Estudos Sociedade e Agricultura
vol. 27, n. 2, junho a setembro de 2019

 

 

 

Damiane Maria Boziki[1]

Patrícia Binkowski[2]
Aline Reis Calvo Hernandez[3]

 

 

 

A política de desenvolvimento territorial e os instrumentos de ação pública no território rural Campos de Cima da Serra, Rio Grande do Sul

 

 

 

Introdução

A agricultura familiar no Brasil constitui uma forma de produção e trabalho que foi historicamente marginalizada. Tal circunstância é fruto do legado colonial do país e do processo de modernização assimétrico da agricultura nacional implantada com mais força a partir da segunda metade dos anos 1960 (AQUINO; SCHNEIDER, 2015). A modernização da agricultura intensificou essas desigualdades, pois não privilegiou uma parcela de agricultores existentes, marginalizando, por vezes, alguns segmentos de produtores pela falta de acesso ao crédito, à assistência técnica, dentre outros benefícios.

Aquino e Schneider (2015) comentam que no final de 1980, em meio ao processo de redemocratização, os movimentos sociais do campo iniciaram ações no sentido de motivar a criação de políticas para compensar os efeitos nocivos da política econômica do período da ditatura militar (1964-1985). Foi nessa época, em que o Brasil se encontrava em um contexto histórico de crise econômica e de reformas liberais, que se iniciaram as experiências e os estudos voltados ao desenvolvimento territorial (DANTAS; COSTA, 2014).

Durante a primeira metade da década de 1990, algumas alterações na forma de gestão do Estado, especialmente com o incremento do papel das recém-criadas agências de regulação e da descentralização de algumas políticas públicas federais, fizeram com que os governos locais ganhassem novas atribuições (SCHNEIDER, 2004). Neste sentido, o debate sobre o desenvolvimento territorial rural se baseava, em primeiro lugar, na observação da persistência relacionada à pobreza rural e à desigualdade regional, e na discussão mais ampla sobre o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade (DELGADO et al., 2007).

Para Delgado et al. (2007, p. 06), “a questão do desenvolvimento territorial está ligada à forma como o Estado atua no espaço nacional, ou seja, como se articulam as decisões públicas em todas as escalas da organização administrativa”. Como atuação do Estado, entende-se o conjunto das práticas públicas, visando ao aparelhamento do espaço nacional, ao arranjo espacial dos serviços públicos, assim como às formas de articulação do Estado com os atores sociais (DELGADO et al., 2007). Buttenbender, Siedenberg e Allebrandt (2011, p. 2) afirmam que definir política pública de desenvolvimento, das estruturas de governo regional, e os processos de planejamento e gestão requer o envolvimento do Poder Público e da sociedade civil, “atuando em diferentes espaços de organização social através de diversos instrumentos e mecanismos de participação”.

Com a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e da Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) em 2000 iniciou-se um espaço importante para elaboração de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento rural e territorial. As políticas e os programas tinham como objetivo promover o desenvolvimento sustentável em regiões com baixo dinamismo econômico, especialmente no meio rural (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2015). A estrutura e o modelo da política basearam-se na formação de uma instância local de mobilização e participação, denominada Colegiado de Desenvolvimento Territorial (Codeter), em que o Estado e a sociedade civil planejam e geram as políticas públicas conjuntamente em torno da construção de ações destinadas, em especial, aos agricultores familiares, assentados, povos indígenas, quilombolas, pescadores e piscicultores familiares. A SDT foi o órgão responsável pelo eixo estratégico do MDA relacionado às políticas de promoção da qualidade de vida e da cidadania no rural brasileiro que, com as políticas agrárias e agrícolas, integraram os eixos estratégicos do ministério. 

Integrando a política de desenvolvimento territorial, como forma de apoiar os Codeter, foi criado em 2003 o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (Pronat), que é uma política baseada em um corpo normativo, cujo objetivo é nortear os atores do setor da agricultura familiar na elaboração de projetos territoriais. O Pronat está baseado na premissa política de romper com o isolamento socioeconômico dos agricultores familiares adiante da importância de seus papéis fundamentais nas dinâmicas territoriais, proporcionando-lhes apoio institucional e financeiro para ampliarem seus desempenhos (DELGADO; LEITE, 2015).

Assim, a partir da premissa da descentralização das políticas públicas, a SDT optou por utilizar o “território”[4] como a unidade que melhor dimensiona os laços de proximidade entre as pessoas, grupos sociais e instituições, estabelecendo iniciativas voltadas para o desenvolvimento. Desta forma – mais especificamente a SDT –, foi definido que a política de desenvolvimento territorial seria aplicada a partir do/de um “Território Rural” definido como aquele espaço onde os critérios multidimensionais “facilitam a coesão social, cultural e territorial, apresentam, explicita ou implicitamente, a predominância de elementos rurais” (BRASIL, 2003, p. 4).

Com a implantação da política de desenvolvimento territorial adotada no Brasil, os Territórios Rurais passaram a adotar um forma específica de intervenção que se baseia em quatro eixos estruturantes:

1) articulação: que se dá em institucionalidades territoriais que fazem a gestão social por meio do estabelecimento de um plano de desenvolvimento (a própria figura do território rural); 2) órgãos colegiados: como oportunidade para a prática democrática, entendida por sua forma cooperada (os conselhos gestores dos territórios); 3) planejamento e gestão participativos: que por meio de três fases – mobilização, elaboração de um plano e implantação do plano – deve ter como resultado a afirmação da identidade e da representatividade territorial (os planos territoriais de desenvolvimento rural sustentável); e 4) o desenvolvimento de competências: por meio da capacitação dos agentes locais com cursos de formação. (BRASIL, 2005, s/p).

