Estudos Sociedade e Agricultura
vol. 26, n. 3, outubro de 2018 a janeiro de 2019


 

 

Dayane Silva Santos Altoé[1]

Paulo Marcelo de Souza[2]

Silvia Alicia Martínez[3]

 

 

 

Estudos sobre os currículos dos cursos técnicos em agropecuária:

momentos de mudanças?

 

 

 

Introdução

Este trabalho trata dos conhecimentos produzidos na área do Ensino Profissional Agrícola entre os anos de 2005-2012, e apresenta e discute, entre outros aspectos, os temas das pesquisas acadêmicas que envolvem os currículos dos cursos técnicos de nível médio em agropecuária ofertados pela Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.[4] Os estudos que envolvem a temática do currículo escolar pertencem a um campo de pesquisa bastante desenvolvido e também complexo. Assim, buscou-se de modo sucinto fazer alguns esclarecimentos sobre os intrincamentos que permeiam este assunto. Para tanto, utilizou-se como apoio as considerações de Silva (2003). De acordo com este autor, uma das questões que contribuem para as dificuldades que envolvem os currículos escolares reside no fato de estes não terem características definitivas. “O currículo tal como conhecemos não está estabelecido de uma vez por todas (...) ele está em constante transformação” (Idem, p. 7).

 Silva (2003) chama ainda a atenção para o fato de que tais mudanças não podem ser definidas apenas como um processo evolutivo de aperfeiçoamento de suas características, em direção aos melhores formatos e adequações. Afirma que o currículo é algo moldado pela dinâmica social, caracterizada por lutas e conflitos entre diferentes tradições e concepções. Deste modo, o processo de construção do currículo não se limita a uma lógica, mas se estabelece a partir de um processo em que coexistem determinantes: econômicos, intelectuais, epistemológicos, políticos e culturais.

Sob tal aspecto, considera-se impossível determinar de forma única o que é currículo, mas preferiu-se, neste texto, relacioná-lo sempre ao contexto histórico em que se encontra, compreendendo que existe a possibilidade de ter outros significados, definidos ou redefinidos, ao longo do tempo, seja pelos sujeitos do processo educativo, pelos fenômenos culturais, pelos aspectos políticos e econômicos. Por conseguinte, a seleção do que fará parte ou não dos currículos sofrerá a influência destes fatores. Desse modo, ao traçar uma breve retrospectiva sobre o Ensino Profissional no Brasil foi possível identificar a influência incontestável dos aspectos econômicos na organização dos conhecimentos relevantes a esta modalidade de ensino. Esta constatação fundamenta-se no reconhecimento de que a formação profissional se caracteriza pela perspectiva da preparação de mão de obra.

No que tange ao Ensino Profissional Agrícola, é também perceptível que em diversos momentos a condição histórica brasileira de país essencialmente agroexportador condicionou ao seu processo de desenvolvimento distintas práticas e políticas educacionais destinadas ao atendimento das demandas econômicas do meio rural. Especialmente após a década de 1950, a formação de técnicos de nível médio na área agrícola oferecida pelas escolas agrotécnicas alinhou-se ao desenvolvimento de habilidades capazes de viabilizar o aumento da produção agropecuária que, por longa data, foi sinônimo do desenvolvimento rural brasileiro.[5]

Entretanto, sabe-se que o Ensino Profissional técnico de nível médio e também os currículos dos seus cursos sofreram mudanças. Tais alterações foram justificadas pela necessidade de modernização da educação profissional de modo a ser esta coerente com os avanços tecnológicos e de organização do trabalho estabelecidos pelo processo de globalização da economia ao final dos anos 1990. Tal conjuntura provocou o planejamento de uma Reforma direcionada à Educação Profissional na qual se destacou, entre os seus objetivos, o impedimento de síntese do Ensino Médio e do Ensino Técnico estabelecido pelo Decreto no 2.208/1997, que os declarava como independentes. Entretanto, anos mais tarde, a fusão entre o Ensino Médio e o Ensino Técnico voltou a ser viabilizada por outro Decreto – Decreto no 5.154/2004. De tal modo, as mudanças anunciadas pela Reforma da Educação Profissional, bem como o seu desmonte, conduziram o interesse de pesquisadores por esta modalidade de ensino.

Em sintonia com as especificidades deste contexto, na primeira parte deste artigo buscou-se identificar e compreender em que sentido os debates da década de 1990 afetaram a construção dos currículos dos cursos que oferecem a formação técnica em agropecuária vinculados à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.[6] Por outro lado, para a análise das pesquisas que envolvem os currículos acredita-se ser indispensável relacioná-las às mudanças ocorridas nos espaços de atuação dos profissionais técnicos de nível médio em agropecuária. Tal relação será abordada na segunda parte deste texto.

Na terceira e última seção, tentou-se identificar quais as características dos temas mais recorrentes entre as produções científicas recentes vinculadas ao campo educacional, que possuíram como objeto de estudos os currículos dos cursos técnicos de nível médio em agropecuária oferecidos pela Rede Federal de Educação. Como metodologia, realizou-se o levantamento de algumas fontes: 1) a produção discente de mestrado e doutorado do banco de resumos de dissertações e teses da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD); 2) os artigos completos apresentados nas quatro edições do Seminário Nacional de Educação Profissional e Tecnológica (Snept).[7] No acervo da (BDTD) foram selecionados os trabalhos referentes aos currículos da formação técnica agrícola ofertada pela Rede Federal de Educação. Foram também utilizadas algumas palavras-chave para refinar a busca que ocorreu pelos títulos dos trabalhos, entre elas: currículo e técnico agrícola; currículo e Ensino Profissional Agrícola; Educação Profissional Agrícola e, finalmente, Currículo e escolas agrotécnicas.

