Estudos Sociedade e Agricultura
vol. 27, n. 2, junho a setembro de 2019

 

 

 

Carolina Iuva de Mello[1]

José Marcos Froehlich[2]

 

 

 

O bem que falta na cesta:

o artesanato no território Quarta Colônia, RS

 

 

 

Introdução

Artesanato é toda atividade produtiva que resulte em artefatos acabados, feitos manualmente ou com a utilização de meios rudimentares, com habilidade, destreza, qualidade e criatividade (WORLD CRAFTS COUNCIL, 1996). Além de prover bens materiais para a comunidade que o gerou, o artesanato é um dos meios mais importantes de representação da identidade de um grupo social, pois através dele valores coletivos são fortemente expressados. A expansão da produção industrial ao longo do século XX fez com que muitos acreditassem no desaparecimento gradativo da produção artesanal de bens. Porém a permanência da produção artesanal nas sociedades industrializadas, e mesmo pós-industriais, suscita diferentes interpretações. Uma das mais importantes é a que acredita na crescente importância que a dimensão simbólica tem desempenhado nas relações sociais contemporâneas, compondo configurações sociopolíticas e econômicas complexas e possibilitando emergências e mudanças nos mercados (BAUMAN, 2008; BORGES, 2011; MELLO, 2016).

A valorização recente do artesanato vem ao encontro da abordagem territorial do desenvolvimento, que ressalta a importância de se considerar os aspectos culturais e simbólicos do território para se obter um desenvolvimento com protagonismo de atores locais, buscando atender às suas necessidades e anseios. O desenvolvimento territorial prevê a mobilização dos atores na elaboração de uma identificação coletiva com uma cultura e um território (PECQUEUR, 2005). Assim, o território pode ser visualizado como campo de disputa, onde os atores buscam, por intermédio de variados recursos materiais e culturais, imprimir sentidos e interpretações, tomar posições, produzir e legitimar consensos favoráveis a si.

Os mecanismos de territorialização se baseiam no princípio de especificação dos ativos, isto é, a busca por recursos com potencial latentes que, ao serem mobilizados como ativos, permitirão ao território se diferenciar perante outros (PECQUEUR, 2005). Ressalta-se, porém, que a ênfase em um único ativo enfraquece estratégias mais plurais de reconhecimento da produção e oferta de mercadorias e serviços dos territórios, como a da cesta de bens e serviços territoriais proposta por Pecqueur (2005), que busca valorização de um conjunto de recursos articulados ao ativo principal, ou seja, o de maior expressão. A cesta pode ser constituída por produtos ou serviços de diferentes setores, em uma combinação de bens privados e públicos; e, sendo uma expressão de oferta específica, compósita e territorializada, contribui para reforçar a imagem de qualidade global do território (PECQUEUR, 2001, 2006).

A Quarta Colônia, localizada na região central do Rio Grande do Sul, é o foco analítico deste estudo, sendo um território que há mais de um século passou a ser composto por imigrantes não ibéricos, principalmente italianos, que trouxeram consigo o costume do fazer artesanal em sua italianidade (ZANINI, 2006; TEDESCO, 2005). A diversidade de saberes, costumes e práticas historicamente configuradas no território abrange um conjunto de recursos que vem sendo explorado e revelado nas narrativas de construção e projeção identitária em curso no território (ZANINI, 2006; FROEHLICH; VENDRUSCOLO, 2012). O Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia (Condesus) tem promovido, desde o início da década de 1990, ações com o objetivo de afirmar uma imagem identitária coletiva para o território (FROEHLICH, 2002; VENDRUSCOLO, 2009; KEGLER, 2011).

Entre as ações do Condesus, destacou-se o Programa de Turismo Integrado da Quarta Colônia, executado entre os anos de 2003 e 2005. O Programa tinha como executor principal o Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), e seu principal objetivo era a realização de capacitações técnicas para o setor de serviços e para as micro e pequenas agroindústrias do território. No setor do artesanato, o Programa tinha como objetivo aperfeiçoar a qualidade dos produtos e estreitar seu vínculo com a cultura local, com ênfase nas técnicas mais significativas para o território. Outra ação importante para a projeção identitária do território foi o Caderno Quarta Colônia[3], que destacava como atrativos turísticos do território tanto seu patrimônio material, representado pela natureza e edificações históricas, quanto o patrimônio imaterial, como as práticas religiosas, especificidades gastronômicas e saberes artesanais (VENDRUSCOLO et al., 2008; PIPPI, 2012, FROEHLICH, 2015). A ênfase midiática dada pelo Caderno ao aspecto gastronômico ocasionou uma resposta positiva por parte dos consumidores, de modo que a gastronomia passou a ser fortemente reconhecida como o principal ativo territorial da Quarta Colônia.

A partir do exposto, o presente artigo tem por objetivo discorrer sobre o contexto do artesanato na Quarta Colônia, evidenciando seu potencial latente de se tornar um ativo territorial, passível de mobilização por parte dos atores institucionais, especialmente se dinamizado no âmbito de uma cesta de bens e serviços que gravite em torno da italianidade como imagem identitária coletiva e esteja articulada ao ativo de maior expressão e visibilidade midiática da Quarta Colônia, a gastronomia. O estudo possui caráter qualitativo, com a adoção de uma abordagem de pesquisa interpretativista. O percurso metodológico abrangeu análise documental, observações e entrevistas semiestruturadas com interlocutores qualificados envolvidos no contexto do artesanato no território da Quarta Colônia.[4] Além desta introdução e das considerações finais, o artigo está estruturado em quatro seções. A primeira apresenta um breve referencial teórico acerca dos temas relevantes ao foco deste estudo. Em seguida, evidenciam-se as especificidades históricas e culturais da imigração italiana na Quarta Colônia, assim como as estratégias de construção e projeção identitária delineadas no território. Por fim, discute-se o potencial do artesanato se tornar um ativo em um contexto de cesta de bens e serviços territoriais.

 

Artesanato:  expressão identitária dos territórios

A atividade artesanal parece inerente à trajetória histórica da humanidade. Desde os primórdios da vida social, os indivíduos constroem e adaptam artesanalmente formas às suas necessidades. Com o surgimento das sociedades agrícolas, passou-se a ter um modo de vida mais estável, agregando populações e permitindo um maior grau de especialização no artesanato. Segundo Kautsky (1972), o camponês da Idade Média era tanto agricultor quanto artesão, produzindo ele próprio os objetos necessários para sua sobrevivência. Quando o mercado consumidor se amplia, surge o sistema doméstico de produção, no qual o artesanato passa a ser fortemente voltado ao mercado, com novos desenhos sendo criados para estimular a demanda. Apesar de manterem a propriedade dos instrumentos de trabalho, os artesãos passam a depender de um empreendedor que lhes forneça a matéria-prima, transformando-se em operários assalariados. A posterior instauração do sistema fabril acentuou ainda mais a contradição entre exploradores e explorados (ENGELS, 1980), fazendo com que muitos artesãos passassem a se voltar exclusivamente à agricultura para comercializar aqueles produtos que a indústria de produção de bens até então não produzia: os agroalimentares (KAUTSKY, 1972).