Conforme dados de 2014 do Ministério do Desenvolvimento Agrário (BRASIL, 2014), o Rio Grande do Sul apresenta 18 territórios rurais reconhecidos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), dentre eles está o Território Rural Campos de Cima da Serra (TRCCS). Portanto, este artigo tem o intuito de descrever como se estruturou a política de desenvolvimento territorial no TRCCS e descrever e analisar o papel das Câmaras Temáticas (CT) como instrumentos de ação pública no Codeter do TRCCS no RS.

 

Estado, política e ação pública

A palavra “política” se origina da palavra grega “polis”, que significa “coisas da cidade” (urbano, público, civil e social) (MELLO-THÉRY, 2011; WOLFF, 1999). Wolff (1999) comenta que a ideia de política é um produto de um momento singular em que se cruzaram dois frutos da história grega – um novo modo de pensar surgido do século VI a.C., com base no “livre exame e na interrogação sobre o fundamento de todas as coisas, encontrou um modo livre e novo de viver juntos”, surgido no século VIII a.C., chamado “polis’. Segundo Wolff (1999), a política é o produto desse cruzamento e é considerada a prática da polis. Aristóteles (século IV a.C.) se referia à política como a ciência do governo e, à forma de governar, à cidade (MELLO-THÉRY, 2011).

Na organização moderna, a ideia/noção de polis se refere ao Estado e está diretamente vinculada ao poder, podendo ser definida como “um conjunto de procedimentos/marcos institucionais, pactos que expressam relações de poder e que se orienta à resolução de conflitos no que se refere a bens públicos” (MELLO-THÉRY, 2011, p. 12). Para Mello-Théry (2011, p. 12), a política é “intencional e abrangente e terá sempre caráter estatal, ainda que sua execução possa envolver agentes privados”. A política pode também ser entendida como o processo pelo qual diversos grupos tomam decisões coletivas, as quais se transformam em política comum a todos, dando a ideia de algo compartilhado (MELLO-THÉRY, 2011). Esse “caráter estatal” que caracteriza a política pode ser compreendido pela definição de “Estado” que, segundo Mello-Théry (2011, p. 12), é entendido como “um conjunto de instituições públicas que envolvem múltiplas relações com o complexo social num território delimitado. O Estado detém o poder e a autoridade para fazer as políticas se tornarem válidas para toda a população” (MELLO-THÉRY, 2011, p. 12).

O Estado age por meio de políticas, que por vezes apresentam resultados conflitantes em função dos diversos interesses e relações de poder existentes. As políticas de desenvolvimento adotadas pelo Estado nos últimos anos foram seguidas pelo aumento e a diversificação de instrumentos de ação pública, que permitem justamente a inserção de mais atores na formulação, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas, portanto, o Estado não é o único a tomar decisões. A ação pública visa observar os dispositivos concretos de política pública como construções sociais consequentes de um jogo complexo entre uma multiplicidade de atores sociais, políticos e econômicos (MASSARDIER, 2003).

A noção de “ação pública” surge na França para descrever o movimento do Estado para a sociedade civil e da sociedade civil para o Estado. Faz-se menção a um destaque nas instituições públicas de esfera local, em especial os municípios e outras formas de governo local, em que as transformações têm sido mais expressivas (CAMPBELL, 2003 apud ÁVILA, 2011).

“A ação pública é um espaço sociopolítico construído tanto por técnicas e instrumentos quanto por finalidades, conteúdos e projetos de atores” (LASCOUMES; LE GALÈS, 2014, p. 21). Conforme Lascoumes e Le Galès (2014), a ação pública se caracteriza pela (re)acomodação, pela multiplicação de atores com múltiplas finalidades, heterogeneidades, que tenham transversalidade de problemas e que tenham mudanças nas escalas de territórios de referência. “Com esta (re)acomodação o Estado passa a não deter o monopólio, pois este processo se caracteriza pela descentralização dos processos políticos e da regulação dos conflitos.” (LASCOUMES; LE GALÈS, 2014, p. 28).

Diante deste processo, se observa uma fragmentação dos lugares de poder, a interdependência entre os atores, assim como a existência de enfrentamentos ou de conflitos de ação pública, cada vez mais canalizados no marco de espaços de negociação promovidos para acolher mecanismos de discussão (LAGROYE; FRANÇOIS; SAWICKI, 2006 apud ÁVILA, 2011). Portanto, a ação pública é o “conjunto de efeitos, não necessariamente previsíveis e coerentes, resultantes de interações entre instituições interdependentes, entre os agentes dessas instituições e uma quantidade de atores sociais interessados pelas decisões políticas, entre esses atores e os governantes” (LAGROYE; FRANÇOIS; SAWICKI, 2006 apud ÁVILA, 2011, p. 30).

A instrumentação da ação pública pode ser entendida como um conjunto de problemas a serem priorizados pelo emprego dos instrumentos (métodos, meios de operar, dispositivos) que admitam concretizar e operacionalizar a ação governamental, assim como os resultados obtidos por estas escolhas (LASCOUMES; LE GALÈS, 2014). As instituições são pautadas por estes instrumentos, tendo em vista que são elas que determinam o comportamento dos atores (sobre os efeitos e relações de força), são relações de poder, em que se pode privilegiar alguns atores e afastar outros, dependendo do instrumento selecionado. São esses instrumentos que determinam, em grande parte das situações, os recursos que devem ser empregados e por quem, e assim são capazes de consolidar ações coletivas e podem tornar mais visível o comportamento dos atores (LASCOUMES; LE GALÈS, 2014).

 

Procedimentos metodológicos

O estudo apresenta uma abordagem qualitativa que, conforme Silveira e Córdova (2009, p. 32), se preocupa com “aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais”. Segundo Chizzoti (1995), na abordagem qualitativa, o conhecimento não se restringe simplesmente a dados isolados, conectados por uma teoria explicativa: o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fatos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um fenômeno inerte e neutro; está possuído de significações e relações entre sujeitos concretos e suas ações (CHIZZOTI, 1995).

