Estudos Sociedade e Agricultura
vol. 26, n. 3, outubro de 2018 a janeiro de 2019

 

 

Laís Victoria Ferreira de Sousa[1]

Roberto Porro[2]

 

 

 

Uso e percepção de áreas de preservação permanente em assentamento ambientalmente diferenciado em Anapu, Pará

 

 

 

Introdução

O meio rural brasileiro possui características peculiares de exploração. O acesso a terra é restrito àqueles que possuem capital para nela trabalhar, estando o camponês e suas atividades tradicionais em desvantagem (MARTINS, 1999, apud MEDINA, 2004). O histórico agrário no Brasil é baseado no latifúndio e em grande concentração de terras (ARAÚJO, 2006). A Reforma Agrária surge com o objetivo de incluir minorias, combater a pobreza e reduzir a desigualdade social. A política agrária deve ser vista como um ato de reparação para a população pobre do campo, referente a dívidas com camponeses que passaram por restrições ao acesso a terra (AZEVEDO, 2012).

Para estabelecer as diretrizes entre relações de propriedade no meio rural, a Lei no 4.504, de 30 de novembro de 1964, cria o Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária – Incra, que surge com o objetivo de organizar a política de terras do governo. O que ocorreu, porém, foi, sobretudo, a abertura de novas áreas para ocupação e distribuição, sendo a Amazônia foco desse modelo. A região amazônica foi a que mais recebeu assentados, pois nela localizam-se mais de 60% dos lotes abertos (LE TORNEAU; BURSZTYN, 2010). A ocupação desordenada da Amazônia gerou, porém, conflitos entre grandes proprietários de terras e comunidades tradicionais que já ocupavam a região, além de agravar a questão ambiental devido à intensificação do desmatamento (ARAUJO, 2006).

Em virtude das restrições para estabelecimento de projetos de reforma agrária em áreas com predominância de cobertura florestal no bioma Amazônico, criou-se, em 1999, uma modalidade diferenciada de assentamento chamada Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS), que preza a busca por atividades que fortaleçam a proteção aos recursos naturais, a combinação entre a conservação da biodiversidade e as atividades produtivas, atendendo interesses ecológicos e sociais, e a valorização da gestão comunitária (INCRA, 1999).

Este trabalho analisa o PDS Virola Jatobá, localizado em Anapu, Pará, estabelecido em 2002. A localidade em questão foi selecionada por ser representativa desta modalidade diferenciada de assentamento na Amazônia, na qual se busca o equilíbrio entre as três vertentes do desenvolvimento sustentável. O estudo traz um recorte específico sobre como Áreas de Preservação Permanente (APPs) são vistas pelos residentes no assentamento, quais os motivos que os levam a utilizar ou não essas áreas, e sobre o nível de informação que receberam relacionado à proteção dessas áreas nos lotes por eles utilizados. Finalmente, analisa quais seriam os posicionamentos dos produtores, caso sejam instados a recuperar as APPs de seus lotes. O trabalho apresenta resultados de análise estatística da situação de integridade das APPs em lotes selecionados, assim como uma análise qualitativa da aplicação de entrevistas semiestruturadas avaliando a percepção dos residentes.

 

Áreas de Preservação Permanente

O Código Florestal de 1965 estabeleceu a proteção de vegetação nativa nas margens de rios e lagos, áreas definidas como Áreas de Preservação Permanente (APP).[3] Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), APPs são espaços territoriais com proteção prevista em lei. O conceito de APP está relacionado à função de preservar os recursos hídricos, a paisagem e a estabilidade geológica, assim como a biodiversidade, o fluxo gênico de flora e fauna, além de proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, independente da cobertura vegetal presente na área (BRASIL, 2012).

O conceito de florestas protetoras, que no Código Florestal de 1965 se consolidaria como APP, aplicava-se a áreas em torno de cursos d’água, de nascentes perenes (quando sempre há fluxo de água em seu leito) e intermitentes (quando a água desaparece nos períodos de estiagem), e dos chamados olhos d’água, sendo estes conceituados como afloramentos naturais de água. As Portarias nos 302 e 303 de 2002 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) estabelecem institucionalmente a importância de APPs nas propriedades rurais, assim como nas interações ecossistêmicas (CONAMA, 2002a, 2002b).

O Código Florestal de 2012 (Lei no 12.651, alterada pela Lei no 12.727, de 17 de outubro de 2012) em geral mantém os conceitos estabelecidos pelo anterior quanto ao posicionamento de preservação e funções ambientais. Uma de suas principais controvérsias foi a delimitação das APPs a partir do leito regular do rio, e não do seu leito mais alto. Outra alteração foi a retirada do caráter de intermitência do conceito de nascente, sendo este válido apenas para olhos d’água (ALMEIDA; VIEIRA, 2014).  

O Código Florestal atual considera como APP as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima. A Lei também estabelece que nas APPs a continuidade das atividades consolidadas até 22 de julho de 2002 é autorizada, incluindo atividades agrossilvipastoris, ecoturismo e turismo rural (BRASIL, 2012).

A legislação determina que as áreas consideradas APPs devem ser zeladas pelo ocupante atual, o que inclui proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título, seja pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. No caso da transferência de domínio, a responsabilidade quanto a essas áreas transfere-se de um proprietário para outro. Se ocorreu supressão da APP, é dever do novo proprietário promover a recuperação dessas áreas, e fica vedada a concessão de autorização de supressão após 2008, se o proprietário não recuperar a área. A legislação também dispõe que a intervenção ou supressão de vegetação nativa em APP somente ocorrerá em caso de utilidade pública e interesse social.

 

PDS Virola-Jatobá

O Projeto de Desenvolvimento Sustentável – PDS Virola-Jatobá está localizado no município de Anapu, mesorregião do Sudeste Paraense, região da Transamazônica. A área total do PDS Virola-Jatobá é de 39.602,79 hectares, sendo formada por dois módulos distintos, PDS Anapu III e PDS Anapu IV (Figura 1).

O PDS Anapu IV inclui 160 lotes de cerca 20 hectares para o assentamento de famílias que ali poderiam estabelecer seus cultivos. Esta área, totalizando 3.411,35 hectares é considerada área de uso alternativo (AUA). O restante da área de 15.083,43 ha do PDS Anapu IV e a área total do PDS Anapu III (24.519,36 ha) constituem Reserva Legal (PORRO et. al., 2018).

Os PDS Anapu III e IV foram legalmente definidos pela Portaria/Incra/SR-01(G)/no 39/2002, de 13 de novembro de 2002, com a proposta de estabelecer uma estratégia diferenciada de uso e cobertura da terra daquela usualmente verificada em assentamentos na região. As famílias pioneiras chegaram ao assentamento a partir de 2002, porém a formalização do seu assentamento apenas teve início em 2004 (SANTOS JUNIOR, 2016).

