Estudos Sociedade e Agricultura
vol. 26, n. 3, outubro de 2018 a janeiro de 2019


 

 

 

Daniele Lima Gelbcke[1]

Oscar José Rover[2]

Maria das Graças Santos Luiz Brightwell[3]

Clécio Azevedo da Silva[4]

Mauricio da Trindade Viegas[5]

 

 

 

A “proximidade” nos circuitos de abastecimento de alimentos orgânicos da Grande Florianópolis – SC – Brasil[6]

 

 

 

Introdução

Descontentamentos com as práticas agrícolas e agroindustriais convencionais e com a mundialização do sistema agroalimentar têm trazido à tona, nas últimas décadas, discussões sobre a necessidade de construção de sistemas agroalimentares localizados ou regionalizados, baseados numa maior conexão entre produção e consumo. A busca de uma alimentação mais confiável e a demanda crescente por constituir mercados onde os produtores e os consumidores possam participar ativamente, com mais poder de decisão e retorno econômico, remetem a esforços de aproximação entre as duas pontas da cadeia, seja esta geográfica e/ou relacional (presença de um ou nenhum intermediário, informação contida no produto), tema abordado através da noção de circuitos curtos.

Mesmo no contexto europeu, em que a proximidade geográfica entre produção e consumo tem sido largamente enfatizada como positiva, há pouca evidência empírica em como se organizam os circuitos curtos (principalmente quando envolvem o varejo) e a escala que alcançam, ou seja, até que ponto estão de fato enraizados em economias regionais (RENTING et al., 2003).

No Brasil, a análise a partir da perspectiva dos circuitos curtos encontra-se em construção (DUARTE; TOMÉ, 2015). Ainda que apresentem possibilidades e potencialidades para produtores e consumidores, autores como Ferrari (2011) e Darolt et al. (2013) apontam para a necessidade de se aprofundar conceitos, métodos e abordagens, capazes de traduzir a complexidade empírica das experiências. Os critérios adotados pela bibliografia internacional precisam ser validados, ou novos critérios devem ser criados para analisá-los no contexto brasileiro.

No sentido de contribuir para a discussão, examinaremos criticamente os parâmetros de proximidade geográfica e/ou relacional comumente abordados no debate sobre circuitos curtos, através da análise dos circuitos de abastecimento de alimentos orgânicos da região da Grande Florianópolis, tendo como foco principal a dimensão regional desta circulação. Ao trazer evidências empíricas dos canais de venda direta (caso das feiras) e indireta (em que os supermercados são a maior expressão) de distribuição alimentar, evidenciaremos: i) quem são os agentes envolvidos e por quais caminhos alcançam os diferentes mercados; ii) como o varejo percebe a produção regional de alimentos orgânicos; iii) que relações são construídas a partir da proximidade geográfica e; iv) quais vantagens e desafios a proximidade geográfica e relacional aporta no caso da realidade estudada.

O artigo está subdividido em cinco partes, além desta introdução. Na primeira, apresentamos ao leitor os principais argumentos abordados na literatura sobre circuitos curtos. Na segunda, descrevemos a metodologia utilizada na coleta de dados, através da qual identificamos as características do mercado regional de alimentos orgânicos que abastece a cidade de Florianópolis. Na terceira, apresentamos as diferentes formas pelas quais os alimentos orgânicos alcançam o mercado e o papel da produção regional para o seu abastecimento, discutindo na quarta parte três aspectos abordados pela literatura, que definem a proximidade geográfica como vantajosa: o encurtamento da cadeia por meio da redução do número de agentes envolvidos, a construção de qualidade e as relações de confiança. Para finalizar, deixamos nossas reflexões conclusivas sobre os circuitos curtos e a proximidade geográfica, a partir das discussões e análises do caso estudado empiricamente.

 

Definindo proximidade nos circuitos de produção

A proximidade a partir dos autores clássicos

A distância entre os espaços de produção e de consumo é uma questão importante para os mercados alimentares e foi introduzida já nos debates clássicos da economia política do século XIX. Os debates se concentraram nos ganhos de rendimentos da produção agrícola, devidos à proximidade dos mercados — a chamada “renda diferencial” por localização, abordada, principalmente, por Von Thunen e Marx (PUJOL, 1993).

Von Thunen, sem ainda conhecer a teoria dos rendimentos decrescentes de Ricardo,[7] foi o primeiro a expor que a localização da produção era um fator determinante para explicar a diferença de ganhos agrícolas, pois implicava um menor custo de produção aos agricultores situados mais próximos das cidades (PUJOL, 1993). Assim se explicaria a “renda diferencial por localização”, resultado direto do menor custo de transporte, considerando a inexistência de variação nos outros custos.

Marx (1988) acolhe este argumento, porém, aperfeiçoa a teoria ao introduzir no debate a renda diferencial II, ou seja, aquela obtida com o incremento de capital sobre uma mesma parcela e não mais pelo aumento da área explorada (para Ricardo) ou mudança de localização da produção (para Von Thunen).

A renda diferencial II é o fundamento da análise da importância dos sistemas de engenharia na geração das rendas agrícolas por localização, mediante a destinação de recursos públicos e privados para atender as áreas de produção (investimentos em estradas, rede elétrica, perímetros irrigados, centrais de abastecimento etc.).

Além disso, a análise marxista também confere importância à localização para a geração da renda absoluta, na medida em que o valor da terra responde, por um lado, ao crescimento do mercado e demanda de produtos agrícolas e, por outro, ao aumento direto da demanda de terra por outros produtores, inclusive os não agrícolas (PUJOL, 1993, p. 80). Desta maneira, se acentua o caráter da terra como bem limitado, tornando as áreas próximas às cidades (tecido periurbano, mais precisamente) como espaços de concorrência intersetorial (agricultura x indústria x economia urbana). Para manterem a propriedade da terra diante da maior composição orgânica do capital nos outros setores, os agricultores intensificam a produção e selecionam atividades com maior rendimento por área e que atendam a demanda espacialmente próxima.