A pesquisa foi triangulada de tipo exploratória, descritiva e analítica. A pesquisa exploratória tem como objetivo proporcionar mais familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou construir hipóteses (SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009). A etapa descritiva exige do investigador uma série de informações sobre o que deseja pesquisar, sendo descritos os fatos e fenômenos de determinada realidade (TRIVINÕS, 1987). Já a pesquisa analítica requer uma avaliação mais aprofundada das informações coletadas em um determinado estudo, observacional ou experimental, na tentativa de explicar o contexto de um fenômeno no âmbito de um grupo, grupos ou população (FONTELLES et al., 2009).

O fluxo de dados foi composto por quatro etapas diferentes: 1a etapa – Análise de Dados Secundários: foram consultadas bases de dados, repositórios digitais e estatísticas descritivas; 2a etapa – Análise Documental: foram analisadas as atas, pautas e áudios das reuniões do Codeter e os registros das memórias e relatórios dos principais eventos oficiais do TRCCS; 3a etapa – Análise dos Registros do Diário de Campo: foram retomadas as descrições, relatos e percepções; 4a etapa – Análise dos Dados: sistematização e interpretação dos dados.

O desenvolvimento de pesquisas de campo com amplo fluxo de dados pode contribuir muito para a compreensão do tema em profundidade, ao apresentar em cada fluxo novos elementos que sirvam de reflexão à compreensão da dinâmica dos atores sociais em relação ao poder público, as percepções das (in)certezas, a consolidação ou desmonte de políticas públicas e, ainda, para a implementação de instrumentos de ação pública.

 

A política de desenvolvimento territorial no território rural Campos de Cima da Serra (RS)

A política de desenvolvimento territorial do MDA iniciou a partir da necessidade da construção de uma estratégia de desenvolvimento rural contemporânea, a qual deveria apresentar um novo olhar sobre o Brasil rural como espaço de vida, da diversidade e do desenvolvimento sustentável. Diante deste contexto, o rural é percebido como espaço de potencialidades em todas as dimensões do desenvolvimento e não apenas do econômico. E foi então que a SDT passou a concretizar políticas públicas em prol do desenvolvimento sustentável no rural brasileiro, entre elas a política de desenvolvimento territorial implantada nos “Territórios Rurais”.

Até 2016 existiam no Brasil 243 territórios entre Territórios Rurais (TR) e Territórios da Cidadania[5] (TC), que estão inseridos em 3.653 municípios, correspondendo a 65% dos municípios do Brasil e 76% do território nacional (BRASIL, MDA, 2016). São aproximadamente 22,7 milhões de habitantes em áreas rurais e 75% da população rural do Brasil correspondendo a 81% de agricultores familiares em relação ao total do Brasil (BRASIL, MDA, 2016).

No Rio Grande do Sul existem 18 territórios (entre TRs e TCs), dentre eles está o Território Rural Campos de Cima da Serra, que foi reconhecido pelo MDA a partir da Resolução no 94 de 23 de maio de 2013 do Condraf. O território compreende uma área total de 15.501,70 Km², com uma população estimada em 627.501 pessoas, onde grande maioria da população (91,37%) é considerada urbana (FEE, 2015). É composto por 13 municípios: Antônio Prado, Bom Jesus, Cambará do Sul, Campestre da Serra, Canela, Caxias do Sul, Ipê, Jaquirana, Monte Alegre dos Campos, São Francisco de Paula, São José dos Ausentes, São Marcos e Vacaria (Figura 1).

 

 

Figura 1 – Localização do Território Rural Campos de Cima da Serra no Rio Grande do Sul e os municípios que o compõem

Fonte: Brasil, Caderno Territorial, Ministério do Desenvolvimento Agrário (2015).

 

A política de desenvolvimento territorial implantada no âmbito do Pronat e do Programa Territórios da Cidadania (PTC) tem como centralidade a gestão social, compartilhada entre Poder Público e representações da sociedade civil, que compõem as diferentes instâncias constituídas nos territórios e fora deles. Segundo Grisa e Schneider (2015), o marco da abordagem territorial não é simplesmente a criação de territórios, mas, sobretudo, elementos centrais no desenho da política territorial, privilegiando os temas de governança e gestão social, os quais estariam relacionados com: 1) construção institucional da participação dos atores; 2) intersetorialidade das atividades propostas; 3) elaboração de projetos estratégicos de desenvolvimento.

Neste sentido, a política de desenvolvimento territorial se refere, em princípio, à criação e à institucionalização de espaços de participação social, os quais são promotores da valorização das características sociais, econômicas, produtivas, culturais e geográficas de cada território. Portanto, o modelo de governança estabelecido pelo Pronat fomentava a gestão social compartilhada entre o Poder Público e a sociedade civil organizada através da implantação dos Codeter que tinham autonomia para criar internamente as CTs – que são instâncias que contribuem para mobilizar e articular os atores territoriais para a discussão e condução de temáticas específicas. 

No estudo realizado sobre como se estruturou a política de desenvolvimento territorial no TRCCS, no RS, percebeu-se que tanto o Codeter quanto as CTs foram espaços onde se forjaram participações sociais ativas. Determinadas CTs foram tidas como instrumento de ação pública, por reunir atores sociais representativos da sociedade civil e do Poder Público, que agiram dentro destes dispositivos de debate para elaboração de ações estratégicas de desenvolvimento territorial. Portanto, analisaremos mais profundamente estas duas instâncias de representação, participação e ação pública no TRCCS (RS).

