutrition security. Among the findings of the research we highlight significant changes in the eating habits of the interviewed agricultural families, high degree of diversity of diets, importance of urban-rural links, especially of intra-family ties in relation to the phenomenon of multi-locational families.

Keywords: food practices; eating habits; agricultural families; food and nutrition security.

 

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[1] Doutorado em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pós-doutorado pela Oxford University (Reino Unido) e na École des Hautes Études en Sciences Sociales (França). Professor titular do Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (DDAS) e membro permanente do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), onde coordena o Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (CERESAN) e integra o Observatório de Políticas Públicas para a Agricultura (OPPA). E-mail: rsmaluf@gmail.com.

[2] Doutorado em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ) com estágio doutoral na École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris. Pós-doutorado pelo Observatório de Políticas Públicas para Agricultura (OPPA) e pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED/UFRJ). Professora adjunta da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), coordenadora do Observatório das Agriculturas Familiares Latino Americanas (AFLA). Pesquisadora do OPPA/CPDA/UFRRJ, do INCT/PPED/UFRJ e do  Centro de Referência em Segurança Alimentar e Nutricional (CERESAN). E-mail: silvia.zimmermann@unila.edu.br.

[3] “Projeto Governança alimentar e práticas das famílias agrícolas: uma abordagem pelos fluxos de provisão de alimentos e a multilocalização familiar", Métaprogramme GloFoodS-INRA/CIRAD, França, 2017/19.

[4] Municípios de Chapecó, Nova Itaberaba, Coronel Freitas, Xaxim, Arvoredo, Seara, Paial, Guatambú, Cordilheira Alta e Planalto Alegre. 

[5] Disponível em:  https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/chapeco/panorama.

[6] “O urbano só é urbano pela presença do rural diretamente interligado a ele […]” (FUJITA, 2013, p. 7).

[7] Trecho extraído de https://www.slowfoodbrasil.com/textos/queijos-artesanais.

[8] A alimentação como expressão de um imaginário sobre o rural encontra-se extensamente desenvolvida em Menasche (2015).

[9] “[...] a aposentadoria influencia muito no meio rural, porque lá o interior tá ficando só o casal aposentado, e eles [...] compram tudo [...] compram propriamente a alimentação deles” [Relato de uma agricultora].

[10] Entre a ampla e crescente literatura a respeito, citam-se Gazolla e Schneider (2017) e Perez-Cassarino et al. (2018).

[11] Outro seria o olhar se adotássemos a proposta de Warde (2016) de tomar a alimentação como prática social direcionada ao “comer” – as “práticas do comer” – inserida nos estudos de consumo.

[12] Em 28 das 49 entrevistas, as respostas foram dadas pelas mulheres e em dois casos o casal respondeu em conjunto. Utilizou-se duas referências de tempo (3 e 5 dias) e, em poucos casos, não se conseguiu informação para todo o período, de modo que os registros foram em média de quatro dias, sem prejudicar o procedimento de análise adotado.

[13] Marina M. L. Antunes (UFRJ) realizou a sistematização da composição das refeições e o cálculo do EDA.

[14] Os dados para a região Sul desse mesmo levantamento em 2013 constataram 85,1% de domicílios em segurança alimentar, 10,5% em insegurança alimentar leve, 2,5% moderada e 1,9% grave (IBGE, 2014).

[15] Veja-se a abordagem sobre as dimensões de dádiva, sociabilidade e identidade da circulação de alimentos (não apenas intrafamiliar), em localidades no Rio Grande do Sul em Marques et al. (2007).

[16] Friedman (2016) desenvolve um exercício de aplicação da noção de soberania alimentar em âmbito local centrado nas relações mantidas pelas cidades com o seu entorno rural, na região de Ontário (Canadá).