 

O debate contemporâneo sobre o currículo do Ensino Profissional

No Brasil contemporâneo, os debates que envolvem o currículo do Ensino Profissional de nível médio têm sido ainda mobilizados em torno da tarefa de superar a histórica dualidade estabelecida entre a formação profissional e tecnológica e o Ensino Médio. É possível identificar que uma das estratégias de síntese do Ensino Médio e do Ensino Técnico foi a construção da organização curricular integrada, vetada pelo Decreto no 2.208/1997 e viabilizada pelo de número 5.154/2004. O primeiro Decreto foi justificado pela necessidade da aproximação mais eficaz entre o Ensino Profissional e os avanços tecnológicos e de organização do trabalho estabelecidos pelo processo de globalização da economia. Neste sentido, Ramos (2002, p. 403) afirma que a partir da década de 1990:

(...) os organismos internacionais tais como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e a Organização Internacional do Trabalho, cujas interferências na educação brasileira têm indicadores históricos, vinham apontando o ensino técnico como ineficiente, ineficaz e custoso em relação às suas finalidades.

Com o intuito de superar tais características, o Decreto no 2.208/1997 implementou no país um conjunto de reformas destinadas à Educação Profissional, nas quais se destacou: a separação estrutural entre o Ensino Médio e o Técnico. No artigo 5o desta normativa, a Educação Profissional teria uma estrutura organizativa e curricular própria, desarticulada do Ensino Médio, ocorrendo apenas a articulação dessa última etapa de Ensino Básico por meio dos modos concomitantes ou subsequentes, mas com matrículas distintas. A partir disto, a dualidade entre o Ensino Profissional e o Ensino Básico se tornou concreta e consideravelmente mais radical.

Por outro lado, a imposição das reformas sem que houvesse um debate sobre as formas de adequação feitas no interior das escolas e suas consequências fizeram com que educadores resistissem e exigissem a revogação do Decreto no 2.208/1997. Esta ação se mostrou urgente não somente pelos prejuízos causados à qualidade do ensino, mas também pela questão legal, pois a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 39, apregoa que: “a educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”.

De tal modo, foi a partir destas constatações que se construíram as bases que deram origem ao Decreto no 5.154/2004. Este recurso legal teve o mérito de revogar o Decreto no 2.208/1997 e trazer de volta a possibilidade de integrar o Ensino Médio à Educação Profissional Técnica de nível médio. Apesar disto, reconhece-se a existência de dificuldades na concretização de uma educação integral, pois com o estabelecimento do Decreto no 5.154/2004 não ocorreram mudanças estruturais e sim uma alteração parcial no que diz respeito à articulação entre o Ensino Médio e o Ensino Profissional. De acordo com Kuenzer (2010), o desafio da integração reside no a rompimento com a redução ontológica na qual ocorre a subordinação humana à dimensão meramente econômica. Neste sentido, o objetivo a ser cumprido pela Educação Profissional é oferecer ao educando uma formação totalizante, que permita uma análise dos processos mais gerais da sociedade e da própria existência.

 

O Ensino Profissional Agrícola e o desenvolvimento rural

As discussões mencionadas no item anterior possuem dimensões específicas quando relacionadas aos currículos dos cursos técnicos vinculados ao setor agrícola. Espera-se que por meio de uma formação integral o profissional técnico em agropecuária possua características que o permitam atuar direta ou indiretamente no setor produtivo, levando em consideração não somente os avanços tecnológicos, mas também as especificidades do cenário rural brasileiro.[8] Igualmente, é necessário um tipo de educação que contemple as dimensões política, cultural, social e humanística.

Entretanto, percebe-se que, predominantemente, em sua trajetória a formação profissional de nível médio para as atividades agrícolas não seguiu os moldes de uma formação integral, pois perseguiu o atendimento de necessidades que se alinharam estritamente à perspectiva econômica. Por consequência, os currículos dos cursos técnicos de nível médio, voltados para o setor agrícola, estiveram constantemente associados ao padrão produtivo vigente e às atividades pertencentes ao campo de atuação deste profissional. Assim, buscou-se nesta seção apresentar de que modo as características da formação oferecida pelas escolas da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e, consequentemente, a organização dos currículos demonstram esta interação.[9]

Em parte, a expansão das escolas agrotécnicas foi consequência do surgimento de uma ideia-força que mobilizou diferenciados setores da sociedade brasileira: o desenvolvimento. Datado na década de 1950, este período foi marcado pela existência de uma população predominantemente rural vinculada às atividades agrícolas. Neste contexto, era considerável o peso econômico dessas atividades na produção de riquezas nacionais, o que resultou na elaboração de estratégias de desenvolvimento rural que movimentaram políticas governamentais e interesses sociais. 

Apesar da complexidade conceitual, Navarro (2001, p. 88) afirma que, na década de 1950, o desenvolvimento foi compreendido como “uma ação previamente articulada que induz ou (pretende induzir) mudanças em um determinado ambiente rural”. Ainda segundo o mesmo autor, nas décadas seguintes, em consenso com esta concepção o setor agrícola passou por mudanças em termos produtivos, que se caracterizaram pela intensificação tecnológica e a crescente absorção de insumos modernos pelos produtores como parte da estratégia de aumento da produtividade, que teria como resultado final o aumento de renda dos produtores rurais. Estas mudanças, entre outras, ficaram conhecidas como Revolução Verde.