 

Codeter do TRCCS

Os Codeter são instâncias de gestão social da política territorial, constituídas como espaços de pactuação da política entre os diferentes segmentos organizados que os integram. É a partir dessas institucionalidades que se busca ampliar o acesso, a integração e a articulação das políticas públicas contextualizadas às especificidades de cada território, assegurando os canais de participação social necessários para o fortalecimento da democracia participativa. 

A gestão social se dá pelos atores sociais de um território envolvidos nos espaços de deliberação e consulta das políticas para o desenvolvimento e também pelas iniciativas que perpassam a mobilização dos agentes até a implementação e avaliação das ações planejadas. Passando também pelas etapas de diagnóstico, elaboração de planos, negociação de políticas e projetos. É um constante compartilhamento da responsabilidade do destino do território (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2005).

Os Codeter são dotados de plena autonomia para deliberar sobre sua agenda, suas pautas prioritárias e suas estratégias de controle social das políticas públicas. Organizam-se segundo os preceitos da participação, transparência, representatividade, diversidade e pluralidade, conforme estabelecido nas Resoluções nos 48 e 52 do Condraf.

A composição dos Codeter, e de todas as suas instâncias, deve obedecer aos princípios da representatividade, diversidade e pluralidade, respeitando que no mínimo 50% das vagas sejam ocupadas por representantes da sociedade civil vinculados à agricultura familiar. No entanto, não há orientação quanto ao tamanho de um Codeter nem quanto aos perfis dos seus membros. A Resolução no 52 do Condraf recomenda que o Codeter tenha a seguinte organização: plenárias, núcleo diretivo, núcleo técnico e câmaras temáticas.

Atualmente o Codeter TRCCS é composto por 42 representações, sendo 30 da sociedade civil e 12 do Poder Público. A presença massiva da representação da sociedade civil influencia tanto na elaboração das ações territoriais quanto na sua execução. No entanto, segundo Dias (2008), esta assimetria na representação pode ser umas das causas da não participação e do desinteresse das instâncias governamentais.

As plenárias do Codeter abordaram entre março de 2015 a outubro de 2016 temas diversos e fundamentais para o desenvolvimento territorial do TRCCS como Pronatec Campo; Projeto de Assistência Técnica e Extensão Rural – Ater Agroecologia; Eleição dos Núcleos Diretivo e Técnico; Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável; Projetos concorrentes à ação orçamentária do Proinf; Aplicação de questionário sobre Gestão Social da Secretaria de Desenvolvimento Territorial; Projeto sobre Energia Eólica, entre outros. Ao mesmo tempo se observa que nem todos os 13 municípios que compõem o TRCCS participaram igualmente das plenárias do Codeter. Verificou-se que os municípios de Vacaria, Ipê, Antônio Prado e São Francisco de Paula são os que mais possuem representatividade no Codeter, no entanto, quando se analisa a efetiva participação das instituições, observa-se que os municípios que mais participaram das plenárias foram Caxias do Sul (27), São Francisco de Paula (15) e Vacaria (13). Mesmo com a maior representação no Codeter, o município de Vacaria ficou com a terceira colocação em participação efetiva em plenárias, por exemplo. Já o município de Ipê, que ficou com a segunda maior representação no Codeter, está entre os últimos municípios em participação, com apenas quatro em plenárias.

A participação social é uma das principais formas de atuação em espaços de disputa e poder. No entanto, o que se evidencia em regiões mais pobres do país, como é o caso do TRCCS, é que na maioria das vezes, a falta de participação está relacionada com o capital social pouco desenvolvido que evidenciam determinados problemas (econômicos, sociais, geográficos, educacionais e políticos) (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2005a). O crescimento da institucionalização do capital social é visto como uma ameaça ao poder político local. Por isso, a gestão social aparece como uma reivindicação em quase todos os fóruns, associações, sindicatos e outras formas de organização social (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO, 2005a).

Todavia, a participação não é um desafio apenas para a política de desenvolvimento territorial e/ou nos Codeter, ela é uma constante em diversas instâncias de representação na sociedade, principalmente no que tange ao meio rural. Segundo Niederle (2014), algumas organizações da agricultura familiar revelaram inúmeras dificuldades para dialogar com agricultores vinculados às comunidades e povos tradicionais.

Outra responsabilidade que coube ao Codeter foi a de discutir e decidir sobre o encaminhamento dos recursos viabilizados via MDA como Proinf (Projetos de Infraestrutura), Pronat (Programa Nacional de Desenvolvimento dos Territórios Rurais) e Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), por exemplo. Verificou-se que de 2003 a 2014 (o TRCCS ainda não havia sido formalizado) foram financiados 32 projetos via Proinf e, destes, 13 estavam relacionados à aquisição de veículos utilitários e maquinários (motoniveladoras, retroescavadeiras, caminhões e tratores). No entanto, cabe salientar que se observou neste período – 2003 a 2014 – que a grande maioria dos projetos financiados pelo Proinf no TRCCS correspondeu a ações pontuais, ou seja, suprindo demandas somente de alguns setores do meio rural, não levando em consideração o enfoque territorial, objetivo fundamental da política de desenvolvimento territorial.

Desta forma, observa-se que de 2003 a 2014 não houve um planejamento em relação às prioridades dos recursos, ou seja, quais projetos deveriam receber com mais urgência os recursos? Além disso, constatou-se que no mesmo período, dos 13 municípios que compõem o TRCCS, somente nove foram contemplados com recursos, totalizando o valor de R$ 7.783.904,00. O município de Caxias do Sul, por exemplo, recebeu aproximadamente 30% dos recursos, somente em duas propostas aprovadas. Percebe-se também que três outros municípios – Vacaria, Ipê e Antônio Prado – concentraram um número maior de projetos e, por conseguinte, a maior concentração de recursos, se comparada aos demais.