 

A proximidade a partir dos debates atuais

Apesar de a renda da terra servir como ponto de referência para a discussão sobre a proximidade nos sistemas agroalimentares, a literatura vem apresentando novas questões nas últimas décadas, oriundas das inquietações teóricas na área da sociologia econômica. Os estudos relativos à construção social dos mercados vêm discutindo a complexidade das relações entre produção e consumo no âmbito de circuitos locais e regionais, analisando suas características em oposição aos sistemas agroalimentares globalizados.[8]

Dentre as características próprias dos circuitos curtos, podemos destacar: a organização da produção e de serviços associados às características de um território específico (MUCHNIK et al., 2007); a redução do número de intermediários (CHIFFOLEU, 2008; HUMBERT; CASTEL, 2008); relações predominantes nos mercados locais e regionais (MALASSIS apud SILVA, 2009; MALUF, 2004); estreitamento das relações entre produtores e consumidores, não necessariamente através da relação direta, mas também pela carga de informação que acompanha o produto (MARSDEN et al., 2000); a qualidade dos alimentos relacionada a origem, sustentabilidade e segurança alimentar (produtos locais, artesanais, direto do produtor, orgânicos e naturais) (RENTING et al., 2003).

Os diferentes autores trazem em comum a aproximação geográfica e/ou relacional entre produção e consumo, duas das características dos circuitos curtos: relações nas quais a produção, o processamento, o comércio e o consumo de alimentos ocorrem em uma área geográfica definida (KNEAFSEY et al., 2013) e/ou são capazes de engendrar alguma forma de conexão entre o consumidor e o produtor de alimentos (MARSDEN et al., 2000).

A proximidade geográfica é típica dos mercados locais e regionais, que se caracterizam pela circulação de produtos frescos, elaborados artesanalmente e comercializados em pequenas quantidades, em comparação ao conjunto do abastecimento alimentar (MALASSIS, apud SILVA, 2009). É defendida como portadora de certas vantagens como: i) sustentabilidade ecológica, por não recorrer ao extenso e excessivo uso de transporte à longa distância (NORBERG-HODGE et al., 2002); ii) ligação mais estreita entre a sociedade e a natureza, pois a maior proximidade física e a menor sofisticação técnica (produtos menos transformados/manufaturados) garantem um vínculo mais forte com a sua origem (SILVA, 2009); iii) inclusão de setores sociais caracterizados pela economia familiar e pequenas empresas, já que a escala de operação é mais modesta que a dos grandes mercados (MALUF, 2004; SILVA, 2009; DAROLT et al., 2013); iv) melhoria da dieta de populações, através da produção para o autoabastecimento e da maior oferta em nível regional, conjugada a um potencial de menores preços (SILVA, 2009).

Maluf (2004) ressalta que a proximidade geográfica, por si só, é insuficiente para gerar relações sistemáticas e sinérgicas entre os agentes econômicos instalados numa região. Para o autor, as relações devem ser construídas por processos que refletem as formas sociais de ocupação do território, as opções estratégicas dos agentes econômicos envolvidos e as ações públicas voltadas para promover as atividades econômicas locais e regionais. A proximidade não serviria como um diferencial no mercado apenas pela distância per se, precisando ser ativada pelos diferentes agentes de forma organizada e estruturada (KEBIR; TORRE, 2013).

A proximidade relacional, facilitada pela proximidade geográfica, diz respeito à construção coletiva de mercados, através de relações de cooperação em um determinado território/espaço/região, em algumas situações podendo ampliar a distância espacial mantendo proximidade relacional. Scarabelot e Schneider (2012) alegam que a aproximação entre produtores e consumidores aciona o interconhecimento, a solidariedade e promove mecanismos de confiança que acabam por reduzir riscos. Murdoch et al. (2000) se referem às relações de proximidade como embeddedness ou enraizamento das relações sociais, e defendem o papel delas no fortalecimento dos valores comunitários, de justiça e segurança alimentar. Dubuisson-Quelier e Velly (2009) abordam a proximidade também a partir do ponto de vista do consumidor à procura do mundo caloroso, personalizado e autêntico das relações diretas oferecidas nas feiras, ou na venda na propriedade, em oposição ao mundo frio e anônimo dos circuitos longos. Para Marsden et al. (2000, p. 425), estas relações não precisam necessariamente se dar de forma direta ou a curta distância, o importante é que o produto alcance o consumidor, carregado de informações, estabelecendo conexões e associações confiáveis com o lugar/espaço de produção, os valores das pessoas envolvidas e os métodos de produção utilizados.

Um aspecto inerente às abordagens apresentadas diz respeito à crítica aos valores industriais de qualidade. As convenções de qualidade — sustentabilidade ambiental, ligação com o território, segurança alimentar, identidade cultural — são contextuais, segundo Renting et al. (2003). O interesse dos consumidores por “produtos locais”, “orgânicos”, “agroecológicos”, “de qualidade específica”, “direto do produtor”, “naturais” são expressões desta qualidade que os circuitos curtos seriam capazes de prover.