Com a expansão da produção industrial de bens de consumo no decorrer do século XX, o desaparecimento progressivo da produção artesanal de bens passou a ser uma preocupação. Contudo, o cenário globalizado contemporâneo apresenta aspectos aparentemente paradoxais em relação ao artesanato: ao mesmo tempo que a diminuição da produção artesanal de bens e o envelhecimento dos artesãos apontam para a extinção da atividade, verifica-se um aumento na procura pelos produtos dela provenientes. Isso se deve principalmente em razão dos atributos simbólicos que o artesanato permite acionar e de sua capacidade de aportar aos usuários e consumidores valores que têm sido cada vez mais considerados na contemporaneidade, como calor humano e sentido de pertencimento (BORGES, 2011).

Portanto, apesar de muitos artefatos artesanais terem tido sua função utilitária enfraquecida ou até mesmo suplantada pela expansão da produção de bens industrializados, seu papel como um dos meios de representação da identidade de um grupo social vem sendo evidenciado, de tal modo que é possível afirmar que na sociedade contemporânea o artesanato tem mais significado e valor pelas referências culturais e humanas de seus estilos do que por seu valor de uso (D’ÁVILA, 1983). Ressalta-se que a diminuição na demanda pelo valor de uso dos artefatos artesanais não implica necessariamente o desaparecimento da técnica envolvida em sua confecção, pois é possível continuar a produção orientada a outra categoria de produto, mais adequada à conjuntura sociocultural do artesão.

Por exemplo, um fabricante tradicional de cestas pode fazer miniaturas de seu artefato para vender como brinquedos, assim como ele faz cestas tamanho grande para o transporte de madeira ou ovos. Mas como o mercado para seus cestos diminui por causa de mudanças no sistema econômico, os cestos em miniatura têm aumento na demanda. Eles [...] são lembranças de um modo de consumo que está agora extinto. Eles foram transferidos do domínio do valor de uso para o domínio do valor de gift, onde a troca é abstraída ao nível das relações sociais e longe do nível de materiais e processos (STEWART, 1993, p. 170, tradução nossa).

Os artefatos comercializados como lembranças, comumente denominados souvenirs,[5] são uma amostra da experiência, agora distanciada, que os objetos só poderão evocar e ressoar, nunca recuperar (STEWART, 1993). Eles devem permanecer parciais para que possam ser completado por um discurso narrativo, que não pode ser generalizado, pois se refere sempre apenas ao possuidor do artefato que constrói sua própria narrativa a partir das suas experiências (STEWART, 1993). Desse modo, o mesmo souvenir pode possuir diferentes significados para diferentes atores. Os souvenirs artesanais, ao incorporarem uma identidade que pode ser reconhecida pelos consumidores, tornam-se exemplares de bens simbólicos com vinculação ao território, contribuindo na dinamização de eventual consumo turístico existente na região. Segundo Borges (2011), ao acionar atributos identitários, o artesanato desencadeia um sentimento positivo de pertença entre os artesãos envolvidos, fazendo com que estes tenham mais estima em relação às suas origens e ao seu cotidiano. Desse fato derivam recorrentes ações que visam à valorização da identidade territorial por meio do fortalecimento do seu artesanato, especialmente quando vinculados à atividade turística (BORGES, 2011; CUNHA, 2010; BELAS, 2012; MELLO; FROEHLICH, 2014; MELLO, 2016).

O fluxo turístico, quando expressivo, pode servir como vertebrador de uma série de ações, de caráter intersetorial, capazes de promover sinergias entre os atores territoriais (WISKERKE; PLOEG, 2004). A aproximação entre o artesanato e a cadeia do turismo se torna cada vez mais importante para o êxito de projetos que buscam valorizar atributos vinculados ao território com vistas a seu desenvolvimento. Pari passu, a chamada abordagem territorial do desenvolvimento, passou a ter cada vez mais repercussão. O território é aqui compreendido como uma construção social, resultante da identificação e da mobilização dos atores sociais em um dado espaço geográfico. Ele é o encontro do material e do imaterial, do real e do simbólico, do mercantil e do não mercantil (BONNAL; CAZELLA; MALUF, 2008). Em nome do desenvolvimento dos territórios, busca-se a construção de uma imagem identitária cuja projeção se torna objetivo estratégico.

Segundo Pecqueur (2005), os territórios podem ser dados ou construídos. O território dado é a porção de espaço objeto da observação, geralmente o território institucional: região, distrito, província, entre outros. Já o território construído é o resultado de um processo de construção social, apresentando três características básicas: são múltiplos, não permanentes e podem se sobrepor; na maioria das vezes seus limites não são nítidos; e buscam valorizar o potencial de recursos latentes (PECQUEUR, 2005). Os recursos latentes, por sua vez, constituem uma reserva que, dadas as condições de produção, podem ser explorados, organizados ou revelados. Quando um processo de identificação e valorização de recursos latentes se concretiza, estes se tornam ativos territoriais, ou seja, fatores em atividade valorizados nos mercados. Os ativos podem ainda ser combinados compondo uma oferta do tipo cestas de bens e serviços territoriais (PECQUEUR, 2005). A cesta de bens permite que quando o consumidor adquira um produto de qualidade territorial ele acabe descobrindo a especificidade de outros produtos provenientes do mesmo território, ou seja, um produto líder, ou pelo menos percebido como tal pelo consumidor, atrai para o consumo de outros bens ou serviços com ancoragem territorial (PECQUEUR, 2001; 2006).

A composição dos ativos territoriais em uma cesta de bens potencializa as ações que visam dinamizar o desenvolvimento do território e pode englobar tanto bens privados quanto o desfrute de amenidades ambientais ou sociais (PECQUEUR, 2001; 2006). Ressalta-se que o valor resultante do efeito cesta não exige que o consumidor compre ou utilize todos os elementos participantes da oferta de especificidade territorial: o valor da cesta pode estar associado à potencialidade de uso (PECQUEUR, 2006). A complementaridade dos produtos oferecidos pela cesta implica uma interdependência entre os produtores envolvidos, ocasionando a formação de um clube de atores no qual as cooperações são provavelmente motivadas por um cálculo oportunista, mas também pelo sentimento de pertencer a um conjunto de valores compartilhados que possibilita a constituição do clube (PECQUEUR, 2001; 2006). Observa-se, no entanto, que as iniciativas que procuram transformar o território mediante a criação de vantagens diferenciadoras não estão isentas do risco de a apropriação da renda de qualidade territorial se dar por um número reduzido de atores, geralmente os mais bem posicionados na hierarquia social (BONNAL; CAZELLA; MALUF, 2008).

