Estudos Sociedade e Agricultura
vol. 27, n. 2, junho a setembro de 2019

 

 

 

Lara Thaís de Souza Lages[1]

Luis Fernando Cardoso e Cardoso[2]

Heribert Schmitz[3]

 

 

 

Redes de movimentos sociais em comunidade quilombola de Salvaterra, Marajó, Pará[4]

 

 

 

Introdução

Entre os desafios teóricos e metodológicos enfrentados pelos pesquisadores que trabalham com grupos minoritários no Brasil, o principal é compreender seus modos de vida, seus conflitos e transformar o conhecimento acadêmico a respeito deles em ferramenta que os auxilie em suas lutas. Muitos desses grupos foram forjados durante a “[...] história colonial, marginalizados e esquecidos na construção da nação e ressurgidos no contexto multiculturalista do final do século 20” (MONTEIRO, 2006, p. 20). Tais grupos, como os quilombolas, organizam suas lutas contra injustiças históricas e por direitos socioterritoriais, os quais assumem um caráter “pantanoso”, marcado por “ambiguidades e contradições”, que sempre caracterizaram as condições de existência dessas populações (MONTEIRO, 2006, p. 19).

Diante da situação histórica de subcidadania, os movimentos quilombolas de Salvaterra (ilha do Marajó, Pará) articulam-se em rede, interna e externamente, para assegurarem direitos socioterritoriais. Compreender os meandros desse conjunto de relações é importante para este trabalho. Para desenhar o caminho da rede, saímos da comunidade quilombola de Pau Furado, Marajó, e fomos até a Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), sediada em Belém, a qual reúne as associações quilombolas de todo o estado. A Malungu ainda tem como missão mediar as relações entre seus associados e outros movimentos e entidades para além das fronteiras locais.

A análise deu-se a partir da construção analítica de movimento social, com base em Melucci (1996; 1999) e no conceito de rede de movimentos sociais, de Ilse Scherer-Warren (1993; 1996; 2006b). Como recorte, foi escolhida a comunidade de Pau Furado, onde se realizou a pesquisa de campo por meio de observações diretas e de entrevistas com os sujeitos locais. A escolha da comunidade levou em consideração o fato de ela ser umas das associações quilombolas ainda em fase de regularização no município de Salvaterra. Além disso, considerou-se o fato de a liderança local ser politicamente atuante e ter proximidade com lideranças estaduais e nacionais, diferentemente de outras lideranças quilombolas locais no estado do Pará.

Para expor como se formam as redes dos quilombolas, dividimos o artigo em cinco partes, além da introdução e da conclusão. A segunda parte trata da construção do movimento quilombola em Salvaterra (PA), onde foi realizada a pesquisa. Na terceira e na quarta, discutimos as categorias ligadas aos movimentos sociais e às redes e, na quinta e na sexta, a teoria revela o mundo empírico da comunidade quilombola de Pau Furado e suas articulações com a Malungu.

 

A construção do movimento quilombola em Salvaterra

A luta dos grupos negros por direitos, no Brasil e no Pará, é antiga. Mas ganha novos contornos num contexto de luta por direitos socioterritoriais, no momento histórico da redemocratização do país. Ressalta-se que o novo aqui não é a resistência dos grupos, mas suas mobilizações para além do local, de suas comunidades e das relações restritas ao poder municipal.

A partir da década de 90 do século XX, as reivindicações dos grupos negros rurais, já definidos como remanescentes de quilombos, as quais estavam dispersas nas de outros grupos, passam a ter pautas próprias e tornam-se cada vez mais fortes nas estratégias de reivindicações. A organização dos grupos no Marajó é fruto de lutas empreendidas há cinco décadas, antes por lideranças restritas à ilha que, a partir do marco legal instituído pela Constituição de 1988, tiveram suas lutas integradas a estruturas mais amplas de poder e de combate (BARGAS; CARDOSO, 2015).

Para Cardoso e Gomes (2011, p. 7), o desafio que se impõe ao movimento é compreender que a luta quilombola está ligada ao movimento negro no que diz respeito à questão identitária e ao acesso a direitos. Porém, mesmo que ambos os movimentos sociais se aproximem em suas bases de luta, hoje o movimento quilombola tem uma pauta específica, e as suas lideranças assumiram a representação pública desses interesses.

Leite (2010) ressalta que os movimentos sociais negros urbanos interagiram com os movimentos negros rurais em favor da regulamentação fundiária e na defesa do reconhecimento do direito territorial dos descendentes de escravos africanos. Essa interação e a intensificação do debate em todo o Brasil, entre grupos negros organizados, foram possíveis por meio de encontros realizados pela Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq).

Por faltar um direcionamento na implementação da política para os quilombolas após a aprovação do artigo 68 da Constituição Federal de 1988, a “comunidade acadêmica”, sobretudo aquela vinculada às causas dos grupos étnicos minoritários, teve um papel importante ao agregar força com os grupos, na defesa dos territórios das comunidades remanescentes, não só em âmbito local, com assessorias aos grupos, mas também na esfera nacional, com discussões das bases legais que garantiriam direitos aos grupos.

Nesse sentido, a intervenção de pesquisadores da Universidade Federal do Pará[5] e de instituições como o Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa) tem contribuído para o reconhecimento jurídico-formal das comunidades quilombolas no Pará e, mais especificamente, na ilha de Marajó (BARGAS; CARDOSO, 2015).

A Malungu luta pelos direitos territoriais dos grupos quilombolas, reconhecidos na Constituição Federal brasileira de 1988. A principal bandeira de luta no discurso da Coordenação é a titulação coletiva dos territórios (CRUZ, 2007; 2013). Acreditam que daí decorrem outras políticas públicas, como saúde, educação e segurança pública. Está incluída em suas reivindicações a luta pelo direito das mulheres e pela segurança da juventude negra.

Em Salvaterra, município situado na ilha do Marajó, quinze comunidades autodefinem-se atualmente como remanescentes de quilombos, todas ligadas a Malungu (CARDOSO, 2008). A formação de tais comunidades remonta ao período colonial, quando esses grupos de negros foram trazidos para a Capitania do Grão-Pará, na condição de escravos. A exploração e a exclusão a que foram submetidos compuseram a memória social desses grupos, que construíram sua identidade coletiva e suas territorialidades específicas.

A criação recente de redes de movimentos sociais na ilha do Marajó possibilitou o contato e a troca de experiências com outros movimentos com interesses comuns, ainda que em contextos diferenciados. Diante disso, este trabalho propõe-se a mostrar como se articulam, interna e externamente, as redes construídas nas comunidades quilombolas de Salvaterra para obterem seus direitos socioterritoriais.