A maioria dos atuais assentados do PDS Virola-Jatobá é originária do Nordeste, principalmente do Maranhão, embora muitos tenham passado por outras localidades dos estados do Pará ou Tocantins antes de chegar a Anapu (ASSUNÇÃO, 2016). A taxa de mobilidade dentro do PDS Virola-Jatobá é elevada e contínua, sendo percebida desde o início do assentamento. Estudos indicam que 33,1% dos lotes possuem mobilidade baixa, 40% possuem mobilidade média e 26,9% possuem mobilidade alta (WATRIN et al., 2017).

Quanto à organização social no PDS, a Associação Virola-Jatobá-AVJ existe desde a criação do assentamento, e em 2007 os membros da AVJ fundaram uma cooperativa, a Coopaf (ASSUNÇÃO, 2016; PORRO et al., 2015). A Associação Liberdade do Povo – ALP foi criada em 2015. As mulheres do PDS organizaram-se através do Grupo de Mulheres do PDS Virola-Jatobá-GRUMVIJA. Suas sócias participam de atividades como o trabalho em hortas, confecção de artesanato e produção de biscoitos de castanha-do-pará, entre outras.

 

Figura 1 – Localização do PDS Virola-Jatobá e das Glebas que pertencem ao assentamento

Fonte: Laboratório de geoprocessamento, Embrapa Amazônia Oriental.

 

O PDS Virola-Jatobá caracteriza-se pela ocupação por agricultores familiares que, em sua maioria, dependem de cultivos anuais. Uma tipologia de assentados do PDS inclui (1) “agroextrativistas”: famílias com mais de 50% da renda oriunda da criação de animais de pequeno porte, produção agrícola e produtos florestais; (2) “pecuaristas”: aqueles que possuíam a maior parte da renda oriunda da venda de bovinos e seus produtos (queijo e leite); (3) “diaristas”: aqueles cuja renda deriva sobretudo do pagamento de diárias; (4) “funcionários”: aqueles que possuem a maior parte da renda oriunda de salários não rurais (professores/funcionários da prefeitura); (5) “aposentados ou assistidos”: assentados que dependem de pensões e programas sociais como Bolsa Família; e por fim, uma categoria denominada (6) “diversificados”: que apresentam renda composta de atividades de agroextrativismo, diárias e programas sociais, sem ocorrer forte predominância entre elas (PORRO et al., 2018).

O uso da água e a facilidade ou dificuldade de acesso a este recurso são fundamentais para a qualidade de vida da família assentada, assim como contribuem para determinar sua permanência no lote, influenciando atividades realizadas. Os moradores do PDS Virola-Jatobá não contam com saneamento básico ou rede de abastecimento de água, nem mesmo com sistemas comunitários. Algumas famílias obtêm água através de poços do tipo cacimbão, outras coletam água dos córregos por meio de bombas, ou pelo modo tradicional, utilizando baldes e outros vasilhames.

Os moradores do PDS Virola-Jatobá são também categorizados de acordo com dois grandes grupos. Os assentados são residentes que estão em condição regular perante o órgão fundiário, enquanto os ocupantes são aqueles em condição irregular, cujo assentamento ainda não foi homologado, ou que nem mesmo comunicaram ao Incra sua entrada no lote. Os assentados e ocupantes realizam suas atividades rotineiras com base na disponibilidade hídrica do lote e buscam instalarem-se próximo a córregos existentes no lote, facilitando assim o acesso à água. Por meio da observação em campo, percebe-se que os córregos são áreas preferenciais para o fluxo de moradores. Além de serem utilizados para atividades rotineiras da família, na época da safra do açaí são coletados os frutos das palmeiras localizadas ao longo das grotas.

 

Metodologia

Considerando o modelo ambientalmente diferenciado da área estudada, este trabalho analisou a situação das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as formas que residentes do PDS Virola-Jatobá utilizam e interagem com elas. A base metodológica do trabalho combinou o mapeamento de lotes predefinidos e posterior ida a campo, para reconhecimento das áreas de APP e realização de entrevistas com assentados e ocupantes dos lotes.

Um mapa com a localização das APPs no PDS Virola-Jatobá foi elaborado no âmbito do Projeto Automanejo,[4] e sobreposto à malha digital dos lotes onde os moradores estão localizados, elaborada pelo Incra. Dos 160 lotes, foram selecionados 16 (10% do total) para o estudo. O assentamento possui intenso fluxo de moradores, com rotineira saída e chegada desses (PORRO et al., 2018). Moradores recentes ainda não estão oficialmente assentados, e são considerados irregulares pelo Incra. O estudo considerou os entrevistados de acordo com dois grupos: os que se encontram na Relação de Beneficiários (RB) do Incra (assentados regulares, aqueles que possuem registro), e os que não se encontram nesta relação (ocupantes irregulares, não possuindo registro). Os lotes escolhidos foram pareados, de forma que para cada entrevista em lote, cujo assentado estivesse em RB, fosse realizada uma entrevista em lote próximo, cujo ocupante não estava em situação regular perante o Incra. A Figura 2 apresenta um exemplo de mapeamento de dois lotes próximos.

A análise espacial sobre a dimensão e a condição das APPs nos lotes estudados combinou informações referentes à integridade da floresta nos lotes (de acordo com interpretação de imagem de satélite Landsat8 OLI 225/62, composição RGB 654, de 2015) e a localização das APPs nos lotes (a partir de dados gerados pelo programa ArcMap 10.3/ArcHydro). Para avaliar a integridade da floresta, foram utilizados mapas de cobertura da terra em 2015 da base de dados do Projeto Automanejo, com avaliação do nível de antropização nos lotes (WATRIN et al., 2017). Para delimitar as APPs dos lotes, consideraram-se faixas com 30 metros de largura para cada lado dos cursos d’água, pois estes, no PDS, foram todos considerados como tendo menos que 10 metros.

Pela integração das imagens foi possível identificar a condição das APPs no que se refere à cobertura florestal, sendo as APPs classificadas como “preservadas” ou “desmatadas”. Os dados de integridade da floresta nos lotes foram sobrepostos aos dados das áreas de preservação permanente. Utilizando o programa ArcMap 10.3, as áreas antropizadas foram medidas, gerando-se uma tabela com duas classes de cobertura do solo (floresta, antropizada), por sua vez distribuídas em duas situações de acordo com a legislação ambiental: APP e AUA (Área de Uso Alternativo). A partir dessas informações, utilizou-se o programa estatístico STATA para verificar se há diferenças significativas na condição atual das APPs entre lotes de assentados regulares e aqueles cujos ocupantes são considerados irregulares pelo Incra.