Portanto, na contemporaneidade, inclusive pequenas diferenças na qualidade dos territórios passam a ser enaltecidas em busca de investimentos e novas oportunidades que se tecem em nome do desenvolvimento. Nesse cenário, a mutação do artesanato, de recurso para ativo territorial pode contribuir para aumentar o sentido de pertencimento dos atores aos territórios e possibilitar aos artesãos auferir renda a partir de uma prática que vem recebendo uma renovada atenção em função dos seus atributos simbólicos.

 

Trajetória histórica do território Quarta Colônia

O território denominado Quarta Colônia está localizado no centro geográfico do Rio Grande do Sul, fazendo fronteira ao oeste com o município de Santa Maria, e é o quinto maior município do Estado em população, com cerca de 260 mil habitantes, segundo o censo demográfico de 2010 (IBGE, 2014). A Quarta Colônia congrega os municípios de Agudo, Restinga Sêca, Faxinal do Soturno, Nova Palma, Pinhal Grande, Dona Francisca, São João do Polêsine, Silveira Martins e Ivorá (Figura 1). De acordo com o censo demográfico de 2010 (IBGE, 2014), a Quarta Colônia possui população total aproximada de 60 mil habitantes, com equilibrada divisão entre urbano e rural. Os municípios com maiores contingentes populacionais são Agudo e Restinga Sêca, ambos com população acima de 15 mil habitantes. Já os menos habitados são Ivorá, Silveira Martins e São João do Polêsine, todos com população inferior a 3 mil habitantes (ATLAS..., 2013).

A denominação do território faz referência às colônias de imigração estabelecidas pelo Governo Imperial no Rio Grande do Sul em meados do século XIX. O povoamento dos territórios do estado esteve permanentemente presente nas metas geopolíticas, e a destinação de sesmarias não foi suficiente para ocupá-lo por completo, pois as grandes áreas de mato não despertavam o interesse dos estancieiros pecuaristas. Segundo Neumann (2003), as imensas áreas vazias representavam uma ameaça, já que o território era historicamente disputado com os espanhóis. Este fato levou o Governo Imperial, a partir de 1824, a buscar colonizar o território com imigrantes europeus, principalmente alemães e italianos. Na região serrana do Corede-Central ocorre a implantação de duas grandes colônias oficiais: a Colônia Alemã de Santo Ângelo, na região dos atuais municípios de Agudo e Paraíso do Sul, e a Colônia Italiana de Silveira Martins (atualmente conhecida como Quarta Colônia), nos municípios de Santa Maria e Silveira Martins (NEUMANN, 2003).

 

Figura 1 – Quarta Colônia

Descrição: D:\Carolina\ESTUDOS\DOUTORADO\TESE\_Quarta Colônia\Quarta Colonia mapas e tabelas\RS_quartacolonia.png

Fonte: Adaptado de Atlas... (2013).

Legenda: 1: Pinhal Grande; 2: Nova Palma; 3: Ivorá; 4: Faxinal do Soturno; 5: Dona Francisca; 6: Agudo; 7: Silveira Martins; 8: São João do Polêsine; 9: Restinga Sêca.

 

 

 

As diversas denúncias sobre as péssimas condições de recepção aos imigrantes alemães no país resultaram em restrições por parte da Alemanha para a vinda deles para o Brasil (DE BONI; COSTA, 1991). Desse modo, os italianos passaram a ser atraídos para o Sul do Brasil com o intuito de substituir a colonização alemã. Porém, com a anterior chegada dos alemães, restaram aos italianos somente as áreas de mata (NEUMANN, 2003). Pelo lado italiano, a migração foi facilitada com o propósito de deslocar mão de obra excedente. Pelo lado brasileiro, com a proibição do tráfico de escravos em 1850, a vinda de imigrantes europeus surgia como uma oportunidade para evitar o declínio da produção agrária. Com a abolição da escravidão, crescia a necessidade por parte do Império de substituir a mão de obra escrava nas lavouras de café, bem como a necessidade de produzir e fazer prosperar a região sul, a qual também passava por períodos de crise (VENDRUSCOLO, 2009). Atualmente, há predominância italiana entre as famílias de imigrantes no território denominado Quarta Colônia, apesar da forte influência da colonização alemã.[6]

Em relação à imigração italiana, inúmeras atividades artesanais envolveram sua trajetória, como a confecção de artefatos em couro, cestaria em vime, chapéus em palha, entre outros, como enfatizado por Tedesco (2005). Segundo De Boni e Costa (1991, p. 194), os imigrantes italianos, “ilhados, com poucos recursos, em uma região de difícil acesso, num país de poucas indústrias, [...] valeram-se das habilidades artesanais a fim de suprir boa parte de suas necessidades”. Alguns imigrantes se tornaram artesãos ao chegarem ao território de destino, outros já trouxeram consigo o costume do fazer artesanal. A prática artesanal exercida pelos imigrantes passou a ser uma hibridação entre os conhecimentos trazidos e aqueles encontrados no território de destino.

O fluxo de imigrantes italianos para a América do Sul aumentou exponencialmente a partir da década de 1880, como ressaltado por De Boni e Costa (1991). No Rio Grande do Sul, as duas primeiras colônias foram criadas em 1870: Dona Isabel (Bento Gonçalves) e Conde D’Eu (Garibaldi), localizadas na Serra Geral (DE BONI; COSTA, 1991). Dois anos depois, o governo imperial retomou para si a colonização das duas colônias já referidas, criando a terceira, Fundos de Nova Palmira (posteriormente denominada Caxias do Sul), e a quarta colônia, com o nome de Silveira Martins, localizada na região central do Rio Grande do Sul (DE BONI; COSTA, 1991). Seu nome foi uma homenagem ao senador Gaspar de Silveira Martins, político do Império que teve papel importante na imigração italiana.