 

A Teoria da Ação Coletiva de Melucci

Melucci (1996) aponta o movimento social como uma forma específica de ação coletiva que combina orientações e campos de ação de diferentes tipos. O movimento social é, portanto, uma construção analítica; não é um objeto empírico unitário facilmente delimitável. Comparando diversos períodos históricos e diferentes sociedades, o autor desenvolve a ideia de que os movimentos contemporâneos, como todos os fenômenos coletivos, reúnem formas de ação que envolvem vários níveis da estrutura social (MELUCCI, 1996, p. 6).

Ele sugere um esquema de orientações que pode ajudar a fazer uma distinção analítica entre as diversas formas de ação coletiva. O primeiro ponto é a distinção entre “solidariedade” — habilidade dos atores de reconhecer o outro e de serem reconhecidos como pertencentes à mesma unidade social — e “agregação” — que não envolve solidariedade e é uma agregação de indivíduos atomizados em torno de uma crença geral. O segundo é a distinção entre “conflito” — oposição de dois ou mais atores que buscam o controle dos recursos valorizados — e “consenso” — acordo sobre as regras e os procedimentos que regem o controle de recursos valorizados. O terceiro é a diferença entre “quebra de limites do sistema” e “manutenção de limites do sistema” (Figura 1).

 

Figura 1 – Distinção analítica dos vários tipos de comportamento coletivo

Fonte: Melucci (1996, p. 26).

 

De acordo com essas orientações, portanto, “[...] um movimento social é uma categoria analítica que designa uma forma de ação coletiva que (i) invoca solidariedade, (ii) manifesta um conflito e (iii) implica uma violação dos limites de compatibilidade do sistema dentro do qual a ação ocorre” (MELUCCI, 1996, p. 28, tradução nossa). Esses sistemas podem ser: (1) o sistema de produção, apropriação e alocação dos recursos sociais básicos; (2) o sistema político; (3) o sistema organizacional; (4) o sistema reprodutivo (MELUCCI, 1996, p. 27).

Melucci entende, então, que os conflitos sociais tendem a emergir nos campos da vida social que estão diretamente expostos ao fluxo mais poderoso e intenso de informações, e nos quais, ao mesmo tempo, indivíduos e grupos estão sujeitos a uma maior pressão para incorporar ao comportamento cotidiano os requisitos e as regras de normalidade sistêmica.

Na era contemporânea, os movimentos assumem a forma de redes de solidariedade encarregadas dos significados culturais potentes que os distinguem bruscamente dos atores políticos e das formas organizacionais próximos a eles. As redes, de acordo com Melucci (1999, p. 76), são formadas por pequenos grupos imersos na vida cotidiana que têm fins específicos e caracterizam-se pela associação múltipla, pela militância parcial e efêmera, pelo desenvolvimento pessoal e pela solidariedade afetiva como condições para a participação. A ideia de redes permite extrapolar a exigência da delimitação do raio de ação dos atores sociais. O funcionamento da sociedade contemporânea, com as suas redes bem tecidas de informação de alta densidade, requer de seus componentes o desenvolvimento de um diferente grau de autonomia.

Os processos de mobilização, as formas organizacionais, os modelos de lideranças, as ideologias e formas de comunicação — estes são todos níveis significativos de análise para a reconstrução interna do sistema de ação que constitui o ator coletivo. Mas, além disso, as relações com o exterior — com os concorrentes, aliados e adversários — e, especialmente, a resposta do sistema político e os instrumentos de controle social definem um campo de oportunidades e constrangimentos dentro do qual a ação coletiva toma forma, se perpetua, ou muda (MELUCCI, 1996, p. 4, tradução nossa).

Para entender a construção do movimento social quilombola, portanto, devem-se analisar os processos de mobilização, as formas de organização, os modelos de liderança e as formas de comunicação, situados em determinado contexto, enfim, considerar a multiplicidade e a variedade do ator coletivo que se forma no processo da mobilização.

De acordo com Melucci (1996), nos sistemas contemporâneos, os signos tornam-se intercambiáveis, e o poder opera por meio das linguagens e dos códigos que organizam o fluxo de informações. Porém, se o poder fosse uma forma de controle total, a ação coletiva não poderia ser conceituada em sua capacidade de gerar conflitos e seria reduzida a uma simples (re)ação. Para esse autor, porém, as ações coletivas e os movimentos sociais são muito mais que meras reações.

A ação dos movimentos entrelaça-se intimamente com a vida cotidiana e com a experiência individual. O lugar não é apenas físico, mas também um espaço social, cultural e simbolicamente percebido. Assim, o movimento constrói-se para além das suas fronteiras territoriais, mas com o pé nelas; ao avançar, continua exposto ao fluxo de informações e encontra outros grupos, outros movimentos. Há uma maior circulação de indivíduos, de ideias e há mais circuitos de solidariedade interorganizacional, o que flexibiliza os modelos organizacionais tradicionais, dando origem a ações sob a forma de redes sociais e coletivas (MELUCCI, 1996).

Quando examinamos as comunidades quilombolas de Salvaterra, observamos que a rede se constrói por meio de representantes de associações que hoje também fazem parte do quadro de diretores da Malungu. Eles são os elos que ligam a base dos movimentos, as comunidades, aos outros níveis da rede, como a Coordenação Estadual das Associações Quilombolas, a Malungu.

Por esse motivo, Melucci (1996) prefere falar em redes de movimentos, uma rede de grupos que partilha uma cultura de movimento e uma identidade com organizações “formais” e “informais” que conectam núcleos de indivíduos e grupos a uma área mais ampla de participantes.

 

O que são redes, afinal?

São diversas as abordagens disciplinares que adotam o termo redes, desde abordagens técnicas a abordagens antropológicas e sociológicas. Nos seus estudos sobre os movimentos sociais, Scherer-Warren (1993, p. 22) utiliza o termo para compreender e realizar práticas políticas que articulem ações localizadas, incluindo as conexões entre o local e o supranacional.

Esse entendimento casa com o observado nas comunidades quilombolas em Salvaterra, no Marajó. As lideranças articulam-se a partir da sua base local de relacionamento entre vizinhos, passando pelas relações entre outras comunidades, entre municípios, entre lideranças quilombolas regionais, até atingir a escala nacional. As articulações locais ocorrem em vários espaços sociais, inclusive nas festas dos santos padroeiros das comunidades (LIMA FILHO; CARDOSO; ALENCAR, 2018).

A presidente da Associação de Remanescentes de Quilombos de Pau Furado, no município de Salvaterra, Valéria Carneiro, também faz parte do Conselho Diretor da Malungu, o que lhe permite trocar informações com pessoas e instituições para além das fronteiras da sua comunidade.