Deste modo, a ideia de desenvolvimento rural vinculou-se fortemente à absorção das novas tecnologias, à ampliação da escolarização e à formação profissional destinada às áreas rurais. Projetaram-se, assim, não somente o aumento de alfabetizados no campo, mas também a formação de mão de obra capaz de, por meio do projeto de Extensão Rural, promover mudanças na disseminação de conhecimentos voltados para a produção agrícola, contribuindo para a modernização.[10]

Igualmente, a formação de profissionais técnicos em agropecuária ganhou relevância por serem estes profissionais o elo entre a propagação dos conhecimentos técnicos sistematizados e o desenvolvimento das atividades produtivas. De forma concomitante, Barbosa e Zanon (2010) afirmam que os currículos dos cursos técnicos vinculados às atividades agropecuárias privilegiaram disciplinas como: mecanização agrícola, entomologia, economia e extensão rural, ou seja, saberes destinados à consolidação do padrão tecnológico vigente, implementado pela Revolução Verde. Segundo Sobral (2004, p. 29): “Este modelo produtivo, além de absorver de forma expressiva os técnicos em agropecuária, determinou a estrutura curricular dos cursos técnicos em agropecuária até pelo menos o início dos anos 2000.”

Ao mesmo tempo, a matriz produtiva voltada para a produção em larga escala e atrelada às estratégias de desenvolvimento rurais moldadas pelo ímpeto modernizante revelou problemas. Desde a década de 1970, passou-se a reconhecer os impactos ambientais deste tipo de desenvolvimento, que se desdobraram não somente em efeitos nefastos na relação entre o homem e o meio físico, como também no aumento da pobreza no campo, no êxodo rural e no crescimento descontrolado das metrópoles. Tais consequências, entretanto, permaneceram na penumbra dos currículos dos cursos técnicos em agropecuária, que mantiveram por longa data uma cultura tecnicista e, portanto, pouco crítica.

Ao compreender isto, chega-se ao entendimento de que o desafio futuro apresentado aos cursos técnicos de nível médio em agropecuária perpassa a formação integral do aluno e se inicia com a construção de currículos capazes de permitir a aquisição de conhecimentos e a difusão de novas tecnologias de produção de alimentos com menores impactos ambientais, menores custos energéticos e que, principalmente, permita a superação das consequências negativas trazidas pela Revolução Verde, contribuindo assim para uma nova fase de desenvolvimento, o Rural Sustentável.

 

Os estudos sobre os currículos dos cursos técnicos em agropecuária: um mapa

Com o propósito de apresentar e discutir os estudos recentes que possuem como objeto de investigação os currículos dos cursos técnicos de nível médio em agropecuária, ofertados pela Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica, considerou-se os estudos que se remetiam ao objetivo deste trabalho, disponíveis nas seguintes fontes: 1) a produção discente de mestrado e doutorado do banco de resumos de dissertações e teses da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD); 2) os trabalhos completos apresentados nas quatro edições do Senept.[11] Além disto, no acervo da BDTD foram utilizadas algumas palavras-chave para refinar a busca que ocorreu pelos títulos das pesquisas, entre elas: Currículo e Técnico agrícola; Currículo e Ensino Profissional Agrícola; Educação Profissional Agrícola e, finalmente, Currículo e Escolas Agrotécnicas.

Após o levantamento deste material, foi possível identificar que, apesar da existência de outros cursos técnicos ligados ao setor agrícola, apenas a formação técnica de nível médio em agropecuária foi utilizada pelos pesquisadores como referência para os estudos desenvolvidos.[12] A justificativa dada por este para a seleção deste curso se vinculou à tradição de sua oferta pelas instituições de ensino, lócus das investigações. Por outro lado, esta formação tem ocupado lugar de destaque no cenário nacional da educação profissional, pois de acordo com os dados divulgados pelo Censo Escolar, no ano de 2013, o curso técnico de nível médio em agropecuária aparece em segundo lugar entre os dez cursos profissionalizantes com o maior número de matrículas nas escolas da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

 No que refere ao período de produção de dissertações e teses que possuem como objeto de estudo os currículos do curso técnico de nível médio em agropecuária, pode-se identificar que as pesquisas foram concluídas entre os anos de 2005-2012. Este indicativo foi responsável pelo recorte temporal deste trabalho. Vale destacar, que esse período coincide com a ocorrência de alguns fatos significativos para a Educação Profissional em nível nacional, entre eles: a implementação da Reforma da Educação Profissional, promovida pelo Decreto no 2.208/1997 e sua substituição pelo Decreto de no 5.154/2004; a atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, em 2005, que influenciou de forma generalizada os currículos da Educação Profissional de nível médio; e por fim a ocorrência de debates, nos anos de 2007-2008, sobre as propostas de (Re)significação do Ensino Agrícola da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, que marcou especificamente os cursos técnicos de nível médio voltados para o Ensino Profissional Agrícola.

Outra característica que merece destaque refere-se ao quantitativo de pesquisas sobre o tema currículo concluídas e disponibilizadas pelo do Banco de Resumos de Dissertações e Teses da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Entre os anos de 2005-2012, foram realizadas 16 pesquisas acadêmicas. A Tabela 1 demonstra o total de produções por ano.

 

Tabela 1 – Quantitativo de dissertações e teses concluídas e disponibilizadas pelo Banco da BDTD entre os anos de 2005-2012

Ano de Defesa

Mestrado

Doutorado

Total

2005

1

1

2006

2007

1

1

2008

2009

2010

2011

5

5

2012

8

1

9

Fonte: Dissertações e Teses disponibilizadas pelo Banco de Dados da BDTD-2016.