Santin (1986) destaca que a Colônia de Silveira Martins abrigou o contingente de imigrantes tratado com mais descaso pelas autoridades provinciais. Os imigrantes foram, inicialmente, instalados no barracão de Val de Buia, e somente a partir da morte de 400 pessoas, vitimadas por uma doença desencadeada pelas péssimas condições de higiene no barracão, que se aceleraram as providências para a demarcação das terras (ZANINI, 2006). Os primeiros anos foram marcados pela preocupação em produzir alimentos para garantir a sua subsistência, e os equipamentos empregados eram artesanais, com destaque para enxadas, arados e tração animal (NEUMANN, 2003).

De acordo com Singer (1968 apud HERÉDIA, 2005), a indústria brasileira surgiu com o intuito de substituir os artigos importados, e como o artesanato do imigrante não tinha a pretensão de substituir os produtos importados, manteve-se como economia de subsistência nas colônias. A indústria vitivinicultora, à qual se dedicaram muitos imigrantes italianos, requeria a produção de cestos reforçados, tramados com vime e taquara, para a colheita da uva. Ainda, “a trança de trigo, ‘dressa’, possibilitava a confecção de chapéus e cestas pequenas, ‘sportas’.[7] As cadeiras são tramadas com palha torcida e os garrafões de vinho são envolvidos com tramas de vime cortado” (ZATTERA, 1988, p. 27). Estes trabalhos eram comumente executados pelas mulheres,[8] de modo que as imigrantes italianas contribuíram fortemente para a consolidação da prática artesanal no sul do Brasil.

Era natural que as mulheres imigrantes se dedicassem em seu tempo livre a embelezar o lar e a executar sua vestimenta. Com seus conhecimentos, mais os adquiridos através de amigas, executavam as rendas de crochê, filó e mais tarde de tricô e os bordados de ponto cruz, cheio, crivo e pontos contínuos. O “filó”[9] tinha lugar principalmente nas temporadas de trabalhos artesanais e as mulheres italianas trabalhavam as palhas nesses encontros, aproveitando para se comunicarem e divertirem (ZATTERA, 1988, p. 27-8).

Em 1882, o governo Imperial decretou a autonomia da Colônia de Silveira Martins, e em 1884, decretou a autonomia das outras colônias restantes, passando a ser conhecidas como ex-colônias. E em 1888, o território da ex-colônia de Silveira Martins é dividido entre as cidades de Santa Maria, Júlio de Castilhos e Cachoeira do Sul, por meio de um decreto promulgado pelo Governo Imperial no ano de 1886 (SANTIN, 1986). De acordo com Zanini (2006), nessa época um grupo de descendentes italianos tentou, com o governo, a criação de um município que incorporasse os territórios de Silveira Martins, Arroio Grande, Vale Vêneto, Núcleo Norte (Ivorá), Faxinal do Soturno e Dona Francisca, mas o pedido foi negado.

Posterior a estas tentativas iniciais de emancipação da Quarta Colônia, os municípios membros começaram a se emancipar individualmente no final da década de 1950, motivados pela expectativa de melhor qualidade de vida e pela necessidade de acesso a direitos básicos como saúde, educação e melhores vias de acesso (ITAQUI, 2002). Cabe aqui ressaltar que, desde o início da ocupação italiana na ex-colônia Silveira Martins, houve um grande movimento migratório para os distritos do município de Santa Maria, em especial Arroio Grande e Estação Colônia (atual bairro Camobi), principalmente pela proximidade das vias pelas quais o trem passava e pela busca por melhores condições de vida (ZANINI, 2006). Para Santin (1986), foi com a comemoração do Centenário da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul, em 1975, que a ex-colônia Silveira Martins se mostrou e passou a ser lembrada no cenário histórico do Rio Grande do Sul. Entretanto, somente na década de 1990 foi retomada a ideia de conformação da ex-colônia, sob a denominação de Quarta Colônia.

 

Identidade projetada: a construção da italianidade

Entre 1991 e 1992, deu-se início a diversas ações denominadas Projeto Identidade, promovidas pela Secretaria de Cultura e Turismo de Silveira Martins e integradas aos demais municípios pertencentes à Quarta Colônia, com o objetivo de valorização do patrimônio cultural, natural e histórico da região (ITAQUI, 2002). O Quarto Núcleo Colonial de Imigração Italiana seria a área de atuação do projeto que se justificava a partir do histórico de ocupação das terras loteadas pelo governo no século XIX (VENDRUSCOLO, 2009). Em meados de 1990, aproveitando-se as oportunidades de financiamento existentes voltadas para a questão de preservação ambiental, foi apresentado o Projeto de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia (Prodesus), no qual os municípios reuniram-se com o objetivo de implementar ações para o desenvolvimento sustentável e potencialização dos recursos naturais e culturais da região (BATTISTELLA et al., 2008). Para administrar o Prodesus, foi criado em 1996 o Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia (Condesus), buscando afirmar uma identidade territorial como suporte ao desenvolvimento do território. O Consórcio foi então uma estratégia diferenciada de conformação territorial sobrepujando as delimitações político-administrativas criadas pelos processos emancipatórios (VENDRUSCOLO, 2009).

A configuração do território Quarta Colônia, a partir do Condesus, abarcou os municípios de Restinga Sêca e Agudo, onde a colonização teve predomínio da etnia alemã, em virtude da sua estratégica proximidade geográfica com os demais municípios (VENDRUSCOLO, 2009). Porém, segundo Vendruscolo (2009), a italianidade permaneceu como força motriz para a significação territorial, expressa na construção histórica de apropriação do território. Diversos projetos foram realizados ao longo da constituição do Condesus, como de sinalização turística, de educação ambiental e de capacitação e incentivo à agroindustrialização. Os projetos passaram a ser pensados em nível territorial para adquirir mais força e reconhecimento dos estados e do governo federal. Segundo Vendruscolo (2009), a união com os municípios de colonização germânica era vista como positiva pelos membros fundadores do Condesus, pois ressaltava a diversidade étnica do território, elemento da identidade territorial que se buscava.

Muitos aspectos rotineiros do território, como as práticas religiosas, a paisagem arquitetônica, os hábitos alimentares e práticas produtivas passaram a ser ressaltados como bens culturais (FROEHLICH; ALVES, 2007). Neste contexto, entre os anos de 2003 e 2005 foi firmado um convênio do Condesus com o Sebrae/RS para a implantação do Projeto de Turismo Integrado na Quarta Colônia, com a proposta de fortalecer o desenvolvimento sustentável do turismo nos municípios integrantes. Segundo Froehlich e Alves (2007), foram desenvolvidas ações pontuais de incentivo ao turismo da Quarta Colônia, como a criação e sinalização de dezoito roteiros turísticos que buscaram integrar o território a partir de suas mais marcantes características, com o intuito de atrair mais fluxo turístico. O Projeto de Turismo Integrado da Quarta Colônia também objetivava criar as condições necessárias para que as unidades de produção agrícola familiar se inserissem na cadeira turística em conformação no território (MARIN, 2010). O Sebrae disponibilizou consultorias, como de criação de marcas, de paisagismo e de formatação de trilhas ecológicas, além de promover oficinas para artesãos e empreendedores de produtos coloniais (MARIN, 2010).