Considerando estes aspectos e a redução do volume de recursos, a partir de 2013 os manuais operacionais do Proinf passaram a direcionar o objeto de contratação, fomentando a priorização de projetos e determinando o apoio a “uma única proposta por território, devendo a mesma contar com a anuência do Codeter” (BRASIL, SDT/MDA, 2013, p. 15). Esta orientação estimulou a disputa pelos recursos do Proinf, tendo em vista que somente um projeto por território poderia ser cadastrado. Diante desta nova realidade, o Codeter precisou qualificar o debate para chegar a um consenso de qual projeto deveria ser cadastrado, e ainda qual município ficaria responsável pelo cadastramento no Sistema de Convênios (Siconv), tendo em vista que estas decisões dependiam de anuência do Codeter.

Após a criação do TRCSS, em 2013, foram cadastrados no Siconv apenas quatro projetos para obtenção de recursos do Proinf. Tais projetos foram discutidos e aprovados em plenárias e totalizavam o valor de R$ 583.000,00. No entanto, somente um projeto foi de fato executado, o da Prefeitura municipal de Bom Jesus, no valor de R$ 144.000,00. Percebe-se assim que os projetos cadastrados e financiados no TRCCS atendem somente a população do município que se responsabiliza pelo cadastramento e pela contrapartida financeira[6], contrariando a SDT que recomendava que os projetos tivessem um caráter territorial, e que beneficiassem grupos sociais de mais de um município.

Tal fato dificulta a constituição de acordos que sejam territoriais, ou seja, a elaboração de ações que extrapolem um caráter setorial e envolva a esfericidade do território. Os diversos posicionamentos, interesses e objetivos das representações no Codeter se traduzem na intensificação dos conflitos, especialmente entre organizações da sociedade civil e Poder Público. Diante do exposto, não se pode desconsiderar as assimetrias de poder nos territórios rurais e, principalmente, na esfera do Codeter.

Pode-se concluir que o governo federal, ao não atribuir aos territórios rurais uma “personalidade jurídica” para cadastramento e execução destes projetos, dificultou a sua operacionalização, pois sua execução passou a depender da promoção de parcerias entre a SDT ou do Codeter e instituições públicas municipais/estaduais. Em síntese, os beneficiários dos recursos precisam negociar a implantação do projeto com a Prefeitura do município onde a infraestrutura será localizada. Posteriormente, a execução da obra ou aquisição do equipamento é repassada, através de contrato de repasse aos beneficiários. Neste processo, as administrações municipais enfrentam dificuldades ou entraves relativos à viabilização dos custos operacionais para a elaboração dos projetos técnicos como disponibilidade de profissionais técnicos para qualificar os procedimentos burocráticos e o atendimento dos diversos requisitos legais necessários à concretização dos projetos (DELGADO; ROCHA, 2017).

É evidente que o reconhecimento dos territórios como unidade para aporte de recursos financeiros via Pronat foi um avanço enorme em termos políticos e econômicos no cenário brasileiro, considerando obviamente a política de desenvolvimento rural realizada anteriormente. Contudo, a inexistência de um marco jurídico para o território retirou a liberdade da sociedade civil, tendo em vista que os atores sociais são obrigados a negociar com governos estaduais e, principalmente, com as prefeituras municipais o acesso aos recursos disponibilizados pelo Pronat, bem como os valores de contrapartida financeira que se faz necessário (DELGADO; ROCHA, 2017). Outro fator preocupante é que o contrato de repasse não garante segurança jurídica para que as instituições possam usufruir sem que, com as mudanças de governos, os equipamentos ou infraestrutura sejam retirados de sua gestão.

Portanto, é preciso que efetivamente os atores sociais ligados ao Codeter possam decidir sobre o rumo e as formas de aplicação dos recursos. Quanto às inquietações e aos entraves, o horizonte deve ser a dinamização do território e a melhoria da qualidade de vida de sua população. Este novo modelo evidencia as novas ideias, representações e valores, os quais colocam em xeque as instituições estabelecidas e passam a exigir a formação de novos acordos para guiar a ação do Estado e da sociedade civil. Diante deste contexto, surgem novos desafios à análise da política pública, provocando a construção de abordagens inovadoras que integrem os diferentes elementos da ação pública, em oposição ao exemplo clássico de política pública concebida por um Estado centralizador.

 

As câmaras temáticas como instrumento de ação pública

Em torno da ação, interação e reação entre os atores da sociedade civil e do Poder Público “em alusão a um bem comum” (ÁVILA, 2011) é que se deflagra a ação pública. Segundo Niederle e Grisa (2013, p. 98), “a política de desenvolvimento dos territórios, mesmo tendo uma dinâmica top-down, ainda representa uma das principais experiências brasileiras de ação pública amparada por uma abordagem territorial de desenvolvimento”. Tal política tem como premissa básica a elaboração de projetos coletivos a partir da mobilização de diferentes atores locais, situados em diferentes fóruns.

Apesar de a política de desenvolvimento territorial seguir um “molde” único, ela se adapta a cada território rural levando em consideração exatamente os fatores e idiossincrasias identitárias, sociais, econômicas, políticas, geográficas e ambientais. São estes fatores que irão diferenciar as dinâmicas que se sucedem em um território rural e em outro. Desta forma, a política de desenvolvimento territorial se metamorfoseia e se delineia a partir das características de cada território. De acordo com Nierdele e Grisa (2013), a gestão de problemas públicos envolve três aspectos principais:

A formação e estabilização de redes heterogêneas de atores sociais (gestores, agricultores, técnicos, pesquisadores, prefeitos, vereadores, pequenos empresários etc.); a constituição de espaços públicos onde esses atores confrontam ideias e valores com vistas a formar novos compromissos (sobretudo nos Colegiados Territoriais); uma nova institucionalidade que regula as formas emergentes de relações políticas (normas para transparência de recursos públicos aos territórios; recomendação de paridade entre o governo e sociedade civil nos colegiados territoriais). (NIERDELE; GRISA, 2013, p. 96)

Diante deste contexto, destacamos as CTs como instrumentos de ação pública, uma vez que elas são utilizadas pelo Codeter para dinamizar o debate e priorizar as ações no TRCCS. Este modelo de governança tem estimulado a participação da sociedade civil e também do Estado. As CTs são um exemplo de construção coletiva, direcionada para a resolução de problemas socioambientais diários, por meio da troca de experiência, de conhecimento, de inclusão social, autonomia, desenvolvimento sustentável e de transformação social, pelas iniciativas dos próprios atores envolvidos.