Por outro lado, a pesquisa de campo buscou compreender a situação dessas áreas na perspectiva dos ocupantes, e os principais fatores que, segundo eles, contribuíram para tal resultado. Para tanto, foi aplicada uma entrevista semiestruturada com perguntas referentes às APPs do lote, ao histórico do local, ao destino dessas áreas, ao motivo pelo qual elas se encontram preservadas e/ou desmatadas, e se houve alguma espécie de instrução quanto ao uso da área, entre outras.

 

Figura 2 – Exemplo de lotes analisados em relação à situação das Áreas de Preservação Permanente (APP)

Fonte: Elaboração própria, a partir de dados obtidos em trabalho de campo e no Projeto Automanejo, 2016.

 

Resultados

Análise quantitativa

A análise quantitativa dos dados compreende três componentes: o primeiro avalia os dados de forma integrada, incluindo informações obtidas através de sensoriamento remoto e entrevistas. Estas informações permitiram avaliar as porcentagens de APP em relação à área total do lote, às dimensões de APP, à área desmatada, à área preservada e à atividade principal executada no lote (esta última obtida por meio das entrevistas). O segundo componente analisa as estatísticas descritivas da cobertura florestal e o estado de conservação das APPs nos lotes com base em três categorias predefinidas de produtores: situação fundiária, acesso ao lote e atividade econômica (ou uso da terra) predominante. O terceiro componente consiste na análise de variância da cobertura florestal e conservação das APPs entre grupos de lotes destas categorias.

 

Análise integrada

A Tabela 1 compara a cobertura florestal nos 16 lotes selecionados, tanto nas áreas de APP como no restante do lote (área de uso alternativo). Percebe-se que, ao analisar o conjunto dos lotes, a área de preservação permanente totaliza 59,14 ha. Levando em consideração que a área total dos lotes estudados é de 305,58 ha, as APPs equivalem a 19,4% da área avaliada. A análise espacial da integridade das áreas de preservação indica que, em sua totalidade, a fração considerada preservada resulta ser de 29,93 ha, o que equivale a 50,6% do total. Portanto, para os 16 lotes analisados, cujo tempo de ocupação pelo morador[5] varia de 5 meses a 12 anos, aproximadamente metade da área de APP resulta estar conservada.

As áreas de uso alternativo são aquelas destinadas aos assentados, nas quais as atividades agrícolas podem ser realizadas, respeitando os limites de cada lote, cuja área padrão seria de 20 ha. Porém, em virtude da presença de córregos nos lotes e suas respectivas áreas de preservação, para o cálculo das áreas efetivamente destinadas ao assentado, excluem-se as APPs, já que elas não poderiam ser utilizadas para atividades agrícolas. Dito isto, as áreas destinadas aos assentados (AUA) nos 16 lotes estudados totalizariam 246,44 ha. Deste total, a parcela que em 2015 se encontrava com cobertura florestal equivale a 46,7%. Portanto, mais da metade da área analisada já havia sido utilizada pelos assentados e ocupantes em suas atividades, e eles ainda possuem uma média de 47% da parcela em floresta, para eventual conversão em cultivos. 

 

Tabela 1 – Situação de uso e conservação das Áreas de Preservação Permanente e Áreas de Uso Alternativo em lotes selecionados no PDS Virola-Jatobá

 

 

 

 

 

 

lote #

gleba

atividade

situação

no Incra

anos no PDS

Área total

ha

15

129

A

1

6,0

26.77

18

129

A

0

0,9

18.08

37

129

A

0

0,4

18.03

39

129

A

1

6,0

18.44

71

130

P

1

6,0

22.66

73

130

P

0

1,2

22.91

80

132

A

1

9,0

18.77

91

132

P

0

0,7

21.61

93

132

P

0

1,5

19.73

100

132

P

0

1,2

17.13

102

132

P

1

5,0

16.17

103

132

P

1

8,0

20.13

119

132

A

0

1,2

13.30

121

132

A

1

4,0

13.02

132

107

A

0

0,5

19.19

134

107

A

1

12,0

19.64

total

 

 

 

305.58

 

 

 

 

 

Área de Preservação Permanente (APP)

lote #

APP

%

total

ha

desmatada ha

conservada ha

conservada %

15

10.4%

2.79

2.63

0.16

5.7%

18

4.4%

0.80

0.80

0

0.0%

37

3.2%

0.58

0

0.58

100.0%

39

32.8%

6.04

0.78

5.26

87.1%

71

18.5%

4.20

1.22

2.98

71.0%

73

10.3%

2.35

1.72

0.63

26.8%

80

19.4%

3.64

0.45

3.19

87.6%

91

10.0%

2.17

0

2.17

100.0%

93

37.9%

7.47

7.09

0.38

5.1%

100

23.7%

4.06

0

4.06

100.0%

102

25.2%

4.08

2.79

1.29

31.6%

103

13.1%

2.63

2.19

0.44

16.7%

119

18.5%

2.46

2.11

0.35

14.2%

121

42.5%

5.53

2.81

2.72

49.2%

132

21.6%

4.14

1.77

2.37

57.2%

134

31.6%

6.20

2.85

3.35

54.0%

total

19.4%

59.14

29.21

29.93

50.6%

 

 

Área de Uso Alternativo (AUA)

lote #

total

ha

antropizada ha

floresta ha

floresta %

15

23.98

14.74

9.24

38.5%

18

17.28

8.18

9.10

52.7%

37

17.45

7.19

10.26

58.8%

39

12.40

3.30

9.10

73.4%

71

18.46

12.05

6.41

34.7%

73

20.56

17.69

2.87

14.0%

80

15.13

2.61

12.52

82.7%

91

19.44

5.50

13.94

71.7%

93

12.26

12.09

0.17

1.4%

100

13.07

4.36

8.71

66.6%

102

12.09

5.61

6.48

53.6%

103

17.50

17.50

0

0.0%

119

10.84

7.57

3.27

30.2%

121

7.49

6.13

1.36

18.2%

132

15.05

2.67

12.38

82.3%

134

13.44

4.27

9.17

68.2%

total

246.44

131.46

114.98

46.7%

Notas: Situação no Incra: 1 = assentado regular; 0 = ocupante irregular. Atividade predominante: A = agricultura; P = pecuária.

Fonte: Projeto Automanejo e trabalho de campo (2016).

 

Na Tabela 1 é possível identificar a discrepância entre a área dos lotes. Conforme o Incra, a área destinada aos assentados deveria ser de 20 ha. Notou-se, porém, diferenças significativas na área dos 16 lotes analisados, com casos extremos de área total de 26,77 ha (excluindo-se a APP, a real área de uso alternativo seria de 23,98 ha) em contrapartida a um lote com área total de 13,02 ha (excluída a APP, resultaria apenas 7,49 ha de AUA). Cita-se o traçado das estradas como fator que causou a demarcação irregular dos lotes, já que em alguns casos a estrada foi definida conforme a topografia, não sendo possível sua delimitação no local exato em que separaria dois lotes com áreas semelhantes.