Além das potencialidades ambientais, a dimensão cultural também foi articulada economicamente para diversificar a oferta do produto turístico da Quarta Colônia, buscando ampliação do fluxo turístico do território (FROEHLICH; ALVES, 2007). Para Ortiz (1994), especialmente na contemporaneidade, esta ressignificação simbólica é determinante na construção do perfil de qualidade dos produtos e na sua aquisição, pois os indivíduos, por meio dos objetos consumidos, exprimem e reafirmam seu status. Entre as diversas ações realizadas no território, com o propósito de evidenciar seus aspectos identitários, destacam-se os cartões-postais desenvolvidos retratando elementos histórico-culturais da Quarta Colônia como uma estratégia de marketing, visando inserir o território no mercado de atração turística.

Outra importante ação realizada no território com o intuito de evidenciar seus aspectos identitiários foi a publicação do Caderno Quarta Colônia entre agosto de 2006 e novembro de 2011. O Caderno foi patrocinado pelo Condesus como estratégia de promoção do patrimônio tangível e intangível de uma conformação territorial que buscava se legitimar e ser reconhecida, inclusive para além de seus limites geográficos. Os fascículos semanalmente encartados no jornal Diário de Santa Maria (Grupo RBS) tinham circulação nas regiões Central e Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, atendendo às expectativas de exposição e promoção das potencialidades dos municípios que compõem o Consórcio (VENDRUSCOLO, et al., 2008). Ao analisar os 225 fascículos publicados do Caderno Quarta Colônia, Mello e Froehlich (2019) encontraram somente 86 menções ao artesanato, a maioria delas em reportagens que apenas citavam a prática como uma das atrações dos eventos turísticos municipais. As matérias mais extensas sobre o artesanato orbitavam em torno do gradual desaparecimento da atividade e da sua importância como autêntico representante do patrimônio cultural dos artesãos. Por outro lado, Vendruscolo et al. (2008) apontam que as potencialidades gastronômicas se faziam presente em pelo menos metade dos fascículos do Caderno Quarta Colônia analisados, o que permite compreender a gastronomia como um importante ativo territorial e o artesanato como um recurso latente com potencial de ser ativado, especialmente se dinamizado no âmbito da cesta de bens e serviços territoriais proposta por Pecqueur (2001; 2006).

 

O artesanato na composição da cesta de bens e serviços territoriais da Quarta Colônia

Entre as ações de valorização do artesanato desenvolvidas durante a vigência do Projeto de Turismo Integrado na Quarta Colônia, destaca-se a oficina de criação de produtos conduzida por designers consultores do Sebrae. A oficina, realizada no ano de 2005, em Vale Vêneto, distrito de São João do Polêsine, tinha como objetivo unir artesãos dos nove municípios da Quarta Colônia em torno de uma coleção que os representassem, ressaltando técnicas e temas locais. Durante uma semana os artesãos participantes foram orientados por designers na criação de artefatos identitários que resultaram na coleção Colônia Natal. Apesar de não ter sido preparado um catálogo com os resultados da oficina, o Condesus possui em seu acervo fotografias de alguns exemplares confeccionados pelos artesãos (Figura 2).

 

Figura 2 – Artesanato com teor identitário na Quarta Colônia

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 Fonte: Acervo do Condesus.

 

Os produtos tinham claramente o intuito de servir como souvenirs da Quarta Colônia, pois eram itens pequenos, facilmente transportáveis e, a partir da temática ou matéria-prima, faziam referência ao ideário do imigrante, primeiros habitantes do território. Percebe-se nos exemplos apresentados que a temática retratada não é exclusiva da Quarta Colônia, mas sim dos modos de vida dos imigrantes italianos no sul do Brasil. Alguns dos artefatos desenvolvidos durante a ação do Sebrae ilustraram o fôlder sobre a cultura da Quarta Colônia, elaborado pelo Condesus em meados da década de 2000 (Figura 3).

 

Figura 3 – Artefatos da coleção ‘Colônia Natal’ no folder ‘Cultura da Quarta Colônia’.

Descrição: D:\Carolina\ESTUDOS\DOUTORADO\TESE\Imagens\FOLDER_Cultura2-3.jpg Descrição: D:\Carolina\ESTUDOS\DOUTORADO\TESE\Imagens\FOLDER_Cultura1 - 21.jpg  Descrição: D:\Carolina\ESTUDOS\DOUTORADO\TESE\Imagens\FOLDER_Cultura2-2.jpg

Fonte: Interior do fôlder de divulgação da cultura da Quarta Colônia/Condesus.

 

Porém, o grupo de artesãos formado durante a oficina se dissolveu e a etiqueta elaborada na época, com os dizeres ‘Artesanato Quarta Colônia’, já não é mais encontrada no território. Atualmente, poucos dos artefatos criados no decorrer da oficina ainda são encontrados para comercialização no território. Um deles é a guirlanda adornada com flores de palha de milho que, com algumas alterações, permanece sendo produzida por uma artesã de Vale Vêneto.[10] Outro é a sporta em palha de milho, que figurava no fôlder de divulgação da cultura da Quarta Colônia, nas fotografias do acervo do Condesus, e que há mais de duas décadas vem sendo produzida por uma artesã do município de São João do Polêsine.

Ressalta-se que os artefatos supracitados são comercializados individualmente pelas artesãs responsáveis pela sua produção, e não mais como parte de uma coleção que retrate aspectos identitários da Quarta Colônia. A falta de uma articulação local e a inexistência de um local de comercialização conjunta foram os principais fatores encontrados como obstáculos para a aproximação dos artesãos dos diferentes munícipios do território, aparentemente ocorrida somente no período de vigência do Projeto de Turismo Integrado na Quarta Colônia. A maioria dos artesãos desconhece o que vem sendo produzido nos municípios vizinhos, já que a participação conjunta em feiras, apresentadas com certa frequência nos Cadernos Quarta Colônia durante as ações do Condesus no setor, atualmente é inexistente. Nem mesmo o intercâmbio nas feiras e eventos municipais tem ocorrido, conforme relato de um das artesãs:

Até a gente tinha muita vontade de participar em todas as feiras que tivesse, perto né, nos municípios. Eu até já fui na prefeitura me informar, e elas acharam meio difícil. Um município de fora teria que convidar Restinga, no caso né, aí teria um estande, mas como Restinga não faz feira anual, então os outros municípios não convidam Restinga (R., artesã de Restinga Seca).