A criação de CTs no Codeter do TRCCS ocorreu a partir do debate fomentado pela assessoria territorial com o núcleo diretivo e técnico, e estendido à plenária para debate e deliberação, e depois de um longo diagnóstico foram criadas oito CTs: Câmara Temática de Pecuária Familiar; Câmara Técnica de Cooperativismo e Mercados Institucionais; Câmara Técnica de Agroecologia; Câmara Temática de Agroflorestas; Câmara Temática Socioambiental; Câmara Temática Mercados Não Agrícolas Rurais; Câmara Temática de Mulheres; e Câmara Temática Juventude. Com base na pesquisa no TRCCS, foram identificadas duas CTs que desenvolveram ações mais concretas: a Câmara Temática de Pecuária Familiar (CTPF) e a Câmara Temática de Agroflorestas (CTA).

Câmara Temática de Pecuária Familiar (CTPF)

Essa CT foi efetivada a partir da reunião realizada no município de Bom Jesus em 26 de novembro de 2015,[7] na qual se discutiu sobre as demandas que precisavam ser trabalhadas dentro do TRCCS, dentre elas: a) definição do enquadramento do pecuarista familiar do Território Rural Campos de Cima da Serra; b) definição e caracterização do Queijo Artesanal Serrano (QAS), com a Emater c) definição e abrangência do campo nativo; d) inspeção sanitária e regulamentação dos serviços de inspeção municipais existentes, unificação dos sistemas de inspeção, Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa),[8] Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sisbi[9]); e) trabalhos com o campo nativo como ecossistema provedor de água; f) boas práticas de fabricação do QAS; g) melhoria e auxílio às Patrulhas Agrícolas dos municípios e sua implementação.

Posteriormente, em 16 de dezembro de 2015, foi realizada uma nova reunião da CTPF no município de Jaquirana para aprofundar os assuntos anteriormente elencados. Em 25 de abril 2016 houve novamente uma reunião em Bom Jesus, com a assessoria do deputado estadual Vinícius Ribeiro para esclarecer o Projeto de Lei no 36/2016, que “dispõe sobre a produção e a comercialização do Queijo Artesanal Serrano, no estado do Rio Grande do Sul”. Em 20 de maio de 2016, desta vez no município de São Francisco de Paula, foi efetivada uma rede de produção e melhoria da produção do QAS, culminando com um possível Programa Territorial do Queijo Artesanal Serrano.

No dia 3 de junho de 2016, no município de Jaquirana, foi realizada mais uma reunião com o grupo desta CT para priorizar as demandas propostas na reunião anterior e organizar as entidades para participação na audiência pública no município de Bom Jesus, que tinha como tema novamente o QAS. A reunião contou com a presença do deputado estadual Vinicius Ribeiro, autor do Projeto de Lei (PL) 63/2016, e do deputado federal Alceu Moreira, autor do PL 2404/2015, que “dispõe sobre a elaboração e comercialização de queijos artesanais”.

Os trabalhos de articulação da CTPF no TRCCS resultaram em uma ação multiterritorial, em conjunto com a Câmara Temática de Segurança Alimentar e Nutricional do Território Litoral Norte. Em 1o de junho de 2016 foi realizado o Seminário Desenvolvimento Territorial: Produção de Alimentos de Origem Animal, que tinha como objetivo principal abordar as legislações existentes para este setor, nos diferentes níveis de governança, municípios, estado e União, procurando identificar fluxos, gargalos e possíveis soluções para os diferentes municípios, bem como trocar experiências entre territórios rurais próximos, como o dos Campos de Cima da Serra e do Extremo Sul de Santa Catarina. O seminário contou com mais de 100 participantes de diversos municípios, os quais identificaram alguns gargalos (indefinição ou falta de priorização política pelas administrações municipais, estruturas deficientes e falta de normatização nos sistemas de inspeção municipais, inadequada descrição dos procedimentos de controle, contratações sem concurso, pouca autonomia dos técnicos e acúmulo de funções, falta de apoio laboratorial e falta de um sistema de informação integrado) pelas administrações sobre a temática debatida.

Além dessas ações, foram realizadas diversas reuniões da coordenação da CT com a assessoria territorial, com a Emater/Ascar,   como também participações em plenárias do Codeter TRCCS. Verificou-se que a mobilização desta CT avançou, inclusive em questões de reconhecimento como grupo, visto que foram realizadas reuniões e seminários que abordavam a revisão da categoria “pecuarista familiar” perante o Ministério, a qual requeria ao governo federal equiparação do enquadramento do pecuarista familiar conforme a Lei no 13.515/2010 do Rio Grande do Sul. Outro reforço às ações no Codeter do TRCCS foi a parceria estabelecida entre a CTPF e a Universidade Estadual do RS em Caxias do Sul. Por meio dessa parceria foram realizados cursos de boas práticas para as agroindústrias familiares em Caxias do Sul, sem custo algum aos agricultores.

Diante das experiências vividas a partir da CTPF nos dois últimos anos, fica evidente que grande parte das atividades não necessitou de recursos financeiros, mas sim de vontade política e organização dos atores sociais envolvidos na realização das ações. A política de desenvolvimento territorial se dá quando os atores locais tomam para si as ações desenvolvidas no território rural, se apropriando dos espaços de discussão e tomada de decisão, fortalecendo a gestão social territorial. A gestão social adquire diferentes nuances a partir da forma de governança estabelecida para conduzir a concertação e a demarcação das táticas nesse campo de poder.