De acordo com esta abordagem, trata-se de passar da análise das organizações sociais específicas, fragmentadas, para a compreensão do movimento real que ocorre na articulação destas organizações, nas redes de movimentos [...]” (SCHERER-WARREN, 1993, p. 23). Sobre a emergência dessa abordagem, a autora afirma: “O estudo dos movimentos sociais numa perspectiva ou metodologia de análise de redes [...] começou a ter algum destaque apenas nas últimas décadas do século XX” (SCHERER-WARREN, 2013, p. 188).

Para Passy (2003), as redes sociais intervêm em diferentes momentos no processo individual de decidir sobre a participação em movimentos sociais. Primeiro, há o engajamento em ações coletivas, porque há o compartilhamento de normas e valores, há um processo de identificação; como as identidades são justamente moldadas nas relações sociais, as redes assumem aí um papel importante.

De acordo com Valéria Carneiro, presidente da Associação de Remanescentes de Quilombos de Pau Furado e hoje participante do Conselho Diretor da Malungu, as relações com suas redes de relacionamento, no âmbito familiar e no âmbito da vizinhança, ajudaram na configuração da sua autoidentificação como quilombola:

Eu sempre tive cabelo cheião, sempre grandão, e aí eu ainda enrolava mais na frente, e minha mãe falava “tás igual àquelas negas”, aquelas de escola de samba, sabe. Mas ela não falava com preconceito, falava pra “encarnar” mesmo. E eu sempre gostei, então quando eu fui descobrir que a comunidade era quilombola, que as pessoas eram descendentes e tal, e descendente de negro eu sei que eu sou, e sou quilombola, eu fui entendendo, eu vi que sempre fui, sempre me identifiquei. E aí, hoje eu não tenho vergonha, antes quando usava meu cabelo grande, vinha alguém e falava, eu prendia, porque chamava a atenção, e hoje não, independente de onde eu esteja (presidente da associação de Pau Furado, 2013).

Portanto, “[...] somente redes sociais culturalmente próximas a uma dada questão de protesto são capazes de formar esse potencial individual para a participação. A imersão profunda nessas estruturas relacionais tende a empurrar membros potenciais ao nível de participação mais alto” (PASSY, 2003, p. 41, Tradução nossa). O depoimento de Valéria Carneiro corrobora o que afirma Passy (2003, p. 41, tradução nossa):

[...] as redes intervêm antes que potenciais membros adiram a uma organização de movimento social, fornecendo àqueles culturalmente sensíveis à questão a oportunidade de participar [...]. Para essa função de redes, em particular, a estrutura de significados que derivam das relações entre recrutadores e recrutados afeta a intensidade da participação.

Diante disso, adotamos aqui o entendimento sobre redes de movimentos sociais da pesquisadora Ilse Scherer-Warren (2003, p. 31, grifo da autora): “As redes referem-se a um tipo de relações/articulações sociais que sempre existiram, mas que na sociedade globalizada e da informação assumem características específicas e relevantes que merecem uma atenção especial das ciências sociais”. Em sua proposta para essa abordagem, a expressão “rede de movimento social” apreende o rumo das ações articuladoras de “[...] grupos com a mesma identidade social ou política, a fim de ganhar visibilidade, produzir impacto na esfera pública e obter conquistas para a cidadania” (SCHERER-WARREN, 2006b, p. 113).

Esclarecemos que a identidade está sempre em processo de construção, deixando-se influenciar pelos caminhos da história e baseando-se na relação e no contraste com o outro. Construída a partir do material e do simbólico, a identidade finalmente se imbrica com o político, demarcando as posições sociais. “Neste sentido, os movimentos sociais lutam contra as diferentes formas de subalternização material e simbólica, contra preconceitos e estigmas e pela afirmação de suas identidades a partir dos seus próprios modos de vida” (CRUZ, 2007, p. 95).

 

A construção de uma rede de movimentos sociais

É importante fazer uma diferenciação entre o que se entende por “redes sociais”, “coletivo em rede” e “redes de movimentos sociais”. As “redes sociais” referem-se a uma comunidade de sentido, na qual os atores ou agentes sociais estão ligados entre si pelos laços dessa rede, com tipos de interação com certa continuidade ou estruturação, tais como “[...] as redes de parentesco, redes de amizade, redes comunitárias variadas [...], contendo ou não uma organização formal” (SCHERER-WARREN, [2009], p. 2).

Para Scherer-Warren (2006a, p. 216), o “coletivo em rede” refere-se a conexões entre organizações empiricamente localizáveis, “[...] a conexões numa primeira instância comunicacional, instrumentalizada através de redes técnicas”, como as organizações não governamentais (ONG), por exemplo.

Já a “rede de movimentos sociais” é mais complexa, transcendendo organizações empiricamente delimitadas e conectando, “[...] simbólica e solidaristicamente, sujeitos individuais e atores coletivos, cujas identidades vão se constituindo num processo dialógico” (SCHERER-WARREN, 2006a, p. 216) de identificações sociais e de negociações e resistências aos adversários e aos mecanismos de discriminação. A “rede de movimentos sociais” pressupõe a identificação de sujeitos coletivos com valores, objetivos ou projetos em comum, o que ajuda na definição dos atores ou das situações sistêmicas a que eles se opõem e que devem ser combatidas e transformadas. Scherer-Warren (2006b, p. 114-15) usa como exemplo de rede de movimentos sociais o Movimento Nacional Quilombola, que ela considera emergente, já que é expressão ativa do movimento negro e é, portanto, “[...] uma rede tendo em vista seus aspectos organizacionais e de ação movimentalista”.

Para entender melhor a rede do movimento social quilombola, Scherer-Warren (2008) recorre aos cinco níveis propostos por Jean Cohen (2003, p. 436) para a análise do formato de rede: organizacional, narrativo, doutrinal, tecnológico e social. O nível “organizacional” explica a especificidade dos movimentos sociais em rede, aqueles com uma multiplicidade de atores políticos, de tradições organizativas diferenciadas, ora hierárquicas, ora de um ideário de organização em rede, cujas diferenças podem gerar tensões e ambiguidades no interior das redes, bem como criar espaços de práticas democratizantes. “O pluralismo das tradições organizativas, oriundas de métodos de trabalho diferenciados, gera necessidade de negociações e de reconhecimento mútuo de suas diferenças no interior da rede [...]” (SCHERER-WARREN, 2008, p. 511).