Dentre os entrevistados que estão na relação de beneficiários do Incra, o tempo médio de moradia no PDS era de sete anos. Já para os entrevistados considerados irregulares, a maioria residia no PDS há menos de um ano (média de aproximadamente 11 meses).

Outra informação contida na tabela é o uso da terra, ou atividade econômica principal praticada no lote, obtida a partir da própria narrativa do entrevistado. A agricultura está presente como atividade principal em nove lotes, e a pecuária, em sete. Dentre os residentes que estão em situação irregular, igual proporção prioriza agricultura e pecuária. Já entre os assentados regulares, cinco deles praticam prioritariamente a agricultura e três ocupam-se predominantemente da pecuária.

É também necessário perceber como o lote é utilizado, fator que deve ser levado em consideração para a proteção ou não dessas áreas. Por exemplo: em alguns lotes as moradias foram construídas próximas dos córregos, o que facilitava a utilização de água, já que não são todos os lotes que possuem poço. A proximidade com o córrego facilita a realização de atividades domésticas como lavar roupas e louças, tomar banho e cozinhar. Outro fator é a proximidade das áreas de preservação. Há casos em que os córregos se encontram na frente do lote, próximos à estrada, enquanto em outros estão no fundo do lote, e, portanto, próximos à Reserva Legal, como exemplificado nos dois lotes da Figura 2.

 

Situação das APPs conforme situação fundiária, acesso ao lote e atividade predominante

A Tabela 2 apresenta uma síntese da análise comparativa da situação das APPs de acordo com a condição de regularidade do morador perante o Incra, facilidade de acesso ao lote e atividade predominante. A escolha destas variáveis teve como objetivo examinar a existência de associação entre respeito à conservação das APPs pelos residentes e a categorização destes de acordo com três dimensões distintas: institucionais (regularidade fundiária), locacionais (condições de acesso ao lote) e de orientação econômica (atividade predominante).

 

Tabela 2 – Análise da cobertura florestal e conservação de APPs em lotes do PDS Virola-Jatobá

N

min

max

p50

media

d.pad.

soma

Área total do lote (ha)

 

·  situação fundiária

 

 

 

 

 

 

 

irregular

8

13.30

22.91

18.64

18.75

2.93

149.98

regular

8

13.02

26.77

19.20

19.45

4.11

155.60

·  acesso ao lote

 

 

 

 

 

 

 

próximo

7

18.03

26.77

18.77

20.81

3.37

145.66

distante

9

13.02

21.61

19.19

17.77

3.07

159.92

·  atividade predominante

 

 

 

 

 

 

 

agricultura

9

13.02

26.77

18.44

18.36

3.99

165.24

pecuária

7

16.17

22.91

20.13

20.05

2.62

140.34

Total

16

13.02

26.77

18.98

19.10

3.46

305.58

Área total de APP (ha)

 

·  situação fundiária

 

 

 

 

 

 

 

irregular

8

0.58

7.47

2.40

3.00

2.22

24.03

regular

8

2.63

6.20

4.14

4.39

1.40

35.11

·  acesso ao lote

 

 

 

 

 

 

 

próximo

7

0.58

6.04

2.79

2.91

1.92

20.40

distante

9

2.17

7.47

4.08

4.30

1.80

38.74

·  atividade predominante

 

 

 

 

 

 

 

agricultura

9

0.58

6.20

3.64

3.58

2.11

32.18

pecuária

7

2.17

7.47

4.06

3.85

1.82

26.96

Total

16

0.58

7.47

3.85

3.70

1.93

59.14

% de APP / área total

 

·  situação fundiária

 

 

 

 

 

 

 

irregular

8

3.22

37.86

14.38

16.20

11.59

 

regular

8

10.42

42.47

22.31

24.18

10.90

 

·  acesso ao lote

 

 

 

 

 

 

 

próximo

7

3.22

32.75

10.42

14.14

10.29

 

distante

9

10.04

42.47

23.70

24.89

10.81

 

·  atividade predominante

 

 

 

 

 

 

 

agricultura

9

3.22

42.47

19.39

20.48

13.32

 

pecuária

7

10.04

37.86

18.53

19.81

10.03

 

Total

16

3.22

42.47

18.96

20.19

11.62

 

N

min

max

p50

media

d.pad.

soma

% de APP preservada

 

 

·  situação fundiária

 

 

 

 

 

 

 

irregular

8

0

100.00

42.03

50.42

44.54

 

regular

8

5.73

87.64

51.61

50.37

30.83

 

·  acesso ao lote

 

 

 

 

 

 

 

próximo

7

0

100.00

70.95

54.03

42.06

 

distante

9

5.09

100.00

49.19

47.57

34.92

 

·  atividade predominante

 

 

 

 

 

 

 

agricultura

9

0

100.00

54.03

50.57

37.25

 

pecuária

7

5.09

100.00

31.62

50.17

39.66

 

Total

16

0

100.00

51.61

50.40

37.00

 

% de floresta / AUA

 

 

·  situação fundiária

 

 

 

 

 

 

 

irregular

8

1.39

82.26

55.73

47.20

28.95

 

regular

8

0

82.75

46.07

46.17

28.60

 

·  acesso ao lote

 

 

 

 

 

 

 

próximo

7

13.96

82.75

52.66

50.69

23.68

 

distante

9

0

82.26

53.60

43.57

31.69

 

·  atividade predominante

 

 

 

 

 

 

 

agricultura

9

18.16

82.75

58.80

56.11

23.13

 

pecuária

7

0

71.71

34.72

34.57

30.25

 

Total

16

0

82.75

53.13

46.69

27.80

 

Fonte: Elaboração própria utilizando software STATA 10.0 (2016).

 

A análise com base na situação de regularidade fundiária testa a hipótese de que assentados regulares conhecem e seguem diretrizes ambientais do PDS (realizar atividades de impacto reduzido), enquanto aqueles irregulares (ocupantes), por não serem reconhecidos e não constarem no registro do Incra, exercem suas atividades sem considerar tais diretrizes. A análise com base na facilidade de acesso ao lote avalia se a proximidade da cidade e do mercado, e consequentemente a maior facilidade para escoamento da produção, interfere na conservação ambiental do lote. Já a categoria atividade predominante testa a hipótese de que produtores em lotes dedicados prioritariamente à pecuária apresentam menos preocupação com a conservação ambiental.

