Estudos Sociedade e Agricultura
vol. 26, n. 3, outubro de 2018 a janeiro de 2019


 

 

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A Teoria das Cooperativas Camponesas de Alexander Chayanov

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Zenicleia Angelita Deggerone[1]

 

 

 

 

 

Escrito na primeira década após a Revolução Russa, o livro Teoria das cooperativas camponesas, de Alexander Chayanov, apresenta um retrato da realidade das cooperativas e das atividades agrícolas camponesas na década de 1920 na Rússia. O livro em referência é a primeira tradução para a língua portuguesa escrita por Chayanov, publicado pela Série Estudos Rurais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e procura reportar ao leitor os detalhes de uma análise feita sobre a produção agrícola, e também sobre a construção de um sistema cooperativo no meio rural, levando em conta o lugar da produção camponesa entre os analistas daquele período.

A publicação é composta por quatorze capítulos, que podem ser divididos em três partes. A primeira parte destaca o modo como o sistema de produção camponês estava organizado na Rússia e a razão pela qual as cooperativas são importantes no contexto capitalista de produção. A segunda parte do livro expõe os benefícios que as cooperativas trazem às unidades produtivas camponesas e a forma como essas instituições devem ser organizadas e coordenadas, e, por fim, o autor elenca os diferentes tipos de cooperativas que poderiam ser organizadas no meio rural.

Chayanov destaca que uma das formas de promover a socialização do trabalho e o controle do capital comercial no nível dos processos de comercialização seria a cooperação. Para ele, isso culminaria no estabelecimento de um tipo de concentração vertical diferente, em que o cooperativismo permitiria aos camponeses assumirem o controle das etapas de processamento e comercialização de seus produtos agrícolas no lugar de grandes empresas. Logo, no sistema capitalista, tal sistema de cooperativas constituía um dos meios para uma melhor inserção dos camponeses nos mercados agroalimentares.

Para conduzir os camponeses a esse sistema cooperativo, Chayanov apresenta, na obra, a teoria dos ótimos diferenciais. Segundo o autor, o aumento do tamanho das propriedades não representava necessariamente um aumento de produtividade, pois os diferentes tipos de culturas/criações têm diferentes tamanhos de propriedades ótimos, e as condições naturais também interferiam no tamanho ideal da exploração agrícola. Dessa forma, ele atribui às cooperativas a responsabilidade por ser o ponto de equilíbrio para possibilitar a ampliação de renda dos camponeses.

Ainda sobre o modo de produção camponês, Chayanov chama a atenção, no livro, para a mudança da economia camponesa da forma natural para a economia voltada para a produção de mercadorias. Quando da alteração nesse modo de produção, os camponeses estariam ingressando, gradativamente, na produção de alimentos e matérias-primas para a comercialização, reduzindo a produção para o autoconsumo. O autor alerta para a necessidade da conjugação dessas duas formas de produção (subsistência e intercâmbio comercial), propondo que as sociedades cooperativas podem organizar a comercialização dos produtos agrícolas em grande escala, proporcionando preços competitivos aos camponeses, de tal sorte que esses continuariam a se dedicar à produção de alimentos para o autoconsumo das famílias.

Na segunda parte da obra, Chayanov destaca os benefícios que uma organização cooperativa precisaria proporcionar aos associados, e fala sobre o modo como ela deveria ser gerida pelos camponeses. O autor enfatiza que as instituições precisariam ser orientadas de acordo com as necessidades das unidades camponesas, de sorte a resolver o problema da organização da produção agrícola (fornecimento de insumos) e da comercialização desses produtos, ao melhor preço possível. Para o autor, a grande diretriz de uma cooperativa seria “que o camponês receba o preço mais alto possível pela produção resultante de seu trabalho e comprar pelos preços mais baixos possíveis e com boa qualidade os produtos que necessitar” (p. 155). Além disso, Chayanov pondera que as cooperativas necessitariam construir infraestruturas de recebimento, armazenagem, beneficiamento, distribuição e comercialização dos produtos. Outro ponto importante elencado pelo autor diz respeito à rastreabilidade dos produtos, pois, para ele, seria importante os consumidores conhecerem a origem e a procedência dos alimentos e das matérias-primas que estariam consumindo, pois, por meio da rastreabilidade, seria possível conhecer a identidade e os valores que nortearam a produção comercializada pelas cooperativas. 

O autor também percebeu alguns problemas e riscos que atrapalhariam a coordenação das cooperativas, tais como o oportunismo, a infidelidade dos sócios e a necessidade de uma gestão qualificada do empreendimento cooperativista. Para resolver essas problemáticas, Chayanov propõe um modelo da gestão colegiada no qual fossem criadas instâncias de participação dos camponeses através de assembleias, conselhos e comissões. E para que essa forma de governança acontecesse, ele aponta a necessidade de qualificação dos dirigentes cooperativistas para gerir as instituições, pois, “o sucesso das cooperativas é medido pelo crescimento da renda dos seus membros, e não pelos lucros da própria cooperativa. É a renda dos membros que importa, e nada mais” (p. 87).