Segundo Scherer-Warren, na América Latina, os níveis “narrativo” e “doutrinal” tendem a articular-se nas práticas discursivas, que registram tanto a memória da exclusão quanto as consequências disso no presente:

A releitura da história e a sua tradução em novas referências simbólicas e ideários que encontram ecos no cotidiano dos grupos subalternos criam condições propícias para que eles se relocalizem em relação à herança social de sua condição humana, recuperem e re-interpretem signos culturais (por exemplo, o de raça e o de etnia), construam identidades coletivas e se reconheçam mutuamente como sujeitos de direitos (SCHERER-WARREN, 2008, p. 513).

O nível “tecnológico” é considerado por Scherer-Warren como relevante para a formação de uma sociedade civil mundializada. Os recursos tecnológicos auxiliam na comunicação para além do local, são elementos facilitadores da difusão dos ideários em construção pelos sujeitos, embora não sejam o único meio de mobilização de uma rede de movimento social.

No caso das redes regionais da Malungu, a comunicação técnica ainda é feita com dificuldades, como explica José Carlos Galiza, coordenador administrativo da Malungu:

A comunicação é um processo muito complicado ainda pra nós. Já trabalhamos oficinas de comunicação, pra tentar melhorar pra fora. [...] Cada liderança tem um celular, mas quando estão na comunidade o celular não funciona. Então essa é uma dificuldade, você também passa uma informação pro conselheiro regional, mas muitas vezes ele não tem dinheiro pra colocar crédito no celular dele, ele não tem grana pra sair e ir na comunidade falar. Então ainda depende muito do corpo a corpo, de quando eu encontro as pessoas na feira, de quando eu tenho um bônus no celular (coordenador administrativo da Malungu, 2014).

Ante os desafios que o tamanho do estado do Pará[6] impõe à articulação, as lideranças quilombolas ligadas à Malungu percebem a importância do nível tecnológico. A conexão por meio da internet, por exemplo, que já acontece, mas de forma pontual nas articulações, poderia potencializar as relações na construção das redes:

Eu acho que nós tínhamos que ter pelo menos um computador e um telefone com sinal via satélite em cada comunidade, a gente conseguiu 10 telecentros, conseguimos os computadores, mas aí a antena não chegou e os computadores estão quase não prestando mais, algumas chegaram como em São Miguel do Guamá, aí a galera acessa, consegue mandar e-mail. Então, se você tem pelo menos um notebook e uma antena em cada comunidade, a gente conseguiria resolver e muito esse problema, a internet seria legal. Em Oriximiná [Baixo Amazonas, Estado do Pará] funcionou uma época a comunicação via rádio, mas, como não tiveram mais como fazer a manutenção, hoje não funciona mais. Eu acho que, pra acessar a internet, seria mais fácil se tivesse uma antena, porque com o celular você consegue acessar (coordenador administrativo da Malungu, 2014).

Por fim, o nível “social” ressalta os vínculos sociais e pessoais e sua capacidade de gerar conexão, mobilização e empoderamento. A relação interindividual e interorganizacional é necessária na construção da identidade dos movimentos. Apesar do uso das tecnologias em algumas redes, os encontros presenciais (reuniões, seminários, assembleias etc.) continuam sendo muito valorizados, pois é neles que ocorre a experiência da prática na política, que se tecem os vínculos mais duradouros no interior da rede.

Dos cinco níveis próprios do formato dessas redes — organizacional, narrativo, doutrinal, tecnológico e social —, pode-se constatar, no movimento quilombola de Salvaterra, que o nível organizacional tem exatamente a multiplicidade de atores políticos e de tradições organizativas diferenciadas que o caracteriza.

No nível organizacional das bases, considerando aqui principalmente a Associação de Remanescentes de Quilombos de Pau Furado, na sua relação com as outras associações quilombolas de Salvaterra, “[...] operam-se as práticas educacionais orientadas a desconstruções e reconstruções simbólicas relativas a políticas identitárias [...]” (SCHERER-WARREN, 2007, p. 11). Como exemplo dessas desconstruções e reconstruções, citamos a percepção do movimento local do motivo para formalizar a associação:

 

A gente tem que criar a associação até pra gente ter respaldo. Por que quando tu vai juridicamente com a equipe e faz um abaixo-assinado isso te dá mais respaldo. A prefeitura, os órgãos municipais, estaduais, eles não te veem mais como pessoa quando tu vais pela tua comunidade, eles te veem como coordenadora da associação (moradora da comunidade de Mangueiras em reunião na comunidade de Pau Furado).

Quanto ao nível narrativo e doutrinal, observa-se que o elemento agregador está justamente na memória da exclusão e do preconceito, de um lado, e, de outro, na luta pelo direito ao território e aos modos de vida desses grupos:

Apesar de não estar cem por cento, mas as pessoas elas já se autoidentificam, já sabem contar sua história, antigamente perguntavam, como foi que as pessoas chegaram aqui, como povoaram a comunidade e ninguém queria falar. Houve relatos do Tio Lúcio, um senhor de 93 anos, que dizia que a mãe dele se escondia dentro do mato quando chegava as pessoas, por causa da Cabanagem. Ele não sabia muito bem falar o que era Cabanagem, mas por causa dela roubavam comida, mandavam os presos subirem e atiravam nos presos que prendiam. Então, assim, hoje as pessoas já não têm mais vergonha de falar sobre isso, porque eles escondiam essa história com medo e talvez até com vergonha. Hoje não, hoje eles já assumem, já falam como os antepassados chegaram lá, já assumem eu sou quilombola, eu sou negro, antes ninguém queria ser negro, apesar da gente ver na cor da pele, ninguém queria se assumir. Hoje a realidade é outra, as pessoas já se assumem, já fazem um penteado afro, já vestem uma roupa colorida, isso mudou muito a realidade das comunidades (coordenadora de gênero da Malungu).

O nível tecnológico é prova exatamente da globalização: essas associações têm adquirido equipamentos de acesso à internet. Os recursos tecnológicos que auxiliam na comunicação para além do local são, no caso da Malungu, um blog mantido pela coordenação com informações sobre as suas atividades, sobre as associações de todo o estado do Pará, com publicações relacionadas ao movimento quilombola. Há os e-mails trocados com as articulações nacionais e internacionais e o Facebook, rede social que virou canal de comunicação para dar e receber informações, marcar encontros, organizar eventos, além de divulgar notícias com denúncias de desrespeito a determinados direitos sofrido por comunidades quilombolas no Pará e no Brasil. Mas, em razão das grandes distâncias do estado, a comunicação com as bases, com as comunidades localizadas mais no interior é ainda um grande desafio:

Eu considero que sim, que nós temos uma rede, às vezes não tão conectados quanto a gente gostaria, porque pra falar com algumas comunidades a gente não consegue com facilidade, mas, apesar da dificuldade, a gente está engajado. As principais dificuldades na construção dessa rede são a comunicação e o deslocamento. Por exemplo, Baião, Bagre, Ponta de Pedras, Cachoeira do Arari, a gente tem que ligar pra cidade, deixar recado e esperar um ou dois dias pra falar com alguém das comunidades, esperar um telefone entrar na área pra ligar. E pra que o camarada chegue de lá até aqui é complicado. É longe (coordenadora de gênero da Malungu).