 

Já sobre os trabalhos em forma de artigo, apresentados nas quatro edições do Senept (2008, 2010, 2012 e 2014), foi possível identificar o total de 682 estudos distribuídos em dez Grupos de Trabalhos (GT). Nas três últimas edições do Seminário Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, foram distribuídos entre os dez GT 560 trabalhos, entre os quais foram identificados sete trabalhos que se incluíam na temática da Educação Profissional Agrícola. Dentre estes, apenas um possuía como objeto de estudo o Currículo. Esse trabalho compôs os Anais do Evento, ocorrido em 2010, e foi inscrito no GT: Currículo, Ciência e Tecnologia. A seguir, no Quadro 1, apresenta-se, por edição do evento e por GT, a distribuição dos trabalhos que tratam da Educação Profissional Agrícola.

 

Quadro 1 – Distribuição de trabalhos ligados à Educação Profissional Agrícola, apresentados no Seminário Nacional de Educação Profissional e Tecnológica (2008-2014)

Edição do Seminário

Quantitativo de trabalho

Grupo de Trabalho vinculado

2008

0

2010

1

Currículo, Ciência e Tecnologia

2010

1

Trabalho e Educação Profissional e Tecnológica

2010

1

Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente

2012

1

Trabalho e Educação Profissional e Tecnológica

2012

1

Cultura, relações étnico raciais, gênero e diversidade na Educação Profissional

2014

1

História da Educação Profissional e Tecnológica

2014

1

Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente

Fonte: Anais do Senept – 2008-2014.

 

Portanto, ao contabilizar os resumos das dissertações e teses disponibilizados pelo banco de dados da BDTD, bem como o único trabalho encontrado nos anais das quatro edições do Senept, chegou-se ao universo de 17 produções científicas em quase uma década. Essas pesquisas, embora sejam restritas em termos quantitativos, permitiram identificar alguns temas comuns que possibilitaram o seu agrupamento. Esses podem ser observados na Tabela 2.

 

Tabela 2 – Distribuição quantitativa por tema de pesquisa

Tema

Quantidade

%

Saberes dos alunos de origem rural e o currículo do curso técnico em agropecuária

1

5,8

Estágio Curricular Obrigatório e sua contribuição para a formação do técnico em agropecuária

 

1

5,8

Integração dos currículos e o desenvolvimento local

3

17,6

Impactos da Reforma Curricular anunciada pelos Decretos nos 2.208/1997 e 5.151/2004

4

23,5

Implementação da Integração dos currículos profissional e médio

2

11,7

Introdução da abordagem ambiental nos currículos dos cursos técnicos em agropecuária

6

35,2

Total

17

100

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Elaborada pelos autores em março de 2016.

 

Pode-se perceber que apesar da variedade dos temas pesquisados, dois foram predominantes entre os trabalhos que possuem como objeto de estudo os currículos: os Impactos da Reforma Curricular anunciada pelos Decretos nos 2.208/1997 e 5.152/2004 e a Introdução da abordagem ambiental nos currículos dos cursos técnicos em agropecuária.

O primeiro tema foi identificado em quatro trabalhos: Gouveia (2005), Arnaud (2007), Buss (2012) e Carvalho (2012). Vale destacar que apenas o último trata-se de uma pesquisa de doutorado, a única de todas as produções investigadas. Ao longo das análises, buscar-se-á inicialmente identificar as afinidades existentes entre tais pesquisas. Neste sentido, é perceptível que todas ressaltaram as dificuldades de implementação e os impactos negativos causados pela Reforma da Educação Profissional viabilizada pelo Decreto no 2.208/1997. Entre os impactos relatados, destacaram-se: a separação radical entre o Ensino Médio e o Ensino Técnico; a precarização e desqualificação do ensino provocadas pelo autoritarismo característico da Reforma, pois além das propostas previstas não terem sido discutidas pelos sujeitos do processo educacional, não foram dadas às instituições de ensino as condições devidas para a sua execução, como recursos financeiros e capacitação de recursos humanos para atender as mudanças, sem contar a perda da identidade institucional provocada pela cisão entre o Ensino Médio e Técnico e pela substituição do Sistema Escola-Fazenda para o Sistema Modular, fato que ocasionou também a desestruturação dos cursos.[13]

Outra similaridade apresentada em todas as pesquisas foi o apontamento da justificativa não manifesta para a implementação da Reforma da Educação Profissional: atender aos interesses do grande capital segundo a lógica do processo produtivo mediado por agências financiadoras internacionais, entre elas: o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Nesta conjuntura, os pesquisadores denunciaram o privilégio dado à perspectiva utilitarista da educação. Neste caso, a educação escolar, que deveria ser um instrumento de construção de relações mais solidárias entre as pessoas, passa a ser vista apenas como um instrumento de formação dos indivíduos para disputarem uma posição no mercado de trabalho. Por conseguinte, o conhecimento se transforma no maior recurso gerador de riquezas e a escola a instituição responsável pela transformação da realidade econômica do país (OLIVEIRA, 2012).

Enfim, ainda como semelhança entre os trabalhos encontrou-se a expectativa positiva em relação ao Decreto no 5.154/2004, que como marco legal viabilizou a reunificação entre o Ensino Técnico e Médio. Porém, em todas as pesquisas esteve presente a convicção de que tal síntese ainda encontra-se muito distante da idealização do ensino politécnico no qual a prática social, o trabalho, a cultura e a ciência se constituem dimensões indispensáveis à formação da pessoa humana.