O distanciamento existente entre os artesãos dos municípios que compõem a Quarta Colônia dificulta a implantação de estratégias conjunta de cunho identitário. Contudo, a escassa produção de artefatos que façam alusão a aspectos identitários do território não é motivada pela falta de demanda:

[...] uma coisa que eu noto é que as pessoas que vêm de fora, aqui entra muita gente que viaja muito, tem bastante gente de fora, eles dizem que é tudo mais ou menos parecido as coisas, eles acham que tu entra e é tudo sempre mais ou menos igual, tinha que ter coisas diferentes. Mas tem artesanato no Brasil inteiro, não é muito fácil, e as pessoas vão copiando, um copia do outro, não criam muito. Eles sempre pedem muito o artesanato com identidade local, alguma coisa da cidade (S. D., artesã de Faxinal do Soturno).

Porém, em vez de retomarem a produção dos artefatos da coleção Colônia Natal, ou até mesmo de criarem uma nova coleção de produtos vinculados à Quarta Colônia como conformação territorial, os artesãos vêm suprindo a demanda por souvenirs identitários com a inserção de uma referência textual às peças, com o nome do município de origem do artesão, precedida da frase: ‘Lembrança de’. Além disso, a maioria dos produtos comercializados como souvenirs identitários não era confeccionada com matéria-prima ou técnica que os vinculassem especificamente à Quarta Colônia. Ademais, alguns dos souvenirs artesanais encontrados durante o estudo não eram sequer fabricados no território, como uma miniatura de moinho em madeira que, apesar de apresentar uma etiqueta com o nome do município onde estava sendo comercializada, no verso do produto era possível constatar que a sua produção era proveniente da cidade de Benedito Novo, estado de Santa Catarina.

O artesanato do território é predominantemente produzido por mulheres que aprenderam as suas primeiras técnicas artesanais no próprio núcleo familiar. Muitas são também agricultoras, e relatam que a produção de artesanato ocorre nas horas vagas como um modo de relaxar e, ao mesmo tempo, prover uma renda extra. Todavia, são poucos os exemplares de artesanato encontrados no território produzidos com a utilização de matéria-prima proveniente do meio rural, como palhas, sementes ou cipós. A utilização do trançado em palha de trigo, técnica característica dos imigrantes italianos e que poderia ser acionada como elemento distintivo com vinculação territorial, está se tornando cada vez mais escassa, especialmente devido ao envelhecimento das artesãs que dominam a técnica e ao pouco interesse das mais novas em aprendê-la, já que o retorno econômico alcançado com a comercialização dos artefatos em palha é considerado baixo para compensar o tempo de dedicação necessário para a sua confecção.

Ainda em relação às técnicas artesanais, o tricô, o crochê e o bordado foram as mais facilmente encontradas no território. Porém, outras menos usuais, como o frivoletê,[11] ainda persistem, mas em escala muito menor, especialmente por exigirem dedicação de tempo maior do que técnicas mais recorrentes e mais amplamente divulgadas na atualidade, como o patchwork[12] e a decupagem.[13] Convém ressaltar que sem a devida valorização, as técnicas tradicionais perdem espaço para aquelas aprendidas em canais de comunicação de massa, como revistas, televisão ou internet, resultando em muita produção semelhante, mesmo em territórios afastados. Ao se distanciar do modo de vida do seu produtor, o artesanato acaba perdendo valor simbólico e se tornando um objeto como qualquer outro regido pela lógica mercantil. Quando simplesmente reproduzidos por meio de revistas ou da internet, os artefatos dificilmente emitem elementos distintivos identitários, necessários para torná-los um ativo territorial. Um pano de prato ornamentado com desenhos padronizados, mesmo que leve o nome do território, não terá a mesma relevância simbólica que alcançaria se fosse confeccionado com elementos distintivos territoriais (MELLO, 2016). A origem italiana e o histórico de colonização apresentam-se como elementos primordiais na identificação territorial da Quarta Colônia, sendo a italianidade o principal distintivo acionado em todos os contextos interativos como representação identitária da microrregião (VENDRUSCOLO, 2009). A partir da italianidade como temática balizadora (ZANINI, 2006), as técnicas artesanais tradicionalmente praticadas no território, como crochê, bordados e trançado em palhas, poderiam ser mobilizadas de modo a resultar em artefatos que se utilizem de elementos distintivos do território para construir uma representação simbólica da sua identidade.

A partir do exposto, é possível afirmar que a maioria da produção de artesanato no território permanece como um potencial recurso a ser ativado. Por outro lado, as estratégias de construção e projeção identitária foram bem-sucedidas em mobilizar e estabelecer a gastronomia como um importante ativo territorial (FROEHLICH; DULLIUS; VENDRUSCOLO, 2010; FROEHLICH; VENDRUSCOLO, 2012). São vários os restaurantes e rotas gastronômicas atuantes no território e que atualmente reivindicam e que se utilizam da expressão e produção do típico colonial.[14] A tipicidade colonial italiana ativada pela gastronomia está diretamente ligada ao saber-fazer passado de geração em geração e herdado pelo grupo que o reivindica. Inúmeras festividades organizadas no território acionam a tipicidade italiana e propiciam ao visitante o consumo da culinária típica colonial, contribuindo para reforçar a utilização da gastronomia como um importante ativo territorial (VENDRUSCOLO, 2009; KEGLER; FROEHLICH, 2011).

Ao promover esforços no sentido de inserir o artesanato na composição de uma oferta do tipo cesta de bens e serviços (PECQUEUR, 2001; 2006) articulada ao ativo atualmente percebido como principal, a gastronomia, os atores locais têm a oportunidade de potencializar as ações que já se tecem em nome do desenvolvimento do território. Ou seja, os múltiplos elementos distintivos poderiam, em conjunto, reforçar de forma mais explícita a projeção da italianidade no território da Quarta Colônia. Por exemplo, a confecção de artefatos artesanais para serem comercializados como souvenirs nas diversas festividades vinculadas à gastronomia daria aos artesãos mais probabilidades de obter retorno econômico a partir do artesanato, principalmente se utilizarem as técnicas artesanais que foram aprendidas no núcleo familiar para suprir necessidades que atualmente são atendidas por artefatos industriais cada vez mais acessíveis e onipresentes, como a fabricação de chapéus de palha para a proteção contra o sol nos trabalhos ao ar livre, a confecção de sportas para o transporte de coisas, entre outas. A produção destes artefatos artesanalmente, ao mesmo tempo que agrega valor e gera renda aos seus produtores, conserva saberes e fazeres vinculados à história e à tradição do território, e também pode contribuir para intensificar o fluxo e a repercussão da imagem identitária do território como um todo, ao se tornar uma opção de souvenirs para os consumidores que visitarem a localidade.