Neste artigo, nos propomos a olhar com mais atenção a construção de mercados regionais, buscando entender os seus limites e possibilidades. A partir de uma análise das ligações entre produtores e intermediários nas dinâmicas comerciais, e o papel destes na construção do mercado de alimentos orgânicos, discutimos quão próximos estes circuitos verdadeiramente são. Outro desafio é examinar criticamente a noção de escala geográfica na produção alimentar. Estudiosos têm advertido que seria ingênuo considerar a escala local como a mais ecologicamente virtuosa, justa do ponto de vista social e econômico e portadora da melhor qualidade (BORN; PURCELL, 2009). A defesa do local muitas vezes esquece, argumentam os autores supracitados, que “o resultado produzido por um sistema alimentar é contextual, ele depende da agenda e dos agentes que são empoderados pelas relações sociais particulares de um dado sistema alimentar” (p. 117) e que, a escala local não é necessariamente aquela capaz de atingir metas inerentes a democratização, sustentabilidade e qualidade do sistema alimentar.

Em dimensões continentais como as do Brasil, o desafio desta reflexão é ainda maior. Compreendemos que o mais importante, em casos como o aqui estudado, não é definir o que é a escala local e regional, uma vez que elas podem se diferenciar de uma realidade à outra. Privilegiamos discutir e analisar que elementos a proximidade geográfica pode aportar para distinguir os circuitos curtos dos circuitos longos de comercialização, e quais atores beneficiam-se com a proximidade geográfica entre produtores e consumidores.

 

Metodologia de pesquisa

O presente estudo foi realizado na região metropolitana da Grande Florianópolis e sua área de influência, composta por 22 municípios que juntos formam uma população de 1.012.233 habitantes (IBGE, 2010), distribuídos em um território de 7.157 km2. Da população total, 80% residem na área de conurbação formada pelos municípios de Florianópolis (capital do estado de Santa Catarina), Biguaçu, Palhoça e São José.

Embora venha sofrendo um decréscimo importante da população rural desde a década de 1960, a região possui uma produção agrícola que participa ativamente do abastecimento de sua população urbana, sobretudo com alimentos frescos como os FLV (frutas, legumes e verduras), entre eles os orgânicos. Como recorte de pesquisa, buscamos compreender a participação da produção regional de alimentos orgânicos no abastecimento da cidade de Florianópolis, maior centro consumidor da área metropolitana.

Para tal, foi realizada uma pesquisa de varejo que contou com duas etapas. A primeira, de caráter exploratório, buscou identificar o número de estabelecimentos que comercializam alimentos orgânicos na ilha de Santa Catarina. A segunda, de aprofundamento, focou em uma amostra de 14 varejos selecionados, tendo como critérios de inclusão: i) a relevância dada pelo estabelecimento para os alimentos orgânicos (foram escolhidos aqueles que ofereciam mais do que 31 itens); ii) localização (norte, centro e sul da ilha de Santa Catarina); e iii) tipo de estabelecimento, tendo sido selecionados 5 supermercados (SU), 2 lojas especializadas (LE), 3 mercados (M), 3 barracas de feiras (F) e 1 sacolão (S). Nesta etapa, além de um levantamento de informações nas gôndolas ou barracas dos diferentes estabelecimentos (variedade de itens de alimentos orgânicos frescos e não frescos, marcas, certificadoras, origem), foram realizadas entrevistas semiestruturadas[9] para compreender, a partir do ponto de vista dos varejistas, as motivações, exigências, logísticas e desafios para a comercialização de orgânicos. A pesquisa de varejo foi complementada por entrevistas semiestruturadas realizadas com agricultores (AF), unidades de processamento mínimo (UP) visando aprofundar as temáticas relacionadas a confiança, proximidade e qualidade, que são critérios teoricamente empregados na noção de circuitos curtos de alimentos.

 

Circuitos de abastecimento alimentar de alimentos orgânicos

A demanda por alimentos orgânicos vem tornando-se um dos segmentos agroalimentares com maior expansão mundial, com taxas anuais de crescimento entre 15 e 20%, em contraposição aos 4 e 5% de crescimento do setor industrial alimentar (NIEDERLE; ALMEIDA, 2013). Constatou-se um aumento significativo do número de pontos de varejo que vendem orgânicos em Florianópolis. Em estudo realizado por Karan e Zoldan (2003), foram identificados 31 locais em quatro municípios da região em 2002. Na primeira etapa da pesquisa de varejo, realizada por laboratório que trabalha o tema da comercialização de alimentos na Universidade Federal de Santa Catarina, entre agosto e setembro de 2014, foram identificados 91 estabelecimentos comercializando alimentos orgânicos, apenas na parte insular da cidade de Florianópolis (a ilha de Santa Catarina) (ROVER et al., 2015).

Entretanto, a expansão da produção orgânica não necessariamente está relacionada aos circuitos curtos ou alternativos de abastecimento alimentar. O mercado de alimentos orgânicos se caracteriza por uma diversidade e segmentação de canais de comercialização, cada qual impondo um conjunto mais ou menos específico de exigências aos produtores, tais como escala de produção, diversificação dos produtos, regularidade de entrega, padrões de qualidade etc. (NIEDERLE; ALMEIDA, 2013), que podem favorecer ou não a aproximação geográfica e relacional.

Os alimentos orgânicos que abastecem Florianópolis chegam ao mercado consumidor através de variados canais de comercialização, como feiras, sacolões, estabelecimentos de varejo, os quais podem ser pequenos mercados de bairro, supermercados ou lojas especializadas, contando ainda com a presença de um entreposto específico de orgânicos na Central de Abastecimento (Ceasa) de São José, o BOX 721. A comercialização de orgânicos manifesta o que ocorre na prática com relação aos sistemas agroalimentares, ou seja, a convivência em um mesmo espaço geográfico de formas convencionais de distribuição e formas alternativas, muitas vezes interseccionadas e sobrepostas (MIOR, 2010; SONNINO; MARSDEN, 2006).