O nível social, que ressalta os vínculos sociais e pessoais e sua capacidade de gerar conexão, mobilização e empoderamento, é observado na regularidade com que as associações quilombolas de Salvaterra organizam encontros presenciais (reuniões, seminários, assembleias etc.) e na produtividade que esses encontros possibilitam em termos de ações.

Por isso, a força das redes resulta tanto da comunicação como relação, que fortifica os vínculos sociais, quanto da comunicação que se dá por meio de um veículo de representação a distância, que pode ser a linguagem, ou mesmo uma “prótese tecnológica” (SODRÉ, 2006, p. 21), um meio técnico.

O conceito teórico de “rede de movimento social” pressupõe, pois, a identificação de sujeitos coletivos com projetos em comum e a definição de atores ou situações sistêmicas antagônicas e um projeto transformador. O processo é contínuo e em construção, e resulta das múltiplas articulações aqui exemplificadas. A interação em rede é constitutiva dos movimentos sociais. “A ideia de rede de movimento social é, portanto, um conceito de referência que busca apreender o porvir ou o rumo das ações de movimento, transcendendo as experiências empíricas, concretas, datadas, localizadas dos sujeitos/atores coletivos” (SCHERER-WARREN, 2006b, p. 113).

 

Pau Furado: a situação do movimento

As culturas desenvolvidas nos dois lados do Atlântico, como explica Gilroy (2001), criaram “mecanismos de consolação”, com base em valores estéticos e simbólicos construídos por intermédio da recordação, os quais se consolidaram na memória coletiva, perpetuando-se ao longo de gerações.

Quando somos desapropriados de nossos lugares de origem, criamos mentalmente um território conceitual que entra para o imaginário coletivo como o lugar ideal concebido a partir dos mecanismos da recordação. A formação de comunidades rurais na Amazônia, especificamente em Salvaterra, no Marajó, está ligada ao período colonial e ao regime de escravidão aí vigente. A construção das comunidades pelos negros escravizados deu-se à margem do sistema colonial e foi constituindo-se nesse lugar de recordação e de reconstrução identitária (DE LA TORRE, 2011; FLORENTINO; AMANTINO, 2012).

Foi assim no pedaço de chão hoje chamado Pau Furado, comunidade que se autointitula remanescente de quilombos, uma das 15 comunidades quilombolas do município de Salvaterra. Segundo o Censo Quilombola (ARAÚJO et al., 2012), até o ano de 2012, eram 16 os domicílios existentes na comunidade. Na última visita em 2014, contaram-se 20 domicílios. É uma comunidade pequena, com relações de uma “grande família dividindo o mesmo território”, nas palavras de Valéria Carneiro, presidente da Associação de Remanescentes de Quilombos de Pau Furado e bisneta do primeiro morador de Pau Furado, Sr. Benedito Tomás Carneiro. Do que se tem notícia, pelas histórias contadas pelos antigos, apreendidas em pesquisa de campo realizada no local, a comunidade foi formada quando o Sr. Benedito casou-se e resolveu estabelecer ali a morada com a família.

Algumas dessas histórias contadas dizem que o Sr. Benedito, que trabalhava em uma fazenda da região, negociou com o fazendeiro a doação do espaço de terra onde ele fez sua casa; outros dizem que ele comprou a terra desse fazendeiro. E assim começou a comunidade, como conta Valéria Carneiro, lembrando as histórias sobre o bisavô:

Então aí foi eles dois morando, meu bisavô e minha bisavó, foram tendo filhos e foram gerando a comunidade. Então aqui é a mesma família, quase todo mundo tem o mesmo sobrenome, não tem gente de fora. No máximo, os casamentos acontecem com membros de outras comunidades aqui. E aí foi detectado que Pau Furado é uma comunidade quilombola.

O olhar da comunidade para essa autoidentificação quilombola é fruto de um processo de “retomada e continuidade da luta pelos direitos territoriais dos quilombos” (SALLES, 1998, p. 11). A mobilização das décadas de 70 e 80 do século XX está na memória dos membros da comunidade. As primeiras pesquisas que começaram a ser feitas por meio do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (Naea) da Universidade Federal do Pará, como forma de ajudar o trabalho do Centro de Estudos e Defesa dos Negros do Pará (Cedenpa), resultaram em um processo jurídico e em práticas políticas construídas em conjunto por remanescentes de quilombos e pelos pesquisadores e pelas instituições de defesa do negro.

Bargas (2013) fez uma pesquisa sobre essa relação, essa partilha de saberes entre pesquisadores e movimentos sociais, em especial sobre as oficinas de produção de mapas ministradas pelo Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, que geraram um fascículo intitulado “Quilombolas da ilha do Marajó: Pará”[7]. Valéria Carneiro fala da impressão da comunidade sobre esse processo:

Na verdade, quem começou toda essa trajetória no Marajó foi o Cedenpa, com a Maria do Socorro, a Nilma Bentes, mais a Zélia Amador também. A Maria do Socorro, que foi até a prefeitura de Salvaterra e conversou com o prefeito dizendo que o Marajó, precisamente Salvaterra, tinha comunidades quilombolas. E aí ele indicou a comunidade de Mangueiras. Isso foi em 1998, de 1997 pra 1998. E a gente foi comparando, foi vendo no nosso entender que tal comunidade era quilombola, outra tal comunidade era também, até chegar na nossa. E, quando foi detectado, a professora Rosa Acevedo foi lá, com a equipe dela, então aí tá, é comunidade, é quilombola. Foi com a gente e com outras comunidades de Salvaterra que ela fez um fascículo, cada comunidade recebeu um livro, um histórico, e ali conta a história, tem fotografia das pessoas da comunidade, e aí todas as comunidades tem esse livro, e aí desse livro tem a Cartografia [Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia] feita com a professora Rosa também.

Quando questionados sobre como se veem e por que se veem como quilombolas, os moradores de Pau Furado sempre remetem às pesquisas lá feitas como embasamento das suas convicções; também entendem que assim o são por serem filhos de negros escravizados que em Salvaterra fincaram raiz:

Essa discussão de comunidade quilombola já tá há uns cinco anos. A gente começou a entender quando a professora Rosa veio e falou que ela tinha feito um estudo e que era uma comunidade quilombola. Mesmo um entendendo uma coisa e outra, a maioria concorda aqui que é quilombola (moradora da comunidade de Pau Furado).