O comparativo traz estatísticas descritivas para cinco características: área total do lote, área do lote em APP, porcentagem do lote em APP, porcentagem de APPs conservadas e porcentagem de AUA conservadas (com cobertura florestal). Em relação à área total do lote, os entrevistados que estão em lotes de difícil acesso/distantes apresentam tamanho médio de lotes de 17 ha, enquanto os lotes de fácil acesso/próximos possuem uma média de 20 ha, o tamanho padrão, de acordo com o estabelecido pelo Incra. A disparidade se dá, em parte, devido ao fato da entrada dos assentados ter sido muitas vezes realizada de forma independente, sem amparo oficial quanto ao local em que deveriam se instalar, e adotar o traçado irregular das vicinais como limite de fato.

A tabela indica que a quantidade de APPs nos lotes estudados em que os ocupantes estão em situação regular é superior à área de APPs em lotes cujos ocupantes estão em situação irregular. A diferença entre as áreas totais de preservação em lotes com ocupantes regulares e irregulares aproxima-se de dez hectares. Em valores relativos, em média, APPs cobrem 24% da área de lotes com assentados regulares e 16% de ocupantes irregulares. Levando em consideração a porcentagem de APPs preservadas, contudo, percebe-se que os dois grupos apresentam médias semelhantes (50,4%). A porcentagem de área de florestas nas AUA dos lotes selecionados também se aproxima: 47 e 46%, respectivamente. A análise sugere, portanto, que a condição fundiária dos moradores não implica diferenças significativas para a integridade das APPs e florestas dos lotes.

Avaliando a condição de acesso ao lote, a Tabela 2 mostra que nos lotes que estão em glebas de mais fácil acesso há uma maior porcentagem de APPs preservadas, considerando a média de 54% para lotes de fácil acesso e de 48% para lotes de difícil acesso. Nestes lotes também se verifica maior porcentagem de florestas: 51% em lotes nas glebas de fácil acesso e 44% em lotes nas glebas de difícil acesso. Embora o diferencial não seja elevado, a análise indica maior preservação nos lotes que se encontram em glebas de fácil acesso, tanto nas APPs como na AUA. Um conjunto de fatores está associado a esta situação. Um deles tende a ser a atividade predominante, pois dentre os entrevistados que residiam nas glebas com mais facilidade de acesso, dois terços priorizavam a agricultura, enquanto entre os entrevistados em glebas distantes, a proporção dos que priorizavam pecuária e agricultura era a mesma. De fato, em lotes mais distantes as estradas apresentam conservação menos frequente, o que dificulta o transporte da produção agrícola, levando o produtor a optar pela atividade pecuária, cujo escoamento é menos sujeito a impedimentos. Nas glebas mais próximas, visitas de representantes do órgão gestor, assim como da assistência técnica, tendem a ser mais frequentes. Nas glebas mais distantes, nas quais é menor a presença do Poder Público, os moradores teriam menos apoio, estímulos e fiscalização para realizar suas atividades em consonância com a preservação ambiental.[6] Além disso, nos lotes de acesso mais fácil se concentra a maior parcela de moradores pioneiros, que possuem discurso de apoio às diretrizes de conservação ambiental da modalidade PDS. Nas glebas mais distantes, onde ocorre mobilidade mais intensa, os novos moradores desconhecem, e muitas vezes até discordam destas diretrizes ambientais.

Considerando a atividade econômica ou o uso da terra principal, observa-se que a porcentagem do lote em APP é a mesma (20%) tanto para os que priorizam a atividade agrícola como a pecuária.  Percebe-se que aqueles que priorizam a agricultura possuem maior porcentagem de florestas em suas AUA que os que priorizam a pecuária: a porcentagem média de florestas nos lotes dos que praticam agricultura é de 56%, bem superior aos 34% verificados naqueles que priorizam a pecuária, indicando que a prática da agricultura associa-se à melhor conservação das florestas. Não há, contudo, diferença significativa nas porcentagens médias de APPs preservadas entre os que priorizam pecuária ou agricultura, contradizendo a hipótese que considerava que aqueles que priorizam agricultura possuem mais preocupação com a conservação de APPs do que os pecuaristas. Como os lotes em glebas de fácil acesso são mais florestados que os lotes em glebas de difícil acesso, e os lotes dos que priorizam agricultura possuem maior porcentagem de floresta do que os que priorizam a pecuária, conclui-se que há uma associação positiva entre glebas de fácil acesso, priorização da agricultura, e maior porcentagem de floresta no lote, porém, não necessariamente nas APPs. 

 

Análise de variância da situação das APPs entre categorias de assentados

A Tabela 3, elaborada com base nos resultados de análises de variância, executados em software STATA 10.0, entre classes de residentes no PDS, indica que nenhuma das comparações considerando a situação fundiária e a atividade econômica predominante apresentou significância estatística. Ou seja, apesar de, como visto na seção anterior, lotes em que predomina a prática de cultivos anuais apresentarem maiores porcentagens de floresta do que lotes onde é priorizada a pecuária, estes dados avaliados pelo Software STATA não apresentaram significância estatística. A análise de variância indica que, dentre as 15 comparações de variáveis analisadas, diferenças estatisticamente significativas foram observadas apenas para os valores referentes à área total dos lotes, considerando a acessibilidade (lotes de acesso mais fácil são maiores) e a porcentagem de APPs em relação à acessibilidade (lotes de acesso mais difícil apresentam maior porcentagem de APP). Cabe ressaltar que estas duas variáveis são intrínsecas à localização do lote, e que nenhuma diferença estatisticamente significativa foi observada para as duas variáveis efetivamente relacionadas às práticas e às decisões dos ocupantes dos lotes: as porcentagens de APP e de floresta no lote.

 

 

Tabela 3 – Análise de variância para situação da APP e florestas entre lotes no PDS Virola-Jatobá de acordo com a condição fundiária do ocupante, acesso ao lote e atividade econômica

 

 

N

R-squared

Adj R-squared

F

Prob > F

·          Situação fundiária

 

 

 

 

 

Área total (ha)

16

0.0110

-0.0597

0.16

0.6994

APP total (ha)

16

0.1374

0.0758

2.23

0.1575

APP %

16

0.1258

0.0633

2.01

0.1777

APP conservada %

16

0.0000

-0.0714

0.00

0.9980

% Floresta na AUA

16

0.0004

-0.0710

0.01

0.9441

·          Acesso ao lote

 

 

 

 

 

Área total  (ha)

16

0.2023

0.1453

3.55

0.0805*

APP total (ha)

16

0.1363

0.0746

2.21

0.1593

APP %

16

0.2245

0.1691

4.05

0.0637*

APP conservada %

16

0.0080

-0.0629

0.11

0.7418

% Floresta na AUA

16

0.0172

-0.0530

0.24

0.6285

·          Atividade econômica

 

 

 

 

 

Área total (ha)

16

0.0624

-0.0046

0.93

0.3507

APP total (ha)

16

0.0054

-0.0657

0.08

0.7874

APP %

16

0.0009

-0.0705

0.01

0.9140

APP conservada %

16

0.0000

-0.714

0.00

0.9837

% Floresta na AUA

16

0.1574

0.0972

2.62

0.1281

Nota: Significância estatística * < p .10, ** p < 0.5, ***p <. 01.