 Quanto às especificidades de cada pesquisa, cabe apontar, inicialmente, o lócus de investigação empírica no qual cada uma se desenvolveu. O trabalho de Gouveia (2005) buscou retratar a realidade da antiga Escola Agrotécnica Federal Barreiros, hoje Instituto Federal, campus Barreiro, localizado em Pernambuco. Já a pesquisa de Arnaud (2007) abordou o curso técnico em agropecuária situado na Escola Agrotécnica de Cajueiro, que ainda hoje é vinculada à Universidade Estadual da Paraíba. O estudo de Buss (2012) ocorreu no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense (IFSul) campus Pelotas Visconde da Graça, em Pelotas, Rio Grande do Sul. E, finalmente, o estudo de Carvalho (2012) se desenvolveu, em Goiás, no Instituto Federal Goiano – campus Ceres. Localizar geograficamente estas produções acadêmicas possibilitou identificar que, embora restritas, estas pesquisas buscaram demonstrar a realidade de instituições situadas em pelo menos três das cinco regiões brasileiras.

Ainda sobre as peculiaridades de cada estudo, pode-se afirmar que estas foram mais evidentes nos estudos de Buss (2012) e Carvalho (2012). O primeiro mostrou que a separação entre o Ensino Médio e o Ensino Técnico, estabelecida pela Reforma da Educação Profissional, foi perpetuada mesmo após a revogação do Decreto no 2.208/1997, pois de acordo com essa pesquisa o currículo do curso técnico de nível médio em agropecuária se tornou um campo de disputas entre os professores das disciplinas propedêuticas e das disciplinas técnicas, no qual cada grupo operou no sentido da manutenção do poder e da posição ocupada no interior do curso em questão. Tal disputa baseava-se na definição da função do curso oferecido, ou seja, deveria este preparar para o prosseguimento dos estudos em nível superior ou para a atuação como técnicos agrícolas? Caso fosse o primeiro objetivo, as disciplinas técnicas ficariam relegadas ao segundo plano, se fosse o segundo, as disciplinas propedêuticas deveriam servir apenas como base para as disciplinas técnicas, sendo ministradas para uma determinada e específica finalidade, tendo por principal objetivo a preparação para o entendimento dos conceitos pertinentes à área de formação profissional.

Finalmente, Buss (2012) pôde intuir que a tradição do curso em valorizar o Ensino Técnico afastou os professores da área propedêutica que buscavam ocupar espaços e difundir seus discursos de valorização das disciplinas propedêuticas. Além disso, pode-se observar que tal alheamento tornou-se ainda maior devido à falta de compreensão do que seja o currículo integrado entre os pares. Esta falta de entendimento contribuiu para que “as ações dos professores pudessem ser interpretadas como relações de poder em torno do currículo, tensionamentos em busca do direito de produzir verdades, de impor significados e subjetivações” (Idem, p. 8).

 Já Carvalho (2012) ao investigar sobre os perfis dos profissionais técnicos em agropecuária formados no período da Reforma da Educação Profissional, bem como após o estabelecimento do Decreto no 5.154/2004, percebeu que, embora preservadas as especificidades de cada período, o currículo do curso técnico em agropecuária oferecido pelo Instituto Federal Goiano – campus Ceres privilegiou a oferta de uma formação integral dos seus alunos, sendo eles capazes de atuar tanto no atendimento das demandas do complexo agroindustrial e agroexportador, da agricultura familiar e do comércio de insumos quanto de prosseguir seus estudos em nível superior. A justificativa para tal mérito, segundo o pesquisador, residiu em uma tradição construída no interior do curso, consolidada no que ele denominou “intervenção consciente”. Tal intervenção praticada por parte dos gestores e professores do curso primou por preservar a qualidade do ensino ministrado a partir das seguintes ações:

1)     senso político crítico, de que os governos são provisórios, assim como suas políticas, portanto, as várias reformas, desde a Escola-Fazenda, Modular ou Unitária foram implantadas com cautela preservando as dimensões político-culturais e econômico sociais já conquistadas. 2) A tônica no caminho para a formação de um profissional foi acrescentar as novas demandas, mas preservando as experiências de ensino e aprendizagem positivas, desde a escola-fazenda até a atualidade (Idem, p. 264).

Os trabalhos de Carvalho (2012) e Buss (2012) trataram de uma singularidade das instituições formativas investigadas, qual seja a valorização e o conservadorismo que envolvem os conhecimentos das disciplinas técnicas na construção do currículo desse curso. Estas características merecem mais atenção dos estudos acadêmicos por talvez refletirem dimensões mais amplas das demandas sociais ou por serem um dos elementos formativos da cultura escolar das antigas Escolas Agrotécnicas Federais. Por outro lado, o que se pode compreender sobre as pesquisas analisadas até aqui é que, com exceção dos trabalhos de Carvalho (2012) e Buss (2012), os estudos apresentados abordaram os impactos gerais em relação à educação profissional de nível médio e não especificamente sobre o curso técnico em agropecuária.

Finalmente, o tema majoritário entre as pesquisas que possuem como objeto de estudo os currículos do curso técnico de nível médio em agropecuária foi a Introdução da abordagem ambiental nos currículos dos cursos técnicos em agropecuária. Trata-se de investigações que se ligam a dois pontos distintos: o primeiro diz respeito aos usos da Metodologia de Projetos para a incorporação da abordagem ambiental nos currículos dos cursos técnicos de nível médio em agropecuária, o segundo aborda a relação triangular entre a formação do técnico em agropecuária, a produtividade das atividades agropecuárias e a sustentabilidade.

De modo não intencional, as pesquisas se dividiram igualmente em número entre os dois pontos, ou seja, três trabalhos para cada um. Os trabalhos de Lima (2012), Vilela (2011) e Rosa (2012), cujo enfoque era o uso da Metodologia de Projetos, tiveram, respectivamente, como lócus de observação empírica os Institutos Federais do Ceará, Triângulo Mineiro e Goiano. Já as demais pesquisas foram feitas em outros campos de investigação empírica. A pesquisa de Barbosa e Zanon (2010) foi realizada no Instituto Federal do Mato Grosso e os trabalhos de Caldeira (2012) e Aquino (2012) no Instituto Federal de Rondônia.