Mas essa identificação com esse passado de dor também foi motivo de resistência por alguns membros da comunidade:

A princípio, quando a afirmação chegou mesmo [...]. Era como se quilombolas fossem descendentes de escravos, então ninguém queria ser, tinha essa coisa que “ah, eu não sou, porque eu não sou escrava”, não entendia o lado bom da coisa. Até hoje ainda surgem, de algumas pessoas dizerem: “meu pai não era escravo, minha avó não era escrava”, então não é você ser descendente de escravos, é você ser descendente de pessoas que foram trazidas e foram escravizadas, então é isso, então até hoje infelizmente, ainda tenho esse tipo de conversa com as pessoas (presidente da associação de Pau Furado).

 

Para analisarmos empiricamente o movimento social quilombola de Salvaterra, em especial de Pau Furado, as contribuições teóricas de Melucci (1996) são fundamentais. Como existem diversas formas de ação coletiva, para a observação analítica de um movimento social, é preciso que ele seja uma forma de ação coletiva que invoca (i) solidariedade, ou seja, é preciso que os atores tenham a capacidade de se reconhecer mutuamente como pertencentes à mesma unidade social. No movimento em questão, identificam-se como remanescentes de quilombos. Por outro lado, a forma de ação coletiva deve (ii) manifestar um conflito, ou seja, deve haver a oposição a um ou mais atores que buscam o controle dos recursos sociais, valiosos para o grupo que realiza a ação. Em Salvaterra, há conflito com o Poder Público na esfera local e federal por causa do não cumprimento dos direitos socioterritoriais garantidos por lei e com o sistema latifundiário representado pelos fazendeiros da região e, recentemente, pela agricultura empresarial do arroz (GOMES; BRINGEL, 2016; GOMES et al., 2018). Finalmente, a forma de manifestação coletiva deve (iii) implicar uma violação dos limites de compatibilidade do sistema dentro do qual a ação ocorre (MELUCCI, 1996, p. 28).

Os sistemas podem ser: o sistema de produção, aquele em que a sociedade define o modo pelo qual produz os recursos sociais básicos e deles se apropria, o que envolve os componentes cognitivos, simbólicos e relacionais; o sistema político, em que existem regras partilhadas e processos de representação cujas decisões normativas são tomadas ante interesses conflitantes; o sistema organizacional; o sistema reprodutivo ou o mundo da vida, dos laços afetivos primários (MELUCCI, 1996, p. 27). Esses sistemas não são isolados na estrutura social, alcançam-se mutuamente.

A ação do movimento quilombola em Salvaterra ocorre dentro de todos os sistemas: segue uma lógica diferente dos modos hegemônicos de produção material — a relação com o território é fundamental nessa configuração; discute e rompe os limites do sistema político ao apresentar formas mais horizontalizadas de mobilização e construção política (LIMA FILHO; SILVEIRA; CARDOSO, 2016); tem organizações próprias de equilíbrio interno com expectativas recíprocas de comportamento; por fim, as relações desiguais de gênero no sistema reprodutivo, com a até então dominação masculina, têm sido quebradas com a presença cada vez mais forte de mulheres em posição de liderança.

O estudo da professora Rosa Acevedo Marin (2009), que constatou tratar-se de uma comunidade quilombola, também gerou uma mobilização para criar uma associação. A comunidade vizinha de Bacabal àquela altura já tinha a sua associação, que por sua vez já havia viabilizado alguns projetos; por isso, foi convidada a ajudar Pau Furado a entender os procedimentos para redigir o estatuto, organizar uma comissão e convocar uma assembleia, cuja ata seria registrada em cartório para a formalização da associação. E assim foi feito. A assembleia de fundação da Associação de Remanescentes de Quilombos da Comunidade de Pau Furado foi realizada em 4 de abril de 2006, e a ata foi registrada em cartório em 19 de junho de 2007. Mas a associação ainda não tem o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ). Esse fato ainda gera muitas dúvidas e desconfianças por parte dos moradores da comunidade com relação aos caminhos que levarão à conquista do território.

Apesar de não ter ainda o CNPJ, a comunidade de Pau Furado já recebeu o certificado da Fundação Cultural Palmares, atestando a informação de que a comunidade é de remanescentes de quilombos. Mas boa parte dos moradores não tem essa informação, talvez pelas dúvidas sobre as possibilidades de conquistarem seus pleitos. “Os processos de mobilização, as formas organizacionais, os modelos de lideranças, as ideologias e formas de comunicação — estes são todos níveis significativos de análise para a reconstrução interna do sistema de ação que constitui o ator coletivo” (MELUCCI, 1996, p. 4, Tradução nossa).

Desde a sua criação até agora, a associação já passou por três mandatos de diretoria, a primeira presidente, Maria José Carneiro, tendo sido reeleita. A atual presidente, Valéria Carneiro, eleita em 2012, começou como segunda secretária na primeira diretoria da associação.

Nesse momento inicial, surgiu a oportunidade de participação de uma oficina organizada pelo Cedenpa, em Santa Luzia do Pará, com foco em hortaliças e adubo orgânico. A associação decidiu, então, que Valéria Carneiro deveria participar da oficina. Valéria, durante a oficina, pôde conhecer outras lideranças. Sua trajetória pessoal acaba coincidindo com a trajetória do movimento em Pau Furado.

Depois dessa oficina, e com contatos cada vez maiores com a Malungu, Valéria passou a ser uma liderança importante e a que está mais diretamente exposta ao fluxo de informações. Podemos observar, então, o que Scherer-Warren (2006b, p. 121) chama elos fortes das redes, que são as lideranças, os mediadores ou os agentes estratégicos “[...] que detêm maior poder de influência, de direcionamento nas ações, do que outros elos de conexão da rede”.

Scherer-Warren (2006b) considera, ainda, tais elos circuitos relevantes para o empoderamento das redes de movimentos sociais. Embora se defenda aqui que a rede horizontaliza as relações, elas não estão livres de conflitos, ruídos na comunicação e disputas de poder. Nos depoimentos dos moradores de Pau Furado, constatamos a reivindicação de mais informações e de mais frequência nas reuniões, embora todos concordem com a importância da associação:

 

 

Esse negócio pra ir buscar coisa pra gente, informação pra gente. [...] pra gente ficar sabendo tudo que acontece pra ir buscar ou não ir buscar... porque a gente num sabe [...] a gente só sabe quando já tá no começo, ou tá acontecendo. Tinha que acontecer pra gente ficar tudo sabendo, tinha que reunir a associação, aí falava, sabendo o que vem e o que num vem. Aí, a gente fica sabendo pela boca dos outros, aí, uma fala uma coisa e o outro fala outra, aí, a gente num sabe o que é verdadeiro (moradora da comunidade de Pau Furado).