Os supermercados respondem por grande parcela da comercialização em Florianópolis. Este dado se confirmou na segunda etapa da pesquisa, realizada em 14 pontos de varejo, no ano de 2015. Dos cinco supermercados que compuseram a amostra, o mix de alimentos orgânicos identificados nas gôndolas variou de 51 a 307 itens. Já nas feiras, que majoritariamente comercializam alimentos frescos, a oferta ficou entre 39 e 56 itens. Seguindo a tendência apontada por Guivant (2003), os supermercados lideram a comercialização de orgânicos na capital catarinense, não só pelas estratégias adotadas (variedade, motivação e competência dos funcionários), mas também pelo fato de funcionarem os sete dias da semana.

Também se observou que o crescimento numérico dos canais de comercialização de alimentos orgânicos não reflete, necessariamente, a diversidade comercializada. Entre os 91 varejos identificados, 51% eram lojas especializadas em alimentos saudáveis, sejam eles orgânicos, sem glúten, sem lactose, integrais, vegetarianos etc. A diversidade de orgânicos, em 76% delas, era inferior a 31 itens no momento da pesquisa, ou seja, os orgânicos apenas compunham o mix ofertado por estes estabelecimentos, mas não eram seu principal foco. Neste aspecto, as feiras lideram amplamente: 100% comercializavam mais do que 30 itens orgânicos, seguidas dos supermercados, dos quais 53% comercializavam mais do que 30 itens orgânicos.

A pesquisa realizada nas gôndolas dos 14 pontos de varejo revelou outro dado interessante. Do total de itens orgânicos comercializados, 33,7% eram provenientes de fornecedores da Grande Florianópolis, 27,7% de outras regiões de Santa Catarina e o restante de fora do estado (38,6%). Dividindo os alimentos em frescos e não frescos, percebemos que entre os não frescos (processados e beneficiados), a contribuição da região de estudo era de apenas 4%, sendo que a maioria dos produtos (63%) provinha de fora do estado. O inverso acontece quando se trata dos produtos frescos, sendo 74% provenientes de fornecedores da Grande Florianópolis, 20% de outras regiões de Santa Catarina e o restante de fora do estado. Estes resultados revelam a importância da produção regional para o abastecimento dos orgânicos frescos, confirmando a influência de circuitos de proximidade na construção deste mercado.

Dos orgânicos frescos embalados, identificamos na região da Grande Florianópolis 12 marcas distintas atuando no mercado, sendo duas delas especializadas, uma em morango e outra em cogumelo. As demais marcas trabalham com diversidade de folhosas, temperos, verduras, legumes e algumas frutas, produtos que são triados, higienizados, separados e embalados em unidades de processamento de pequeno porte, onde recebem identificação da marca, código de barras e todas as informações exigidas pelo mercado. Identificadas no grande varejo como entrepostos, estas unidades de miniprocessamento beneficiam e embalam os próprios produtos e de outros agricultores.

As razões apontadas para a pequena participação de produtos processados/beneficiados da região da Grande Florianópolis, segundo os entrevistados, foram: a falta de recursos para investimento em unidades de processamento; o menor giro destes produtos — “tem giro alto com in natura, processado não tem sido muito bom” (UP 4); e a pouca garantia de venda — “o pessoal quer garantia de comercialização, eles não se sentem seguros” (AF 6). Mesmo diante destas dificuldades, os dados revelam que o processamento de alimentos orgânicos pode ser uma estratégia interessante a ser desenvolvida no estado, visto que grande parte dos produtos processados vem de fora da região.

 

Discutindo proximidade

Número de agentes e extensão geográfica na cadeia de produtos orgânicos

Ao examinarmos a organização de circuitos de comercialização de alimentos orgânicos na região da Grande Florianópolis, nos deparamos com limites para o encurtamento da cadeia, tanto com relação ao número de intermediários quanto à distância percorrida pelos produtos.

Em se tratando do número de agentes na cadeia, nos deparamos com três situações distintas. Se na venda indireta para pequenos mercados e lojas especializadas os orgânicos podem alcançar os estabelecimentos diretamente pelas mãos dos agricultores — já que as transações comerciais são realizadas informalmente e as exigências são menores —, no caso dos supermercados esta realidade não procede. Os pequenos agricultores são provedores da matéria-prima para unidades de processamento, que agem como intermediários ao beneficiar, embalar, centralizar as entregas, detendo, desta forma, um conhecimento privilegiado do mercado. São estes intermediários os principais responsáveis, em volumes, pelo escoamento da produção regional de alimentos orgânicos, servindo como o elo mais importante entre produtores e consumidores.

Como principal canal de comercialização de alimentos orgânicos, tanto em quantidade como variedade, os supermercados e “suas estratégias e objetivos podem ser considerados cruciais e de importância ainda crescente em relação ao futuro fornecimento de alimentos verdes no mundo” (OOSTERVEER, 2010). As estratégias destas redes varejistas com relação aos critérios de qualidade, quantidade, variedade e regularidade impõem mudanças na organização do abastecimento de orgânicos, selecionando os atores e introduzindo as unidades de miniprocessamento na intermediação com os produtores. A fala a seguir, do gerente de uma rede de supermercado de Florianópolis, ilustra bem esta questão:

Eu não consigo comprar de vários pequenos produtores, eu não tenho logística para isso (...) então ele (o produtor) vai pegar uma amostra do produto, levar para apresentar na área comercial e conversar (...) ele vai ter que participar do processo de rastreamento e vai entrar no cadastro (...) se o cara é bom no que faz eu indico o entreposto X, e o entreposto vai pegar, embalar e entregar o produto (SU 2).