Outra questão relevante, diz respeito aos pontos em comum destas produções científicas. De forma geral, as pesquisas construíram um tópico analítico que tratou da evolução contemporânea da Educação Ambiental. Neste item, foram destacados a importância da construção da Carta de Belgrado escrita, em 1975, no Seminário Internacional sobre a Educação Ambiental, a ocasião da Conferência Intergovernamental de Tbilisi, na Geórgia, em 1977, o acontecimento de outros eventos internacionais como a Conferência de Moscou, em 1987, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92, a Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável na África do Sul, em 2002.

Também nesta seção foram abordadas pelas pesquisas a construção de documentos oficiais que ratificaram a importância da Educação Ambiental em todos os níveis do ensino formal, entre eles: a Constituição Brasileira de 1988; a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996); os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), que incluíram a temática ambiental como tema transversal; e, finalmente, a Lei no 9.795/1999, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental. Todas estas contribuições têm reforçado os debates sobre a relevância da Educação Ambiental e da Sustentabilidade para a sociedade brasileira.

Na busca de semelhanças entre os estudos, pode-se identificar que quatro das seis pesquisas relacionaram a importância da introdução da abordagem ambiental nos currículos dos cursos técnicos em agropecuária com as características e condições ambientais das regiões e localidades onde as instituições de ensino estão inseridas. Com isso, as pesquisas de Caldeira (2012) e Aquino (2012), que possuíram como lócus de observação empírica o Instituto Federal de Rondônia, e o estudo de Rosa (2012), desenvolvido no Instituto Federal Goiano, afirmavam a relevância desta abordagem em regiões onde se localizam, respectivamente, os Biomas Amazônico e Cerrado.

Outro exemplo desta relação localiza-se na pesquisa de Lima (2012), que teve como campo de investigação o Instituto Federal do Ceará. O estudo em questão contemplou as necessidades que o estado cearense possuía quanto ao tratamento de resíduos sólidos e constatou que a política de construção e operacionalização de aterros sanitários era bastante incipiente. Assim, a introdução da abordagem ambiental nos currículos dos cursos técnicos em agropecuária oferecidos por esse Instituto foi mostrada como a possibilidade de intervenção nesta realidade.

Feita as indicações das semelhanças, cabe neste momento apontar a sua principal divergência. As três pesquisas que contemplaram usos da Metodologia de Projetos para a incorporação da abordagem ambiental nos currículos perseguiram como alternativa para a alteração curricular a construção do conhecimento como produção coletiva, na qual a experiência vivida e a produção cultural foram sistematizadas e entrelaçadas, dando significado a aprendizagens construídas.

As experiências dos usos da Metodologia de Projeto retratadas pelas pesquisas aproximaram as escolas das comunidades, gerando situações de aprendizagem concretas que permitiram a vivência do compromisso social. Igualmente, foram retratadas ações de intervenção dos alunos do curso técnico em agropecuária para que a relação entre o homem e o meio ambiente fosse menos danosa. De tal modo, os alunos ainda no momento da formação tiveram contato com as demandas de preservação e sustentabilidade ambiental. No entanto, estas demandas não se vinculam ao campo de atuação profissional dos técnicos em agropecuária, mas sim às circunstâncias específicas das localidades onde as instituições de ensino estavam inseridas.

Por outro lado, as pesquisas abarcadas no segundo enfoque trataram da relação entre a formação do técnico em agropecuária e o desempenho de ações ligadas à produtividade das atividades agropecuárias e à sustentabilidade. Nesse sentido, os estudos analisaram, por meio dos currículos prescritos, a possibilidade das formações oferecidas pelos Institutos (Federal do Mato Grosso e Federal de Rondônia) contribuir para que os futuros técnicos desempenhassem tais ações. Todavia, os estudos constataram que essa expectativa não se concretizou devido às dificuldades em romper com uma tradição formativa vinculada ao processo de modernização da agricultura brasileira, conhecido como Revolução Verde, que, entre os anos de 1950-1970, difundiu a utilização de técnicas agrícolas modernas eficientes para o aumento da produtividade sem a preocupação com o meio ambiente.

Os estudos de Caldeira (2012) e Aquino (2012) retrataram as características do curso técnico de nível médio em agropecuária oferecido pelo Instituto Federal de Rondônia. Entre essas, constatou-se que a formação técnica encontrava-se ainda marcada por um importante aspecto da dinâmica do espaço rural do estado de Rondônia: o incentivo ao desmatamento para a expansão das fronteiras agrícolas. Tal prática resultou no modelo de desenvolvimento rural no qual as mudanças no ambiente rural se restringem ao crescimento produtivo, descartando a combinação entre cultivo agrícola e sustentabilidade.

Assim, a formação oferecida pelo Instituto Federal de Rondônia se mostrou resistente em produzir e disseminar conhecimentos adequados às demandas do desenvolvimento rural sustentável, muito embora as atividades agropecuárias sejam reconhecidas como aquelas que provocam danos ao meio ambiente: desmatamento, desgaste do solo, redução da biodiversidade por meio da monocultura, entre tantos outros.