Uma das principais vantagens da oferta de bens e serviços territoriais no modelo de cesta proposto por Pecqueur (2001; 2006) é que, ao adquirir um produto de qualidade territorial, o consumidor pode descobrir a especificidade de outros procedentes do mesmo território, o que contribui para a construção de uma imagem particular que remete o consumidor a uma identidade e um vínculo com a história do território (PECQUEUR, 2001; 2006). Como ressaltado por Stewart (1993), o souvenir é uma amostra da experiência vivida por seu possuidor e, ao ser completado por uma narrativa, permite que imaginários e memórias relacionados ao território visitado sejam compartilhados simbolicamente com outros. Desse modo, o artesanato como souvenir pode contribuir para aumentar a demanda por demais bens e serviços da cesta, inclusive do ativo mais expressivo, a gastronomia, pois ela reforça a imagem valorativa que o consumidor concebe do território de origem do produto, estimulando seu retorno.

Na Quarta Colônia, a italianidade já vem sendo evocada como imagem identitária coletiva, todavia os bens e serviços são apresentados ao consumidor de forma isolada. Uma tentativa de oferta compósita foi realizada em 2007 com a construção da Casa da Quarta Colônia, idealizada pelo Condesus com o apoio do Sebrae como um ponto de divulgação das potencialidades turísticas do território aliada à exposição e à venda de seu artesanato e produção agroindustrial. Em 2008, uma cooperativa foi formada para gerir a Casa, a Coopeaagro. Porém, após algumas tentativas frustradas de colocar o empreendimento em atividade, em 2011 o Condesus repassou a titularidade do imóvel construído para abrigar a Casa ao Município de Restinga Sêca que, através de processo licitatório, concede a utilização do espaço para empresários locais (CADERNO QUARTA COLÔNIA, 2011). Embora o propósito da Casa da Quarta Colônia fosse positivo para a consolidação de uma oferta do tipo cesta de bens no território, não houve uma organização posterior da coletividade para ocupar o espaço e mantê-lo (WINCK et al., 2014).

Ressalta-se que, sendo o território socialmente construído, as condições para a transformação dos recursos latentes em ativos não estão presentes no produto em si, mas nas estratégias dos atores no processo de construção social do território (PECQUEUR, 2001; 2006). Para que o modelo da cesta de bens e serviços territoriais seja bem-sucedido, é necessário que haja o estabelecimento de uma governança territorial consistente, consolidando-se laços de proximidade e confiança entre os atores participantes (HIRCZAK et al., 2008). Compreende-se que esse possa ser o maior desafio para a dinamização do território da Quarta Colônia no âmbito de uma cesta de bens e serviços, porém os esforços empreendidos nesse sentido trariam oportunidades para os atores envolvidos: a consolidação de relações de cooperação entre os produtores da cesta contribuiria para aumentar o sentido de pertencimento dos atores ao território; e a complementaridade entre os produtos oferecidos fortaleceria a imagem identitária coletiva do território, favorecendo os fluxos turísticos, imprescindíveis para a manutenção de uma oferta de bens e serviços compósita e territorializada.

Portanto, pode-se afirmar que, apesar de tentativas prévias de transformação do artesanato em ativo territorial, ele ainda permanece apenas como um potencial recurso. A sua ativação em uma cesta de bens e serviços vinculada ao ativo principal, que atualmente é a gastronomia, mostra-se relevante especialmente pelo fato de que, devido à falta de uma articulação entre os produtores de artesanato e demais atores do território, os artesãos vêm suprindo a demanda por souvenirs identitários com a inserção nos artefatos de uma referência ao seu município de origem, e não ao território Quarta Colônia, o que acaba impactando negativamente a projeção identitária que está em construção no território desde o início dos anos 1990. Além disso, a valorização identitária das técnicas artesanais características dos imigrantes italianos, como o trançado em palha de trigo, poderia evitar seu desaparecimento, pois com o aumento da demanda os artesãos teriam mais estímulo para continuar a produção e os jovens teriam mais interesse em aprendê-las. Por fim, como a demanda dos produtos da cesta está diretamente ligada à reputação de qualidade que o território manifesta, a oferta compósita e territorializada possibilita a geração de renda excedente de qualidade territorial que supera a renda obtida através da venda de produtos e serviços de forma isolada, beneficiando, assim, todos os atores envolvidos.

 

Considerações finais

Na Quarta Colônia, o Consórcio de Desenvolvimento Sustentável da Quarta Colônia (Condesus) tem promovido, desde a década de 1990, ações com o objetivo de afirmar uma identidade territorial como suporte ao seu desenvolvimento. Aspectos como as práticas religiosas, a paisagem arquitetônica e os pratos típicos vêm sendo mobilizados com certo êxito. Em relação ao artesanato, no início da década de 2000 foram promovidas ações pelo Condesus, em parceria com o Sebrae nacional, com o propósito de torná-lo parte do processo de construção e projeção identitária em curso no território. Entre as ações realizadas com esse fim, destacou-se uma oficina de criação ministrada por designers do Sebrae em 2005 para os artesãos do território, cujo intuito era promover aspectos identitários no artesanato da Quarta Colônia. A oficina resultou na coleção Colônia Natal, composta por artefatos que evidenciavam técnicas e temas locais. Contudo, como não foi constituída uma associação entre os artesãos envolvidos e não havia uma estrutura de comercialização conjunta, a maioria dos produtos desenvolvidos para a coleção parou de ser produzida. Os poucos que ainda persistem são comercializados individualmente pelos artesãos responsáveis pela sua produção.

Na atualidade, apesar das tentativas de territorialização promovidas pelo Condesus, no que diz respeito ao artesanato não há integração entre os diferentes municípios que compõem a Quarta Colônia. Não é vislumbrada nenhuma ação que promova articulação dos artesãos de diferentes localidades em torno de uma identidade emanada de sentimentos de coesão territorial. Além disso, embora seja encontrado com facilidade artesanato que referencie o município de origem do artesão, encontram-se poucos artefatos que façam alusão ao território Quarta Colônia, evidenciando a pouca aproximação existente na prática entre os municípios agregados sob essa denominação. Ressalta-se que diversas técnicas artesanais características dos imigrantes italianos que poderiam ser mobilizadas pelos atores para se tornarem ativos territoriais, como o trançado em palha de trigo na confecção de chapéus ou sportas, além de não estarem sendo acionadas, correm o risco de desaparecer, especialmente devido ao envelhecimento dos artesãos que as praticam e o pouco interesse dos artesãos mais jovens nas técnicas em questão.