Ainda que haja diferenças entre estabelecimentos, de forma geral, os produtos só chegam às gôndolas dos supermercados se cumprirem uma série de exigências como embalagem com código de barras, rastreabilidade e selo de certificação de orgânicos. Nota-se, aqui, que tais exigências obrigam à inclusão de novas tarefas que não levam os agricultores a uma maior apropriação da renda na cadeia de abastecimento e, pelo contrário, retiram parte dos seus ganhos para serem aplicados em serviços técnicos de inspeção e classificação dos processos e produtos. Por força das exigências citadas, a parcela da renda transferida da agricultura se repete por várias safras consecutivas, o que representa uma barreira à entrada de produtores pouco capitalizados e/ou sem capacidade de endividamento.

A transferência de renda pressiona muitos agricultores a uma especialização em poucos produtos, para garantirem uma escala mínima e o atendimento pleno às exigências. A especialização da produção, por sua vez, tem reflexos nos sistemas produtivos, risco que coloca em xeque a própria condição técnica dos agricultores para aderirem ao sistema orgânico, conforme explicitado na fala de um agricultor:

O Supermercado SU 2 já procurou a gente para colocar produtos para eles, mas eles têm regras que excluem (...) então claro, tem que ter uma constância no fornecimento, eles precisam de 1000 pés de alface a cada três dias, eu até tenho condições de produzir isso, mas vai inviabilizar a questão sanitária da minha propriedade, eu tenho que fazer rotação de cultura (AF 6).

Essa realidade foi observada por Wilkinson (2008), que já apontava para os desafios de inserção da agricultura familiar em redes de supermercados, principalmente para o segmento FLV. Para o autor, os supermercados começam a operar com número limitado de fornecedores especializados, capazes de atender as especificações de entrega, variedade de produtos e qualidade. Para Wilkinson

Esse sistema exclui claramente pequenos produtores individuais que agora precisam trabalhar em associação para poderem enfrentar os investimentos em transporte, logística, instalações de packing e cesta de produtos a serem oferecidos (...) os grandes supermercados dependem cada vez mais de fornecedores altamente profissionalizados, contexto no qual a pequena produção pode ter apenas uma participação subordinada (id., p.157).

O distanciamento gerado por estes processos não se dá apenas do ponto de vista do número de agentes envolvidos. As exigências do mercado consumidor por variedade e regularidade no abastecimento também impõem um distanciamento geográfico entre produção e consumo. Na realidade estudada, por exemplo, limitações edafoclimáticas da região litorânea impulsionam os atores a se articularem com outras regiões, dentro e fora do estado. Grande parte dos produtos extrarregionais identificados no varejo é proveniente das regiões vizinhas, como a Serra Catarinense e o Alto Vale do Itajaí. Os itens frescos de locais mais distantes entram para complementar a diversidade da oferta, ou possuem caminhos logísticos que mantêm um abastecimento regular e com preços acessíveis, que podem substituir os circuitos regionais em algumas ocasiões.

Identificamos que a ampliação do número de agentes envolvidos na cadeia de abastecimento, assim como a dependência de outras regiões do estado e mesmo do país para suprir a demanda, não é exclusiva das unidades de processamento, visto que agricultores feirantes também utilizam essa estratégia, embora em menor intensidade. Muitos dos agricultores que comercializam através da venda direta em Florianópolis adquirem produtos da Rede Ecovida[10] de Agroecologia para complementar sua oferta, sendo a aquisição realizada através da compra ou troca de produtos.

Na região da Grande Florianópolis, o Box de Orgânicos localizado dentro da Ceasa de São José vem exercendo um papel importante na distribuição de orgânicos, abastecendo vários estabelecimentos de varejo. Inaugurado em 2013, foi concebido como ponto de reunião e distribuição de produtos agroecológicos na Grande Florianópolis, para integrar organizações de agricultores familiares, otimizar a logística de comercialização, ampliar os ganhos de escala e facilitar as trocas de produtos entre os núcleos da Rede Ecovida (ROVER; LAMPA, 2013). O Box fez parte da estratégia de articulação de um circuito de comercialização entre os núcleos que participam da citada Rede e o varejo em geral.

O Box, assim como a Rede Ecovida, estende os circuitos de abastecimento, mas é uma extensão que busca beneficiar os agricultores familiares através de relações que, a princípio, se diferenciam dos mecanismos convencionais de acesso aos mercados. Marsden et al. (2000) na sua tipologia de cadeias curtas, trazem a noção de cadeia estendida, como aquela na qual ainda que haja distância geográfica entre produtores e consumidores, estes têm conhecimento da identidade dos produtores e dos produtos (como no caso do comércio justo e denominações de origem protegida). A garantia de produtos com qualidade agroecológica e de formas de comércio mais autônomas e justas para os produtores é fator importante que compõe a noção de circuitos curtos.

Contando parcialmente ou não com o Box para complementar a variedade ofertada, grande parte dos agricultores da região que comercializa no mercado de Florianópolis o faz complementando sua produção com a de outros agricultores, fazendo com que a figura do agricultor feirante apareça como uma terceira forma de intermediação.

Na empresa (atravessador) às vezes tem o produto na hora que a gente precisa, mas eu estou formando os agricultores para fazer um plantio planejado, já comecei a fazer isso e aos poucos vai ser melhor para nós, porque vai ter produto todo o ano e é direto com o agricultor, ele vai fazer um preço melhor, tem como chegar para o consumidor com um preço melhor do que com empresas que já faturam alto. O nosso estado é só porque não está organizado isso, e o pessoal tem como produzir o ano inteiro, tem como armazenar, o problema é a questão financeira, SP e RJ ganham da gente e acabam levando tudo (F 1).

Utilizando a comercialização conjunta ou apenas adquirindo os produtos de seus parceiros, esta estratégia beneficiaria tanto quem comercializa quanto quem produz, desde que haja relações transparentes e justas, visto que muitos agricultores não dispõem de tempo, mão de obra ou expertise para a comercialização.