Quanto ao curso técnico de nível médio oferecido pelo Instituto Federal do Mato Grosso, identificou-se, por meio dos estudos de Barbosa e Zanon (2012), que predominavam em seu currículo disciplinas ligadas às atividades agrícolas, e nelas puderam ser identificados conhecimentos sobre a preservação do meio ambiente. A despeito disto, as autoras afirmaram não se ter a garantia de que o currículo prescrito tenha sido de fato trabalhado em sala de aula, pois uma das condições para sua realização, neste caso, seria o estabelecimento da formação inicial e continuada dos docentes a fim de garantir a articulação entre o currículo do curso técnico e a Educação Ambiental. A ausência de tais condicionantes compromete o reconhecimento de que o técnico-agropecuária é responsável pela conservação dos recursos naturais e também um dos agentes capazes de introduzir inovações técnicas e tecnológicas compatíveis com a sustentabilidade.

 

Considerações finais

Uma das primeiras considerações relevantes diz respeito a 17 produções acadêmicas que envolvem os currículos dos cursos técnicos de nível médio em agropecuária, pois embora sejam reduzidas em número, se subdividiram em cinco temas. Por outro lado, deve ser destacada a predominância da vinculação dos estudos analisados ao Programa de Pós-graduação em Educação Agrícola, oferecido pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Tal ligação se justifica pelo fato de este Programa, desde o ano de 2003, ser responsável pela formação de Mestres em Educação Agrícola também por meio de um convênio firmado com a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), com a finalidade de proporcionar a formação continuada de professores e técnicos das escolas da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

Todavia, outra especificidade do Programa permitiu ao longo de sua trajetória a realização de pesquisas que possuíam como campo empírico instituições de ensino localizadas em todas as regiões brasileiras, o que sinaliza a importância e abrangência desses seus estudos. Isso ocorre porque a Pós-graduação em Educação Agrícola trabalha com seis polos instalados nas cinco regiões do Brasil, dois localizados na região Norte, um na região Nordeste, um na região Centro-Oeste, um na região Sudeste e um no Sul. Além disso, por utilizar a pedagogia da alternância o Programa permite alternar semanas de aula com as semanas de trabalhos nas escolas de origem dos alunos.

Ainda neste momento é pertinente salientar que a despeito do número limitado de produções acadêmicas que tratam dos currículos dos cursos técnicos de nível médio em agropecuária, mesmo sendo este o segundo curso com o maior número de matrículas na Rede Federal de Educação, pode-se constatar uma diversidade de temas que envolvem a temática do Currículo. Contudo, notou-se que em nível de doutorado as pesquisas com as características evidenciadas neste artigo mostraram-se ainda mais restritas.

Também nesta ocasião de conclusão é valido apontar que ao conhecer a trajetória do Ensino Profissional Agrícola e também dos cursos técnicos de nível médio em agropecuária foi possível perceber uma considerável influência da demanda de modernização da agricultura voltada, especialmente, para a produção em larga escala e que por vezes negligenciou a relação entre produtividade e a preservação ambiental. Deste modo, a seleção e a organização dos conteúdos a serem transmitidos pela formação de técnicos em agropecuária moldaram-se de acordo com esta concepção de modernização, culminando em um modelo de ensino que se perpetuou ao longo do tempo e teve como características marcantes o tecnicismo e a ausência de criticidade.

Assim, as pesquisas aqui elencadas demonstram que as expectativas para a superação do modelo de ensino agrícola construído com a modernização agrícola têm sido depositadas principalmente na introdução da Educação Ambiental nos currículos. Não obstante, o reconhecimento da importância desta iniciativa, há nas dinâmicas dos cursos uma evidente resistência às mudanças. Dito de outro modo, existe um descompasso entre o tempo das transformações sociais e a incorporação destas pelas instituições de ensino.  

Finalmente, compreende-se que os indicativos de mudanças nos cursos técnicos em agropecuária não surgem apenas da clarividência ou sensibilidade dos sujeitos envolvidos no processo educativo, mas sim da implementação de políticas educacionais, bem como de uma das demandas mais urgentes que envolvem o campo profissional dos técnicos em agropecuária: a sustentabilidade. Por outro lado, apesar de não ter sido mencionada por nenhuma pesquisa, sabe-se que, guardadas as devidas proporções e especificidades, a busca pela profissionalização de jovens alinhada a uma nova matriz produtiva que combine a produtividade do trabalho com sustentabilidade ambiental, bem como uma educação capaz de contribuir para a formação de trabalhadores autônomos e críticos, tem sido perseguida pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) vinculado aos movimentos sociais do campo, uma vez que os próprios trabalhadores rurais, por meio da sua organização política, têm se tornado cada vez mais visíveis, contribuindo para a construção de políticas educacionais destinadas ao povo do campo.

 

 

 

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Resumo: (Estudos sobre os currículos dos cursos técnicos em agropecuária: momentos de mudanças?). Este trabalho trata dos conhecimentos produzidos na área do Ensino Profissional Agrícola. À luz do conceito de currículo elaborado por Silva (2003), este texto apresenta e discute os temas recorrentes entre os estudos que envolvem os currículos dos cursos técnicos de nível médio em agropecuária ofertados pela Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, entre os anos de 2005-2012. Sobre os aspectos metodológicos, este trabalho se restringe à análise da produção acadêmica disponibilizada pelo Banco de Resumos da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e dos trabalhos apresentados nas quatro edições do Seminário Nacional de Educação Profissional e Tecnológica. Nas considerações, foi possível identificar dois temas predominantes entre os estudos: as consequências da Reforma da Educação Profissional, promovida pelo Decreto no 2.208/1997 e a sua substituição pelo Decreto no 5.154/2004, e, finalmente, a introdução da Educação Ambiental nos currículos dos cursos técnicos de nível médio em agropecuária.

Palavras-chave: currículo; Ensino Profissional Agrícola; Educação Ambiental.