Portanto, apesar de o artesanato ser reconhecidamente um importante recurso territorial, sua transformação em ativo não tem sido objeto de investimento mais efetivo na Quarta Colônia, diferentemente do que ocorre com a gastronomia, cuja visibilidade como ativo vem sendo evidenciada com intensidade nos discursos e ações promovidas pelos atores institucionais. Nesse cenário, a ênfase em um único ativo enfraquece estratégias mais plurais, pois ao concentrar os esforços em apenas um ativo, perdem-se repertórios que poderiam ser articulados aos de maior expressão. Desse modo, uma alternativa para a dinamização do artesanato do território seria incluí-lo em uma oferta do tipo cesta de bens e serviços territoriais (PECQUEUR, 2001; 2006), vinculada ao ativo de maior expressão, que atualmente é a gastronomia. Considerando a crescente valorização que o artesanato tem recebido nos mercados simbólicos contemporâneos, oportunizando sua produção e comercialização como souvenir identitário, e os frequentes fluxos turísticos propiciados pela visibilidade midiática das inúmeras festividades que acionam a gastronomia típica colonial italiana do território, a articulação de ações com o intuito de consolidar uma oferta compósita e territorializada favoreceria o fortalecimento de uma imagem identitária coletiva para o território e, por esse motivo, resultaria em benefícios intersetorias. Mas para isso o território Quarta Colônia precisaria avançar na dinâmica política e de gestão de sua governança territorial, articulando novos atores e ações em estratégias transversais inovadoras que valorizem bens privados e bens públicos do território, como a paisagem, o patrimônio natural e cultural, as práticas religiosas, entre outros. Se essa estratégia for orientada pela abordagem da cesta de bens e serviços territoriais, promovendo e ampliando a escala de cooperação e de protagonismo dos atores sociais na mobilização de suas especificidades territoriais, talvez seus frutos sejam mais pródigos e viçosos na produção de sementes de experiências territoriais de desenvolvimento.

 

 

 

 

 

 

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Resumo: (O bem que falta na cesta: o artesanato no território Quarta Colônia, RS). Este artigo apresenta o contexto do artesanato no território da Quarta Colônia, Rio Grande do Sul, evidenciando seu potencial latente de se tornar um ativo territorial passível de mobilização por parte dos atores institucionais, especialmente se dinamizado no âmbito de uma cesta de bens e serviços que gravite em torno da italianidade como imagem identitária coletiva e esteja articulada ao ativo de maior expressão e visibilidade midiática do território, a gastronomia. O estudo possui caráter qualitativo, com a adoção de uma abordagem de pesquisa interpretativista, e o percurso metodológico abrangeu análise documental, observações e entrevistas semiestruturadas com interlocutores qualificados envolvidos no contexto do artesanato da Quarta Colônia. Entende-se que o artesanato pode contribuir para o fortalecimento de uma oferta compósita e territorializada do tipo cesta de bens, reforçando a imagem de qualidade global do território da Quarta Colônia.

Palavras-chave: artesanato; cesta de bens e serviços; Quarta Colônia; território.

 

Abstract: (The good that is missing from the basket: handicrafts in the Quarta Colônia territory). This article presents the context of handicrafts in the Quarta Colônia territory, Rio Grande do Sul, highlighting its latent potential to become a territorial asset that can be mobilized by institutional actors, especially if it is dynamized within a basket of goods and services that gravitate around the Italian as a collective identity image articulated with the asset of greatest expression and media visibility of the territory, that of gastronomy. The study has a qualitative character, with the adoption of an interpretative research approach, and the methodological approach included documentary analysis, observations and semi-structured interviews with qualified interlocutors involved in the context of Quarta Colônia handicrafts. It is understood that handicrafts can contribute to the strengthening of a composite and territorialized supply of the basket of goodstype, reinforcing the image of global quality of the Quarta Colônia territory.

Keywords: handicrafts; basket of goods and services; Quarta Colônia; territory.

 

 

 

Recebido em fevereiro de 2019.

Aceito em abril de 2019.

 



[1] Doutorado em Extensão Rural e professora adjunta do Curso de Desenho Industrial na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: mailto:carolinaiuva@gmail.com.

[2] Pós-doutorado em Antropologia Social pela Universidad de Sevilla, Espanha e professor titular do Departamento e nos Programas de Pós-graduação em Extensão Rural e em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: mailto:jmarcos.froehlich@gmail.com.        

[3] Publicado semanalmente entre 2006 e 2011 como encarte no jornal Diário de Santa Maria, então do Grupo RBS, o Caderno possuía circulação nas regiões Central e Fronteira-Oeste do Rio Grande do Sul (PIPPI, 2012).

[4] Este estudo apresenta um recorte da pesquisa de campo realizada pela autora em 2015 como parte do seu doutoramento em Extensão Rural. Para mais informações, ver Mello (2016).

[5] Para os diversos significados de souvenir, ver Stewart (1993).

[6] Ressalta-se que a formação do território da Quarta Colônia também recebeu influências dos imigrantes açorianos e dos escravos negros que, após a abolição em 1888, formaram diversos núcleos quilombolas nas redondezas (NEUMANN, 2003).

[7] Espécie de sacola produzida com palha de trigo trançadas, denominadas dressas.

[8] Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE apud BARBOSA; D’ÁVILA, 2014), o Brasil tem mais de 8 milhões de artesãos, sendo que destes 87% são mulheres que aprenderam as técnicas artesanais no próprio núcleo familiar. A predominância do gênero feminino no artesanato pode ser explicada pela divisão sexual do trabalho, que tem por característica a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva, a partir de dois princípios organizadores: o de separação e o de hierarquização  (KERGOAT, 2003). Além disso, a atividade artesanal para as mulheres era incentivada pela Igreja, que a entendia como uma forma pedagógica de aprendizagem dos ‘papéis femininos’ (SILVA, 2015).

[9] Reuniões realizadas à noite entre parentes ou vizinhos mais próximos.

[10] Distrito turístico do município de São João do Polêsine.

[11] Renda de algodão tecida com uma ou duas navetas (lançadeiras) e um gancho de aço.

[12] Técnica que envolve a costura de retalhos de tecidos, geralmente baseada em padrões de repetição construídos com diferentes formas coloridas (SANTOS, 2012).

[13] Técnica que consiste em revestir superfícies com papéis.

[14] Sobre a importância e as disputas atuais em torno da noção de produto colonial, ver as interessantes análises de Dorigon (2012).