Com relação à questão sobre a proximidade geográfica encurtar as cadeias, observamos que as exigências impostas pelo mercado consumidor em qualidade, preço, variedade, regularidade e quantidade impactam o aumento do número de agentes envolvidos, como também estendem as distâncias para fazer o produto chegar ao consumidor. Isso acontece tanto no caso dos supermercados quanto em outros canais de abastecimento, como o Box de Orgânicos ou os agricultores feirantes.

 

Proximidade geográfica: a construção da qualidade e as relações de confiança

Qualidade e relações de confiança são dois critérios dos circuitos curtos que estão intimamente ligados, razão pela qual iremos abordá-los em conjunto. Dentre os atributos de qualidade valorizados pelos diversos atores envolvidos na pesquisa de varejo, o frescor ganhou destaque, favorecendo a produção regional de FLV. A proximidade não apenas garante este atributo de qualidade como facilita, através do contato mais direto de produtores, intermediários, varejo e consumidores, a construção dos parâmetros de qualidade por estes agentes. Esta construção se dá tanto nas formas de venda direta como indireta.

Com relação ao frescor, as falas dos varejistas evidenciam a preferência por produtos da região, principalmente por produtos perecíveis, como as verduras, considerando a possibilidade de entregas mais frequentes e logística mais ágil, conforme discorre o gerente de um importante mercado especializado em orgânicos:

Alface americana tem um giro muito grande, a gente recebia 500 americanas de uma vez, duas vezes por semana, vinha do Paraná. Aí o cara colhia num dia, ela vinha num transporte que não era adequado... primeiro dia tu até conseguia trabalhar com ela com qualidade boa, mas depois do segundo ou terceiro dia começava a perder qualidade... hoje com os produtores da região, a gente conseguiu montar uma engrenagem que os verdes chegam todo dia para nós, todo dia (LE 3).

Uma das estratégias adotadas pelos varejistas para diminuir as perdas relativas aos produtos mais perecíveis e manter a qualidade é desenvolver parceria comercial com agricultores de Florianópolis e região. Esta garante entregas quase diárias de produtos como os verdinhos (temperos), as folhosas, as Pancs (plantas alimentícias não convencionais) e os chás, demonstrando que o frescor é uma importante vantagem da produção local e regional.

Percebemos que a proximidade geográfica é também mobilizada na construção de relações de confiança entre algumas redes varejistas e produtores. Quando questionado por que os produtos orgânicos frescos presentes nas gôndolas eram todos provenientes da região da Grande Florianópolis, o gerente de um supermercado respondeu:

Até para incentivar o pessoal aqui, é agricultura familiar, é onde geralmente eles [os donos do supermercado] dão prioridade, principalmente orgânicos. O convencional a gente traz muito de SP, mas os orgânicos a gente pega daqui, e também a gente consegue acompanhar, fazer essas visitinhas, contato mais direto com o agricultor (SU 1).

É interessante notar que no caso dos orgânicos a proximidade com os produtores permite ao varejo “complementar” os sistemas peritos como a certificação e a rastreabilidade através de visitas às propriedades, acompanhando o processo produtivo. O “incentivo” também deve ser lido como vantajoso para os varejistas, que podem contar com um produto com menor custo e melhor qualidade.

Estas relações de confiança e reciprocidade são, no entanto, bastante desafiadoras na prática, não devendo ser romantizadas, como comumente aparece na literatura sobre circuitos curtos. O Box de Orgânicos da Ceasa é um bom exemplo neste sentido. Pressionado por desafios de viabilização financeira, submetendo-se a um sistema que tem caminhado para a adoção de mecanismos convencionais de acesso aos mercados, ele perdeu seu objetivo inicial, de acordo com alguns entrevistados. O depoimento de um agricultor da Grande Florianópolis é elucidativo sobre isto:

A minha grande crítica aos principais distribuidores, o próprio Box e a Y (distribuidora que participa da Rede Ecovida), por eles estarem dentro da própria Rede, eles deveriam priorizar os produtos locais e por inúmeras vezes a gente foi preterida por causa de R$ 0,50. Por exemplo, na época da nossa safra de tomate-cereja, o Box estava trazendo tomate-cereja de SP, então cadê o princípio de fortalecer a agricultura local? (...) ali é negócio (...) agroecologia não é só produzir orgânico, é cuidar da questão do impacto ambiental, custo energético, da produção, da distribuição (AF 6).

Ainda que o exemplo do Box seja o de um momento específico na gestão e que não deve ser generalizado para todas as relações comerciais do circuito de comercialização da Rede Ecovida, ele traz elementos importantes para se pensar como equalizar os interesses bastante contraditórios entre a oferta regional e as dinâmicas de mercado que priorizam o preço mais baixo.

As feiras ganham a preferência dos agricultores, não apenas na aquisição de melhor preço dos produtos, mas como oportunidade de se relacionar diretamente com o consumidor final, a exemplo da fala de um agricultor, que também possui uma unidade de processamento mínimo.

A feira é o melhor local para estar divulgando o orgânico (...) o consumidor tem esse conhecimento diretamente da agricultura, vai entender melhor o que é o produto, como que é feito, porque demora mais, porque é mais miúdo, porque tem diferença no produto, então isso é muito importante, a gente podia passar direto para o consumidor (UP 4).

Além da possibilidade de explicar verbalmente sobre os produtos e até fazer um trabalho de conscientização quanto às especificidades dos orgânicos, a qualidade é construída considerando outros critérios que não incluem embalagens, rastreabilidade, etiquetas etc. Nem mesmo a certificação é uma exigência para a venda direta, visto que a legislação brasileira permite sua ocorrência com a participação dos agricultores em uma Organização de Controle Social (OCS), onde o controle da qualidade orgânica é realizado por produtores e consumidores. Neste caso, mesmo com a participação de um sistema perito, o atributo orgânico dos alimentos é assegurado principalmente por relações de confiança.