 

Câmara Temática de Agroflorestas (CTA)

A coordenação dessa CT ficou a cargo de um representante do Cetap (Centro de Tecnologias Alternativas e Populares) do município de Vacaria. Esta entidade trabalhou em conjunto com a assessoria técnica do território rural e o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) da Universidade Federal do RS na construção de um plano para a cadeia produtiva do pinhão. O objetivo do plano era de valorização e uso do pinhão e outros produtos não madeiráveis da Araucária, assim como a valorização dos atores sociais envolvidos nesta cadeia.

A CTA buscou estimular a efetivação do plano, a partir da organização de reuniões e articulação de atores que já vinham se envolvendo com a temática desde o Curso de Valorização e Uso do Pinhão na Região dos Campos de Cima da Serra, realizado em 30 de outubro de 2015. Outra importante ação efetivada pela CT foi a promoção de produtos da Cadeia Solidária das Frutas Nativas para o setor turístico do TRCCS.

 Uma das estratégias elaboradas pela CTA para a promoção de eventos no TRCCS foi a implementação de um “banco de projetos”, em que poderiam ser priorizadas as demandas que não eram atendidas via Proinf ou por políticas de governo. O “banco de projetos” surgiu a partir de discussões dos representantes da sociedade civil e do Poder Público nas plenárias do Codeter, nas quais foram identificados diversos temas: a) ações de Assistência Técnica e Extensão Rural; b) organização dos agricultores familiares; c) planejamento da produção agrícola; d) organização para acesso aos mercados (institucionais e convencionais); e) logística de distribuição da produção agrícola; f) estruturação regional do processo produtivo.

A política de desenvolvimento territorial através das CTs proporcionou a formação e capacitação de agentes sociais, o envolvimento e engajamento de atores nas representações de suas entidades/instituições no Codeter, a qualificação no debate e o incremento informacional sobre a ação pública, além de impulsionar os múltiplos atores sociais a criarem e organizarem suas próprias demandas para discussão no Codeter TRCCS.

O fato de criarem e organizarem suas próprias demandas faz com que estes múltiplos atores estejam agindo em prol de uma ação pública, na qual elaboram uma agenda política para discutir/tensionar/negociar entre si e com o Estado, e até mesmo com outras instituições da esfera pública e privada. Por meio da ação pública, o poder se dilui, pois são vários atores sociais envolvidos (Estado, sociedade civil, instituições, governo, movimentos sociais etc.) formulando e/ou implementando e/ou monitorando e/ou avaliando uma política pública com o intuito de mudança social.

Neste caso, se fortalecem processos participativos, de interação e de empoderamento de certos atores sociais que passam de meros coadjuvantes a protagonistas da formulação/implementação/monitoramento/avaliação das políticas públicas. No TRCCS foi possível perceber que os atores sociais envolvidos no Codeter se empoderaram a partir do momento em que passaram a lutar por demandas locais, mesmo após o desmonte da política de desenvolvimento territorial que se efetivou com a extinção do MDA e, consequentemente, de seus recursos em 2016.

 

Considerações finais

Analisando como se estruturou a política de desenvolvimento territorial no TRCCS, identificou-se muitos avanços, principalmente no que tange à organização social em torno da participação no Codeter, em virtude da maior sinergia dos atores do território na efetivação de um território a ser “construído”. Por meio das ações e recursos destinados ao Codeter observou-se a necessidade de criação de um “banco de projetos” que efetivamente refletisse a abordagem territorial, o que acabou acontecendo posteriormente.

Identificou-se que o Codeter e as CTs apresentam um grande diferencial em relação a outros espaços também institucionalizados pela política de desenvolvimento territorial/MDA, pois integram e interagem nessa esfera de universidades, assentamentos da Reforma Agrária, agricultores familiares, entre outros. Em muitas das pautas de discussões no Codeter verificou-se que nem todas demandavam recursos financeiros, e sim questões de organização social e concretização de propostas de pesquisa.

As políticas públicas, com grande frequência, são formuladas e implantadas a partir de uma leitura parcial da realidade, atendendo na maioria das vezes somente a alguns setores da sociedade. Portanto, é urgente a manutenção desses espaços como o Codeter e as CTs nos territórios rurais, pois tendem a empoderar atores sociais, qualificando a participação social e abrindo oportunidades de se realizar um planejamento prévio das políticas públicas, além de criar novos dispositivos e instrumentos de ação pública.

É importante ainda para quantificar e qualificar uma produção em torno das Ciências Sociais e Humanas na América Latina e no Brasil que se publicizem pesquisas, análises e experiências em ação pública, que desencorajem os atos de poder e reafirmem a força e a multiplicidade de atores para a formulação, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas. A ação pública é uma forma de empoderamento das ações políticas, de fortalecimento dos espaços de participação, deliberação e decisão sobre a “coisa pública”.

Da experiência que trouxemos à tela de análise denota-se que os espaços, as dinâmicas e os instrumentos elaborados e desenvolvidos na política de desenvolvimento territorial no Território Rural Campos de Cima da Serra, em especial em relação às Câmaras Temáticas, abriram portas à discussão, análise, formulação e planejamento de políticas públicas condizentes com as realidades do território rural.