Fonte: Elaboração própria utilizando o software STATA 10.0.

 

 

Análise qualitativa das entrevistas

Como mencionado, entrevistas semiestruturadas foram realizadas em 16 lotes, sendo oito assentados em situação regular e oito ocupantes em situação irregular perante o Incra. Para a análise dos dados contidos nas respostas, o conteúdo das entrevistas foi dividido em quatro seções, conforme mostrado no Quadro 1. Em seguida, apresenta-se uma síntese da análise qualitativa das respostas a estas perguntas, conforme cada uma destas seções.

 

Quadro 1 – Estrutura das entrevistas semiestruturadas aplicadas a moradores do PDS

Bloco 1

Bloco 2

Bloco 3

Bloco 4

 

-  Tempo de moradia no lote

 

- Situação do lote e das áreas de preservação

 

- Benefícios e prejuízos sobre APPs

 

- Motivos que levaram a preservar/desmatar

 

- Conhecimento sobre legislação ambiental referente a APPS

 

- Informações sobre essas áreas (importância em preservar, informações disponibilizadas por órgãos ambientais)

 

- Viabilidade de recuperação dessas áreas

 

- Planejamento para as áreas

 

- Interferência das atividades de lotes vizinhos

 

- Diferenças de córregos em áreas de floresta e em áreas desmatadas

 

- Classificação dos córregos

 

- Finalidade das APPs

 

- Diferença de uso ao longo do ano

Fonte: Elaboração própria (2017).

 

 

Histórico da área e condição da APP, principais atividades e benefícios das APPs

Para reconhecimento da área, os entrevistados foram questionados sobre como se encontrava o lote quando de sua chegada. Dentre as entrevistas analisadas, é possível perceber a unanimidade em relatos que asseguram que as margens dos córregos já estavam em situação de degradação e os lotes em situação de abandono:

O lote inteiro estava só a juquira e água. Essa área aqui era seca, eu abri e fiz a represa. Não corria água, quando chegava verão ela secava muito. Aí eu fiz a barragem, e quando eu abri a água subiu. Aqui tinha um matagal velho, e para lá tinha só juquira, a coisa mais feia do mundo. (Entrevistado em situação regular)

Dentre os 16 entrevistados, houve apenas uma exceção quanto à utilização do lote anteriormente à sua estada. Os demais 15 entrevistados afirmaram que a área já se encontrava em situação de abandono, desmatada e “só juquira”, reafirmando o fator mobilidade, muito comum no PDS. O assentado que não relatou esse discurso é um dos pioneiros no PDS Virola-Jatobá, ocupando sua área desde 2004, praticamente desde a criação do assentamento.

As principais atividades que os entrevistados realizam, não só nas áreas de preservação, como também nos próprios córregos, foram relacionadas ao uso doméstico: lavar louças e roupas, tomar banho e cozinhar. As famílias que utilizam para a maioria destas atividades as águas de áreas definidas como APP são aquelas que não possuem poço cacimbão no lote. Dois entrevistados relataram a utilização da água para irrigar plantações (horta e melancia). Já os entrevistados que se dedicam à pecuária relataram que as áreas são utilizadas para fornecimento de água aos animais.

Os entrevistados também foram questionados sobre quais motivos os levaram a alterar as áreas ou preservá-las, e quais os benefícios dessas áreas para sua família ou sua atividade. As respostas foram diversas e, entre as mais significantes, estão as daqueles que acreditam que essas áreas, por não serem utilizadas, trazem prejuízo ao morador:

Essa área daqui, onde tem os açudes me dá uma boa produção, as da mata não dão nenhuma produção. Essa área é para minha vaca de leite, as vacas bebem água, essas outras eu já coloquei peixe, porque eu tenho que sustentar minha família. Tem tambaqui, que dá para minha família comer. (Entrevistado em situação regular)

Os entrevistados acreditam que a importância da área está associada ao retorno financeiro que ela proporciona: “A área aberta eu tô produzindo, já a fechada eu não tô produzindo nada”. Uma das alternativas para utilização dos córregos do PDS é a piscicultura, mas esta é uma atividade recente na área, sendo praticada por poucas famílias. A utilização da APP e de córregos do lote depende da atividade principal exercida pelo produtor. Entre os entrevistados que se dedicam à agricultura, as águas são utilizadas para irrigar cultivos mais intensificados, como hortas:

A gente depende da água para tudo. Se tiver que aguar a horta a gente precisa dessa água. Na época do verão, a água fica muito escura e grossa. A gente só usa para lavar roupa e aguar a horta mesmo. (Entrevistada em situação irregular)

 

Um lote sem água não tem condições. Eu dependo dessa área por causa do cultivo da melancia. Eu uso a água do córrego para encher as caixas, para poder aguar a melancia. (Entrevistado em situação regular)

De acordo com o exposto, é possível avaliar que uma mobilidade acentuada no lote intensifique a degradação, isso porque em 15 lotes os entrevistados afirmaram que as áreas já se encontravam degradadas quando passaram a residir no local. Percebe-se também que alguns entrevistados apresentam discursos associando APP a valor financeiro, afirmando que sem a utilização da área não há benefícios. Ao avaliar o primeiro bloco de perguntas, nota-se que não há diferenças entre discursos dos dois grupos. As diferenças mais acentuadas foram percebidas nas respostas dadas por aqueles que realizam a pecuária e os que priorizam as roças, em que o primeiro grupo destina APPs para uso dos animais, e o segundo para irrigar cultivos, no caso de maior intensificação agrícola.

 

Conhecimento sobre APP, órgãos ambientais e recuperação das áreas

Ao serem questionados sobre o que são as áreas de preservação permanente e onde obtiveram a informação, todos os 16 entrevistados conheciam as definições de APP e relacionam a preservação dessas áreas com imposições feitas pelo Incra.

Áreas que são de nascente de água, que são permanentes e a gente não pode fazer desmatamento, tem que preservar todas essas áreas. Me falaram isso aqui mesmo. Que o cara tem que conservar para a água não se acabar, se você limpar, a tendência é desmoronar e aterrar essa área aí. A lei não permite que a gente desmate essa área de APP. (Entrevistada em situação irregular)

 

Questão de preservar, que se desmatar nas beiradas do córrego a tendência é secar. Porque quando chove o que acontece é a erosão, né? E o córrego começa a entupir. Em reunião falam sobre a preservação das áreas de APP. Existem muitas normativas, mas que no final não chega a beneficiar ninguém. (Entrevistado em condição regular)

Dentre os entrevistados, alguns mencionam a recomendação para recuperar as áreas de preservação através do plantio de açaí, visto como uma alternativa ambiental e econômica, já que o manejo deste fruto gera renda para as famílias. Desde que as famílias começaram a ocupar os lotes, o açaí já era um produto apreciado. Com o passar do tempo, o produto se tornou importante fonte de renda para os que se dedicam ao seu manejo.