Abstract: (Studies on the technical courses curricula in agriculture: time for a change?).This work deals with the knowledge produced in the field of Professional Agricultural education. In light of the concept of curriculum prepared by Silva (2003), this paper presents and discusses the most recurrent themes among the studies involving the curricula of technical courses at the high school level in agriculture offered by the Federal Network of Vocational Education, Science and Technology between the years 2005-2012. On the methodological aspects, this work was restricted to academic research at the graduate level provided by the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations as well as the works presented in the four editions of the National Seminar of Vocational and Technological Education. Among the considerations was possible to identify two predominant themes among these studies: the consequences of the reform of vocational education promoted by Decree 2.208/97 and its replacement by Decree 5.154/04 and finally, the introduction of environmental education in the curriculum of technical courses at the high school level in agriculture.

Keywords: curriculum; agricultural vocational education; environmental education.

 

 

Recebido em fevereiro de 2018.

Aceito em agosto de 2018.



[1] Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Políticas Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). E-mail: dayanessantos@gmail.com.

[2] Doutorado em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). E-mail: pmsouza@uenf.br.

[3] Doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e professora do Programa de Pós-graduação de Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). E-mail: silvia-martinez@hotmail.com.

[4] Embora haja, no Brasil, variações entre os cursos que propõem esta formação, o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, editado em 2012, definiu o perfil do profissional técnico em agropecuária como aquele que “Planeja, executa, acompanha e fiscaliza todas as fases dos projetos agropecuários. Administra propriedades rurais. Elabora, aplica e monitora programas preventivos de sanitização na produção animal, vegetal e agroindustrial. Fiscaliza produtos de origem vegetal, animal e agroindustrial. Realiza medição, demarcação e levantamentos topográficos rurais. Atua em programas de assistência técnica, extensão rural e pesquisa” (BRASIL, 2012. p. 132). Ainda neste documento foram elencadas as possibilidades de temas a serem abordados no curso de agropecuária, a saber: “Ferramentas de gestão. Produção animal, vegetal e agroindustrial. Sustentabilidade. Silvicultura. Irrigação e drenagem. Topografia. Mecanização agrícola. Extensão rural. Legislação e Políticas Agropecuárias” (Idem, p. 132).

[5] De acordo com Freitas e Bicas (2009), a partir da segunda metade do século XX, a ideia de desenvolvimento esteve ligada diretamente ao crescimento econômico, que passou a ser encalçado pelos brasileiros como a única forma de se conquistar a condição de país de desenvolvimento pleno. Assim, com intuito de alcançar este status, a ampliação da escolarização e da qualificação profissional destinada às áreas rurais tornou-se objeto de atenção do Estado, que tinha como objetivo maior a potencialização do crescimento econômico do país.

[6] Apesar do entendimento de que outras redes, sejam elas estaduais, municipais ou privadas, oferecem a formação técnica de nível médio em agropecuária, selecionou-se apenas a rede federal, por este artigo ser um recorte de uma pesquisa maior, que possui como temática a formação de técnicos em agropecuária de nível médio oferecida nas Escolas Agrotécnicas Federais, hoje campus dos Institutos Federais, localizados no estado do Rio de Janeiro.

[7] Este evento possui abrangência nacional e ocorreu entre os anos 2008-20014, com regularidade bienal. Oportunizou a interação entre pesquisadores e estudantes que se dedicam aos estudos relativos à Educação Profissional, Científica e Tecnológica. O Senept, em todas as suas edições, foi promovido pelo Mestrado em Educação Tecnológica do Cefet-MG.

[8] Em alguns momentos deste trabalho será utilizada a nomenclatura técnico agrícola, pois segundo o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos (2012) esta foi a denominação genérica dada, anteriormente, aos profissionais vinculados ao setor agrícola, mas com habilitações profissionais diversas, tais como: Agricultura, Agroecologia, Agropecuária e Zootecnia.

[9] Vale neste momento destacar que de acordo com a Lei no 11.892, do ano de 2008, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica é formada pelas seguintes instituições: I – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – Institutos Federais; II – Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR; III –Centros Federais de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca – Cefet-RJ e de Minas Gerais – Cefet-MG; IV – Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais; V – Colégio Pedro II. Assim, as escolas que ofertavam cursos técnicos de nível médio na área agrícola, conhecidas por escolas agrotécnicas federais, foram incorporadas pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia ou permaneceram ligadas às Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais. 

[10] O projeto de extensão rural tem por objetivo: “a comunicação de novas técnicas, geradas pela pesquisa, e de conhecimentos diversos, importante ao desenvolvimento das atividades rurais, especialmente ao desenvolvimento das atividades agropecuária, florestal e pesqueira” (PEIXOTO, 2008, p. 6).

[11] É importante esclarecer que as pesquisas analisadas por este trabalho possuíram como objetos de estudos os currículos prescritos. Sabe-se que essa noção de currículo se restringe aos conteúdos e disciplinas, o que contribui para uma análise unilateral da formação. Mas, por outro lado, esta concepção permitiu uma percepção mais objetiva dos interesses que envolvem as finalidades do curso técnico em agropecuária.  

[12] Cursos como Agricultura, Agroecologia, Fruticultura, Agronegócio, Cafeicultura e Zootecnica (entre outros), também são listados no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos como aqueles que possuem como campo de atuação profissional espaços ligados ao setor agrícola e/agropecuário.

[13] O Sistema Escola-Fazenda visa proporcionar condições para a efetividade do processo ensino/produção, bem como patrocinar a vivência da realidade social e econômica da comunidade rural. Assim, o aluno participa de todo o processo produtivo, tendo condições de aliar a teoria à prática (SOBRAL, 2004, p. 29).