Se todo mundo se identifica como quilombola? Olha, é todos. Porque quando a gente vai se matricular, a gente se matricula como raça negra, né, negro. Aí, nós somos quilombolas. Eu me alembro [sic] que foi um ano, aí que veio uma professora e depois disso criaram a associação e a presidente era a mãe da Valéria e depois dela foi a Zeca, e agora a presidente é a Valéria. Ela [Valéria] sai pros encontros aí pra esse lugar tudinho, aí ela tá como quilombola (morador da comunidade quilombola de Pau Furado).

Diante dos conflitos dentro da rede, bem como das possibilidades de solidariedade, de reciprocidade e de compartilhamento, “[...] o que interessa é saber como se dá o equilíbrio entre essas tendências antagônicas do social e como possibilitam ou não a autonomia dos sujeitos sociais, especialmente os mais excluídos [...]” (SCHERER-WARREN, 2006b, p. 112). Um dos pontos levantados pelos comunitários é a falta de regularidade nas reuniões da associação. Para eles, com mais encontros, as informações chegariam com mais qualidade:

Às vezes, a gente não participa da reunião, porque a menina não avisa, né. E, quando avisa, já tá em cima da hora. Num dá pra gente ir em Salvaterra, às vezes pra cá, às vezes pra lá, num dá. Uma vez, que eu fui lá no Siricari, eu fui com a Maria José, que era presidente, aí eu fui. Fui eu e a menina daqui que é minha filha, a Maria de Jesus. Só fui eu, minha filha, a Valéria e a mãe dela, a Maria José, que era presidente. Mas avisar das reuniões em cima da hora, não dá. Aí, lá na reunião, discutiram sobre essa coisa quilombola, né, tomaram nota, tipo um cartaz, aí a gente dava aquelas palavras pra dizer pra eles qual era. Nós passamos uns quatro dias lá. Aí, eles disseram que vinham fazer aqui um posto médico, uma sede, não sei se saiu esse dinheiro pra fazer essa sede, só sei que nunca fizeram nada aqui (moradora da comunidade de Pau Furado).

Pra mim, eu acho uma boa ideia ter a associação. Porque já que se trata de quilombolas, né, tem que ter a associação né, de quilombolas. Agora eu queria assim, no meu ver, assim, já que nós somos quilombolas, eu queria que houvesse uma sede de quilombolas. Tem que ter isso aí. Eu quero que tenha mais reunião e também mais informação pra gente. Porque eu já vou ser clara. A menina aí, ela diz que ela é presidente da associação que representa a Malungu aqui em Pau Furado, mas tem reunião o pessoal vai, a gente assiste aquela reunião, e quando tem reunião lá que ela viaja e volta, não se sabe também o que foi falado lá, falta dividir mais a informação com a gente, pra saber o que foi falado na reunião, pra ela poder trazer aquela comunicação pra gente. “Olha, gente, eu fui numa reunião em tal comunidade e me passaram assim, assim pra mim passar pra vocês”. Tudo bem. Agora ela num faz reunião, tem que ter mais comunicação com a gente. Ela tem que chegar “olha, fui numa reunião, lá, foi repassado isso [...]”, aquela coisa de perguntar o que vocês acham (moradora da comunidade de Pau Furado).

Há divergências sobre o modo como tem sido organizada a associação, sobre as reuniões. Os moradores não estão satisfeitos com o que consideram falta de informação. Eles gostariam de ter mais acesso ao que foi deliberado nas reuniões fora da comunidade das quais a presidente da associação participa. O interessante nessa configuração de relações é que, apesar desses ruídos na comunicação interna da comunidade, os moradores já se sentem seguros para fazer suas reivindicações.

Os entrevistados em pesquisa de campo, na maioria, foram mulheres, porque elas eram eleitas pelos moradores da casa, pela família, para responder por eles. Segundo o Censo Quilombola (ARAÚJO et al., 2012), 75% dos chefes de família de Pau Furado são do sexo feminino. Esse dado coaduna-se com a demanda por direitos que a rede de movimentos sociais implica. “Há um alargamento da concepção de direitos humanos e a ampliação da base das mobilizações” (SCHERER-WARREN, 2006b, p. 118). A principal bandeira de luta é o direito quilombola, mas o fato de haver mais mulheres com poder de decisão também implica uma luta contra o machismo[8].

A própria Malungu tem uma coordenação somente para cuidar das questões de gênero. Quem está à frente hoje dessa coordenação é Luzia Bethânia Alcântara, mais conhecida como Beth, uma importante liderança quilombola do Marajó. A interinfluência exercida quando da participação em redes ajudou as mulheres quilombolas, por exemplo, a organizar a Marcha das Mulheres Negras, que aconteceu em 2015, inspirada na Marcha Mundial das Mulheres (MMM). A MMM nasceu no Canadá, em 1999, como uma manifestação pública feminista contra a pobreza e a violência contra as mulheres. Esse sentido primeiro foi ressignificado pelas mulheres quilombolas e também entrou na sua pauta de luta.

Quando perguntados sobre os benefícios que, na visão deles, a criação da associação de Pau Furado havia trazido, os moradores citaram como principais as oficinas de artesanato e os jogos quilombolas.

As oficinas foram ministradas pela Fundação Curro Velho, uma instituição vinculada à Secretaria Especial de Estado de Promoção Social, do governo do Pará. Foram oficinas de grafite, desenho e estamparia. Mas isso aconteceu de forma pontual. A confecção de artesanato ainda não se tornou uma atividade que ajude na renda, apesar do conhecimento adquirido. Conseguir o material é uma das dificuldades, porque implica um custo que a associação ainda não consegue cobrir. Ainda assim, os comunitários e a presidente da associação avaliam como positiva a oficina de artesanato.

O espaço dos jogos quilombolas incentiva a consolidação de um sentido coletivo. Por esse motivo, muitos dos moradores de Pau Furado citaram esse acontecimento nas entrevistas como um momento de reflexão sobre o que é ser quilombola. O sentimento de solidariedade está presente na forma como tudo é construído. A execução é coletiva, e o trabalho é organizado em comissões, como as de alimentação, de divulgação, de infraestrutura, além da coordenação-geral, que administra os trabalhos. Essa forma de construção contribui para as mobilizações políticas em busca de direitos étnicos, sociais e territoriais (MALUNGU, 2013).