Quando questionados sobre eventual determinação do órgão ambiental para recuperar APPs desmatadas, os entrevistados em geral demonstraram ser favoráveis, mas com algumas ressalvas: a necessidade de algum tipo de projeto ou financiamento para tal recuperação.

Todos os entrevistados responderam positivamente quando questionados sobre o conhecimento do termo “área de preservação permanente” e sabiam qual era a definição dessas áreas, mostrando amplo conhecimento, além de fornecerem exemplos, não ocorrendo distinção entre os grupos avaliados. Os entrevistados informaram que obtiveram tal conhecimento através da empresa que presta serviços de assistência técnica para o Incra ou por intermédio do próprio órgão fundiário, relatando que, ao consultarem os funcionários do órgão, eles informavam regras e limites de uso para reserva legal e APPs.

 

 

Destino futuro e diferença entre áreas desmatadas e com vegetação próxima a córregos

Dentre a utilização futura das áreas, as atividades citadas foram: represas, manter o açaizal ou plantar açaí, horta e manter a condição atual da área. Ao serem questionados sobre diferenças entre APP preservada e APP desmatada, 11 dos 16 entrevistados afirmaram haver diferença entre as duas áreas. Porém, as respostas seguiram duas vertentes, a primeira, afirmando que as áreas em que a vegetação se mantinha eram consideradas ambientalmente melhores:

Quando alguém derruba a mata, a água fica poluída, dentro de área que não é derrubada a água é fria e boa (...) na área de mata a água é forte e fria, nas áreas desmatadas a água é fina e fraca. (Entrevistado em situação irregular)

O outro grupo acredita que a diferença se estabelece porque a área que está desmatada pode ser utilizada e garante alguns benefícios para a família, diferente das áreas com vegetação, em que não se pode estabelecer nenhum tipo de produção. Um dos entrevistados relatou que as áreas desmatadas são mais limpas, o que evita a proliferação de mosquitos e até mesmo a aparição de animais como onças.

Dentro do matagal a água é mais suja, cheia de pau, de muriçoca e doença. Essa APP conserva muito inseto e mosquito. Na área fechada tem muito inseto. Porque a água do lado de fora aqui tem serventia boa. (Entrevistado em situação irregular)

Os entrevistados também foram questionados sobre a relação entre assentados que se encontravam em situação regular perante o Incra e ocupantes que estavam em situação irregular. O objetivo da pergunta era avaliar se os entrevistados acreditavam que quem está em RB tem mais interesse em seguir regulamentos ambientais do que aqueles que não se encontravam em RB, ou se, na visão dos entrevistados, não há diferenças entre os dois grupos. As entrevistas revelaram que entre os 16 entrevistados, apenas quatro afirmaram haver diferenças entre os dois grupos. Estes asseguraram que assentados em condição regular possuem maior vínculo com a área, por serem pioneiros e terem participado do histórico de criação do PDS. A maioria dos entrevistados acredita que não, que esse fator não é levado em consideração quando se trata de desmatar e utilizar as áreas para realizar as atividades dos lotes.

Alguns entrevistados buscam vias alternativas de renda através da utilização das áreas de preservação. A construção de represas, por exemplo, é atividade em ascensão no PDS. Em sua maioria, os entrevistados acreditam não haver diferença no cuidado do lote entre os dois grupos. Os próprios assentados em situação regular afirmam que não há diferença, que todos possuem os mesmos deveres dentro do assentamento, estando o morador em situação regular ou não.

 

“Grotas secas” e barragens

No PDS são muito comuns áreas consideradas grotas secas, córregos intermitentes com descontinuidade de fluxo de água conforme a estação do ano. As margens destes córregos intermitentes também são consideradas áreas de preservação permanente.

Os entrevistados foram questionados sobre o que eram grotas secas, se em seus lotes havia grotas secas, e quais as atividades exercidas nessas áreas no inverno (período com fluxo de água). Em geral, eles revelaram que nas grotas só corre água até o mês de agosto. Após esse período, restam somente pequenas poças. Alguns entrevistados defendem a construção de represas como solução para viabilizar água nas grotas o ano inteiro.

A maioria da água aqui era água molhada, quando o verão aperta mesmo, ela seca. Eu fiz a represinha, cavei e a água subiu. Fiz duas represinhas para criar os peixes. Num tempo desse ninguém via água aqui, mas aí eu abri, agora não seca mais, pode usar. (Entrevistado em situação irregular)

Os entrevistados relatam que na época seca, as grotas não possuem função. Aqueles que realizam o manejo do açaí afirmam que apesar de terem sido informados que o açaí “segura a água”, mesmo estas áreas possuem grotas secas.

É possível avaliar que as grotas secas são percebidas pelos entrevistados como de pouca importância. Grande parte afirma que as grotas secas não têm uso. A solução para essas áreas, segundo parcela dos entrevistados, é a criação de represas. Porém, levando em conta que nem todos têm acesso e meios financeiros para essa construção, as áreas consideradas “grotas secas” permanecem abandonadas no verão, e no inverno possuem o mesmo uso dos córregos perenes.

A construção de barragens é, de fato, muito citada pelos entrevistados como uma solução para as áreas cujas fontes de água secam no inverno, proporcionando condições para atividade econômica que gere renda complementar, através da piscicultura. Entretanto, é necessário avaliar que toda e qualquer atividade que causa alteração ambiental está sujeita à aprovação e à adequação da legislação ambiental. Em nenhuma das narrativas foi citado qualquer tipo de discurso que remetia à autorização para realização de barragens nos lotes. Os discursos anseiam por melhor qualidade de vida e uma atividade que possa gerar renda e diversidade nutricional.

 

Considerações finais

Por meio deste estudo foi possível avaliar a condição das áreas de preservação permanente e florestas contidas nos lotes do PDS Virola-Jatobá, quantificar as áreas desmatadas e analisar o uso e percepção dos residentes sobre essas áreas, identificando eventuais diferenças entre assentados em condição regular perante o Incra e ocupantes em condição irregular, assim como a influência da localização do lote e a atividade econômica priorizada pelos residentes. De acordo com a análise quantitativa, a proporção média de florestas na AUA resultou superior em lotes com condições de acesso mais favorável e naqueles onde a agricultura é priorizada em relação à pecuária. Já a porcentagem média de APP preservada resultou superior apenas em lotes de acesso mais favorável. Estas diferenças, contudo, não apresentaram significância, de acordo com os testes estatísticos realizados.