A terceira parte da obra evidencia os diferentes tipos de cooperativas que podem contribuir com a reprodução socioeconômica dos camponeses. Assim, Chayanov destaca a necessidade do crédito na economia camponesa. Para o autor, as unidades produtivas deveriam acessar valores creditícios para o financiamento da produção agrícola, ou deveriam utilizá-los para viabilizar a produção camponesa. Porém, Chayanov infere que o valor emprestado a cada propriedade rural precisaria ser concedido com base no valor do capital circulante produzido pelas atividades desenvolvidas nas unidades de produção. Além disso, o crédito necessitaria estar disponível aos camponeses por meio de sua própria organização, em torno de cooperativas de crédito. Essas instituições deveriam oferecer os serviços às comunidades rurais e disponibilizar os recursos financeiros com custos menores aos camponeses, de forma a contrapor o aparato do mercado de capitais bancários existente naquele período.

Um segundo tipo de cooperação, evidenciada por Chayanov na obra, diz respeito às associações de usuários de máquinas. Essas associações garantiriam a ampliação da produção agrícola e a redução de mão de obra empregada pelos camponeses. Segundo o autor, a aquisição de máquinas por pequenas unidades produtivas seria insustentável, por isso, ele propõe essa forma de cooperação no auxílio ao planejamento da produção agrícola para garantir que todos os camponeses pudessem utilizar máquinas e implementos a custos menores. Aliado às associações de máquinas, o autor aponta que os camponeses também precisariam se organizar em associações de manejo de solo, visando à melhoria da produtividade das terras, por meio da recuperação dos solos, além da organização das áreas de cultivo das unidades produtivas. Esse sistema possibilitaria a adoção de novas tecnologias pelo campesinato, respeitando as estruturas rurais existentes, levando ao aumento de produtividade, e promovendo a igualdade social entre os camponeses.

Chayanov enfatiza que as famílias produtoras de animais de corte e de leite também poderiam aderir à cooperação para alcançar a melhoria genética do rebanho, o que representaria melhor qualidade e maior produtividade por unidade de produção. Além desse tipo de cooperação, o autor enfatiza que a agregação de valor aos produtos produzidos pelos camponeses aconteceria por meio das cooperativas de processamento de lácteos ou de outros produtos, pois, por intermédio dessas infraestruturas, se fomentaria uma diversificação maior dos produtos, a melhoria da qualidade dos bens ou produtos agrícolas manipulados, além de aumentar as possibilidades de barganhar melhores preços dos produtos ofertados, visto que, segundo o autor, o “êxito do trabalho de um aparato cooperativo é a comercialização do produto final” (p. 215).

Chayanov também faz referência à organização de sociedades cooperativas para operar o seguro agrícola, com o objetivo de auxiliar os camponeses em momentos de frustração de safras ou doenças no rebanho bovino. Para o autor, as cooperativas operariam esse seguro através de um fundo, organizado e cotizado pelos próprios camponeses.

Na parte final do livro, Chayanov critica a ideia de coletivização da terra e do trabalho agrícola por meio das comunas rurais. Para o autor, a organização ideal seria um modelo intermediário entre as fazendas coletivas e as unidades familiares com níveis diferenciados de cooperação, nas quais o consumo seria individualizado e a agricultura socializada. Chayanov enfatiza que o camponês precisa de autonomia nas relações produtivas e econômicas, e que as formas coletivas propostas pelas comunas lhes tirariam essa característica, identificada como o principal atributo de sua identidade camponesa.

Por fim, o autor aponta que, em um contexto capitalista, as formas de cooperação agrícolas apresentadas representam uma adaptação dos camponeses às condições do mercado, ou seja, uma luta pela sobrevivência ante a um sistema comercial desigual. Na proposição de Chayanov, o cooperativismo não deveria ser imposto, mas sim entendido como uma forma de associação voluntária, na qual os membros conservariam sua individualidade econômica e introduziriam uma dinâmica participativa mediante a democracia de base.

Desse modo, a partir dos temas apresentados na publicação de Chayanov, reitera-se a importância da obra para os estudos sobre a agricultura familiar, cooperativismo e desenvolvimento no meio rural, pois as cooperativas representam uma possibilidade de mediação entre a agricultura e a indústria. Ao mesmo tempo, podem significar uma forma de ampliação coletiva da escala de produção, mesmo que a partir de pequenas unidades, garantindo o poder de barganha diante dos grandes conglomerados industriais. Além disso, o livro permite aos leitores, acadêmicos, professores, sindicalistas, lideranças cooperativistas, agricultores ou camponeses, entre outros profissionais, compreender como as formas cooperativas podem contribuir social, econômica e tecnologicamente com o desenvolvimento das unidades produtivas, e construir formas de resistência ao sistema social hegemônico, viabilizando experiências de desenvolvimento nas quais os camponeses são protagonistas de suas ações.

 

 

CHAYANOV, Alexander. A Teoria das Cooperativas Camponesas de Alexander Chayanov. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2017, 296 p. Resenha de: DEGGERONE, Zenicleia Angelita. A Teoria das Cooperativas Camponesas de Alexander Chayanov. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 26, n. 3, p. 701-705, out. 2018

 

 

Recebido em junho de 2018.

Aceito em julho de 2018.



[1] Doutoranda em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e docente na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS). E-mail: zenicleiadeggerone@gmail.com.