O contato direto com os consumidores é também um fator determinante na identificação de tendências de consumo e consequente adequação dos produtos. No caso das unidades de processamento, por exemplo, não é raro a reposição dos produtos nas gôndolas ser realizada pelos proprietários, permitindo a troca de informações com os consumidores a respeito de seus produtos:

Uma ideia que o pai desenvolveu, percebeu porque ele ia entregar no mercado, é que Florianópolis tem muitos solteiros, que vêm para estudar, ou as famílias estão menores, um filho, dois filhos que é uma tendência há muitos anos. Então as pessoas comentavam “pô vocês entregam uma salada de 200 gramas, isso para mim dura a semana toda, eu sou solteiro, eu sou sozinho”. Então lançamos a alface “solteirinha”, que tem metade da fração de uma alface inteira (UP2).

Porque eu passo uma hora e meia na loja abastecendo todos os dias, eu já mudei tamanho de embalagem por causa de consumidor (...) eu tenho uma relação bem próxima com o pessoal dali, até isso me fez crescer bastante (UP 3)

Embora o contato das unidades de processamento com o consumidor final seja eventual e não permita negociações, a exemplo do que ocorre na feira, a sua presença nos estabelecimentos de varejo proporciona uma leitura das tendências do mercado, dos preços e da qualidade dos produtos concorrentes, conhecimento geralmente adquirido por representantes e intermediários no caso dos convencionais.

Percebemos que quem está diante do consumidor tem acesso às informações que lhes oferecem maior poder em comparação aos agricultores fornecedores. O conhecimento adquirido pelo contato direto com o consumidor torna estes sujeitos importantes na construção dos mercados de orgânicos, especialmente de produtos frescos. Além de intermediarem as relações entre agricultores e varejo/consumidor — pois são eles que negociam preços, condições de pagamento, acordos, sobra de produtos —, lidam com os dois elos da cadeia, ou seja, abrindo e mantendo o mercado, e orientando os processos produtivos e o planejamento da produção dos seus fornecedores.

 

Reflexões finais

A pesquisa realizada no varejo mostra que quando os varejistas se preocupam com a procedência dos alimentos orgânicos, relacionam proximidade geográfica ao frescor. Este atributo de qualidade nos faz refletir sobre o que significa proximidade geográfica no contexto de estudo. Identificamos que os produtos provenientes da Serra Catarinense e do Alto Vale do Itajaí, que contribuem significativamente para o abastecimento da capital, ainda que percorram distâncias de até 250 km, circulam por boas estradas e acessos, o que garante o seu frescor. A aquisição de produtos da Grande Florianópolis como das regiões anteriormente citadas está diretamente atrelada ao planejamento e organização dos agricultores para, dentro dos limites possíveis, garantir uma oferta que, além da qualidade, atenda a critérios como variedade, escala e regularidade.

Esses alimentos alcançam o consumidor final de Florianópolis por meio de diferentes canais de comercialização, dentre os quais dois se destacam pelo volume comercializado: os supermercados e as feiras. O nível de exigências imposto por cada canal de comercialização está diretamente atrelado ao número e tipo de agentes envolvidos. Os supermercados, que comercializam os maiores volumes de orgânicos, criam regras que promovem barreiras à entrada de muitos produtores, mas abrem as portas para as unidades de processamento e ampliam a demanda para que estas unidades insiram outros produtores em sua cadeia de fornecimento. Os agricultores feirantes, por sua vez, para completar sua diversidade e volume de oferta também adquirem de outros produtores e, muitas vezes, precisam operar com logísticas que os assemelham à distribuição convencional, embora ainda resguardem alguma relação de parceria com seus fornecedores, visto que em muitos casos são ou eram eles mesmos agricultores.

Portanto, verificamos que a proximidade geográfica não dispensa a figura do intermediário, seja ele um agricultor, um entreposto, ou uma unidade de processamento. Estes agentes mais assíduos nas operações de compra e venda tomam, muitas vezes, a iniciativa de organizar o mercado, planejar a produção e viabilizar a comercialização para um número maior de produtores. A proximidade geográfica entre local de produção e de consumo não garante por si só o estabelecimento de vínculos entre produtores e consumidores, pois estes devem ser construídos nas relações estabelecidas entre os diferentes agentes.

Por sua vez, o foco da produção regional em alimentos frescos, sobretudo FLV, permitiria aos agricultores extrair maior renda da sua unidade de produção, principalmente em um processo de periurbanização, em que as áreas rurais são pressionadas por outros usos e consequente aumento do preço da terra. A exemplo da produção convencional da Grande Florianópolis, também direcionada aos produtos frescos, visando ao mercado regional, as áreas agrícolas que são disputadas por atividades não agrícolas se mantêm desenvolvendo processos produtivos intensivos, os quais geram alto rendimento por área. A novidade fica por conta de produtos de qualidade diferenciada, como os orgânicos.

Importante notar que a valorização da procedência e a origem dos produtos não são mobilizadas na venda dos produtos orgânicos frescos, o que poderia se constituir uma estratégia para a manutenção dos agricultores familiares da Grande Florianópolis na atividade agrícola, em face da competição à qual estão submetidos com produtos oriundos de outras localidades, que chegam nesta região com preços mais baixos.