 

 

 

 

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Resumo: (A política de desenvolvimento territorial e os instrumentos de ação pública no território rural Campos de Cima da Serra, Rio Grande do Sul). A política de desenvolvimento territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi criada em 2003 no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a partir da necessidade da construção de uma estratégia de desenvolvimento rural contemporânea, a qual deveria apresentar um novo olhar sobre o Brasil rural como espaço de vida, de diversidade e do desenvolvimento sustentável. Dessa forma, foram criados os territórios rurais definidos como aquele espaço onde os critérios multidimensionais facilitam a coesão social, cultural e territorial e apresentam, seja explícita ou implicitamente, a predominância de elementos rurais (BRASIL, 2003). Com os territórios rurais foram implantados também os Colegiados de Desenvolvimento Territorial (Codeter), formados pelas representações da sociedade civil e Poder Público. Este artigo tem o intuito de descrever como se estruturou a política de desenvolvimento territorial no Território Rural Campos de Cima da Serra (TRCCS) e analisar o papel das Câmaras Temáticas (CTs) como instrumento de ação pública no Codeter do TRCCS, no Rio Grande do Sul (RS). A CTPF e a CTA foram criadas a partir da demanda dos próprios atores envolvidos no TRCCS, que realizaram um diagnóstico dos principais temas a serem discutidos. Tanto a CTPF quanto a CTA oportunizaram as representações da sociedade civil e do Poder Público a vivenciar/experienciar um novo modelo de governança que estimula a participação política, possibilita a inclusão social e a autonomia, além de abrir portas a discussão, análise, formulação e planejamento de novas políticas públicas condizentes com a realidade do TRCCS.

Palavras-chave: políticas públicas; desenvolvimento rural; Território Rural.

 

Abstract: (The policy of territorial development and instruments of public action in the rural territory of Campos de Cima da Serra, Rio Grande do Sul).
The territorial development policy of the Ministry of Agrarian Development (MDA) was created in 2003 in the Government of Luiz Inácio Lula da Silva, based on the need to build a contemporary rural development strategy, which should present a new perspective on Brazil rural life, diversity and sustainable development. In this way, the rural territories defined as that space where multidimensional criteria facilitate social, cultural and territorial cohesion were created, and they explicitly or implicitly reflect the predominance of rural elements (
BRASIL, 2003). With the rural territories the Territorial Development Collegial bodies (CODETER) were also created, formed with the representation of civil society and public authorities. This article intends to describe how the territorial development policy was structured in the Campos de Cima da Serra Rural Territory (TRCCS) and to analyze the role of the Thematic Chambers (CTs) as an instrument of public action in the CODETER of TRCCS in Rio Grande do Sul (RS). The CTPF and the CTA were created based on the demand of the actors involved in the TRCCS who made a diagnosis of the main topics to be discussed. Both the CTPF and the CTA gave opportunities to civil society and public authorities to experience a new model of governance that stimulates political participation, enables social inclusion and autonomy, and opens the door to discussion, analysis, formulation and planning of new public policies consistent with the reality of TRCCS.

Keywords: public policies; rural development; Rural Territory.

 

 

 

 

Recebido em março de 2019.

Aceito em maio de 2019.

 

 

 



[1] Mestrado em Sustentabilidade e Ambiente pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). E-mail: dammyy@gmail.com.

[2] Doutorado em Desenvolvimento Rural pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com Doutorado Sanduíche (Bolsista CAPES) no Programa de Posgrado en Desarollo Rural Sustentable, Universidad de la Republica (UdelaR), Montevidéu, Uruguai e professora no Mestrado Profissional em Ambiente e Sustentabilidade na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). E-mail: patricia-binkowski@uergs.edu.br.

[3] Pós-Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC–RS), professora adjunta A da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora Colaboradora do Mestrado Profissional em Ambiente e Sustentabilidade da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). E-mail: alinehernandez@hotmail.com.

[4] Um espaço físico, geograficamente definido, geralmente contínuo, compreendendo cidades e campos, caracterizados por critérios multidimensionais, tais como o ambiente, a economia, a sociedade, a cultura a política e as instituições, e uma população, com grupos sociais relativamente distintos, que se relaciona interna e externamente por meio de processos específicos, em que se pode distinguir um ou mais elementos que indicam identidade e coesão social, cultural e territorial (BRASIL, 2003 p. 4).

[5] “[...] é uma estratégia de desenvolvimento regional sustentável e garantia de direitos sociais voltados às regiões do país que mais precisam, com objetivo de levar o desenvolvimento econômico e universalizar os programas básicos de cidadania. Trabalha com base na integração das ações do Governo Federal e dos governos estaduais e municipais, em um plano desenvolvido em cada território, com a participação da sociedade. Em cada território, um Conselho Territorial composto pelas três esferas governamentais e pela sociedade determinará um plano de desenvolvimento e uma agenda pactuada de ações.” (BRASIL, 2008, p. 2).

[6] Conforme consta na Lei no 13.473 de 8 de agosto de 2017: Art. 74. A realização de transferências voluntárias, conforme definida no caput do art. 25 da Lei de Responsabilidade Fiscal, dependerá da comprovação, por parte do convenente, de que existe previsão de contrapartida na lei orçamentária do Estado, do Distrito Federal ou do Município.

[7] Os dados aqui presentes foram retirados das atas das plenárias do Codeter TRCCS no período de 2015 a 2017.

[8] Considera-se “equivalência de serviços de inspeção” o estado no qual as medidas de inspeção higiênico-sanitária e tecnológica, aplicadas por diferentes serviços de inspeção higiênico-sanitária e tecnológica, permitem alcançar os mesmos objetivos de inspeção, fiscalização, inocuidade e qualidade dos produtos. Os produtos registrados e inspecionados pelos serviços aderidos ao Suasa podem ser comercializados em todo território nacional.

[9] Os estados, o Distrito Federal e os municípios podem solicitar a equivalência dos seus Serviços de Inspeção com o Serviço Coordenador do Sisbi. Para obtê-la, é necessário comprovar que têm condições de avaliar a qualidade e a inocuidade dos produtos de origem animal com a mesma eficiência do Ministério da Agricultura.