A análise qualitativa, derivada de entrevistas semiestruturadas, apresentou resultados semelhantes no que se refere à percepção e ao uso das APPs. A percepção local é a de que são as atividades econômicas e o uso da terra que causam as maiores diferenças entre o estado de conservação destas áreas. Aqueles que predominantemente desenvolvem cultivos agrícolas — embora apenas os que adotam maior nível de intensificação, mesmo reconhecendo a importância ambiental das APPs através do discurso — utilizam as APPs para irrigação. Já os assentados que praticam principalmente a pecuária afirmam que a manutenção de APPs só é interessante quando há um valor econômico associado a ela. Esse grupo relatou, em discurso, que não hesitariam em alterar tais áreas, caso necessário, para melhorar o desempenho econômico de seu lote. Denotam desatenção às bases sustentáveis, pois a dimensão econômica sobrepõe-se à conservação ambiental.

Mesmo sem a validação por testes estatísticos, o estudo identificou que lotes onde prevalece a pecuária apresentam menor proporção de florestas, se comparados àqueles onde predomina a agricultura. Em 2005 a pecuária já era apontada como um dos principais fatores para o desmatamento global (RIVERO et al., 2009). Embora considerada uma área de assentamento ambientalmente diferenciada, a situação do PDS Virola-Jatobá tende gradualmente a seguir os padrões de desmatamento observados na Amazônia, com a conversão de floresta em pastos. Nem mesmo as áreas de preservação permanente estão sendo conservadas, pois elas são convertidas e os córregos represados para fornecimento de água ao gado. APPs desmatadas têm assim sua função ambiental comprometida, resultando inclusive no assoreamento dos córregos (SOARES et al., 2002).

A principal conclusão resultante deste estudo indica que os moradores do PDS, independente de sua condição de regularidade perante o Incra, são subdivididos entre os que predominantemente praticam a pecuária e os que cultivam roças, considerando-se esse o principal aspecto que tende a causar diferenças na conservação ou não das florestas no PDS, embora tal não tenha sido manifestado no uso diferenciado das áreas de preservação permanente. Por seu turno, a decisão de priorizar a atividade pecuária em detrimento da agricultura está associada a uma conjugação de fatores que incluem desde as condições de acesso ao lote, o fornecimento de serviços de assistência técnica, o nível de fiscalização exercido, até o histórico de organização social do residente e sua participação no processo de criação desta modalidade de assentamento com diretrizes ambientais que, embora diferenciadas, não chegam a ser implementadas de fato.   

 

 

 

Referências bibliográficas

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ARAÚJO, C. F. Reforma agrária e gestão ambiental: Encontros e desencontros. 2006. 242 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006. Disponível em: http://repositorio.unb.br/handle/10482/2541. Acesso em: 27 ago. 2016.

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AZEVEDO, A. L. B. Judiciário, direito à terra e reforma agrária no Brasil: um estudo da posse e da propriedade à luz dos conflitos coletivos e dos tribunais. 2012. 135 f. Monografia (Bacharelado em Direito) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2012.

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Resumo: (Uso e percepção de áreas de preservação permanente em assentamento ambientalmente diferenciado em Anapu, Pará). Este estudo avaliou como residentes de um assentamento ambientalmente diferenciado em Anapu, Pará, percebem e utilizam florestas e áreas de preservação. Métodos quantitativos (comparativo de áreas a partir de mapeamentos) e qualitativos (entrevistas semiestruturadas) avaliaram o efeito da situação fundiária, o acesso ao lote e a atividade econômica predominante na conservação de APPs e florestas. A análise quantitativa não mostrou diferença significativa na conservação de APPs entre grupos comparados. Em relação à porcentagem de floresta, melhor conservação foi associada à atividade realizada no lote: a priorização da agricultura resultou associada à maior porcentagem de floresta do que a priorização da pecuária, embora não tenha sido observada relevância estatística para esta associação. A análise qualitativa indicou que a regularidade da situação fundiária não é percebida como fator para a conservação das APPs, sendo as principais diferenças quanto às práticas de uso destas áreas também percebidas como associadas à atividade econômica priorizada no lote.

Palavras-chave: conservação ambiental; desmatamento na Amazônia; agricultura; pecuária.

 

Abstract: (Use and perception of areas of permanent preservation in an environmentally differentiated land reform settlementin Anapu, Pará). This study assessed how residents of an environmentally-sound land reform settlement in Anapu, Pará, perceive and use forests and permanent preservation areas (PPAs). Quantitative methods (comparative areas from mapping) and qualitative (semi-structured interviews) evaluated the effect of tenurial situation, access to the plot and predominant economic activity in the conservation of PPAs and forests. Considering only the preservation of PPAs, the quantitative analysis showed no significant difference between groups compared. In relation to forests, greater preservation was associated with the activity carried out in the lot: prioritization of agriculture was associated with higher percentage of forests than prioritization of livestock, although no statistical relevance was observed for this association. The qualitative analysis indicated that land tenure regularity is not perceived as a factor for greater conservation of PPAs. Main differences in the use of PPA were also perceived regarding the economic activity prioritized in the lot.

Keywords: environmental conservation; Amazon deforestation; agriculture; cattleranching.

 

 

Recebido em março de 2018.

Aceito em agosto de 2018.



[1] Doutoranda em Ciências Ambientais pela Pós-Graduação em Ciências Ambientais da Universidade Federal do Pará (UFPA/EMBRAPA/MPEG). E-mail: laisvicferreira@hotmail.com.

[2] Doutorado em Antropologia Cultural pela Universidade da Flórida e pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental. E-mail: roberto.porro@embrapa.br.

[3]Além das áreas ao redor de nascentes ou olhos d’água, e na faixa marginal aos cursos d’água, as APPs também se aplicam a topos de morro, montes, montanhas ou serras, ou áreas com declividade superior a 45 graus na linha de maior declive (BRASIL, 2012).

[4] O projeto “Governança local e sustentabilidade do manejo florestal de base comunitária nos Projetos de Desenvolvimento Sustentável em Anapu, Transamazônica” (Projeto Automanejo) avaliou impactos gerados em decorrência do contrato estabelecido entre a Associação Virola-Jatobá e a empresa madeireira entre 2008 e 2013, além de contribuir para analisar cenários para que o Plano de Manejo Florestal enfim possa gerar benefícios para os assentados do PDS Virola-Jatobá.

[5] Cabe observar que o tempo de moradia refere-se ao ocupante atual do lote, e não o tempo decorrido desde o início de ocupação do lote pelo primeiro ocupante.

[6] A proposta de assentamentos ambientalmente diferenciados era assentar moradores que realizassem práticas sustentáveis, de baixo impacto ambiental. Cada assentamento deve possuir um Plano de Uso (PU), que define regras de utilização da área e dos recursos. O PU do PDS Virola-Jatobá foi aprovado somente em 2016, momento em que atividades em desacordo com a proposta já haviam sido instaladas.