 

 

 

 

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Resumo: (A ‘proximidade’ nos circuitos de abastecimento de alimentos orgânicos da Grande Florianópolis – SC – Brasil). A proximidade geográfica entre produção e consumo alimentar tem sido largamente enfatizada como positiva, mas há pouca evidência empírica em como se organizam os circuitos curtos de comercialização (principalmente quando envolvem o varejo) e até que ponto estão de fato enraizados em economias regionais. Este artigo busca examinar criticamente os parâmetros de proximidade geográfica e/ou relacional comumente abordados no debate sobre circuitos curtos, examinando a produção e comercialização de alimentos orgânicos da região da Grande Florianópolis, tendo como foco principal a dimensão regional desta circulação. Ao trazer evidências empíricas — através de entrevistas semiestruturadas com atores envolvidos na produção, processamento e comercialização de produtos orgânicos — e levantamento quantitativo de dados do varejo evidenciamos que os supermercados são o principal canal de distribuição destes produtos e que a produção regional, ainda que importante, não é suficiente para a demanda por produtos processados e aqueles fora de época. A proximidade geográfica oferece vantagens tanto para produtores como para consumidores, tais como o menor custo energético para fazer o produto chegar ao mercado, a garantia do frescor dos alimentos, assim como a possibilidade de produtores e entrepostos se relacionarem diretamente com os mercados. Verificamos também que é praticamente indispensável a figura do intermediário, seja ele um agricultor ou um entreposto. Esta figura, mais assídua nas operações de compra e venda, ajuda a estruturar o mercado, planejar a produção e viabilizar a comercialização para um número maior de produtores, viabilizando-os, mas estende o número de atores na cadeia, aumentando a distância entre produtores e consumidores.

Palavras-chave: proximidade; orgânicos; comercialização; circuitos curtos; Florianópolis.

 

Abstract: (“Proximity” in organic food products sourcing channels in the Grande Florianópolis region – SC – Brazil). Geographic proximity between food production and consumption has been largely emphasized as positive, but there is little empirical evidence on how short food circuits (especially when they involve retailing) are organized and to what extent they are actually rooted in regional economies. This article seeks to critically examine the geographical and/or relational proximity parameters commonly discussed in the debate about short food circuits, examining the production and commercialization of organic foods in the Greater Florianopolis region, focusing mainly on the regional dimension of this circulation. By bringing empirical evidence - through interviews with actors involved in production, processing and marketing as well as quantitative research in various retail outlets we show that supermarkets are the main distribution channel and that demand for organic manufactured and off-season products is not met by regional sources. Geographic proximity offers advantages both to producers and consumers, such as lower energy costs in transportation, freshness, as well as the possibility of relating directly to consumers. We also found that intermediaries, be it a farmer or a processer, are important players in the social construction of regional markets but extends the number of actors in the chain, increasing the distance between producers and consumers.

Keywords: proximity; organics; marketing; short food circuits; Florianópolis.https://ssl.gstatic.com/ui/v1/icons/mail/images/cleardot.gif

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Recebido em maio de 2018.

Aceito em setembro de 2018.



[1]  Doutorado em Geografia na área de concentração Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Federal de São Catarina (UFSC). E-mail: dani.gelbcke@gmail.com.

[2] Doutorado em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pós-doutorado em Mercados de Alimentos Orgânicos pela Universitá degli Studi di Bari (Uniba, Itália), professor doutor do curso de Ciências Agrárias e Subcoordenador do Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: oscar.rover@gmail.br.

[3] In memoriam. A autora tinha doutorado e pós-doutorado em Geografia Humana pela Royal Holloway da Universidade de Londres (RHUL, Grã Bretanha), pós-doutorado em Geografia e em Agroecossistemas e era pesquisadora PNPD/CAPES do Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

[4] Doutorado em Geografia Humana e pós-doutorado em Geografia da Alimentação pela Universitat de Barcelona (UB, Espanha) e professor do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: clecio.silva@ufsc.br.

[5] Mestrado em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: mauriciotviegas@hotmail.com.

[6] Agradecimentos ao Laboratório de Comercialização da Agricultura Familiar (Lacaf) por ceder os dados da primeira etapa da pesquisa e ao Projeto de pesquisa “Políticas Públicas, mercados institucionais e agricultura urbana/periurbana”, com o apoio do edital 042/2014 – Desenvolvimento Socioeconômico no Brasil (PGPSE) – Fundação Capes.

[7] A teoria dos rendimentos decrescentes, de David Ricardo, argumentava que, em função do limite de fertilidade natural da terra, a produtividade aumenta menos que o custo de produção até o ponto em que o rendimento se torna zero quando qualquer aumento da despesa não resulta em aumento da produção.

 

[8] Concordamos com os autores Inglis e Gimlin (2009) em manter o plural, pois ainda que complexamente inter-relacionados, trata-se de uma constelação desigual e altamente fraturada de sistemas de produção, distribuição e consumo. Segundo os autores, alguns dos aspectos-chaves destes sistemas agroalimentares globalizados incluem: a urbanização massiva e rápida da Europa e América do Norte, com maiores demandas alimentares; a diminuição do papel social dos camponeses; a transformação de estabelecimentos agrícolas em unidades de produção ampliadas; o desenvolvimento de sistemas de produção agrícola e animal orientados para o mercado de massa, tendendo a um modelo agroindustrial; a aplicação de conhecimento científico inovador, especialmente para produção de espécies de crescimento rápido e manipulável; a massificação e racionalização de técnicas para criação animal e sistemas de abate; a consolidação de sistemas de transporte em nível nacional e internacional; o desenvolvimento de novos modos de conservação e acondicionamento de produtos, tais como sistemas de refrigeração e enlatamento; o surgimento de corporações transnacionais no setor alimentício e aprovisionamento global de produtos agrícolas por parte de supermercados e outros agentes.

[9]A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética.

[10] A Rede Ecovidade Agroecologia é formada por aproximadamente 2000 famílias de agricultores organizados em 180 grupos, associações e cooperativas; 23 ONGs; 10 cooperativas de consumidores; 10 comercializadoras; processadoras e diversos profissionais estendendo-se por toda a região sul até São Paulo.