Os jogos quilombolas também representam um espaço de incentivo às tradições culturais. A escolha das músicas e da dança é feita no sentido de rememorar as tradições entendidas como de pais e avós. Até as competições esportivas foram organizadas em harmonia com o dia a dia das comunidades. A canoagem, por exemplo, representa a principal forma de transporte para muitos quilombolas. Há ainda a competição de mergulho, a corrida rústica de 100 metros, a luta marajoara e a corrida de búfalo, animal típico da ilha.

Verifica-se, portanto, que a formalização dos movimentos em associações, apesar de ser uma imposição institucional do Estado, foi apropriada pelos movimentos quilombolas de acordo com as suas lutas. Ainda que não seja o cenário ideal, o maior fluxo de informações trazido para as bases do movimento já garante novos olhares e significa um reforço das lutas por direitos socioterritoriais.

Como no exemplo dos jogos, há uma promoção de “[...] novas formas de ação coletiva junto às populações excluídas (por exemplo, através de trocas solidárias, de trabalho cooperativo, de iniciativas artísticas e da mística) [...]”, o que potencializa “[...] os mecanismos de reconhecimento social, de solidariedade, de cooperação, de confiança, de reciprocidade, enfim, construindo uma nova ética para o social” (SCHERER-WARREN, 2006b, p. 122).

 

Considerações finais

As redes de movimentos sociais articulam heterogeneidades de múltiplos atores coletivos em torno de unidades de referências normativas, relativamente abertas e plurais. Em Pau Furado, as ações da associação, em parceria com outras comunidades de Salvaterra, têm alcançado suas reivindicações em diferentes esferas de deliberação pública. São vários os níveis organizacionais, portanto, que garantem a capacidade das redes de abrirem-se ao pluralismo democrático. As demandas materiais mais específicas (saúde, educação, transporte) contribuem para a construção de identidades coletivas mais restritas; já o encontro em torno das plataformas mais gerais contribui para a emergência de movimentos de resistência antissistêmica de forma mais ampla (SCHERER-WARREN, 2008).

Em contextos de profunda subalternidade de amplos segmentos populacionais, como é o caso de indígenas e negros, herdeiros do escravismo colonial, só será possível combater as múltiplas formas de exclusão social a partir de um universalismo que contemple as diferenças (SCHERER-WARREN, 2010, p. 23). Diferenças nos modos de se relacionar com o seu território, diferentes temporalidades, diferentes racionalidades.

O discurso presente na fala das lideranças de Salvaterra de que “nós nos acostumamos a todo o tempo trabalhar em conjunto” é revelador da necessidade de processos que contemplem de forma profunda os grupos subalternizados. Para lutar pelo direito, “não adianta vir só você, tem que vir o grupo, aí tem que garantir que o grupo quer mesmo aquilo”.

Nesse sentido, o fortalecimento das redes de movimentos sociais revela-se nas reivindicações dirigidas aos vários órgãos governamentais, nas esferas locais, estaduais e nacionais, que, de um lado, deliberam sobre as demandas materiais mais urgentes e, de outro, deliberam sobre os títulos de terras. Embora o Pará seja o estado que mais titulou terras quilombolas no país, há uma morosidade na titulação desses territórios. O caminho para a busca do direito, os quilombolas já aprenderam: fortalecer as suas próprias institucionalidades.

 

 

 

 

 

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Resumo: (Redes de movimentos sociais em comunidade quilombola de Salvaterra, Marajó, Pará). Analisamos como os movimentos quilombolas de Salvaterra articulam-se em rede, interna e externamente, para acessarem direitos socioterritoriais. Para desenhar a rede, partimos da comunidade quilombola de Pau Furado, em Salvaterra, na ilha do Marajó (PA), até a Malungu, coordenação estadual que reúne as associações quilombolas do estado. A investigação apoiou-se nos trabalhos teóricos de Alberto Melucci e Ilse Scherer-Warren. A pesquisa de campo, realizada na comunidade de Pau Furado, usou observações diretas e entrevistas. Os resultados mostram o fortalecimento das institucionalidades dos movimentos sociais quilombolas para reivindicar seus direitos perante os órgãos governamentais, nas esferas locais, estaduais e nacionais.

Palavras-chave: movimentos sociais; luta por direitos; redes; comunidades quilombolas; iha do Marajó.

 

Abstract: (Networks of social movements in quilombola community of Salvaterra, Marajó, Pará). We analyze how the quilombola movements of Salvaterra articulate themselvesthrough networking, both internally and externally, to access socio-territorial rights. To trace the network, we depart from the Quilombola community of Pau Furado, in the municipality of Salvaterra, on the Island of Marajó (PA), to Malungu, a statewide organization that joins the quilombola associations of the state of Pará. The investigation relied on the theoretical works of Alberto Melucci and Ilse Scherer-Warren. The field research, carried out in the Pau Furado community, used direct observations and interviews. The results show the strengthening of the institutionalities of the Quilombola social movements to claim their rights before governmental agencies, at the local, state and national levels.

Keywords: social movements; fight for rights; networks; quilombola communities; Marajó Island.

 

 

 

 

Recebido em março de 2019.

Aceito em maio de 2019.



[1] Mestrado em Ciências Sociais, com ênfase em Sociologia, pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: laratlages@gmail.com.

[2] Pós-doutorado em Antropologia pela University of St. Andrews, Escócia, doutorado em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e professor de Sociologia da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: mailto:luiscardt@gmail.com.

[3] Pós-doutorado em Sociologia (Teoria dos Movimentos Sociais) pela Universidade Livre de Berlim, Alemanha, doutorado em Sociologia Rural pela Universidade Humboldt de Berlim, Alemanha e professor associado IV de Sociologia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Bolsista de produtividade do CNPq 1D. E-mail: mailto:heri@zedat.fu-berlin.de.

[4] Pesquisa financiada com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e da Universidade Federal do Pará (UFPA).

[5] Mencionamos as professoras Edna Castro e Rosa Acevedo Marin que começaram um levantamento das comunidades quilombolas no Pará nos anos 90 do século XX e contribuíram com seu trabalho para a demarcação de muitos territórios quilombolas. No Pará, de 240 comunidades demarcadas, 57 são tituladas (35% do total no Brasil) (COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO, 2015).

[6] O estado do Pará é maior que a área da região Sudeste ou cinco vezes maior do que o estado de São Paulo.

[7] As oficinas foram realizadas ao longo do ano de 2005, mas o fascículo só foi publicado em 2006. Ver Bargas (2013).

[8] Raúl Zibechi (2003) considera esse fato uma tendência dos movimentos sociais latino-americanos, quando comparados com os movimentos sindicais, e dos novos movimentos dos países centrais.